Commodity Insight
Junho de 2013
O funcionamento do mercado de açúcar europeu e os
impactos do fim das quotas de produção
A União europeia é o maior produtor mundial de açúcar de beterraba, com
aproximadamente 50% do total produzido, que por sua vez corresponde a 20%
da safra mundial do adoçante, com os outros 80% sendo provenientes da cana.
Ademais, o bloco econômico também é o maior importador de açúcar bruto da
cana para refino.
Lígia Heise
Analista de Mercado
[email protected]
A parte norte da Europa possui clima mais adequado ao bom desenvolvimento
da beterraba, de modo que seus maiores produtores são o norte da França,
Alemanha, Reino Unido e Polônia. Estima-se que no ano-safra 2012/13 a
produção do bloco econômico some 17,4 milhões de toneladas de açúcar
(valor bruto).
Até 2005 o mercado de açúcar europeu era altamente regulamentado, tendo
então passado por uma reforma estrutural significativa, cujo principal
objetivo era tornar o setor mais eficiente, embora ainda mantendo alguns
mecanismos regulatórios, entre os quais as quotas de produção de açúcar.
Dentre as mudanças observadas na União Europeia após 2006, em decorrência
dessa reforma, destaca-se um aumento da eficiência, forte redução de sua
produção e de suas exportações.
Produção vs. exportações de açúcar – União Europeia
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Fonte: Comissão Europeia
A comercialização de commodities apresenta risco e a FCStone não assume responsabilidade pelo uso de qualquer informação contida neste
documento para este fim. Toda a informação contida neste relatório foi adquirida de fontes consideradas confiáveis, mas não representam
garantia de precisão. As informações e as opiniões aqui expressas não constituem solicitação de compra ou venda de futuros ou opções
sobre futuros, ou qualquer derivativo. É proibida a reprodução de parte ou de todo este relatório sem a expressa autorização por escrito da
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A nova regulamentação, mais flexível, passou a vigorar em 2006 e deveria expirar em 2015, mas há
uma corrente organizada se posicionando contra este término, solicitando a prorrogação do atual
regime até 2020. Há ainda aqueles que defendam o fim do atual sistema em 2017, bem como aqueles
a favor de que a data proposta quando do início do regime seja cumprida.
Um grupo formado por representantes da Comissão Europeia, do governo dos países membros e do
Parlamento está discutindo a questão, de modo que uma decisão poderá ser tomada ainda este mês.
Mas, afinal, o que caracteriza o atual regime? Quais seus impactos sobre o funcionamento do
mercado europeu de açúcar? Quem são os atores envolvidos na discussão do final do regime e o que
defendem? Quais os possíveis impactos do atual regime sobre o mercado europeu e mundial? O
presente estudo pretende responder a estas questões, de suma importância para o mercado global da
commodity, em função do peso do bloco como produtor, consumidor, importador e potencial
exportador de açúcar.
O FUNCIONAMENTO DO MERCADO EUROPEU DE AÇÚCAR
O atual regime se sustenta sobre três pilares, os dois primeiros ligados à reforma de 2005 e o terceiro
independente do que estabeleceu a nova regulamentação.
a) Sistema de quotas de produção
Determina quota de produção de açúcar da União Europeia em 13,3 milhões de toneladas por anosafra (out-set), dividida entre dezenove países membros, dentro dos quais cada país determina o
máximo a ser produzido por cada empresa.
A produção que excede esses limites pode ser exportada, contudo, dentro do limite imposto pela
OMC, de 1,35 milhão de toneladas por safra. Esse excedente pode ser vendido para a produção de
biocombustíveis ou para outros fins não alimentícios, ou ainda ser contabilizado dentro da quota de
produção do ano seguinte.
b) Preço mínimo e de referência
Estabelece que processadores devam pagar preço mínimo pela beterraba, que atualmente é de €
26,29/ton, para a fabricação de suas respectivas quotas de produção de açúcar.
Ademais, determina preços de referência para o adoçante em suas formas brutas e refinada, como
forma de proteger a indústria. O governo pode intervir quando os preços do bloco caírem abaixo de
85% do preço de referência, que atualmente estão em € 404,40/ton, para o refinado, e € 335,20/ton
para o açúcar bruto.
c) Quotas de importação e exportação
Existem diversos acordos que regulamentam as relações comerciais da União Europeia com outros
países fornecedores de açúcar. De forma geral, o adoçante que entra no bloco é fortemente taxado,
com uma tarifa de € 339/ton sobre açúcar bruto e de € 419/ton sobre o refinado. Mas há acordos
especiais nos quais essa tarifa é zerada ou reduzida, com as quotas de importação em alguns casos
irrestritas.
A União Europeia pode importar açúcar bruto para refino irrestritamente e sem tarifas de grupo de
países menos favorecidos, chamado de LDC e de países membros do ACP (África, Caribe e Pacífico).
Existem 48 países do LDC que através do acordo EBA (Everything but arms) podem exportar açúcar ao
bloco sem restrições de quota e sem tarifas.
Já os países do ACP, que não os membros do grupo dos países menos favorecidos, estão firmando um
acordo com o bloco (alguns já o fizeram, outros ainda não, tendo até 2014 para fazê-lo), o Economic
Partnership Agreement (EPA). Esse acordo garante que os países signatários também possam exportar
o adoçante à União Europeia, sem restrição de quotas ou tarifas.
O bloco pode suspender as importações sem tarifa desse último grupo, se estas excederem 1,6 milhão
de toneladas, ou quando as exportações de todos os membros do ACP (incluindo os LDC) somarem 3,5
milhões de toneladas. Até o momento essa situação não ocorreu.
O bloco econômico também pode importar anualmente volume pré-determinado de açúcar bruto de
grupo de países a tarifas reduzidas ou ainda zeradas. Essa quota varia de ano para ano e é chamada
A comercialização de commodities apresenta risco e a FCStone não assume responsabilidade pelo uso de qualquer informação contida neste
documento para este fim. Toda a informação contida neste relatório foi adquirida de fontes consideradas confiáveis, mas não representam
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de CXL. Na safra 2012/13 seu volume total foi mantido em 676.925 toneladas, das quais 334.054
alocadas para o Brasil, 68.696 toneladas para Cuba, 9.925 toneladas para a Austrália, 10.000
toneladas para a Índia, e o restante, 253.977 toneladas foi alocado por ordem de requisição. O
volume importado dentro da quota CLX é taxado atualmente em € 98/ton.
Do lado oposto, como decorrência do regime de quotas de produção do mercado europeu, a OMC
determinou que o volume máximo exportado pelo bloco não ultrapasse 1,35 milhão de toneladas por
safra.
O DEBATE SOBRE O TÉRMINO DAS QUOTAS DE PRODUÇÃO
O regime que estabeleceu as quotas de produção e os preços mínimos em 2006 tinha data prevista
para acabar em setembro de 2015. Contudo, com a proximidade dessa data, a oposição contra o
término do atual regime em 2015 foi ganhando força.
O que se discute principalmente é o final do preço mínimo da beterraba e das quotas de produção de
açúcar do bloco. A questão dos preços de referência do açúcar não possui grande influência sobre o
mercado, de modo que seu término não parece ter grande relevância, uma vez que os preços de
referência estão muito distantes daqueles efetivamente praticados.. Por fim, a desregulamentação
em questão não abrangeria o sistema das quotas e tarifas de importação, que seria mantido.
Os agentes envolvidos na discussão podem ser classificados em três grandes grupos de interesse.
a) A favor do término das quotas e preços mínimos em 2015
Os consumidores industriais do açúcar são os principais representantes daqueles que defendem que o
regime deva ter fim em 2015, conforme acordado inicialmente. Esse grupo recebe o apoio da
Comissão Europeia.
Os consumidores procuram demostrar os malefícios provocados pelo sistema de quotas de produção,
que ficaram mais evidentes nos últimos anos.
Com o atual sistema de quotas, a União Europeia depende das importações de açúcar realizadas sob
os acordos EBA e EPA, que possibilitam a entrada de açúcar sem tarifas. Contudo, com a quebra de
safra em importantes fornecedores do adoçante nos últimos anos, o bloco viu uma redução de suas
importações, sofrendo com uma escassez do produto no mercado doméstico, o que se refletiu em
forte apreciação de seus preços internos.
Preços do açúcar refinado: mercado internacional (Londres), mercado interno
(média União Europeia) e preço de referência
Fonte: Comissão Europeia
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b) A favor da extensão do regime até 2020
As principais forças ligadas a esse movimento são os produtores de açúcar, apoiados pelo Parlamento
europeu.
Esse grupo defende que os produtores necessitam de mais tempo para se adaptarem às mudanças que
resultariam no fim das quotas de produção e dos preços mínimos, mais especificamente, o provável
aumento da concorrência.
Os produtores alegam que a desregulamentação tende a favorecer os grupos maiores e mais
capitalizados, o que poderia concentrar a produção nas mãos de poucos.
c) A favor da extensão do regime até 2017
Por fim, há um grupo que defende um meio termo, ou seja, a extensão do regime apenas até 2017,
formado pelo conselho de ministros que representam diversos países membros da União Europeia.
Desde março, estão ocorrendo debates entre o Parlamento, a Comissão Europeia e o grupo de
ministros, a fim de que se alcance algum acordo, que poderá ser anunciado em breve. A decisão de
estender o regime até 2017 parece mais provável, justamente por ser um meio termo entre o que
desejam produtores e consumidores.
POSSÍVEIS IMPACTOS DA DESREGULAMENTAÇÃO DO MERCADO EUROPEU
Independentemente da data em que ocorrerá o final do sistema de quotas de produção e dos preços
mínimos da beterraba, a desregulamentação cedo ou tarde virá, e deverá ter efeitos expressivos
sobre o mercado mundial do adoçante, dado o tamanho do mercado europeu.
O fim das quotas de produção no bloco econômico poderá promover novo aumento da eficiência do
setor, uma vez que as indústrias processadoras de beterraba localizadas em países com clima mais
favorável ao desenvolvimento da raiz poderão aumentar sua produção, apresentando ganhos de
escala, o que em última instância, poderia gerar novos investimentos.
A região conta com capacidade ociosa, de modo que, dependendo dos preços globais do açúcar, o
término das quotas de produção poderia resultar em aumento da produção do adoçante de beterraba
do bloco, logo após o término das quotas.
Tomando como base os dois maiores países produtores da União Europeia, estimamos que atualmente
a França utilize aproximadamente 82% de sua capacidade de processamento e a Alemanha use 85% de
sua capacidade.
Assumindo as demais variáveis constantes, um aumento de 10% na utilização da capacidade desses
dois países, se traduziria em aumento de pouco mais de 800 mil toneladas na produção de açúcar.
A elevação da produção para patamares mais expressivos depende, portanto, de novos investimentos,
seja em expansão industrial ou em melhores rendimentos industrial e agrícola. Com o possível fim
das quotas, as indústrias devem ter mais incentivos em realizar investimentos, reduzindo seus custos
de produção.
Em contrapartida, indústrias menos eficientes, em geral localizadas em países de clima mais quente,
teriam mais dificuldades em se expandirem e enfrentariam a concorrência de produtores mais
competitivos.
Com o término das quotas de produção, deve acabar também o limite estabelecido pela OMC para as
exportações de açúcar da União Europeia, fixado em 1,35 milhão de toneladas, deixando o bloco livre
para exportar irrestritamente. Por outro lado, as tarifas de importação seriam mantidas, assim como
os programas EPA e EBA, garantindo que as refinarias importem açúcar bruto sem tarifas ou a taxas
reduzidas.
Assim, a concorrência entre refinadores e os produtores do adoçante da beterraba poderia aumentar,
e as leis do livre mercado passariam a ter mais relevância, com a produção, importações e
exportações europeias respondendo mais a mudanças dos preços globais do açúcar.
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