Introdução à sociologia jurídica
Resumo: Antes de adentrar na temática do texto, necessário se
faz esclarecer que estes escritos foram elaborados para facilitar o
primeiro contato do aluno de direito com a temática da sociologia
jurídica, possuindo linguagem simples e didática. No que se refere ao
seu conteúdo, o texto trata do reconhecimento da sociologia como
ciência autônoma, ressaltando as dificuldades enfrentadas para
delimitação de seu objeto de estudo, bem como para definição da
metodologia
adequada
às
peculiaridades
de
tal
objeto.
Posteriormente discorre sobre os precursores da nova disciplina, bem
como sua afirmação por meio da metodologia de Durkheim.
SUMÁRIO: 1.1. O problema epistemológico em sociologia. 1.2. A
questão do objeto próprio das ciências humanas. 1.3. Naturalismo e
Culturalismo. 1.4. Os precursores da Sociologia Jurídica. 1.5. Os
fundadores: Durkheim e Fauconnet. Conclusão.
Introdução
Na emergente sociedade capitalista industrial do século XIX,
as crises econômicas, o conflito entre burguesia e proletariado, o
êxodo rural, o surgimento de problemas urbanos e ambientais, dado
o rápido crescimento da população européia, dentre tantos outros
acontecimentos, foram fundamentais para o surgimento da sociologia
(BURIGO e SILVA, 2003, p. 128).
A verdade é que no final do século XIX teve início um
progresso científico nunca antes visto ou esperado, foram inúmeros
inventos, descobertas, voltando-se todas as atenções para as
pesquisas no campo da física, da química, da biologia, da matemática
etc. As transformações daí decorrentes foram inúmeras, sobretudo na
ordem social. O aparecimento da prensa de Gutenberg, no ano de
1450, foi o pontapé inicial para disseminação da cultura no ocidente,
possibilitando a difusão do conhecimento (CAVALIERE FILHO, 2002,
p. 39-41).
Neste contexto, enquanto as ciências chamadas exatas eram
estudadas e pesquisadas com afinco, as ciências sociais foram
esquecidas, resultando disso um descompasso entre o progresso
científico e a evolução social. Dito de outra forma, as instituições
sociais foram relegadas a segundo plano, não acompanhando o
desenvolvimento científico e tecnológico. Com esse desequilíbrio, o
progresso científico, longe de resolver os problemas sociais, agravaos ainda mais (CAVALIERE FILHO, 2002, p. 41-42).
Para Durkheim, tais problemas não seriam de natureza
econômica, mas sim da fragilidade moral na conduta adequada dos
indivíduos, mostrando-se preocupado em desenvolver uma ciência
que ajudasse a encontrar as respostas para as patologias sociais.
Uma ciência social que pudesse encontrar, através de investigações
empíricas, novos caminhos para a sociedade. Durkheim defendia,
assim, que o papel do sociólogo seria semelhante ao do médico,
diagnosticando as causas dos problemas e encontrando os remédios
para as doenças sociais (BURIGO e SILVA, 2003, p. 128-129).
Assim, “houve o despertar da consciência para a importância
das ciências sociais e a necessidade de estudá-las, pesquisá-las,
desenvolvê-las, como foi feito com as ciências exatas” (CAVALIERE
FILHO, 2002, p. 43). Contudo, as ciências ditas exatas ou naturais,
como a física, a matemática, a química e a biologia, podem se dar ao
luxo de negligenciar a epistemologia[1], fiados na segurança de que a
comprovação de seus resultados por meio de experimentos pode
imprimir. Isso não ocorre com as ciências chamadas de sociais, tais
como a sociologia, a história, o direito e a economia, que, por serem
ciências jovens, possuindo objetos e métodos contestados, muito se
preocupam com a questão epistemológica. Se assim não fosse, sua
sobrevivência estaria ameaçada, sendo imprescindível que discuta em
seus âmbitos os temas de sua autonomia: objeto, método e leis
(MACHADO NETO, 1987, p. 09).
Como acontece com toda ciência jovem, o centro do problema
epistemológico em sociologia se refere à questão da sua autonomia,
que pode ser fragmentada em três outras questões subalternas,
quais sejam: objeto próprio, métodos e leis (MACHADO NETO, 1987,
p. 12).
Neste contexto, o presente texto tratará da questão que
envolve o objeto das ciências humanas, em particular da sociologia,
cujos precursores históricos, os sofistas gregos, não a dissociavam
totalmente do direito em razão do conflito de interesses existentes na
sociedade que seriam satisfeitos pela sociologia e pelo direito,
partindo-se das explanações da física, biologia e psicologia acerca do
assunto, cujas perspectivas vão de encontro ao pensamento de
Durkheim, que a transforma de ciência a partir de outras ciências em
ciência própria, com a ideologia de síntese social em contraposição às
consciências individuais. Nesse diapasão, no sistema Comteano a
sociologia geral teve seu surgimento como uma ciência natural e
multicultural por seus métodos distintivos e conglomeradores da
sociedade. No entanto, apenas com Durkheim a sociologia jurídica
surge e é estudada, principalmente, num aspecto orgânico e
mecânico do fato social, em que é contextualizada em apartado às
consciências individuais, exercendo coercibilidade sobre os indivíduos
e, por fim, possuindo aplicabilidade a toda sociedade.
2. A questão do objeto próprio das ciências humanas
No que se refere ao objeto próprio, a sociologia enfrentou o
problema que importuna todas as ciências jovens, que é a pretensão
dos representantes das ciências mais antigas de explicarem, com
seus instrumentos e métodos, o objeto das novas ciências.
Inicialmente, tanto a física (com o fisicismo), quanto a biologia (com
o organicismo) e a psicologia (com o psicologismo), tentaram abarcar
a sociedade como sendo seu objeto de estudo (MACHADO NETO,
1987, p. 12-13). Vejamos cada uma dessas vertentes.
a) O fisicismo – os físicos entenderam possível reduzir a
temática sociológica a uma questão de forças ou de
energias. A física que tinha o prestígio extraordinário da
mais positiva das ciências naturais, apresentou-se
como mecanicismo social e energismo social, para os
quais a vida social seria um campo de atuação de forças
físicas (MACHADO NETO, 1987, p. 13-14).
b) O biologismo – os biólogos entenderam possível reduzir a
temática sociológica a uma projeção a mais da vida
orgânica,
possuindo
três
grandes
vertentes:
o organicismo (que comparava o “corpo” político-social com
o
organismo
humano),
o racismo (destacada
a
pseudociência de Hitler, ideologia justificadora do
imperialismo nazista) e o dawinismo social (derivado sóciocultural do evolucionismo darwiniano, sendo a expressão
mais fecunda do biologismo, inspirado na lei biológica da
luta pela vida e sobrevivência dos mais aptos, intentando
interpretar a sociedade e a história em termos de lutas de
raças) (MACHADO NETO, 1987, p. 13-14).
c)
O psicologismo – surge como crítica ao fisicismo e ao
biologismo, tendo como grande expoente Gabriel Tarde,
que afirmava que a sociologia era produto das
representações, tendências, sentimentos vontades das
consciências individuais. Ou seja, a sociedade seria a soma
das consciências individuais, sendo da mesma natureza que
suas parcelas. Assim, “implicitamente, reduz tarde o social
ao psíquico e o aparente imperialismo sociológico
encontradiço em suas páginas cede o posto a um
verdadeiro imperialismo psicológico” (MACHADO NETO,
1987, p. 15-16).
Contra o psicologismo de Tarde surge o sociologismo de Émile
Durkheim, que substitui a idéia de soma das consciências individuais,
pela idéia de síntese. Na síntese o resultado será diverso das
parcelas, então torna-se possível falar de um objeto próprio para a
sociologia. Se o fato social é coercitivo, se ele exerce uma pressão
sobre a vontade individual, obviamente ele tem natureza diversa
dessa vontade. Assim Durkheim conquista para a sociologia um
objeto próprio. O social é apenas igual a si próprio, é algo peculiar,
diferente do físico, do biológico e do psicológico (MACHADO NETO,
1987, p. 16-17).
Contudo, mesmo sendo o social diferente do físico, do
biológico e do psíquico, para o positivismo de Durkheim, a sociedade
poderia ser compreendida da mesma forma que os fenômenos da
natureza, ou seja, os fatos sociais poderiam ser estudados através
dos mesmos métodos científicos empregados pelas ciências naturais,
sendo possível estabelecer “leis” que explicassem os fenômenos
sociais, tais quais as leis de Newtown para explicar os fenômenos da
física (BURIGO e SILVA, 2003, p. 129).
Uma vez conquistado um objeto próprio para a nova ciência,
surge o problema da extensão do objeto, existindo duas tendências,
quais sejam: a sociologia enciclopédica e a sociologia especial.
a) Sociologia enciclopédica – em suas origens do século
XIX, a sociologia assumiu uma pretensão universalista,
ou seja, a sociologia quis ser a ciência total da
sociedade. Aos poucos essa pretensão universalista foi
decaindo e a sociologia foi obrigada a reconhecer a
autonomia das outras ciências sociais (MACHADO NETO,
1987, p. 20 – 21).
b) Sociologia especial – o sociólogo foi admitindo que, por
exemplo, o jurídico é um fenômeno de ordem social e o
que nele haja desse suporte social é tema do sociólogo
(sociologia
jurídica).
Enquanto
o
que
nele
é
propriamente jurídico deve ser objeto de tratamento
autônomo de outra ciência: a ciência do direito. O
mesmo acontecendo com a economia, a história ou a
pedagocia científica, para exemplificar (MACHADO NETO,
1987, p. 21).
3. Naturalismo e Culturalismo
Como as ciências naturais, além da matemática, eram as
únicas conhecidas pelo homem, os iniciadores da sociologia
conceberam esta ciência como uma física-social ou uma biologia da
sociedade, ou seja, como uma ciência natural a mais, irmã da física,
da química e da biologia (MACHADO NETO, 1987, p. 24).
Portanto, é como mais uma ciência natural que a sociologia se
origina no sistema positivista de Augusto Comte, dividindo a
sociologia em estática e dinâmica sociais, sendo a primeira o estudo
da ordem (indivíduo, família e sociedade) e a segunda o estudo do
progresso (progresso da inteligência, da ação e da afetividade) na
sociologia (MACHADO NETO, 1987, p. 25).
Embora o naturalismo não se encontre totalmente superada,
havendo muitos autores americanos que ainda consideram a
sociologia como sendo uma ciência natural, a reação ao naturalismo é
bem antiga. Oculturalismo, que se utiliza das lições de epistemologia
alemã das ciências da cultura, para fundamentar a sociologia em
bases diversas da ciência natural, teve em Dilthey o principal
precursor dessa reação (MACHADO NETO, 1987, p. 28).
Wilhelm Dilthey, em sua obra “Introdução às ciências do
espírito”, defende que a filosofia da historia e a sociologia não são
verdadeiras ciências, mas, apesar dessa posição negativa em face da
sociologia, foi este teórico que possibilitou a reação culturalista em
sociologia. Isto porque Dilthey propôs um dualismo epistemológico,
ou seja, dividiu as ciências em duas espécies: as da natureza e as do
espírito, minando a idéia positivista de Comte, que reduzia todo saber
válido à pura ciência, qual seja: a ciência natural (MACHADO NETO,
1987, p. 29).
Para Dilthey, sendo de diferentes espécies, as diferentes
ciências mereciam métodos distintos. A explicação para o caso das
ciências da natureza e a compreensão para o das ciências do espírito,
uma vez que nesta última “o objeto e o sujeito se identificam, dada a
possibilidade de reviver qualquer evento humano, mesmo inédito,
para a nossa experiência pessoal, pois ele é sempre motivado por
uma finalidade que faz sentido para qualquer ser humano”
(MACHADO NETO, 1987, p. 29).
4. Os precursores da Sociologia Jurídica.
Os sofistas gregos foram os primeiros “antepassados diretos
de um tratamento empírico do direito em termos a prenunciar uma
sociologia jurídica” (MACHADO NETO, 1987, p. 93). Segundo Alf
Ross, “os sofistas oferecem o primeiro intento de formular uma teoria
sociológica de relação entre o direito, por um lado, e o poder e o
interesse por outro, e do conflito entre os grupos sociais” (1963, p.
228).
O movimento sofístico foi resultante de uma dupla crise na
Grécia. A primeira delas se constitui numa crise do saber, uma vez
que os sofistas eram a expressão de uma justificada desconfiança na
razão, resultado da contrariedade entre as várias respostas dadas
pelos chamados “filósofos da natureza” (ou pré-socráticos) à questão
ontológica (o que é o ser?). Advogaram, pois, que se abandonasse a
razão e que fosse utilizada a história como instrumento para buscar a
verdade, gerando um relativismo, segundo o qual “o homem é a
medida de todas as coisas” (Protágoras) (MACHADO NETO, 1987, p.
93-94).
A segunda crise caracteriza-se como uma crise social,
sobretudo após a guerra contra os Persas, que possibilitou a transição
entre o sistema aristocrático e o sistema democrático na Grécia. As
armas no período que antecedeu as Guerras Pérsicas, eram
privilégios da Aristocracia, contudo, para frear o exército da Pérsia,
foi necessário que se disseminasse pelas massas o uso das armas
nobres. Vendida a guerra, o plebeu já não mais reconhecia a
superioridade dos Ariston (os melhores), “já que agora, ombreados
no uso das armas nobres, anteriormente privilégio destes, tinham
fundamentos socialmente válidos e eficazes para se considerarem
iguais” (MACHADO NETO, 1987, p. 94).
A insubordinação da plebe, aliada ao crescimento econômico
decorrente da vitória sobre os persas, possibilitou o surgimento da
democracia grega do século V a. c., período também do apogeu da
racionalização da vida grega. Contudo, tal transição não se deu sem
crise e a crise, em geral, traz consigo a dúvida, já que representa o
choque entre crenças opostas. Nessa dualidade de sistemas sociais
(aristocracia-democracia), o sofista, já tendo tendência relativista
decorrente da crise da razão, realizou uma severa crítica às crenças
básicas da vida na Grécia, sobretudo a sua crença mais fundamental,
qual seja: a idéia de polis (considerado o oposto da barbárie), que
partia do pressuposto que a nomos (lei) era o essencial da vida
civilizada. Sendo assim, todas as críticas recaíram sobre a lei,
fazendo dos sofistas “a um só tempo, os inauguradores explícitos de
uma filosofia social ou antropológica”, como também “precursores da
sociologia jurídica” (MACHADO NETO, 1987, p. 94-95).
Os sofistas eram professores itinerantes o que possibilitava
uma abordagem da sociedade sem maiores compromissos com os
interesses locais, uma vez que estavam sempre na situação
privilegiada do “estranho sociológico”. Os sofistas eram remunerados
para ensinar retórica e dialética, ou seja, a arte da política aos jovens
ambiciosos da época, que tanto careciam desses ensinamentos para
os debates políticos da democracia direta (MACHADO NETO, 1987, p.
96).
Essa “venda” da filosofia pelos sofistas foi recebida com maus
olhos pelos filósofos tradicionais gregos, que, sendo aristocratas,
consideravam que o homem livre tinha no oikos (a casa) a tranqüila
satisfação de suas necessidades, não precisando trabalhar. O cidadão
verdadeiramente livre era aquele apenas preocupado com os afazeres
da cidadania, da conversação inteligente e da vida desportiva e
artística, ou seja, para ser livre o cidadão não poderia ter a
necessidade de trabalhar para se sustentar. A maldição do trabalho
se aplicava apenas às mulheres e aos escravos, uma vez que estes
eram inferiores ao homem cidadão grego. “vender o produto da
inteligência seria abastardar-se, o homem livre, a uma situação
apenas digna do escravo” (MACHADO NETO, 1987, p. 96).
Mas os sofistas, por serem estrangeiros itinerantes, não
possuíam o oikos, ou seja, não tinha a mesma tranqüilidade
econômica do homem livre, sendo, assim, compelidos à
profissionalização, que agora tinha um amplo mercado, dado o
surgimento do regime democrático. Neste campo, os sofistas fizeram
a importante distinção entre o que seria justo segundo a natureza
(physis) e o que seria justo por mera convenção dos homens
(nomoi), usada como arma ideológica de relativização e derrubada do
direito positivo (MACHADO NETO, 1987, p. 97-98).
É assim que para Cálicles, personagem platônico, a lei é uma
violência para natureza, uma vez que tornam iguais os que a
natureza fez desiguais. Em sentido diametralmente oposto, Hípias
afirma que a natureza faz todos os homens iguais, ao passo que a lei
democrática da polis torna-os desiguais, sendo a “tirana dos
homens”. No mesmo sentido Antiphon afirmou que a lei seria
verdadeiramente a “cadeia da natureza”. Toda essa discussão leva a
uma relativização do direito, que perde sua força obrigatória e se
“reduz então a mera força exterior aos indivíduos, que os obriga e
constrange sem sua adesão voluntária”. (MACHADO NETO, 1987, p.
99).
A expressão mais sociológica da sofística foi Trasímaco da
Calcedônia, que sustentou que o direito era fruto dos interesses dos
mais fortes, assim, ao direito positivo se opunha um direito natural,
justo, imutável e eterno. A idéia de justiça atrelada ao direito positivo
seria apenas uma máscara para ocultar a ambição do mais forte
(MACHADO NETO, 1987, p. 99).
Contudo, o relativismo sofistico foi vencido pelo racionalismo
dos chamados filósofos socráticos(Sócrates, Platão e Aristóteles),
destes, Aristóteles é considerado por muitos teóricos como precursor
da sociologia, uma vez que em suas obras há uma forte tendência
empirista e realista no tratamento das leis e da organização do
governo. Aristóteles reuniu 158 constituições de povos gregos e
bárbaros como material empírico sobre o qual, utilizando-se do
método indutivo (do particular para o geral), construiu as
generalizações de sua obra mais importante a “Política”,
comportando-se de maneira semelhante ao moderno sociólogo do
direito. Ou seja, Aristóteles se debruçou sobre a realidade jurídica de
diferentes povos para descobrir o que havia de genérico na vida
política dos povos. Contudo, o grande pensador grego cometeu o erro
de se deixar levar pela ideologia escravocrata e patriarcal da época,
julgando ser natural a inferioridade dos escravos e das mulheres,
sem tratar, não desenvolvendo idéias que pudessem desmascarar a
ideologia presente por trás dessas idéias de desigualdade natural,
como fizeram os sofistas (MACHADO NETO, 1987, p. 100-101).
Durante a Idade Média, dado o jusnaturalismo teológico
dominante à época, não foi possível o desenvolvimento de uma
sociologia jurídica. Ora, a lei era fundamenta em Deus, discutir a lei
seria o mesmo que discutir os desígnios divinos, salvo algumas
concepções, como a de Tomás de Aquino, que admitia uma
relativização dos “mandados supremos do direito natural tendo em
vista as circunstâncias históricas e as necessidades sociais”
(MACHADO NETO, 1987, p. 101-102).
Já no mundo moderno, após os movimentos do Renascimento
e da Reforma, inicia-se um movimento de secularização (substituição
do jusnaturalismo teológico pelo jusnaturalismo racionalista), que foi
fundamental para iniciar o processo de formação de um tratamento
sociológico das realidades jurídicas (MACHADO NETO, 1987, p. 102).
Mas somente com Montesquieu vamos encontrar uma atitude
precursora dos modernos estudos sociológicos no âmbito jurídico.
Este teórico estudou a influencia dos fatores climáticos, da região,
dos costumes e da extensão geográfica sobre a organização social de
cada povo (MACHADO NETO, 1987, p. 102-103).
Em um dos seus primeiros escritos, “As cartas persas”,
publicadas anonimamente, Montesquieu empreendeu dura crítica aos
costumes e atitudes da sociedade francesa do século XVIII, dominada
pela teologia católica e pela monarquia absoluta dos Luises. Nestes
escritos o teórico assume uma posição relativista, segundo a qual a
diversidade de costumes dos povos se traduz em sua concepção das
leis, ou seja, em cada nação há uma ciência pela qual ela regula sua
política (SORIANO, 1997, p. 63-64).
Tal relativismo também aparece em sua obra “Considerações
sobre as causas da grandeza dos romanos”, no qual afirma que não é
o azar ou a sorte que regem os destinos dos povos e a sucessão da
história, mas sim leis internas, que são determinadas por um
conjunto de fatores físicos ou espirituais (SORIANO, 1997, p. 64).
Finalmente na sua grande obra “O espírito das leis”, na qual
apresenta sua teoria sobre a separação dos poderes, Montesquieu
afirma que a lei, em seu significado mais amplo, são as relações
necessárias que derivam da natureza das coisas, que engloba tanto a
natureza física (solo, clima, número de habitantes etc), quanto os
fatores sociais (costumes, religião, comercio, moeda etc). As leis,
segundo o autor, devem adaptar-se aos caracteres físicos do país, ao
clima, à qualidade do terreno, ao gênero de vida dos povos, à religião
dos habitantes, a suas inclinações, riquezas, a seu número, comércio,
costumes e maneiras. O espírito dos povos é relativo, conclui
Montesquieu, não é prévio ou racional, mas sim um elemento
posterior e derivado da experiência, resultante de causas diversas
(SORIANO, 1997, p. 64-65).
Depois de Montesquieu, a Escola Histórica, de Hugo Grotius,
Savigny e Puchta, numa crítica ao racionalismo e à Escola da
Exegese, afirmou que a experiência jurídica seria uma experiência
histórico-cultural e o direito, neste contexto, seria como “uma
realidade viva e concreta tanto como a língua e os costumes de um
povo”, apontando para um tratamento causal e empírico, ou seja,
social do direito (MACHADO NETO, 1987, p. 103).
A obra de Augusto Comte, por sua vez, nasceu numa época de
hostilidade ao direito, considerado um dado metafísico, não
realizando, portanto, uma associação entre sociologia e direito,
supondo o direito como uma manifestação da etapa metafísica (Lei
dos Três Estados: teológico, metafísico e positivo) e destinada a
desaparecer no período positivo ou científico, “quando a humanidade
estaria servida de uma aparelhagem de controle social que seria
científica (política positiva) e não mais metafísica (direito) (MACHADO
NETO, 1987, p. 103).
Comte considerou o direito como uma categoria estéril, como
um conceito próprio de um Estado superado, isto porque o conceito
de direito subjetivo, como garantia do indivíduo, não se amoldava ao
princípio da solidariedade social, que entendia o sujeito dentro de um
mundo de relações com o todo social, enfatizando a obrigação do
sujeito de prestar as funções necessárias para o progresso social. É
assim que Comte substitui a idéia de direito pela de dever, afirmando
que o sujeito social nada teria de direito frente aos outros, mas sim
deveres para com todos (SORIANO, 1997, p. 71-72).
Também o marxismo defende o desaparecimento do direito no
futuro, visto que este seria um fenômeno da superestrutura, nascido
da divisão da comunidade primitiva, na qual todos eram iguais, em
oprimidos e opressores. Ou seja, o direito, assim como o próprio
Estado, seria um instrumento da classe dominante para gerar
obediência à classe dominada. Ora, se o direito era fruto da luta de
classes, este seria inútil quando do desaparecimento das classes na
sociedade comunista do futuro (MACHADO NETO, 1987, p. 103-104).
Apesar dessas idéias precursoras, apenas com a Escola
Objetiva Francesa, a sociologia jurídica alcança o nível de
cientificidade da sociologia geral. Veremos agora dois dos seus
principais teóricos: Durkheim e Fauconnet.
5. Os Fundadores: Durkheim e Fauconnet
Conforme vimos, a sociologia jurídica não surge juntamente
com a sociologia geral, uma vez que o próprio Comte, considerado
pai da sociologia, acreditava na extinção do direito, não realizando
esforços para estudar o fenômeno jurídico. Só com o movimento da
escola Durkheimiana (Escola Objetiva Francesa), a sociologia jurídica
surge como um campo específico dos estudos sociológicos (MACHADO
NETO, 1987, p. 105).
Durkheim (1858 – 1917) é o discípulo mais influente da Escola
Sociológica francesa, iniciada por Comte, representada por alguns
sociólogos que buscavam o conhecimento sobre a evolução da
sociedade. A sua primeira obra de grande magnitude sobre o tema foi
“A divisão do trabalho social”, que considerou a coercitividade do
direito o exemplo mais completo e acabado do “fato social”.
Na mencionada obra, Durkheim distingue dois tipos de
solidariedade: 1) solidariedade mecânica ou por semelhança, fundada
na simples semelhança entre os indivíduos; 2) solidariedade orgânica
ou por dessemelhança, que pressupõe a divisão de trabalho,
fenômeno cultural, com cada indivíduo realizando diferentes tarefas
sociais que a todos aproveitam (MACHADO NETO, 1987, p. 106).
Segundo o sociólogo, à medida que a solidariedade mecânica
vai sendo transformada em solidariedade orgânica, o direito vai
abandonando
seu
caráter
repressivo
ou
retributivo
(predominantemente penal) por um caráter restitutivo (direito civil e
comercial). Melhor explicando, a solidariedade mecânica é delicada,
sendo necessário reprimir a conduta anti-social através do direito
penal. Já a solidariedade orgânica, que se baseia na harmonia dos
interesses dos indivíduos, graças a divisão do trabalho, é uma
solidariedade muito mais forte, podendo abrir mão, em grande parte,
da sanção meramente repressiva, para dar o primeiro posto à sanção
restitutiva (que consiste em colocar as coisas nos mesmos termos
anteriores à transgressão) (MACHADO NETO, 1987, p. 106-107).
Para chegar a essa conclusão, Durkheim utilizou uma:
(...) rigorosa apuração estatística do número
de dispositivos penais das legislações antigas e
modernas, verificando a decrescente incidência
deles pari passu com o progresso da civilização e o
paralelo desenvolvimento da divisão do trab
alho (MACHADO NETO, 1987, p. 107).
Paulo Fauconnet, sucessor de Durkheim na Universidade de
Sorbonne, em sua mais importante obra “A Responsabilidade”, chega
à conclusão de que a noção de responsabilidade não é algo subjetivo,
mas sim objetivo, sociológico, que consiste na escolha do objeto da
sanção. Ora, nem sempre o autor do delito foi “considerado como
responsável por ele, mas também outras pessoas, animais e coisas
viram-se sujeitas às mais diversas sanções como sujeitos
responsáveis” (MACHADO NETO, 1987, p. 111). É sabido que
existiram, na Idade Média, verdadeiros processos contra pedras,
armas e animais, ou seja, nem sempre na história da humanidade o
responsável penal foi um ser humano maior e capaz.
Baseando-se no conceito de crime proposto por Durkheim,
como sendo um “ato atentatório dos sentimentos fortes do grupo”, o
teórico chega à conclusão de que a sanção é uma reação social que
pretende apagar a impureza do crime. Ou seja, a pena é
originalmente imposta ao crime, que se quer apagar, e não ao
criminoso, sendo assim a responsabilidade aparece como algo
objetivo e não como decorrência dos elementos subjetivos do
humano adulto normal. Mesmo assim a sanção se destina a um
sujeito. Mas quem deve ser o sujeito sancionado? Diferentes
respostas são dadas pelas mais diversas sociedades, contudo a mais
compatível com a sociedade individualista é considerar como
responsável o autor, maior e normal, do evento delituoso (MACHADO
NETO, 1987, p. 112-113).
Neste contexto, Fauconnet distingue, de forma semelhante a
Durkheim, dois tipos de sanções: as retributivas (que para ele podem
ser de duas ordens, quais sejam, repressivas ou penais e
remuneradoras ou premiais) e as restitutivas (MACHADO NETO,
1987, p. 113-114).
1.1.
A Metodologia de Émile Durkheim
Durkheim é também conhecido como o sociólogo do método.
Em sua obra “As regras do método sociológico”, traz grande
contribuição à metodologia na sociologia ao afirmar que “a primeira
regra e mais fundamental é a de considerar os fatos sociais como
coisas”, uma vez que as ciências sociais têm a peculiar característica
de que o investigador está dentro do objeto investigado, é preciso
tratar os fatos sociais como “coisas”, ou seja, é preciso que o
investigador abandone seus prejulgamentos, suas prenoções sobre o
objeto investigado. O sociólogo deve abandonar o conhecimento
espúrio, vulgar, anterior à pesquisa e à experiência. (MACHADO
NETO, 1987, p. 70-71).
Os fatos sociais são elementos exteriores ao indivíduo que de
algum modo influenciam e modelam seu comportamento, ou seja, a
exterioridade e a coação são os elementos que constituem o fato
social, que se diferenciam dos fatos psíquicos. Estes são internos,
introspectivos e espontâneos. Estes são objetos da psicologia;
aqueles, da sociologia (SORIANO, 1997, P. 93).
Como dito na aula passada, através de sua noção de fato
social, Durkheim conquistou para sociologia um objeto próprio,
distinguindo-o do objeto biológico, uma vez que o fato social não é
fenômeno orgânico, consistindo em representações e ações, bem
como o diferenciando do objeto da psicologia, já que não são
fenômenos psíquicos, porque estes não têm existência fora da
consciência individual (SORIANO, 1997, p. 92).
Neste contexto, convém explicitar a definição de fato social de
Durkheim:
Fato social, então, é toda maneira de atuar,
fixa ou não, suscetível de exercer sobre os
indivíduos uma coerção exterior; ou, que é geral
na extensão de uma sociedade dada, conservando
existência
própria,
independente
de
suas
manifestações individuais (1963, p. 12).
Portanto, segundo esquema proposto por Celso A. Pinheiro
Castro (1998, p. 61) o fato social:
a) É exterior às consciências individuais;
b) Exerce coerção sobre os indivíduos;
c)
Apresenta generalidade no meio do grupo.
Os fatos sociais são elementos exteriores ao indivíduo, que de
algum modo influenciam e modelam seu comportamento, sendo a
exterioridade e a coação seus elementos constitutivos. Consistem na
forma de agir, pensar e sentir exteriores ao indivíduo e estão dotados
de um pode coação em virtude do qual se impõem. Não são idéias ou
valores abstratos, mas manifestações que podem ser observadas e
medidas, bastante concretas para serem quantificadas e verificadas.
Devendo, pois, ser tratados como coisas (SORIANO, 1997, p. 92).
Já as regras do método sociológico podem ser resumidas em
três regras básicas:
1.
O fato social deve ser tratado como coisa, que significa
tudo o que se opõe à idéia;
2.
No tratamento dos fatos sociais devem-se afastar todas
as prenoções, os preconceitos;
3.
Definir com precisão o objeto da investigação,
procurando agrupar aqueles que manifestem características
comuns.
Dentro da teoria de Durkheim, os fatos sociais são, regra
geral, conseqüências da divisão do trabalho social. Conforme já
vimos, conforme do tipo de sociedade teremos uma diferente forma
de integração social, chamada “solidariedade”. É assim que o autor
observa que a sociedade evolui de um tempo de solidariedade
original ou mecânica para um tipo de solidariedade orgânica.
Segundo bem coloca Celso A. Pinheiro Castro, “na solidariedade
mecânica há prevalência do grupo sobre os indivíduos. Emergem
fortes estados de consciência coletiva, predominando leis penais,
voltadas para a punição” (CASTRO, 1998, p. 62). Já na solidariedade
orgânica:
(...) há afirmação de personalidades. Trate-se,
com efeito, de uma integração voluntária. Assim, a
coerção social exprime-se mais decisivamente em
leis civis e administrativas, voltadas para a
restauração de direitos mais que para a punição
(CASTRO, 1998, p. 62).
Conclusão
O texto descreveu os principais aspectos históricos acerca do
surgimento da sociologia geral e jurídica, ressaltando desde as
características objetivistas desprovidas de elementos epistemológicos
que o fisicismo, o organicismo e o psicologismo imprimiram ao seu
estudo, passando por Augusto Comte principal expoente da
Sociologia Geral até Durkheim seu sucessor e criador do Estudo
Jurídico Sociológico.
Dessa forma, o objetivo de facilitar o primeiro contato do
acadêmico de direito com a temática da Sociologia Jurídica de
Durkheim, utilizando-se de linguagem simples e didática, buscando a
ampliação do domínio desse ramo do ensino foi atingido.
REFERÊNCIAS
BÚRIGO, Fábio Luiz e SILVA, José Carlos da. A metodologia e a
epistemologia na sociologia de Durkheim e de Max Weber, Revista
eletrônica dos pós-graduados em sociologia política da UFSC, vol 1,
nº
1
(1),
agosto-dezembro,
2003,
p.
128-148.
Em:
<www.emtese.ufsc.br>. Acesso em: 10 de janeiro de 2010.
CASTRO, Celso A. Pinheiro de Castro. Sociologia do direito. 5 ed.
São Paulo: Atlas, 1998.
CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de sociologia jurídica. 10 ed.
Rio de Janeiro: Forense, 2002.
DURKHEIM, Émile. As regras do método sociológico. 3 ed. São
Paulo: Nacional, 1963.
MACHADO NETO, A. L. Sociologia jurídica. 6 ed. São Paulo:
Saraiva, 1987.
ROSS, Alf. Sobre el derecho y la justicia. Buenos Aires: Eudeba,
1963.
SILVEIRA, Daniel Barile da. Max Weber e Hans Kelsen: a
sociologia e a dogmática jurídicas. In: Revista Uratagua, Revista
acadêmica multidiciplinar, nº 5, dez-mar, Maringá,2004.
SORIANO, Ramón. Sociología del derecho. Barcelona: Ariel,
1997.
WEBER, Max. Economia y sociedad: esbozo de sociologia
compreensiva. México: Fondo de Cultura Economica, 1944.
[1] Espitemologia – epistemo-logia, i. e., teoria (logos) da ciência
(espistéme).
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Introdução à sociologia jurídica Resumo: Antes de