XXI Congresso Brasileiro de Pesquisadores da Comunicação INTERCOM GT Propaganda CAMPANHA PUBLICITÁRIA DO BLOCO CARNAVALESCO CHEIRO DE AMOR Análise do Discurso Maria Amélia Chagas Gaiarsa Mestra em Lingua Portuguesa UCSal/BA 1998 1 CAMPANHA PUBLICITÁRIA DO BLOCO CARNAVALESCO CHEIRO DE AMOR Maria Amélia Chagas Gaiarsa 1. INTRODUÇÃO Este trabalho dá continuidade à pesquisa que vimos realizando com o objetivo de analisar o discurso publicitário baiano, partindo de campanhas de blocos carnavalescos, que vêm se tornando, a cada ano, um referencial para a nossa publicidade. Percebemos que a linguagem dos textos vem mudando, atendendo às próprias transformações por que passam os blocos, que há cerca de quinze anos assumem-se como verdadeiras organizações empresariais. Eles procuram renovar para se tornarem diferentes cada um almejando ser o melhor -, o que só faz incrementar as campanhas publicitárias, onde o comum já não tem mais lugar. Considerando esse aspecto e com base na Teoria Semiótica Greimasiana e na Lingüística Textual, faremos uma análise de peças da campanha do bloco Cheiro de Amor para o carnaval de 1997 e de 1998, partindo da oposição fundamental que acompanha, hoje, o sucesso das entidades carnavalescas: comum x incomum. Através dessa visão, procuraremos mostrar a forma como a língua opera no contexto social. Depois da mortalha, fantasia que reinou por várias décadas, os blocos ousaram mudar para o abadá, traje mais curto e mais apropriado para a ocasião, embora com o desconforto de se usar o mesmo durante o desfile dos três dias de carnaval. Pensando em algo que atraísse ainda mais o público jovem e que viesse suprir a necessidade de maior conforto, o bloco Cheiro de Amor surgiu na mídia, em 1996, com um cartão de Natal, anunciando a grande novidade: um abadá para cada dia de folia. 2 Vale salientar que o Cheiro de Amor é considerado o bloco que mais investe em publicidade e a veiculação de suas peças acontece durante todo o ano. A escolha do mesmo deveu-se também ao resultado de uma pesquisa feita durante a apresentação do bloco nas ruas de Salvador, no carnaval de 1997, quando constatamos a importância dada à publicidade no momento de optar pelo mesmo. 3 2. ANÁLISE O discurso publicitário faz uso de diversas formas para alcançar o seu objetivo, que é modificar o comportamento do consumidor, levando-o a adquirir um produto ou um serviço. Essa relação que passa a existir entre o anunciante e o consumidor, através da mensagem publicitária, é o que será analisado a seguir. Tomemos como ponto de partida o cartão (peça de publicidade direta) veiculado no Natal de 1996, no qual o bloco Cheiro de Amor anuncia a sua novidade para o carnaval, com o objetivo de mostrar como a narrativa ocorre no texto e como a significação vai se processando desde a sua estrutura fundamental, até a sua estrutura superficial que é a formação discursiva. O percurso gerativo do sentido, nessa peça, tem início na oposição fundamental entre: comum x incomum. O comum seria um abadá para os três dias, e o incomum três abadás, um para cada dia. O elemento eufórico ou positivo, que é o incomum, revela a satisfação de mudança de hábito, de possibilidade de mais higiene e de menos trabalho (não precisa lavar para brincar no dia seguinte). Esse elemento eufórico vai servir de parâmetro para diferenciar o Cheiro de Amor dos demais blocos, que se acomodam no uso de um só abadá, constituindo, portanto, o elemento disfórico ou negativo. O elemento eufórico vem representado no texto pelo número 3 (três abadás), destacado por recursos gráficos, ancorando a significação que está implícita no texto lingüístico, enquanto o disfórico seria o numero 1 (um abadá). Nesta peça em que o Cheiro divulga a grande novidade, tem-se um percurso gerativo de sentido que vai transformar o destinatário, que é o folião acostumado com o comum, em folião diferente. O manipulador da peça, o anunciante, vai dar a competência, que é o querer 4 ser diferente, para que haja a transformação do sujeito de estado que, no caso, é o consumidor. Por ser Natal, evento que se opõe ao carnaval, a manipulação vai ser feita através de uma argumentação que usa formações discursivas próprias da festa cristã. O texto "3 Reis Magos guiados por uma estrela revelaram ao mundo o Menino Jesus" vai dar início à manipulação que é: três foliões, guiados pelo Cheiro, vão revelar a você a grande novidade (os três abadás). No segundo texto, "3 pedidos lhe serão concedidos por um Anjo" o manipulador faz com que o manipulado sinta-se como sendo atendido: os 3 pedidos que você vai fazer serão concedidos por um Anjo (que pode ser o bloco). Nesses dois momentos, o emissor - anunciante optou por um discurso mais objetivo, tornando indireta a relação entre o mesmo e o seu público alvo, pois a voz é generalizada, tratando-se do discurso de outrem. Observe-se que, após o primeiro texto, o desejo é de um Feliz Natal: a revelação; após o segundo, o desejo é de Feliz Ano Novo: aí já se pode pensar no carnaval, o pedido pode ser concretizado. Nessas duas passagens, o percurso gerativo de sentido se figurativiza por elementos referentes às duas datas: Natal e Ano Novo. Quem age são "os Reis Magos" , figurativizando os foliões do Cheiro, e o Anjo, simbolizando o bloco. No terceiro texto, "3 abadás completos são o presente do Cheiro para você", o manipulador persuade o destinatário já pressupondo a sua conformidade, apresentando-lhe a sanção que seria: se você entrar no bloco (comprar o carnê), ganha de presente os três abadás completos. Aí o anunciante assume pessoalmente a mensagem, numa relação direta com o público. O Feliz Carnaval culmina o efeito de sentido da peça, que, antes de ter como intenção final desejar Feliz Natal e Feliz Ano Novo, tem de desejar Feliz Carnaval com o bloco Cheiro de Amor. Dessa forma, está transformado o objeto que é a concepção do abadá comum, em objeto-valor que é a concepção de um abadá para cada dia. Foi dado, então, um valor novo ao objeto, a partir de um critério de juízo em que para se brincar de forma perfeita só com um abadá para cada saída do bloco. Com isto o anunciante, partindo da identidade do seu público, oferece-lhe algo que deve representar o seu desejo. 5 Para os foliões que não saírem no Cheiro, a sanção dada pelo manipulador é ficar em conjunção com o objeto (que é o abadá comum), usando-o suado ou tendo trabalho de laválo, já que eles recusaram o contrato de associar-se ao bloco. Para os foliões do Cheiro, a sanção é o prêmio, ou seja, a retribuição através da tranqüilidade de usar um abadá novo a cada dia. A partir dessa análise da estrutura narrativa da peça, vimos como a argumentação foi trabalhada através de estratégias discursivas, que fazem uso de diferentes papéis para representar o anunciante: através dos Reis Magos, do Anjo e do próprio Cheiro. O argumento se apresenta nas formações discursivas dos três enunciados, sendo que os dois primeiros são postos (proposições explícitas) que têm no subentendido a força da sua argumentação, ancorada pela imagem dos três jovens: 3 foliões, guiados pelo Cheiro, vão revelar a você a grande novidade, e 3 pedidos ser-lhe-ão concedidos pelo bloco (anjo). Portanto, o objetivo de persuadir, de levar o consumidor a comprar o carnê que dá direito aos três abadás, insinua-se na interação do discurso com as formações ideológicas do Natal a função dos Reis Magos, da estrela e do Anjo -, que imprimem o diálogo com o interlocutor. Esse discurso é orientado para levar o consumidor (interlocutor) à conclusão, explícita na peça, que é: "Cheiro. O novo é aqui!", onde o subentendido é: ... e não em outro bloco. Isto se dá através das articulações argumentativas que estão nos textos, possibilitando, portanto, a progressão do discurso, procurando levar o destinatário a entender as intenções do anunciante. O subentendido, portanto, vai nos dar uma significação que está subjacente ao texto explícito na própria peça. Uma das marcas lingüísticas responsáveis pela forma como a peça é apresentada pelo enunciador (anunciante) e como é captada pelo interlocutor (consumidor) são os tempos verbais. No texto 1, "3 Reis Magos guiados por uma estrela revelaram ao mundo o Menino 6 Jesus" está empregado o verbo no pretérito perfeito simples, pois se trata de uma narração, cuja ocorrência está distante do enunciador, o que o leva a uma atitude mais relaxada e passiva. Ele ainda não se situa de forma atuante no discurso. Nesse momento, temos o chamado mundo narrado. Entretanto, no subentendido, o tempo verbal que vai ocorrer é o presente: os três foliões do Cheiro vão revelar a grande novidade. Implicitamente, o enunciador já está se comprometendo no discurso, através da argumentação que visa persuadir o interlocutor (consumidor). No segundo texto, "3 pedidos lhe serão concedidos por um Anjo" o tempo verbal é o futuro do presente que carrega em si uma atitude tensa, pois não é simplesmente um relato que se está fazendo. Aí o enunciador já se coloca sob tensão, no momento em que seu discurso vai tentar modificar o mundo, no caso, o comportamento do consumidor que deverá fazer os três pedidos. Esse tempo verbal, que é o comentado, no qual há um comprometimento do enunciador (anunciante) atinge o interlocutor (consumidor) afetado diretamente, e do qual se espera uma reação. No terceiro texto, "3 abadás completos são o presente do Cheiro para você", o tempo presente também é um tempo comprometedor, exigindo uma tensão do enunciador, já que o seu discurso vai atingir diretamente o interlocutor, no caso dessa peça, procurando envolvê-lo de tal forma, que o torne cúmplice da mensagem. O consumidor, que é o alvo, já está virtualmente recebendo o presente, através do próprio cartão dirigido diretamente a ele, e deverá ser persuadido a comprar o carnê. Nesse caso, a passagem do narrado para o comentado ocorre, na argumentação, para atenuar a força do elemento persuasivo, presente no mundo comentado, que capta a atenção do interlocutor. Os dois outdoors que veicularam a novidade dos três abadás, ainda em 1996, fizeram uso de uma linguagem cujo objetivo foi informar ao consumidor a “Sensação do Carnaval”. Com a imagem de três elefantes, marca do bloco, vestidos em cores diferentes, o Cheiro 7 comunica: em uma peça, “Três abadás agradam muito mais” e, na outra, “Nem precisa lavar”, ancorados pelo texto: “Cheiro. Um abadá pra cada dia”. Nessa campanha para o carnaval de 1997, já no mês de janeiro, o bloco Cheiro de Amor veiculou três peças apresentando os modelos dos três abadás. Foram três outdoors que apresentavam os modelos das fantasias. Analisando a formação discursiva nas três peças, temos mais um recurso que leva à argumentação, que é a intertextualidade. No texto de cada uma delas, encontramos, respectivamente, as palavras Gandhy, Apache e Olodum, que pertencem aos blocos assim denominados, e que geralmente estão presentes nos textos a eles referentes. Ao mesmo tempo em que o Cheiro de Amor homenageia as referidas entidades, o bloco, enquanto anunciante, retoma elementos lingüísticos que, com certeza, não ocorreriam , a partir do contexto em que este se insere, nas suas peças publicitárias. Sendo instituições que representam outras culturas, os blocos Filhos de Gandhy, Apache e Olodum têm um perfil que os diferem dos blocos de trio, como o Cheiro de Amor. Nessa homenagem, o Cheiro levou à Avenida, no horário dos blocos de trio, um "Cheiro de Gandhy", um "Cheiro de Apache" e um "Cheiro de Olodum". Nessa intertextualidade lingüística e cultural, está a argumentação usada para levar um número maior de foliões para o bloco. São três fantasias diferentes, são os três blocos: Olodum, Apache e Gandhy representados no Cheiro; é um Cheiro mais completo, não só um Cheiro de Amor. No texto de cada uma das peças, a mesma formação discursiva "Um abadá completo para cada dia" aparece como mais uma argumentação em que o subentendido: um abadá que tem tudo e além de ser Cheiro é também Gandhy, Apache e Olodum representa de forma completa cada uma das entidades carnavalescas, além de ser Cheiro. Na peça “Três abadás agradam muito mais” também temos a presença da intertextualidade, no momento em que as formações discursivas remetem-se ao discurso de outrem que é o da brincadeira popular, que diz: “um elefante incomoda muita gente, dois 8 elefantes incomodam, incomodam muito mais...”, e assim sucessivamente. O que se busca quando se faz uma análise do discurso publicitário é exatamente mostrar a relação que ocorre entre a instituição ou produto e o seu público. Como vimos nas peças analisadas, há uma verdadeira encenação nessa relação, realizada através dos actantes (sujeito e objeto) que viabilizam a narrativa. Na primeira peça analisada, a narrativa ocorreu a partir de formas explícitas, ou seja, através de "histórias" contadas, embora suscitando um novo sentido. Apesar da organização das frases dar conta da estruturação lingüística enquanto tal, as estratégias usadas conduzem a uma perspectiva além da superfície. Isto nos mostra que a sintaxe da linguagem publicitária se situa num nível que não é manifesto. Nas três peças dos abadás, a relação entre a forma e a significação se dá de maneira diferente, pois não temos na linguagem explícita uma "história" pronta, ou seja, uma relação sintática completa dos elementos lingüísticos, evidenciando um conteúdo. Isto também se deve à característica do próprio veículo, já que o cartão permite um texto mais extenso, enquanto o outdoor exige uma mensagem mais sucinta. Em Cheiro de Gandhy, Cheiro de Apache e Cheiro de Olodum a narrativa vai ser o elemento organizador que está por trás do explícito, já que é ela que vai estruturar, assim como o faz a sintaxe da língua, o sentido da mensagem que se quer passar. No caso das três peças, temos também a imagem ancorando o seu sentido, assim como o discurso referencial anunciando "um abadá completo para cada dia". Dessa forma, a estratégia de comunicação usada com o objetivo de conseguir mais sócios através da sedução, se completa no sentido implícito de "Cheiro de Gandhy" que é: o bloco Cheiro de Amor sai este ano, na Avenida, no domingo, homenageando o bloco Filhos de Gandhy. A mesma estrutura é usada para as peças "Cheiro de Apache" e "Cheiro de Olodum". Não apenas a novidade dos três abadás, mas também a de sair no Cheiro vestido de Gandhy, de Apache e de Olodum, sendo, portanto, também um deles. Vimos que o valor investido nessa campanha do bloco Cheiro de Amor é não só de prazer, mas, ao mesmo tempo, de utilidade, no sentido de que atende à necessidade de mais 9 higiene e mais praticidade no uso da fantasia de carnaval. Todo o seu discurso foi orientado para estabelecer uma relação entre o anunciante e o público alvo visando firmar um contrato, que seria a compra do carnê do bloco. Prevendo a adesão de outros blocos para o uso de três abadás, o bloco Cheiro de Amor veiculou um outdoor apontando a “nova tendência para 1998”, que seria um abadá para cada dia, com o título: “Podem imitar”. Dessa forma, o Cheiro oferece o objeto-valor aos concorrentes, o que dá a impressão de estarem sendo manipulados pelo “dono da idéia”. Se aderirem à novidade lançada em 1997, foi porque foi-lhes dada a competência pelo bloco Cheiro de Amor, que é o poder-fazer. Para o seu carnaval de 1998, o bloco veiculou três outdoors, um para cada abadá, sendo desta vez um “Cheiro Brasil” ( homenageando a Copa do Mundo no domingo), um “Cheiro Country” ( um rodeio na Avenida na segunda) e um “Cheiro, Paz e Amor” (homenagem ao movimento hippie na terça). 3. CONSIDERAÇÕES FINAIS O objetivo da nossa pesquisa e análise tem sido identificar diferentes formas de argumentação usadas na publicidade dos blocos de carnaval, onde, muitas vezes, estruturas 10 simples, contendo mensagens aparentemente objetivas, revelam uma narrativa subjacente por onde os temas perpassam. No caso do cartão de Natal, constatamos como foi feito o uso de formações discursivas que representam formações ideológicas tão distintas do objetivo da campanha, que é propagar algo para o carnaval e não para o Natal. É uma forma de manipular o público-alvo usando um momento em que, ideologicamente, não deveria haver esse tipo de publicidade. A maneira como a atenção do consumidor é atraída, quando o objeto, que é um determinado bloco, em quase nada difere dos demais concorrentes, leva-nos a perceber uma peculiaridade na criação dessas campanhas realizadas para o carnaval baiano. As mensagens transmitidas tendem a escapar do lugar-comum inerente ao rotineiro processo que antecede o carnaval. Este mergulho na publicidade carnavalesca nos faz enveredar por um caminho onde o lúdico e o cultural permeiam as formações discursivas. 4. BIBLIOGRAFIA 11 BARROS, Diana L. Pessoa de. Teoria do discurso: fundamentos semióticos. São Paulo: Atual, 1998. 172 p. (Série Lendo). __________. Teoria Semiótica do Texto. São Paulo: Ática, 1990. 96 p. (Série Fundamentos 720. CARVALHO, Nelly de. PUBLICIDADE A linguagem da sedução. São Paulo: Ática, 1996. 175 p. FIORIN, José Luis. Linguagem e ideologia. 5.ed. São Paulo: Ática, 1997. 87 p. KOCH, Ingedore G. Villaça. Argumentação e linguagem. 3.ed. São Paulo: Cortez, 1993. OUTDOOR - Uma visão do meio por inteiro. 2.ed. São Paulo: Central de Outdoor, 1997. 86 p. SANT’ANNA, Armando. Propaganda: teoria e prática. 4.ed. São Paulo: Pioneira, 1989. 372 p. SEMINÁRIOS DE VERÃO I - UFBA no Carnaval. Salvador: Universidade Federal da Bahia. Pró-Reitoria de Extensão, 1998. 220 p. il. VESTERGAARD, Torben e SCHRODER, Kim. A linguagem da propaganda. Trad. por João Alves dos Santos ; Trad. dos textos publicitários Gilson César C. de Souza. 2.ed. São Paulo: Martins Fontes, 1994. 197 p. 12 ANEXOS 13