VIII ENCONTRO DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE ECONOMIA ECOLÓGICA 5 a 7 de agosto de 2009 Cuiabá - Mato Grosso - Brasil O PROGRAMA NACIONAL DE ALIMENTAÇÃO ESCOLAR – PNAE COMO POLÍTICA PÚBLICA DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL Daniela Gomes de Cavalho (UnB) - [email protected] Graduada em Administração, Mestre em Desenvolvimento Sustentável pela UnB, Operadora Master do Programa Bolsa Família e Vida Melhor-Bolsa Escola/DF, Servidora/Professora da Secretaria de Educação do DF desde 1989. Vanessa Maria de Castro (unB) - [email protected] Geógrafa, Doutora em Desenvolvimento Sustentável, Professora da Pós-Graduação do Centro de Desenvolvimento Sustentável da UnB 1 O PROGRAMA NACIONAL DE ALIMENTAÇÃO ESCOLAR – PNAE COMO POLÍTICA PÚBLICA DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL Políticas Públicas e Instrumentos de Gestão para o Desenvolvimento Sustentável Daniela Gomes de Carvalho1 e Vanessa Maria de Castro2 Centro de Desenvolvimento Sustentável da Universidade de Brasília E-mail: [email protected]; [email protected] Resumo Esta artigo tem como objeto de estudo o Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae), também conhecido como Programa Nacional de Merenda Escolar, criado como política assistencialista em 1955. Após a promulgação da Carta Magna de 1988, a alimentação escolar passou a constituir-se em direito de fato. O art. 208, VII da Constituição determina como dever do Estado, garantir, por meio de programas suplementares à educação, o atendimento ao aluno com material didático-escolar, transporte, alimentação e assistência à saúde. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação (1996) reitera o mandamento. Há 54 anos de existência, o Pnae ligou-se a diferentes órgãos de governo. É coordenado pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), que repassa os recursos federais diretamente às secretarias estaduais de educação e prefeituras. Com o processo de descentralização em 1993, o PNAE se desmembrou em Programas Estaduais de Alimentação Escolar (Peaes), e em Programas Municipais de Alimentação Escolar (Pmaes). Desde 2005 é, também, importante eixo de acesso à alimentação suficiente e adequada da Política Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (PNSAN). O objetivo deste artigo é analisar o funcionamento e execução do Programa Nacional e seus congêneres estaduais e municipais como instrumento capaz de atender às diferentes dimensões da sustentabilidade em prol do desenvolvimento sustentável. Palavras-chave: Alimentação escolar, política pública e desenvolvimento sustentável Abstract This article has as object of study, the National School Feeding Program (Pnae), also known as National School lunch program, created as a supporting policy in 1955. After the promulgation of the Magna Carta of 1988, the school feeding has become a law is in effect. Art. 208, VII of the Constitution determines how the state should ensure, by means of additional programs to education, the care with the student-school material, transportation, food and health care. The Law of Directives and Bases of Education (1996) reiterates the commandment. There are 54 years of existence, the PNAE connected to different organs of government. Today, is coordinated by the National Fund for the Development of Education (FNDE), which passes federal funds directly to state departments of education and municipalities. With decentralization, the Pnae turns into State School Nutrition Programs (Peaes) and Municipal School Nutrition Programs (Pmaes). Since 2005, the axis is also National Food Safety and Nutrition. The objective is to analyze the operation and implementation of national and state and local counterparts as a tool to promote sustainable development. Keywords: School feeding, public policy and sustainable development 1 2 Professora do Programa de Pós-Graduação do Centro de Desenvolvimento Sustentável da Universidade de Brasília. Mestre em Desenvolvimento Sustentável – Centro de Desenvolvimento Sustentável da Universidade de Brasília. 2 1 Introdução Certamente, nos quatro primeiros séculos de existência do Brasil, foram estabelecidas précondições de um modelo escolar, que anunciaram alguns traços típicos, sem, entretanto, delinear ou constituir políticas suplementares à educação, como a alimentação escolar. Documentos históricos relatam que havia a oferta de alimentos nas poucas escolas oficiais, mas as iniciativas eram isoladas e voluntárias, executadas com a ajuda do comércio local e das famílias mais abastadas. Havia também apoio de algumas organizações sociais. Coimbra, (1982 apud FIALHO, 1993) revela que desde 1908, a Maçonaria fornecia alimentação às escolas de Corumbá e Campo Grande no Mato Grosso (ainda não existia o estado do Mato Grosso do Sul). As primeiras experiências brasileiras efetivas de oferta de alimentação escolar eram de caráter beneficente e não constituíam campo de intervenção do Estado. Destaca-se como exemplo, a Caixa Escolar (embrião da Associação de Pais Amigos e Mestres-Apams), que passou a mobilizar a atenção para o tema. Segundo Fialho (1993), há registros de que em Formiga-MG, desde 1924 já ocorria a distribuição de alimentação escolar custeada pela Caixa Escolar. O pensar sobre um modelo educacional genuinamente brasileiro ocorreu especialmente a partir da IV Conferência Nacional de Educação (1931), que originou o “Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova” clamando por uma educação pública, laica e gratuita, e quando a União atribuiu à Constituição de 1934 os encargos de “elaborar e baixar o Plano Nacional de Educação, organizar e manter a rede escolar dos Territórios, o ensino secundário e superior do Distrito Federal e exercer ação supletiva onde se fizesse necessário” (BRASIL, 1934, grifo nossos). As primeiras iniciativas da alimentação escolar no País datam da década de 1930, quando alguns estados e municípios mais ricos passaram a responsabilizar-se pelo fornecimento da alimentação em sua rede de ensino. A preocupação era com a desnutrição infantil, resultado de uma somatória de fatores fisiológicos (desnutrição de grávidas, lactantes e crianças) e sociais (qualidade de vida das famílias) e econômicos (relacionados à renda e acesso aos alimentos). Sob essa ótica, e como medidas intervencionistas, surgem políticas de suplementação alimentar materno-infantil, entre elas a alimentação escolar. Entretanto, somente no início de 1950, se começa a pensar na alimentação escolar como um programa público de forma singular. A partir das primeiras linhas de orientação com as ações beneficentes e voluntárias das Caixas Escolares na primeira metade do século XIX, foi criado, em 1954, o Programa Nacional de Merenda Escolar (PNME), sob a responsabilidade da Comissão Nacional de Alimentação 3 (CNA), que agia autonomamente desde o desmembramento do Ministério da Educação e Saúde Pública (Mesp) em 1953, até vincular-se ao Ministério da Educação e Cultura (MEC) em 1955. O Decreto nº. 37.106/1955, formalizou o PNME/CNA como Campanha Nacional de Alimentação Escolar (CNME)/MEC/CNA, com a distribuição de alimentos (leite em pó + vitaminas A e D lipossolúveis) doados pelo Fundo Internacional de Socorro à Infância (Fisi)3 aos estados mais pobres. O Fisi tinha como meta diminuir a desnutrição de países da América Latina, entre eles o Brasil. Posteriormente o programa se nacionalizou, e as doações passaram a ser feitas pela United States Agency for International Development (Usaid), com a inclusão de novos produtos doados e comprados com preços mais baixos. O período de 1970 até o final da década de 1980 foi marcado pela ascensão e declínio dos alimentos formulados introduzidos na alimentação escolar. No início da década de 1970, a ajuda alimentar internacional foi se escasseando, o que contribuiu para a instalação das primeiras indústrias alimentícias brasileiras com o fim de atender à demanda. Porém, os cardápios eram pobres em qualidade e sabor, e visavam apenas desenvolver as indústrias nacionais do ramo, fortemente asseguradas por esse mercado governamental (COIMBRA, 1982). O Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae) foi criado em 1979, mas somente com a promulgação da Constituição Cidadã em 1988, foi assegurado o direito à alimentação escolar a todos os alunos do ensino fundamental, como programa suplementar à política educacional. Logo na primeira metade da década de 1990, os formulados foram totalmente abolidos dos cardápios. Em 1993, inicia-se o processo de descentralização dos recursos financeiros destinados ao Pnae para os estados e municípios com o intuito de otimizar o desempenho; introduzir mudanças na sistemática de compras; implantar a produção alternativa de alimentos; e utilizar produtos básicos in natura e semi-elaborados da localidade, o que permitiu melhorar a aceitabilidade das refeições e diversificar os cardápios (ABREU, 1996). As ações passaram a focalizar os problemas da logística de distribuição e a oferta de uma alimentação mais saudável e economicamente viável, oficializadas com a promulgação da Lei nº 8.913, de 12 de julho de 1994, que descentralizou o Pnae em Peaes e Pmaes, sem necessidade de convênios, contratos, acordos, ou documentos do gênero. A Lei possibilitou a transferência direta dos recursos federais aos estados e municípios para executar seus programas locais, com foco na formação de hábitos alimentares mais saudáveis, em respeito às tradições alimentares e 3 Nomenclatura utilizada para denominar a United Nation International Children Emergency Foud (Unicef). 4 dinamização da economia e vocação agrícola da região. Além disso, exigiu a contrapartida financeira para os custos indiretos (gás de cozinha, transporte, armazenagem, uniformes) e a implantação de um controle social mais efetivo na aplicação dos repasses financeiros, demandando a criação do Conselho de Alimentação Escolar (CAE) em cada localidade. É nesse contexto que a alimentação escolar passou a ser uma importante política pública, presente hoje nos 5.5654 municípios, 26 estados e no DF, revelando-se importante estratégia de desenvolvimento sustentável, em diferentes esferas, seja local, regional, nacional e internacional. Seu objetivo é contribuir para aprendizagem e rendimento do aluno com a oferta de refeições que atendam às necessidades nutricionais diárias de, no mínimo, 15% durante a permanência na escola; realizar a educação nutricional integrada ao projeto pedagógico; dinamizar a economia local respeitando os hábitos e vocação agrícola da região; e contribuir para o alcance das diferentes dimensões da sustentabilidade, na intenção de formar hábitos saudáveis e sustentáveis das crianças e jovens beneficiários e suas famílias. O programa tem como uma de suas principais diretrizes “o apoio ao desenvolvimento sustentável, com incentivos para aquisição de gêneros alimentícios diversificados, preferencialmente produzidos e comercializados em âmbito local” (Resolução FNDE 32/2006). Além da importância educacional, baseada na formação de hábitos e atitudes alimentares positivas, desde 2005, o Pnae também está ligado à Política Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (PNSAN), constituindo-se em um dos programas que representa o eixo de acesso aos alimentos. Mas, segundo a legislação que o orienta, não visa substituir nenhuma das refeições feitas em casa, a não ser que o aluno seja matriculado em escola de regime integral, onde são oferecidas, no mínimo três refeições diárias, que atenda a 70% de sua necessidade nutricional/dia. Assim, a alimentação no ambiente escolar deve servir como uma fonte adicional de energia e nutrientes no dia a dia alimentar da criança e do adolescente, para que se cumpra sua principal finalidade, de acordo com o artigo 208, VII, CF/1988: a de suplementar a educação. 2 Funcionamento e operacionalização do Pnae em prol da sustentabilidade A Resolução/FNDE nº 38/2008 e a Resolução/FNDE nº 32/2006 normatizam os repasses de recursos financeiros e as formas de execução do Pnae. As normas determinam como beneficiários todos os alunos matriculados em escolas públicas e filantrópicas conveniadas de 4 Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 2008. 5 educação infantil e ensino fundamental do País, incluindo creches, escolas de ensino regular/especial, urbana/rural; diurno/noturno/integral e em comunidades indígenas/quilombolas. Todos, independentes da situação socioeconômica, raça, cor, credo, têm direito à pelo menos uma refeição diária durante 200 dias letivos, conforme estabelece a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), de 1996. A clientela cresce a cada ano, implicando a ampliação orçamentária. Sua evolução ao longo de mais de 50 anos como política pública demonstra a progressiva reversão de um modelo assistencialista para garantia de um direito social, que se propõe impor, cada vez mais, diretrizes e princípios pautados no atendimento às dimensões da sustentabilidade como forma de materialização do desenvolvimento sustentável. Morin (1999) destaca que o ato de alimentar-se envolve uma complexidade de sistemas de interpretação bio-fisio-antropo-social que evidenciam as estratégias para que o processo aconteça, tendo em vista os critérios da sustentabilidade. Assim, a alimentação escolar envolve aspectos cultural-territoriais; interações socioeconômico-ambientais; político-institucionais; de respeito ao ciclo da natureza de ofertar alimentos para atender à necessidade básica do indivíduo de não sentir fome; entre outros, a fim de promover a Segurança Alimentar e Nutricional (SAN) e o Direito Humano à Alimentação Adequada (DHAA). A alimentação escolar, popularmente chamada de “merenda escolar” é forma de garantia de acesso ao direito social à alimentação adequada. De acordo com a legislação do Conselho Federal de Nutricionistas (CFN), “a alimentação escolar é toda alimentação realizada pelo estudante durante o período em que se encontra na escola” (BRASIL, 2005, ANEXO I p. 4). A palavra merenda é originária do latim merere, “merecer”, e, na Língua Portuguesa, é sinônima de “lanche”, termo originário da palavra inglesa lunch. O primeiro conceito de merenda escolar foi formulado por Dante Costa, médico nutrólogo especialista em alimentação oferecida às crianças em idade escolar, em 1939: É pequena refeição, de digestão fácil e valor nutritivo bastante, realizada no intervalo da atividade escolar. Constitui um dos muitos traços de união entre casa e escola: preparada em casa, pelo cuidado solícito das pessoas encarregadas, vai ser utilizada na escola. Mais uma vez vê-se que a escola é e deve ser o prolongamento do lar (COSTA, 1939, p. 5). Com o transcorrer dos anos, a merenda escolar no Brasil passou a ser algo natural em ambientes escolares e assumiu, também, proporção social, devido à pobreza da população e às desigualdades socioeconômicas, que dificultam o acesso à alimentação suficiente e adequada. 6 A utilização da terminologia “merenda escolar” provoca divergências tanto na literatura especializada como entre leigos, considerando a ideia de que o termo tem o significado de lanche, refeição leve, rápida e reduzida, mas que não atende às exigências nutricionais (BELIK, 2007). O idiomatismo “merenda escolar” tem sido substituído paulatinamente por “alimentação escolar”, um direito constitucional cuja definição está mais próxima da refeição que deve atender aos padrões nutricionais mínimos exigidos, de caráter mais completo, ultrapassando a ideia de lanche reduzido. Tem a finalidade de oferecer uma refeição adequada ao aluno de acordo com a faixa etária, horário das refeições e condições de saúde durante o período em que fica sem se alimentar, não mais se caracterizando como qualquer alimento para “enganar a fome”. A partir de 2000, a alimentação escolar passou a ser entendida como política de atendimento ao direito do aluno receber o alimento durante sua permanência na escola, em face de seu metabolismo e características fisiológicas. O cérebro humano não operacionaliza funções de pensamento, reflexão, memória, assimilação, aprendizagem, atenção se apresentar qualquer demanda orgânica, seja fome, sede, sono, vontade de ir ao banheiro, falta de ar, calor ou frio. Nos países desenvolvidos, constitui-se prática difundida e não questionada. Segundo Abreu (1996): Países como Japão, França, Canadá possuem programas de alimentação escolar que não costumam ser questionados quanto aos objetivos, porque seu único objetivo é atender ao direito da criança. Só isto. Não se pretende, com os programas, melhorar a distribuição de renda, reduzir a fome ou a desnutrição e, menos ainda, melhorar o desempenho escolar. Trata-se, simplesmente, de concepção em que a alimentação escolar reflete um estado de cidadania, regida pelo princípio de direitos (ABREU, 1996, p.12). Na contramão, em muitos países pobres da América Latina e Caribe, África e Ásia, esses programas visam erradicar (ou diminuir) a fome e a desnutrição, tendo cunho focalizado (seleção a partir de critérios socioeconômicos), adquirindo caráter de política assistencialista. Segundo Moysés e Collares (1996), estudos científicos comprovam que após três horas sem ingerir nenhum alimento, a taxa glicêmica começa a decrescer, provocando efeitos indesejáveis como sonolência, mal-estar, falta de concentração e desmaios, sendo necessária a ingestão de mais alimentos para que o organismo retorne a sua situação normal. Isso pode acontecer com qualquer pessoa em restrição alimentar, mas no organismo da criança e do adolescente, as reações se processam mais rapidamente, afetando o processo de ensino-aprendizagem. Quando há falta do direito essencial à alimentação, não há saúde, não há saber, a arte não se manifesta, não há luta nem labuta, e a inteligência e concentração não podem ser aplicadas. 7 A alimentação escolar também é garantida pela LDB como direito, conforme o art. 4º, VII, como dever do Estado com a educação escolar pública, efetivado mediante a garantia de atendimento ao educando, no ensino fundamental público, por meio de programas suplementares de material didático-escolar, transporte, alimentação e assistência à saúde (BRASIL, 1996). O Pacto Internacional sobre Direitos Humanos Econômicos, Sociais e Culturais de 1966, o qual o Brasil tornou-se signatário em 1992, descreve 16 ações sobre o direito à alimentação recebida na escola, destacando, entre outras, que ela deve ser: Balanceada, diversificada e saborosa; orientada por nutricionista; segura no fator higiene e preparo; distribuída sem qualquer tipo de discriminação, em local limpo, arejado e adequado, que permita a socialização com acesso aos utensílios necessários (colher, garfo, faca, prato e copo) e em boas condições de uso; preparada com no mínimo 70% de alimentos in natura e/ou semi-elaborados e produzidos na região onde se encontra a escola; acessível do ponto de vista informacional, para que o aluno tenha conhecimentos sobre alimentação saudável, principalmente em relação à qualidade e composição da alimentação recebida na escola, o seu direito humano à alimentação escolar, à sua prerrogativa de apresentar sugestões visando à melhoria da alimentação escolar, e que lhe cabe, a qualquer tempo, reclamar para a escola e/ou para a família se algum, ou mais de um, destes direitos não forem respeitados (BRASIL, 1992). Face ao exposto, o Pnae é um programa socioeducacional coordenado pelo FNDE/MEC, responsável pela sua normatização, coordenação, monitoramento e controle; definindo suas diretrizes, princípios e objetivos; financiando os programas estaduais e municipais em caráter suplementar; e fiscalizando com outros órgãos federais e locais, a aplicação dos recursos. Suas diretrizes se encaixam em quatro eixos: Estimular o exercício do controle social realizado pelos CAEs municipais e estaduais, bem como outros órgãos fiscalizadores, estabelecendo canais de comunicação com a comunidade ou qualquer cidadão para denunciar irregularidades na aplicação do dinheiro público destinado à alimentação escolar, dando procedimento às diligências necessárias. Oferecer uma alimentação de qualidade, saudável e adequada a fim de garantir, no mínimo, 15% (350 kcal e 9g de proteínas) das necessidades nutricionais dos alunos beneficiários; em 30% (700 a 800 kcal e 20g de proteínas) àqueles grupos mais suscetíveis – comunidades indígenas e quilombolas –; e em 70% (1.100 kcal e 28g de proteínas) aos alunos de Educação Integral; bem como empenhar-se em inserir a educação alimentar e nutricional como tema transversal e prioritário do projeto pedagógico das escolas. Responsabilizar os entes federados pela gestão dos recursos públicos, possibilitando aumento progressivo e diferenciação do valor per capita às creches e escolas indígenas e 8 quilombolas; exigir a contrapartida financeira dos custos indiretos e, também, para a melhoria dos cardápios e introdução de outros beneficiários que não recebem recursos federais. Respeitar hábitos alimentares regionais, consolidando aquisição de produtos básicos e in natura (principalmente orgânicos), preferencialmente adquiridos da agricultura familiar e/ou de empresas próximas à da escola, em apoio ao desenvolvimento local sustentável. O Pnae tem como base cinco princípios: Universalidade – Atender a todos os alunos beneficiários estabelecidos em lei, que estejam devidamente matriculados em escolas públicas e filantrópicas conveniadas, cadastrados no Censo Escolar, independente da condição econômica, social, raça, cor e etnia. Equidade – Cuidar com igualdade os desiguais, propiciando tratamento diferenciado para alunos especiais ou com intolerância alimentar, além da atenção dada àqueles mais suscetíveis à situação de insegurança alimentar. Continuidade – A LDB (1996) determina que a educação básica, no nível fundamental e médio, deve ser organizada de acordo com a carga horária mínima anual de oitocentas horas, distribuídas por um mínimo de duzentos dias de efetivo trabalho escolar, excluído o tempo reservado aos exames finais, quando houver. Para se adequar ao mandamento, a cobertura do Pnae foi unificada em 200 dias letivos por ano, conforme o calendário das escolas beneficiadas. Descentralização – Atuar com repasse de recursos aos entes federados responsáveis pela alimentação escolar de sua rede de ensino. Após a descentralização, o Pnae se desmembrou, passando a chamar-se em cada Unidade Federada de Programa Estadual de Alimentação Escolar (Peae) seguido da sigla do Estado ou DF e, no âmbito municipal, de Programa Municipal de Alimentação Escolar (Pmae) seguido do nome da cidade. As secretarias de educação e as prefeituras passaram a ser as unidades gestoras, denominando-se Entidades Executoras (EEs). Os órgãos das EEs que operacionalizam os Programas são chamados de Unidades Executoras (UEx). Participação social – Pela diversidade de situações encontradas na operacionalização de um programa que abrange todo o País, o acompanhamento é meio de garantia que os beneficiários sejam cada vez mais bem atendidos, já que alcança um universo de 35 milhões de alunos em média/ano, representando 20% da população brasileira. Para efetivação desse princípio, foi estabelecido por Lei que toda EE tenha, pari passo, o controle das ações exercido pelos CAEs respectivos. Trata-se do princípio do Controle Social, ou seja, a atuação dos Conselhos Sociais prevista na CF/1988 sustentada em três pilares: legitimidade, representatividade e eficácia. 9 Para uma melhor execução, o FNDE divide o Pnae em subprogramas, assim classificados: PNAE – Programa Nacional de Alimentação Escolar (FUNDAME) – Alunos de 6 a 14 anos matriculados nas escolas públicas e filantrópicas conveniadas de ensino fundamental. PNAC – Programa Nacional de Alimentação de Creches (PNAE-CRECHES) – Crianças de 0 a 3 anos e 11 meses, matriculadas em creches públicas e filantrópicas conveniadas. PNAP – Programa Nacional de Alimentação Pré-Escolar (PNAE-PRÉ-ESCOLAS) – Crianças de 4 a 5 anos e 11 meses, matriculadas no ensino pré-escolar público e filantrópico conveniado. PNAI – Programa de Alimentação Escolar Indígena (PNAE-ESCOLAS INDÍGENAS) – Alunos de faixa etária dos três programas anteriores de escolas públicas e filantrópicas conveniadas que se encontrem em território indígena. PNAQ – Programa de Alimentação Escolar Quilombola (PNAE-ESCOLAS QUILOMBOLAS) – Alunos de faixa etária dos três primeiros programas de escolas públicas e filantrópicas conveniadas que se encontrem em território quilombola. PROGRAMA MAIS EDUCAÇÃO – PME (PNAE-EDUCAÇÃO INTEGRAL) – Alunos ≥ 6 anos das escolas públicas e filantrópicas conveniadas, que ofereçam de ensino fundamental na modalidade de Educação Integral. Os custos da alimentação são realizados com repasses do Programa de Dinheiro Direto na Escola (PDDE), ressarcidos pelo FNDE à conta do Pnae. A Portaria Interministerial nº 17, de 24 de abril de 2007 instituiu o PME como ação interministerial de fomento à educação por meio do apoio a atividades sócio-educativas no contraturno escolar. Para que as escolas possam contar com a assistência financeira do FNDE, é necessário que constem no censo escolar do ano anterior ao do atendimento, cabendo às entidades filantrópicas serem, também, registradas no Conselho Nacional de Assistência Social (Cnas). O Censo informa ao FNDE o número de alunos matriculados nas etapas e modalidades de ensino. A partir desses dados, calcula-se quanto cada estado, DF e município deverá receber por aluno matriculado em cada tipo de subprograma. Como os entes públicos têm a prerrogativa de decidirem sobre seus orçamentos aplicados em educação de acordo com os percentuais estabelecidos na CF/1988 e LDB, a alimentação escolar será uma ferramenta estratégica do desenvolvimento sustentável à medida que melhor atender seus beneficiários em quantidade (por exemplo, extensão ao Ensino Médio Regular ou Profissional que não recebem verba federal) e em qualidade (por exemplo, cardápios mais bem 10 elaborados e ricos com a inclusão de alimentos orgânicos ou alimentos básicos que caracterizem a cultura alimentar local), e, também conforme a política de transferência de recursos, o poder de arrecadação, a lei orçamentária aprovada e, sobretudo, a vontade política dos governantes. Essas situações são materializadas na oferta de cardápios que refletem o direito de acesso a alimentos em número de refeições capaz de suprir as necessidades dos alunos durante as atividades que desempenham na escola. Para tanto, o FNDE determina que sejam elaborados por um profissional nutricionista, considerando critérios técnicos de escolha dos alimentos apropriados, composição química e compatibilidade entre os ingredientes, o que permite a combinação de pratos variados, atendendo a vocação agrícola e a cultura alimentar local. Os cardápios devem ser programados, obrigatoriamente, com utilização de 70% dos recursos federais na aquisição de produtos básicos, dando prioridade aos alimentos in natura ou semi-elaborados. Os demais 30%, utilizados na compra de produtos industrializados justifica-se pela própria heterogeneidade de execução em cada localidade; condições de infra-estrutura e de acesso às escolas. Em muitas regiões, principalmente rurais, não há refrigeradores. Em outros casos, não há produtores locais com estrutura para fornecer alimentos in natura ou semielaborados, por isso não é possível abolir totalmente os produtos industrializados. Para a melhoria dos cardápios, o poder público deve apoiar a diversificação, adquirindo especiarias e temperos locais; financiando hortas escolares ou comunitárias; e propiciando a capacitação dos merendeiros (as), a fim de usarem (e abusarem) da criatividade no preparo. O nutricionista, na programação dos cardápios, deve abolir alimentos não saudáveis, como guloseimas açucaradas e lanches gordurosos, que apesar de serem muito aceitos e de consumo habitual de muitos alunos, a lei não permite que façam parte da alimentação escolar. A inserção de alimentos nutritivos e in natura, como as frutas de época ou hortaliças e legumes da localidade, é forma de associar hábitos alimentares saudáveis ao desenvolvimento sustentável. O FNDE condiciona a introdução de um alimento típico ou atípico do hábito alimentar local/regional, ou qualquer alteração inovadora em relação ao preparo, à realização de Testes de Aceitabilidade com índice superior a 85%5. A metodologia é definida pela UEx, em observância aos parâmetros técnicos, científicos e sensoriais reconhecidos. Com base nas recomendações nutricionais do Pnae e na disponibilidade local/regional de alimentos (produção e comércio) o técnico responsável é capaz de fazer a seleção dos gêneros 5 Resolução/FNDE/CD/Nº32/06, art. 15, § 5º e §6º. 11 que melhor atendam o Programa, devendo ser submetidos a controle de qualidade para prevenir que qualquer alimento, que não seja ou não esteja em estado apropriado de consumo, ponha em risco a saúde da clientela e, também, para que os recursos sejam aplicados de forma adequada. Os recursos repassados pelo FNDE são utilizados exclusivamente na compra de alimentos, em observância à Lei 8.666/1993. O gestor público, de acordo com as recomendações técnicas e valores para o devido enquadramento nas modalidades que a Lei dispõe, pode, a seu talante, escolher a mais adequada conforme a realidade do órgão ou entidade. Como forma de otimizar os recursos, em tese, as aquisições são feitas com base nos produtos que apresentam maior valor nutricional e menor preço. Entretanto, nada impede à UEx a introdução de um alimento diferenciado, com a complementação do valor per capita do recurso federal repassado pela EE. 3. O Pnae como instrumento do desenvolvimento sustentável Em todo País há iniciativas exitosas que vêm garantindo inclusão social; dinamização da economia; e respeito aos ciclos de produção; consagrando várias dimensões da sustentabilidade. Entretanto, nem sempre os programas contam com gestores honestos e interessados em melhorar a situação. A dificuldade em se medir essa “falta de vontade política” está na inexistência de um ordenamento jurídico que determine a eficácia dos programas descentralizados; e os indicadores qualitativos de avaliação dos cardápios adotados Brasil afora, ainda são poucos e imprecisos, em face da própria dinâmica de sua execução em cada local. É certo afirmar, porém, que muitos municípios e estados vêm operando seus programas de forma diferenciada e eficiente, com base na ousadia e inovação, na intenção de atender em qualidade e quantidade adequada a sua clientela escolar, contrariando todas as adversidades. A seguir, são elencados alguns modelos adotados de acordo com a necessidade de atendimento aos critérios sustentáveis local, regional, nacional e internacional. 3.1 O Pnae e a sustentabilidade social A sustentabilidade social está ancorada nos princípios da homogeneidade, equidade de trabalho e renda a fim de se ter qualidade de vida e igualdade de direitos sociais inerentes à cidadania. Segundo Demo (2002), esse é um fenômeno não só individual. Prescinde de orientação para tornar os indivíduos autônomos, e se faz mister a ajuda e cooperação. Por outro 12 lado, tornando-se autônomos, devem as pessoas saber dispensar a ajuda. Exemplos: as cidades de Governador Valadares e Coaraci-MG introduziram no cardápio rosquinhas de farinha de trigo e doce de mariola6. As prefeituras especificaram em edital que as empresas fornecedoras fossem dirigidas preferencialmente por mulheres. A associação que produzia a mariola não tinha documentos. Aquela que já fornecia biscoitos às prefeituras “emprestou” o nome, e as produtoras de mariola ganharam a licitação. Assim, as administrações têm contribuído para o desenvolvimento de microindústrias e empreendimentos de agricultura familiar, promovendo a inclusão social. Outro exemplo vem do DF, que contrata pessoas com necessidades especiais como ajudantes de cozinha concursados e terceirizados. Há, inclusive, pessoas cegas atuando no Peae-DF. Na mesma linha, a cidade de Araxá-MG adquire mensalmente 500 kg de tempero fabricado pela Associação de Assistência à Pessoa com Deficiência de Araxá. A renda é revertida em 7.000/mês atendimentos a esse nicho da população, em diferentes tratamentos, esporte e lazer. No ano de 2007, a prefeitura de Castanhal-PA comprou de agricultores locais diversos produtos regionais, tais como farinha de mandioca/tapioca e açaí. Hortaliças, frutas e mel foram adquiridos de produtores rurais da região. A prefeitura ofereceu todo o apoio técnico para o fornecimento. 3.2 O Pnae e a sustentabilidade cultural A sustentabilidade cultural pressupõe diálogo, equilíbrio e convivência harmônica entre tradição e inovação, local e global, velho e novo, pensados não como propostas de vida de lógicas contrárias, mas como princípios convergentes, que, segundo Sachs (2002, p.86), pressupõe “autoconfiança combinada com abertura para o mundo”. Exemplos: nas escolas de Florianópolis, foi introduzido o “risoto de ostras”, hábito alimentar cultural e comum da população. A iniciativa tem permitido aquisição de várias toneladas do marisco de produtores locais, que só vendiam no verão. A ideia se disseminou entre outros municípios litorâneos que também vêm aplicando Testes de Aceitabilidade para introdução de frutos do mar, a exemplo de Caraguatatuba-SP, que vem testando receitas com o mexilhão (alimento tipicamente caiçara), para introdução no cardápio escolar, como macarrão com molho de mexilhão, bobó de mexilhão com mandioca ou com abóbora. Outro exemplo é a água de coco (nordeste), o açaí (norte), o pequi e a castanha do baru (centro-oeste) nos cardápios das escolas estaduais e municipais das respectivas regiões cujos alimentos fazem parte da cultura local. Os estados do CE, PE e PB, maiores produtores de 6 . Doce de banana, característico da região. 13 rapadura, a incluíram na alimentação de vários de seus respectivos municípios. Por ser um alimento sempre presente na mesa do sertanejo, a rapadura é utilizada na alimentação escolar para adoçar o leite ou ser consumida com outros cardápios, como a farinha e a carne de sol, ou servida em pedaços (barras) como sobremesa. Outro exemplo é o município de Paragominas-PA, que tem como ponto forte a atenção dada às crianças indígenas (até 10 anos), que passaram por uma avaliação em 2007, a fim de traçar o real perfil nutricional. O diagnóstico revelou problemas de anemia em parte das crianças, que orientou o enriquecimento da alimentação escolar. 3.3 O Pnae e a sustentabilidade ecológica Apoiado no princípio moral que vincula a humanidade ao planeta, de que a natureza oferece os mais preciosos recursos para sobrevivência, cujos seres humanos não retribuem à altura, ao contrário, regojizam-se egoisticamente, sem pensar no outro, na Terra, no amanhã. Esse critério pressupõe “a preservação dos recursos renováveis e no limitar o uso dos recursos nãorenováveis” (SACHS, 2002, p. 86). Exemplos: A Secretaria de Educação de Goiás implantou o Projeto Hortas Escolares em todas as escolas estaduais com espaço disponível. O projeto é desenvolvido por funcionários; pais do Programa Bolsa-Salário-Escola; pelo projeto Amigos da Escola e atores diretos que atuam nos estabelecimentos de ensino. A aquisição de plantas, sementes e outros insumos (exceto agrotóxicos e fertilizantes químicos) é efetuada de órgãos locais agroextrativistas e agropecuários devidamente cadastrados. Outro exemplo é a alimentação orgânica escolar em vários municípios de SC, PR e RS desde 2004. Os alimentos são adquiridos de produtores familiares do entorno, que vem fortalecendo a economia dos municípios e, consequentemente, dos estados, e preservando a biodiversidade. Em algumas cidades, como Quissamã-RJ, há a criação de hortos, onde a fruticultura puxa o cordão e os alunos da rede de ensino público podem consumir em boa quantidade, qualidade e regularidade, diversos frutos como laranja, acerola, goiaba, manga, caju, pinha, graviola maracujá, banana e caju. 3.4 O Pnae e a sustentabilidade ambiental Significa respeito ao ciclo temporal dos ecossistemas naturais se autodepurarem, ou seja, considera que o sistema de suporte de vida na Terra precisa de uma “parada para manutenção e reparo”, no fornecimento de bens e serviços essenciais à satisfação das necessidades humanas, que podem ser: bens: alimentos, matéria-prima, água, plantas medicinais, turismo, lazer, recursos 14 genéticos e ornamentais; e serviços: regulação da composição química do ar, oceanos, clima; prevenção e controle de erosão e sedimentos; manutenção da diversidade biológica; armazenamento e reciclagem de matérias orgânicas e nutrientes; e informações educacionais, científicas, espirituais, religiosas, estéticas e artísticas (DE GROOT, 1992). Exemplos: a prefeitura de Cascavel-RS substituiu utensílios de plástico por peças de inox. Considerando-se o preço, os utensílios de plástico têm custo menor, mas ciclo de vida infinitamente maior, levando milhares de anos para se decompor na natureza. O meio ambiente agradece a substituição. No RJ, decreto estadual proíbe compra de alimentos geneticamente modificados ou com agrotóxicos para a alimentação escolar. Já o DF realizará aquisição de fornos para introdução de cardápios assados, mais saudáveis e que geram menos resíduos, como gorduras. Está em estudo premiação para quem superar padrões de eficiência energética, e incentivos fiscais a fabricantes locais. 3.5 O Pnae e a sustentabilidade espacial-territorial Abrange configurações territoriais propriamente ditas, considerando características intrínsecas de espaços urbano/rural, interiorano/litorâneo, norte/sul, e outros. Visa superar desigualdades inter e intrarregionais, bastante evidentes no Brasil e, também, supra-regionais, além de buscar melhorias no ambiente metropolitano (formação das cidades) no que diz respeito ao ordenamento territorial, em especial das áreas protegidas e ecologicamente frágeis. Exemplos: uma fábrica de biscoitos de castanha-do-Brasil (a castanha-do-pará), com capacidade de produzir 24 toneladas/mês, funciona em plena floresta amazônica, construída na reserva extrativista do rio Iratapuru, município de Laranjal do Jari-AP, sob administração de cooperativas de castanheiros. A partir da identificação do potencial da castanha para a economia da região, o governo tem apoiado as cooperativas produtoras. A fábrica contou com financiamento do estado, que permitiu a compra da castanha in natura para fornecimento dos biscoitos nas escolas da rede estadual e municipal. Outro setor beneficiado é a apicultura, que vem se consolidando como atividade econômica sustentável na região centro-sul de RO, um dos estados que mais produzem mel e derivados na Amazônia. O governo investiu na produção e qualidade, e incentivou os municípios a adquirirem o mel de abelhas silvestres. Com isso, alunos das escolas municipais vêm consumindo o produto em sachês. A iniciativa tem melhorado a qualidade alimentar, com a introdução de um ingrediente natural, produzido artesanalmente por micro-indústrias locais, e tem fortalecido a parceria da apicultura dos municípios da região Norte e de outros estados. Em 15 MS, por exemplo, foram realizados Testes de Aceitabilidade para a introdução do mel artesanal na alimentação escolar, que alcançou índice ≥ 85%. A priori, o mel apresentou preço superior, mas mesmo assim substituiu a geleia industrializada e fornecida por empresas de fora. Diante do potencial produtor, o estado investiu nas cooperativas, e a Lei Estadual nº 3.173/2005 obrigou a inclusão do mel artesanal no cardápio escolar, garantindo o mercado consumidor e a diminuição dos custos, a cada ano, dada a expansão do setor. 3.6 O Pnae e a sustentabilidade econômica Refere-se à organização da vida material, tomando como ponto de partida a dimensão social, visando promover o desenvolvimento econômico para alcance da soberania interna e externa, principalmente pelo domínio da Ciência, Tecnologia e Inovação (C,T&I), como forma de garantir autonomia nos diferentes campos e proporcionar à população, acesso a bens materiais, intelectuais e serviços que garantam o bem-estar social. Segundo Sachs, é critério pressuposto do desenvolvimento intersetorial equilibrado; segurança alimentar; capacidade de modernização contínua de instrumentos de produção; autonomia na pesquisa em C,T&I; e inserção soberana na economia internacional (SACHS, 2002). Exemplos: A prefeitura de Quissamã-RJ (já citada), aplica na alimentação escolar cinco vezes mais o valor repassado pelo FNDE. No MA, foi introduzido na alimentação escolar, o mesocarpo do babaçu (bastante nutritivo), adquirido pelo Programa Casa da Agricultura Familiar Beneficiadora, estimulando as prefeituras a adquirirem dos agricultores locais cadastrados pelos Conselhos Municipais. Pode-se observar na região, produtores inovando e se capacitando para ofertar este e outros produtos aos programas de alimentação escolar. No ES, a experiência do projeto Compra Direta Local Capixaba da Agricultura Familiar, é destaque das prefeituras que oferecem tratamento favorável a micro e pequenas empresas. O programa adquire alimentos, com isenção de licitação, de agricultores enquadrados no Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf). O valor total pago pelo governo às prefeituras é de R$ 150 mil por ano, o equivalente a R$ 3 mil pagos a cada produtor por emissão de nota fiscal. O programa abastece escolas com produtos de qualidade, e também atende ao agricultor e comércio local, gerando mais renda e empregos. 3.7 O Pnae e a sustentabilidade política-institucional (nacional e internacional) 16 Sachs (2002) divide em duas dimensões: a nacional e a internacional. Por seu turno, Bartholo Jr. (1999) acrescenta o termo institucional. Bursztyn e Bezerra (2000) afirmam ser a condição de perpetuação de Planos de Ação no tempo; elemento necessário a um Projeto Nacional fundamentado no processo participativo entre instituições públicas, empresariais, sociedade civil e grupos de interesse organizados, representando requisito para continuidade de políticas, programas, projetos e ações adotadas. Segundo Sachs (2002), o critério de sustentabilidade política nacional tem suas bases na democracia; acesso aos direitos humanos de forma universal; e razoável nível de coesão social. Exemplos: O FNDE, em parceria com o Fome Zero, secretarias estaduais de educação e prefeituras, realiza, periodicamente, cursos de capacitação para Conselheiros do CAE, destinados mobilizar a sociedade civil sobre o correto acompanhamento da aplicação do dinheiro público liberado pelo MEC. Isso se reflete na atuação conjunta dos órgãos envolvidos no controle social; esforço orçamentário de emprego de recursos na contrapartida da alimentação escolar; verificação das condições higiênico-sanitárias das escolas; aproveitamento do horário da refeição escolar como momento pedagógico; realização de avaliações nutricionais cíclicas dos alunos; impulso à Responsabilidade Social Empresarial (RSE) dirigida para o desenvolvimento humano, sustentabilidade e prosperidade nos locais de menor IDH; incentivo ao voluntariado corporativo; contribuição para alcance das Metas do Milênio; e intercâmbio de informações entre parceiros atuais e potenciais. No estado do MT, muitas escolas executam o programa na modalidade escolarizada (repasse de recursos das prefeituras à Apam, Conselho Escolar, ou similar, que adquire os gêneros diretamente). Para acompanhar a aplicação dos recursos e zelar pela qualidade dos produtos, foram instaladas Câmaras de Negócios nos municípios, que atuam no cadastramento de fornecedores, negociam preços e melhores produtos para os Pmaes. Por sua vez, Sachs (2004) considera a esfera internacional como a representatividade do País e a capacidade de cooperação com organismos internacionais e demais nações mundiais, de forma a compartilhar o desenvolvimento da C,T&I; proteção da diversidade biológica; prevenção de mudanças globais negativas; enfim, gestão adequada do patrimônio global, herança comum da humanidade. Exemplos: Em 2005/2006, foram assinadas declarações de intenções entre Brasil, diferentes países (Angola, Cabo Verde, Moçambique, São Tomé e Príncipe, Haiti, Nicarágua, Bolívia, Suriname, El Salvador) e a FAO, com o objetivo de elaborar planos de trabalho de SAN em nível internacional, que têm permitido missões de técnicos do FNDE e respaldado ações para estruturar programas de alimentação 17 escolar em nações com risco de insegurança alimentar, ou que se interessem pelo modelo brasileiro, a exemplo do Egito, França e Canadá. Também foram doados recursos financeiros e alimentos a países da África, Ásia e América Latina e Caribe, e para a FAO (US$ 500 mil), com objetivo de estruturar projetos de hortas escolares, além de capacitação de técnicos locais. Como estes, existem vários exemplos de Peaes e Pmaes que atendem as dimensões da sustentabilidade em prol do desenvolvimento sustentável em vários cantos do Brasil. 4. Conclusão Alimentação e sustentabilidade caminham juntas quando há garantia de vida por um longo período por meio da ingestão de alimentos saudáveis; incorporação de conceitos sobre preservação do meio ambiente; não-utilização de agrotóxicos e produção extensiva em monoculturas; diversificação da produção; condições nutricionais de vida; manutenção da autosustentabilidade do “homem do campo”; respeito às tradições alimentares; enfim, gerenciamento ecológico-ambiental dos recursos produtivos na garantia do DHAA e da SAN. No contexto do desenvolvimento sustentável, a alimentação incorpora elementos sobre produção; consumo de água; dinamização da economia; geração de emprego e renda; respeito aos hábitos culturais; papel do Estado na formulação das políticas de acesso em quantidade e qualidade; criatividade; socialização; espiritualidade; religiosidade; entre outros fatores, que fazem com que o ser humano se organize e se sustente para satisfazer sua necessidade básica primária, garantindo para a si e para os seus as condições de prover o alimento no futuro. Segundo o Relatório Brundtland, o desenvolvimento sustentável é aquele que atende às necessidades do presente sem comprometer a possibilidade de as gerações futuras atenderem as suas próprias necessidades. Assim, a alimentação prescinde de um desenvolvimento sustentável e, ao mesmo tempo, é um instrumento capaz de promovê-lo. Há que se explorar todas as possibilidades de concertação entre atores sociais envolvidos (pessoas, escolas, empresas, governo, sociedade) com os temas alimentação, sustentabilidade e desenvolvimento sustentável. O ato de alimentar-se, considerado sob essa a ótica, eleva o pensamento para a questão dos Direitos Humanos, que visa atender segmentos da sociedade cujos mínimos sociais (alimentação, moradia, saúde, educação, segurança, lazer) não são eficazmente assegurados, o que remete à 18 necessidade de garanti-los agora para não haver prejuízos à humanidade e ao planeta que impossibilitem a convivência harmônica e a qualidade de vida das gerações presente e futura. A partir dos sentidos aqui enunciados, é que se expressa a ideia da alimentação escolar como estratégia de desenvolvimento sustentável. Nesse contexto, faz-se mister um olhar para a história da alimentação oferecida nas escolas do País por meio do Pnae, para se verificar quando e como o conceito foi inserido no sistema, que funciona há mais de 70 anos. O direito à educação, assim como o direito a uma alimentação escolar saudável e adequada, são direitos sociais reconhecidos, conforme consta na legislação brasileira. Por meio da análise do Pnae, tem-se que suas bases fundamentam o desenvolvimento sustentável, que também prima pela universalidade, equanimidade, descentralização, continuidade e controle social, promovendo o equilíbrio de diferentes dimensões da sustentabilidade, cujas características socioeconômicas, culturais-territoriais, ambientais-ecológicas, e políticas-institucionais são contextualizadas. O direito da criança e do adolescente à alimentação (assim como à saúde, ao material didático e ao transporte) foi garantido pela CF/1988, como programa suplementar a educação. De certa forma, o “programa de merenda escolar” desenvolvido antes do advento da Constituição, de alguma maneira, apesar das deficiências e fragilidades, garantia o direito dos educandos à alimentação, mas revestia-se de um caráter assistencialista. Porém isso não é mais parâmetro para a concepção do Pnae, visto erroneamente como política compensatória e como forma de cobrir uma falha do Estado no atendimento do mínimo social de garantia de acesso à alimentação. A alimentação escolar pode ser considerada um dos serviços mais importantes prestados à população, atingindo quase todos os lares, todos os dias. É importante em qualquer país, desenvolvido ou não, pois sem uma alimentação adequada, não há cidadania. Por isso, os formuladores da política vêm modificando seu paradigma, buscando consolidála como questão de direito. Esse fato é corroborado pelas mudanças nos últimos anos em suas diretrizes, princípios e objetivos, que passaram a visar oferta de uma alimentação adequada em seu aspecto quantitativo (food security) e qualitativo (food safety) baseada na sustentabilidade, cuja escola tem papel fundamental, pois em seu ambiente se têm oportunidades de promover uma educação alimentar que alcance a tríade da eficiência, eficácia e efetividade, como forma de prevenir doenças decorrentes dos maus hábitos alimentares; corrigindo-os e formando indivíduos saudáveis e multiplicadores no seu contexto sócio-familiar. 19 O sistema de alimentação escolar foi pensado, realizado e introduzido no cotidiano das escolas como política pública nas diferentes estruturas do Estado brasileiro, que influenciaram sobremaneira sua institucionalização como programa público. Partiu-se de um contexto onde não se questionava o papel da escola, muito menos a conexão entre alimentação-aprendizagem (sociedade política reduzida às representações da metrópole; monocultura latifundiária; tráfico de escravos; organização da produção que garantia a estrutura de classe; e instrução somente para elite) até chegar a um modelo de ensino cuja alimentação escolar tem se consagrado como elemento condicionante. Desde sua origem, na década de 1930, como proposta voluntária das escolas; a continuidade com as Caixas Escolares na década de 1940; a institucionalização como política pública a partir de 1955; a nacionalização a partir de 1960; a garantia como direito em 1988; a descentralização legal em 1994, fundamentada no princípio federativo, que reconheceu o município como célula básica do Estado; a introdução como eixo da Pnsan em 2005; até o modelo de suplementação à política educacional, pode-se concluir que a alimentação escolar nas escolas públicas do País tem mais de 70 anos de história, onde a prática assistencialista foi paulatinamente substituída pela prática promotora da saúde, dinamização da economia, inclusão social, respeito à cultura e hábitos alimentares, enfim, da vinculação cada vez mais concertada com o desenvolvimento sustentável. O Pnae tem sido um instrumento capaz de legitimar a sustentabilidade nas suas diferentes dimensões, pois busca a localização e a regionalização da alimentação escolar; constitui-se em expressivo mercado consumidor de diferentes demandas reprimidas bens e serviços da economia urbana (gerando emprego e renda) e rural (ao adquirir produtos da agricultura familiar, mantendo o produtor e sua família no campo); permitindo a inclusão tanto de beneficiários como fornecedores, e respeitando culturas, tradições e comportamentos alimentares tão diferenciados. O Pnae é, portanto, um programa que causa impactos na formação da sociedade, propiciando, no dia a dia escolar, o bem-estar, crescimento, desenvolvimento e melhoria da qualidade de vida de aproximadamente 20% da população, que corresponde às crianças e jovens brasileiros, com um futuro que se propõe ser mais saudável e sustentável. 20 REFERÊNCIAS ABREU, Mariza. 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