UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ
KETTLYN PATRÍCIA DE OLIVEIRA
ADOÇÃO À BRASILEIRA:
Registro de Filho Alheio em Nome Próprio
Biguaçu
2014
ii
KETTLYN PATRÍCIA DE OLIVEIRA
ADOÇÃO À BRASILEIRA:
Registro de Filho Alheio em Nome Próprio
Monografia apresentada à Universidade do
Vale do Itajaí – UNIVALI , como requisito
parcial a obtenção do grau em Bacharel em
Direito.
Orientador: Profª. MSc. Helena Nastassya
Paschoal Pítsica
Biguaçu
2014
iii
KETTLYN PATRÍCIA DE OLIVEIRA
ADOÇÃO À BRASILEIRA:
Registro de Filho Alheio em Nome Próprio
Esta Monografia foi julgada adequada para a obtenção do título de bacharel e
aprovada pelo Curso de Direito, da Universidade do Vale do Itajaí, Centro de
Ciências Sociais e Jurídicas.
Área de Concentração:
Direito de Família
Biguaçu, 13 de Novembro de 2014.
Prof. MSc. Helena Nastassya Paschoal Pítsica
UNIVALI – Campus de Biguaçu
Orientador
Prof. Dr. Rafael Burlani Neves
UNIVALI – Campus de Biguaçu
Membro
Prof. Dr. Marcos Leite Garcia
UNIVALI – Campus de Biguaçu
Membro
iv
Dedico este trabalho aos meus pais amados, Patrícia Leonete
Teles e Paulo Sérgio de Oliveira, que me proporcionaram a
vida, aos meus avós Leonete Maria Teles e Antônio João
Teles, a quem declaro todo meu amor e gratidão. Aos meus
Padrinhos Flávia Leonete Teles e Robisson Antônio Teles, a
quem tenho muito a agradecer, ao meu querido irmão João
Victor de Oliveira, que tanto amo, e a minha bisavó Maria
Martinha Santana (in memoriam). Obrigada por todos os
ensinamentos, conselhos, demonstrações de amor, carinho,
afeto, enfim obrigada por tudo que vocês já fizeram e fazem
por mim. Vocês são extremamente importantes em minha vida,
e fazem parte de tudo que eu sou.
Amo vocês!
v
AGRADECIMENTOS
Primeiramente, gostaria de agradecer a Deus, pela força, coragem e
determinação que me proporcionou para que eu pudesse alcançar este objetivo.
Agradeço a minha mãe, Patrícia Leonete Teles, um grande exemplo em
minha vida, sendo uma pessoa dedicada, digna, capaz de enfrentar qualquer
problema, a quem dedico meu amor, além de me dar a vida, foi uma das pessoas
responsáveis pela concretização deste sonho.
Agradeço ao meu pai mais um dos responsáveis pela realização deste
sonho, aquele que admiro e respeito, que tem um lugar especial em meu coração e
muita importância em minha vida, agradeço por seus ensinamentos de educação e
caráter, e também todas as suas preocupações, dedicações e lições que só me
fizeram crescer.
Agradeço a minha avó Leonete Maria Teles, um exemplo de mulher, que
esta guardada em meu coração, pois sempre esteve ao meu lado, e que sempre fez
de tudo para que eu concluísse essa caminhada, sendo uma das responsáveis pela
realização de eu concluir este curso, espero que um dia eu possa retribuir pelo
menos a metade de tudo que ela já fez e tem feito por mim.
Agradeço ao meu querido avô, Antônio João Teles, a quem tanto admiro
e amo e que tem uma grande importância em minha vida, sempre com seus
ensinamentos, conselhos e contribuições, que me tornaram a pessoa que eu sou, e
que me deram força e sabedoria para seguir adiante, e concluir esta etapa de minha
vida.
Agradeço também ao meu tio e padrinho Robisson Antônio Teles, que
tanto amo, por toda consideração e amor, e por todas as vezes que me ajudou, nas
horas em que eu mais precisei e que também é um dos responsáveis pela
realização deste sonho.
Agradeço ainda, minha amada tia e madrinha Flávia Leonete Teles, que
mesmo tão distante se fez presente, com suas palavras de carinho, incentivo, e por
acreditar que eu seria capaz.
Quero agradecer também ao meu irmão, João Victor de Oliveira, meu
pequeno, que tanto amo e que me alegrou nas horas de desespero, tornando tudo
com uma solução simples de uma criança feliz.
vi
Agradeço ao meu namorado Filipe Amaral Néis, por toda compreensão,
paciência, carinho e amor, que também me proporcionou forças para seguir, e por
acreditar que eu alcançaria meu objetivo.
A minha professora MSc. Helena Nastassya Paschoal Pítsica, a quem tive
a honra de ter como minha orientadora, uma pessoa com tamanhas qualidades e
que torna difícil mensurar em palavras a satisfação que me proporcionou ao aceitar
o convite. O trabalho sério e respeitoso constituiu em lições que jamais vou
esquecer. Pois sou grata por todos os seus ensinamentos e agradeço por todas as
contribuições que foram essenciais para a conclusão do presente trabalho.
Por fim, quero agradecer a todos que de alguma maneira contribuíram
para que eu pudesse realizar este sonho, e concluir este curso, aos meus amigos,
em especial a minha amiga, Jéssica dos Santos Bittencourt pelo apoio e incentivo, e
gostaria de agradecer novamente, a minha família, pois cada um contribuiu de uma
forma para que eu pudesse chegar até aqui, cada um teve uma grande importância
e se não fossem eles eu não alcançaria este objetivo. Portanto, os meus mais
sinceros agradecimentos.
vii
“Enquanto Deus for meu chão, não há quem me derrube”.
(autor desconhecido)
viii
TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE
Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade
pelo aporte ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do
Vale do Itajaí, a coordenação do Curso de Direito, a Banca Examinadora e o
Orientador de toda e qualquer responsabilidade acerca do mesmo.
Biguaçu, 13 de Novembro de 2014.
Kettlyn Patrícia de Oliveira
ix
RESUMO
A presente monografia visa demonstrar a controvérsia existente entre a
legislação brasileira e o entendimento exarado pelos Tribunais de Justiça de Santa
Catarina, Paraná, e Rio Grande do Sul, bem como do Superior Tribunal de Justiça,
em relação à (i) legalidade da adoção à brasileira, posto que apesar de tipificado tal
prática como crime previsto no artigo 242 do Código Penal, vem se manifestando os
citados Tribunais pelo não reconhecimento de crime por diversas razões que serão
expostas na presente, o que leva a acreditar que tal forma de adoção é legalmente
permitida.
Palavra-chave: adoção, família, crime, legalidade
x
ABSTRACT
This monograph aims to demonstrate the existing controversy between
the Brazilian legislation and the understanding recorded by the Courts of Justice of
Santa Catarina, Paraná, and Rio Grande do Sul, as well as the Superior Court of
Justice in relation to (i) the legality of the adoption Brazil, since although this practice
typified as a crime under Article 242 of the Penal Code, has manifested the Courts
cited by non-recognition of crime for various reasons that will be exposed in this,
which leads to believe that this form of adoption is legally permitted.
Keyword: adoption, family, crime, legality
xi
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO.............................................................................................................1
1. NOÇÕES DE DIREITO DE FAMÍLIAS....................................................................2
1.1 Família...................................................................................................................2
1.2 Escorço histórico - conceitual da família................................................................3
1.3 Espécies de famílias..............................................................................................6
Família matrimonial...............................................................................................7
Concubinato..........................................................................................................8
União estável........................................................................................................9
Família monoparental..........................................................................................10
Família anaparental.............................................................................................11
Família substituta................................................................................................12
Família pluriparental............................................................................................12
Família eudemonista...........................................................................................13
Família ou união homoafetiva.............................................................................14
Família paralela...................................................................................................15
Família unipessoal..............................................................................................16
1.4 Espécies de parentesco......................................................................................16
1.5 Princípios norteadores do direito de família........................................................18
Princípio da igualdade.........................................................................................18
Princípio do melhor interesse da criança e do adolescente................................20
Princípio da afetividade.......................................................................................21
Princípio da dignidade da pessoa humana.........................................................22
2. ADOÇÃO NO DIREITO BRASILEIRO.................................................................24
2.1 Conceito e natureza jurídica da adoção..............................................................24
2.2 Escorço histórico legal da adoção no Brasil........................................................26
A adoção segundo o Código Civil de 1916.........................................................26
A adoção no Código de Menores de 1979..........................................................28
A adoção segundo a Constituição Federativa do Brasil de 1988........................31
A adoção no Código Civil de 2002......................................................................33
A adoção no Estatuto da Criança e do Adolescente...........................................35
2.3 Efeitos da adoção................................................................................................37
xii
3. A ADOÇÃO À BRASILEIRA.................................................................................41
3.1 Conceito...............................................................................................................41
3.2 A tipificação de crime e sua aplicabilidade..........................................................43
3.3 (IM) possibilidade de reversão da adoção à brasileira........................................50
CONCLUSÃO............................................................................................................59
REFERÊNCIAS.........................................................................................................61
1
INTRODUÇÃO
A presente monografia visa demonstrar por meio de doutrinas e decisões
dos Tribunais de Justiça de Santa Catarina, Paraná, e Rio Grande do Sul, bem como
do Superior Tribunal de Justiça, a divergência existente em relação à (i) legalidade
da adoção à brasileira, posto que verificar-se-á que apesar de ser tipificado como
crime, tal prática nem sempre enseja em pena.
Pode-se afirmar que referido tema é de suma importante para o país,
porquanto se tem informações de que a adoção à brasileira é consequência do
tráfico internacional de crianças.
No primeiro capítulo serão apresentados os aspectos basilares da família,
sua evolução histórica, as espécies de família, as espécies de parentescos e alguns
dos princípios constitucionais que regem o direito de família.
O segundo capítulo tem por objetivo estudar o conceito e a natureza
jurídica da adoção no direito brasileiro, o escorço histórico legal da adoção, bem
como seus efeitos.
E o terceiro capítulo estudar-se-á a adoção à brasileira, a qual foi criada
pela jurisprudência e que ocorre com frequência no país. Analisar-se-á ainda sua (i)
legalidade, seu prazo prescricional para ser declarado crime, seus efeitos, bem
como sua possibilidade ou não de reversão.
Ademais, restará demonstrado no decorrer da pesquisa, todo o período
decorrido até chegar-se aos dias atuais, elencando todas as espécies de família que
existiram ou ainda existem no país, bem como, todas as Leis que regulamentaram a
adoção até chegar ao Estatuto da Criança e do Adolescente.
Assim, considera-se um tema de grande relevância para uma pesquisa
acadêmica, haja vista o vínculo da adoção à brasileira com o tráfico internacional de
crianças, e em razão de sua prática ser tão comum no país, fato que originou na
concepção do nome de adoção ―à brasileira‖.
Para tanto, utilizar-se-á o método dedutivo, partindo-se do histórico de
família, e, em seguida abordando a adoção em geral, para ao final tratar dos
assuntos concernentes à adoção à brasileira, quais sejam: conceito, tipificação de
crime e (im) possibilidade de reversão.
2
1. NOÇÕES DE DIREITO DE FAMÍLIAS
Neste capítulo serão apresentados os aspectos basilares da família, sua
evolução histórica, as espécies de família, as espécies de parentescos e alguns
princípios constitucionais que regem o direito de família, itens indispensáveis para a
compreensão do tema proposto.
1.1 FAMÍLIA
Primeiramente, observar-se que o conceito de família considera como
seus membros, não apenas pessoas ligadas pelo vínculo da consanguinidade, mas
também as pessoas que convivem entre si com laços de amor, não sendo
necessária a presença de laços naturais.
Nesse sentido, relata Maria Helena Diniz:
Deve-se, portanto vislumbrar a família uma possibilidade de
convivência, marcada pelo afeto e pelo amor, fundada não apenas
no casamento, mas também no companheirismo, na adoção e na
monoparentalidade. É ela o núcleo ideal do pleno desenvolvimento
da pessoa. É o instrumento para a realização integral do ser
humano.1
Assim, a família pode ser formada pelo casamento civil ou religioso, pela
união estável, por relações de afeto, por adoção, ou por diversas outras espécies em
que estejam presentes os princípios da entidade familiar.
Portanto, nota-se que a família não se trata apenas de pessoas ligadas
pelo vínculo sanguíneo, mas também pelo vínculo criado através de laços de amor.
Sob a ótica de Gagliano e Pamplona Filho:
[...] o conceito de família não tem matiz único, temos a convicção de
que a ordem constitucional vigente consagrou uma estrutura
paradigmática aberta, calcada no princípio da afetividade, visando a
permitir, ainda que de forma implícita, o reconhecimento de outros
ninhos ou arranjos familiares socialmente construídos.2
Desta forma, percebe-se que o conceito de família se tornou mais
abrangente, levando em consideração o princípio da afetividade, reconhecendo as
novas espécies de família. Assim, observa-se que ―a realização pessoal da
afetividade, no ambiente de convivência e solidariedade, é a função básica da
família de nossa época‖.3
1
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: direito de família. 20. ed. São Paulo:
Saraiva. 2005. p.13.
2
GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil: direito de
família. São Paulo: Saraiva. 2011 v. VI. p. 41.
3
LÔBO, Paulo. Direito civil: famílias. 4. ed. São Paulo: Saraiva. 2011. p.20.
3
Registra-se, ainda, nas palavras de Arnaldo Rizzardo, o seguinte
entendimento:
No sentido atual, a família tem um significado estrito, constituindo-se
pelos pais e filhos, apresentando certa unidade de relações jurídicas,
com idêntico nome e o mesmo domicílio e residência, preponderando
identidade de interesses matérias e morais, sem expressar,
evidentemente, uma pessoa jurídica. No sentido amplo, amiúde
empregado, diz respeito aos membros unidos pelo laço sanguíneo,
constituída pelos pais e filhos, nestes incluídos os ilegítimos ou
naturais e os adotados. Num segundo significado amplo, engloba,
além dos cônjuges e da prole, os parentes colaterais até determinado
grau, como tios, sobrinhos, primos; e os parentes por afinidade –
sogros, genro, nora e cunhados.4
E ainda completa:
Dentro deste quadro de acepções, eis o conceito de família que mais
se adapta aos novos regramentos jurídicos: o conjunto de pessoas
com o mesmo domicílio ou residência, e identidade de interesses
materiais e morais, integrado pelos pais casados ou em união
estável, ou por um deles e pelos descendentes legítimos, naturais ou
adotados.5
Deste modo, entende-se que a alteração do conceito de família, se fez
necessária devido aos novos modelos de família existentes na sociedade.
Ainda, nas palavras de Carlos Alberto Maluf e Adriana Caldas Maluf:
O conceito de família tomou outra dimensão no mundo
contemporâneo, estendendo-se além da família tradicional, oriunda
do casamento, para outras modalidades, muitas vezes informais,
tendo em vista o respeito à dignidade do ser humano, o momento
histórico vigente, a evolução dos costumes, o diálogo internacional, a
descoberta de novas técnicas científicas, a tentativa da derrubada de
mitos e preconceitos.6
Verifica-se, assim, que os conceitos são adaptados às novas formas de
convivência, para que os indivíduos possam ter o amparo legal e os seus direitos
garantidos.
No tópico seguinte, adentrar-se-á na parte histórica do conceito de
família.
1.2 ESCORÇO HISTÓRICO - CONCEITUAL DA FAMÍLIA
No Direito Romano, a família era uma entidade organizada pela figura
masculina, muito diferente da contemporaneidade, ou seja, pelo pater.
4
RIZZARDO, Arnaldo. Direito de família: Lei nº 10.406, de 10.01.2002. 4. ed. Rio de Janeiro:
Forense. 2006. p. 11.
5
RIZZARDO, Arnaldo. Direito de família: Lei nº 10.406, de 10.01.2002. p. 12.
6
MALUF, Carlos Alberto Dabus; MALUF, Adriana Caldas do Rego. Curso de direito de família. São
Paulo: Saraiva. 2013. p. 29.
4
Com efeito, ensina Carlos Roberto Gonçalves:
No direito romano a família era organizada sob o princípio da
autoridade. O pater famílias exercia sobre os filhos o direito de vida e
de morte (ius vitae acnecis). Podia, desse modo, vendê-los, imporlhes castigos e penas corporais e até mesmo tirar-lhes a vida. A
mulher era totalmente subordinada à autoridade marital e podia ser
repudiada por ato unilateral do marido.7
Para Caio Mário da Silva Pereira, o pater era o chefe da família e exercia
todo o seu poder sob aqueles que estavam em sua autoridade, veja-se:
O pater era, ao mesmo tempo, chefe político, sacerdote e juiz.
Comandava, oficiava o culto dos deuses domésticos (penates) e
distribuía justiça. Exercia sobre os filhos direito de vida e de morte
(ius vitae acnecis), podia impor-lhes pena corporal, vendê-los, tirarlhes a vida. A mulher vivia in loco filiae, totalmente subordinada à
autoridade marital (in manumariti), nunca adquirindo autonomia, pois
que passava da condição de filha à esposa, sem alteração na sua
capacidade; não tinha direitos próprios, era atingida por capitis
deminutio perpétua que se justificava propter sexus infirmitatem ET
ingnorantiam rerum forensium. Podia ser repudiada por ato unilateral
do marido.8
Sendo assim, ―a autoridade do pater alcançava uma posição de notável
grandeza, pois exercia ele o poder (potestas) sobre os escravos, os filhos, e as
mulheres‖.9
Acerca da figura do pater, Arnaldo Rizzardo também comenta:
Submetiam-se a ele todos os integrantes daquele organismo social:
mulher, filhos, netos, bisnetos e respectivos bens. Está a família, jure
próprio, ou o grupo de pessoas submetidas a uma única autoridade.
De outro lado, conhecia-se também a família communi jure, uma
união de pessoas pelo laço do parentesco civil do pai, ou agnatio,
sem importar se eram ou não descendentes. Não se considerando o
parentesco pelo laço da mulher, o filho era estranho à família de
origem da mãe. Considerava-se a família patriarcal propriamente
dita.10
Contudo, algumas regras da família patriarcal foram desaparecendo,
conforme menciona Caio Mário da Silva Pereira:
[...] conheceu-se o casamento sinemanu; as necessidades militares
estimularam a criação de patrimônio independente para os filhos,
constituídos pelos bens adquiridos como soldado (peculium
castrense), pelos que granjeavam no exercício de atividades
intelectuais, artísticas ou funcionais (peculium quase castrense) e
7
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro. 3 ed. São Paulo: Saraiva. 2007. v. 4. p.15.
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil: direito de família. 19. ed. Rio de
Janeiro: Forense. 2012. v. 5. p. 31.
9
RIZZARDO, Arnaldo. Direito de família: Lei nº 10.406, de 10.01.2002. p. 10.
10
RIZZARDO, Arnaldo. Direito de família: Lei nº 10.406, de 10.01.2002. p. 10.
8
5
pelos
que
lhe
vinham
(peculiumadventicium).11
por
formas
diversas
desses
Assim, a evolução da família romana foi aos poucos restringindo a
autoridade do pater, transferindo maior autonomia à mulher e aos filhos.12
No que se refere ao casamento, a ideia romana é diferente dos dias
atuais, posto que para os romanos o afeto era um elemento necessário para o
casamento, o qual deveria existir não apenas no momento da celebração, mas
durante todo o matrimônio. Logo, a falta de convivência e a ausência de afeição
eram causas indispensáveis para a dissolução do casamento.13
Adiante, na época imperial, as mulheres adquiriram autonomia,
participando da vida social e política, deixando para trás as funções exclusivamente
familiares.14
Deste modo, percebe-se a diferença dos direitos referentes a essas
épocas passadas dos que vigoram atualmente, o que hoje é considerado direito,
como o divórcio, antes só era admitido quando ocorria alguma causa que gerava a
dissolução do casamento.
Já sob a ótica do Direito Canônico, o que se tem são bases mais
moralistas, pré-definidas e formalistas.
Os canonistas primavam pela vitaliciedade do casamento firmado perante
Deus. Um instituto contrário à índole da família e ao interesse dos filhos, pois para
sua formação isso seria prejudicial. Consideravam o matrimônio não somente um
contrato, mais sim um sacramento, não podendo os homens dissolver uma união
realizada por Deus.15
Nesta época existiam regras consideradas sagradas, sendo que, o
casamento era a procriação e criação dos filhos, não se discutia se o casamento
trazia felicidade ou não para os nubentes.
A propósito, Carlos Roberto Gonçalves relata:
Durante a Idade Média as relações de família regiam-se
exclusivamente pelo direito canônico, sendo o casamento religioso o
único conhecido. Embora as normas romanas continuassem a
exercer bastante influência no tocante ao pátrio poder e ás relações
11
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil: direito de família. p. 31.
WALD, Arnoldo. O novo direito de família. 12. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais. 1999. p. 31.
13
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro. p.16.
14
WALD, Arnoldo. O novo direito de família. p.32.
15
WALD, Arnoldo. O novo direito de família. p.33.
12
6
patrimoniais entre os cônjuges, observava-se também a crescente
importância de diversas regras de origem germânica.16
Ainda, sobre o direito canônico, no que refere ao casamento, Arnoldo
Wald ensina que o matrimônio era concebido como sacramento, ―reconhecendo-se a
indissolubilidade do vínculo e só se discutindo o problema do divórcio em relação
aos infiéis, cujo casamento não se reveste de caráter sagrado‖.17
Ademais, importante mencionar que ―os efeitos da separação no direito
canônico são a extinção do dever de coabitação, subsistindo, todavia, entre os
separados, os deveres de fornecer alimentos e de fidelidade recíproca‖. 18
A respeito disso, afirma Orlando Gomes:
A autoridade do direito canônico em matéria de casamento foi
conservada até a lei de 1980, que instituiu o casamento civil. (...). A
lei civil reproduziu várias regras do direito canônico, e algumas
instituições eclesiásticas se transformaram em instituições seculares,
tal como ocorreu, nos países católicos. Sob influência religiosa, por
exemplo, mantém-se o princípio da indissolubilidade do vínculo
matrimonial, adotando-se o desquite como forma de dissolução da
sociedade conjugal. A separação da Igreja do Estado criou
prevenções contra o casamento religioso, mas foi restabelecida sua
eficácia, uma vez observadas certas exigências.19
Deste modo, compreende-se que até a alguns anos atrás eram
obedecidas regras ríspidas, mas que gradativamente o conservadorismo foi sendo
deixado de lado, trazendo evoluções consideráveis para a sociedade moderna.
Assim, ―é notário que o nosso direito de família foi fortemente influenciado
pelo direito canônico, como consequência principalmente da colonização lusa‖.20
Isto posto, com as devidas considerações a respeito do conceito de
família, analisar-se-á a seguir as espécies de famílias.
1.3 ESPÉCIES DE FAMÍLIAS
Inicialmente, necessário classificar as espécies de família da seguinte
forma: família matrimonial – casamento; concubinato; união estável; família
monoparental; família anaparental; família pluriparental; família eudemonista; família
ou união homoafetiva; família paralela e família unipessoal.
16
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro. p.16.
WALD, Arnoldo. O novo direito de família. 13. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2000. p.13.
18
WALD, Arnoldo. O novo direito de família. p.35.
19
GOMES, Orlando. Direito de família. 14. ed. Rio de Janeiro: Forense. 2002. p.9.
20
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: direito de família. 5. ed. São Paulo: Saraiva.
2008. p. 16.
17
7
A primeira espécie a ser estudada é a família matrimonial, também
conhecida como casamento.
a) Família matrimonial
A família matrimonial ou casamento é uma das entidades familiar
previstas na Constituição Federativa do Brasil de 1988, a qual é considerada a
espécie de família mais antiga, conhecida e formal, por isso, aceita pela sociedade.
Para Silvio Rodrigues o casamento é considerado um contrato de direito
de família ―que tem por fim promover a união do homem e da mulher, de
conformidade com a lei, a fim de regularem suas relações sexuais, cuidarem da
prole comum e se prestarem mútua assistência‖.21
Por outro lado, para Roberto Senise Lisboa o casamento é uma ―união
solene entre sujeitos de sexos diversos entre si, para a constituição de uma família e
a satisfação dos seus interesses personalíssimos, bem como de sua eventual
prole‖.22
No mesmo sentido, ensina Carlos Roberto Gonçalves:
Casamento é a união legal entre um homem e uma mulher, com
objetivo de constituírem a família legitima. Reconhe-se-lhe o efeito de
estabelecer ―comunhão plena de vida, com base na igualdade de
direitos e deveres dos cônjuges‖ (CC, art. 1511).23
Ainda, Paulo Lôbo ensina que ―o casamento é um ato jurídico negocial,
solene, público e complexo, mediante o qual um homem e uma mulher constituem
família, pela livre manifestação de vontade e pelo reconhecimento do Estado‖.24
Por sua vez, dispõe o Código Civil de 2002 que “o casamento estabelece
comunhão plena de vida, com base na igualdade de direitos e deveres dos
cônjuges‖ (art. 1.511).25
Assim, entende-se que ―em sentido amplo, o casamento pode ser
entendido como uma união socialmente sancionada entre pessoas físicas que tem
como propósito constituir família (com ou sem filhos) mediante comunhão de vida‖.26
21
RODRIGUES, Sílvio. Direito civil: direito de família. 28. ed. São Paulo: Editora Saraiva. 2004. v.6.
p.19.
22
LISBOA, Roberto Senise. Manual de direito civil: direito de família e sucessões. 7. ed. São Paulo:
Saraiva. 2012. v. 5. p. 55.
23
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito de família. 11. ed. São Paulo: Saraiva. 2006. v. 2. p.1.
24
LÔBO, Paulo. Direito civil: famílias. 4. p. 99.
25
BRASIL. Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>. Acesso em: 21 mai. 2013.
26
LUZ, Valdemar Pereira da. Manual de direito de família. São Paulo: Manole. 2009. p. 7.
8
Passa-se a analisar a seguir outra espécie de família, a qual é
denominada de concubinato.
b) Concubinato
Conforme preceitua o artigo 1.727 do Código Civil ―as relações não
eventuais entre o homem e a mulher, impedidos de casar constituem concubinato‖.27
Sendo, portanto, considerados impedimentos as situações descritas no artigo 1.521
do Código Civil, que assim estabelece:
Art. 1.521. Não podem casar:
I - os ascendentes com os descendentes, seja o parentesco natural
ou civil;
II - os afins em linha reta;
III - o adotante com quem foi cônjuge do adotado e o adotado com
quem o foi do adotante;
IV - os irmãos, unilaterais ou bilaterais, e demais colaterais, até o
terceiro grau inclusive;
V - o adotado com o filho do adotante;
VI - as pessoas casadas;
VII - o cônjuge sobrevivente com o condenado por homicídio ou
tentativa de homicídio contra o seu consorte.28
Ademais, no que cerne ao concubinato, Carlos Roberto Gonçalves ensina
que:
A expressão ―concubinato‖ é hoje utilizada para designar o
relacionamento amoroso envolvendo pessoas casadas, que
infringem o dever de fidelidade (adulterino). Configura-se quando
ocorrem ―relações não eventuais entre o homem e a mulher,
impedido de casar‖ (CC art. 1727). Denominado ―concubinato
impuro‖, não enseja a configuração de união estável, pois o objetivo
desta é a constituição de família.29
Corroborando,
Roberto
Senise
Lisboa
define
concubinato
ou
amasiamento a união informal entre homem e mulher, ―que passam a viver perante
a sociedade como se fossem civilmente casados, no qual se presume a existência
de impedimento matrimonial‖.30
Assim, seguindo essa mesma linha de raciocínio, Valdemar Pereira da
Luz explica que figurando em um dos pólos da relação uma pessoa casada (ainda
27
BRASIL. Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>. Acesso em: 21 mai. 2013.
28
BRASIL. Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>. Acesso em: 21 mai. 2013.
29
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito de família. p.191.
30
LISBOA, Roberto Senise. Manual de direito civil: direito de família e sucessões. p. 153.
9
não separada de fato ou de direito), resta por configurado o verdadeiro concubinato,
ficando essa relação adulterina ou de concubinato impuro.31
Deste modo, verifica-se que o concubinato é uma relação ilegítima,
reprovável moralmente, diferente da União Estável que hoje é uma situação familiar
amparada pela Lei e socialmente correta, a qual analisar-se-á em seguida.
c) União estável
A união estável é constituída pela convivência pública, contínua e
duradoura de um homem e uma mulher, estabelecida com o objetivo de construir
uma família.
Sobre o tema, a Constituição Federativa do Brasil de 1988 dispõe em seu
artigo 226, § 3º que ―para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união
estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua
conversão em casamento‖.32
Ainda, determina o artigo 1.723 do Código Civil que:
Art. 1.723. É reconhecida como entidade familiar a união estável
entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública,
contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição
de família. § 1º A união estável não se constituirá se ocorrerem os
impedimentos do art. 1.521; não se aplicando a incidência do inciso
VI no caso de a pessoa casada se achar separada de fato ou
judicialmente. § 2º As causas suspensivas do art. 1.523 não
impedirão a caracterização da união estável.33
Para Maria Helena Diniz, a união estável caracteriza-se pela convivência
pública, contínua e duradoura de um homem e uma mulher, os quais podem ou não
viver sob o mesmo teto, porém, sem vínculo matrimonial e com o objetivo de
constituir família, desde que possa ser convertida em casamento, por não haver
impedimento legal para sua convolação.34
Por sua vez, Roberto Senise Lisboa conceitua a união estável como
―a relação íntima e informal, prolongada no tempo e assemelhada ao vínculo
31
LUZ, Valdemar Pereira da. Manual de direito de família. p.123.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm>. Acesso em: 21
mai. 2013.
33
BRASIL. Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>. Acesso em: 21 mai. 2013.
34
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: direito de família. 23. ed. p. 368.
32
10
decorrente do casamento civil, entre sujeitos de sexos diversos (conviventes ou
companheiros), que não possuem qualquer impedimento matrimonial entre si‖. 35
E ainda, estabelece Paulo Lôbo que:
A união estável é a entidade familiar constituída por homem e mulher
que convivem em posse do estado de casado, ou com aparência de
casamento (more uxorio). É um estado de fato que se converteu em
relação jurídica em virtude de a Constituição e a lei atribuírem-lhe
dignidade de entidade familiar própria, com seus elencos de direitos
e deveres. Ainda que o casamento seja sua referência estrutural, é
distinta deste; cada entidade é dotada de estatuto jurídico próprio,
sem hierarquia ou primazia.36
Deste modo, podemos afirmar que a união estável é aquela formada por
duas pessoas de sexos distintos, que vivem juntas como se casados fossem, sem
que exista qualquer impedimento legal.
Assim, concluída a análise em relação à família denominada união
estável, passa-se a seguir ao estudo da família monoparental.
d) Família monoparental
A Constituição Federativa do Brasil de 1988 reconhece as famílias
monoparentais em seu artigo 226, §4°, onde define que também é considerada
―entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus
descendentes‖.37
Para Maria Berenice Dias ―a monoparentalidade tem origem na viuvez,
quando da morte de um dos genitores, ou na separação ou no divórcio dos pais‖. 38
Assim, a família monoparental é definida como uma comunidade constituída por um
único adulto e seus filhos.
A propósito, Paulo Lôbo ensina que:
A família monoparental não é dotada de estatuto jurídico próprio,
com direitos e deveres específicos, diferentemente do casamento e
da união estável. As regras de direito de família que lhe são
aplicáveis, enquanto composição singular de um dos pais e seus
filhos, são as atinentes às relações de parentesco, principalmente da
filiação e do exercício do poder familiar, que neste ponto são comuns
às das demais entidades familiares.39
35
LISBOA, Roberto Senise. Manual de direito civil: Direito de Família e Sucessões. p. 152.
LÔBO, Paulo. Direito civil: famílias. p. 168.
37
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm>. Acesso em: 21
mai. 2013.
38
DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 4. ed. rev., atual. e amp. São Paulo:
Revista dos Tribunais. 2007. p. 193.
39
LÔBO, Paulo. Direito civil: famílias. p. 89.
36
11
Ainda, vale trazer à baila o escólio de Roberto Senise Lisboa:
Relação monoparental é a entidade familiar constituída por um
ascendente e o seu descendente.
A Constituição Federal
expressamente reconhece a relação monoparental entre o
ascendente e qualquer de seus descendentes, e assim o fez com o
intuito de proteção dos interesses da entidade familiar existente entre
a mãe solteira e sua prole, o pai solteiro e a sua prole, e o avô ou avó
e seu neto ou neta.40
Assim, tendo em vista as peculiariedades das famílias monoparentais, é
imperioso que o Estado atenda esses núcleos familiares, posto que possuem uma
estrutura mais frágil. ―Quem vive sozinho com a prole acaba com encargos
redobrados. Além dos cuidados com o lar e com os filhos, também necessita buscar
meios de prover o sustento da família‖.41
Destarte, analisar-se-á a seguir a família anaparental.
e) Família anaparental
De acordo com Sergio Resende de Barros, criador do termo
―anaparental‖, as família assim denominadas são consideradas aquelas onde não
mais existem os pais, e na ideia do doutrinador trata-se de uma ―designação
bastante apropriada, pois ―ana‖ é prefixo de origem grega indicativo de ―falta‖,
―privação‖, como em ―anarquia‖, termo que significa falta de governo‖.42
Partindo dessa premissa, considera-se família anaparental aquela sem a
presença de um ascendente ou descendente, onde pessoas sem vínculo parental ou
consaguíneo também podem compor o grupo familiar (vínculo de afetividade/
afeição).43
Assim, pode-se afirmar que a família anaparental se caracteriza pela
inexistência da figura dos pais, constituída basicamente pela convivência entre
parentes ou pessoas sem qualquer relação de parentesco, que possuem
o animus de constituir família.44
40
LISBOA, Roberto Senise. Manual de direito civil: direito de família e sucessões. p. 187.
DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. p. 197.
42
BARROS, Sérgio Resende de. Direitos humanos e direito de família. Disponível em:
<http://www.srbarros.com.br/pt/direitos-humanos-e-direito-de-familia.cont>. Acesso em: 10 out.
2014.
43
RANGEL, Paula Sampaio Vianna. Modalidades de arranjos familiares na atualidade. Disponível
em: <http://jus.com.br/artigos/24393/modalidades-de-arranjos-familiares-na-atualidade/3>. Acesso
em: 21 mai. 2014.
44
KUSANO, Susileine. Da família anaparental: do reconhecimento como entidade familiar.
Disponível em: <http://www.ambito41
12
Na sequência, estudar-se-á a espécie de família conhecida como
substituta.
f) Família substituta
Primeiramente, observa-se que a família substituta surge ―[...] mediante o
esquema de adoção de pessoas como filhos, sujeito a regramento próprio‖.45
No tocante a essa espécie de família, Carlos Alberto Bittar ensina que a
partir da adoção estabelece-se o parentesco denominado civil, para que se
possibilite ao adotado um lar e a integração familiar, necessários ao seu
desenvolvimento normal. 46
Ao referir-se a tal assunto, Bittar ainda complementa que a guarda, a
tutela e a curatela são destinados a suprir a ausência ou o impedimento dos pais ou
parentes, na assistência aos menores ou aos incapazes, os quais ficam sujeitos à
ação dos tutores e dos curadores designados.47
Portanto, entende-se que a família substituta é aquela que se propõe a
trazer para dentro do seu convívio familiar, ―uma criança ou um adolescente que por
qualquer circunstância foi desprovido da família natural, para que faça parte
integrante dela, nela se desenvolva e seja‖.48
A seguir, no próximo capítulo voltar-se-á a este ponto, e aprofundar-se-á
em tal espécie de família, ou seja, a adoção, que se dá através da família substituta.
Portanto, passa-se a análise da família pluriparental.
g) Família pluriparental
A família pluriparental está prevista no artigo 69, §2º do Projeto do
Estatuto das Famílias, que assim a conceitua: ―Família pluriparental é a constituída
pela convivência entre irmãos, bem como as comunhões afetivas estáveis existentes
entre parentes colaterais‖.49
juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=7559>. Acesso em: 21 mai.
2014.
45
BITTAR, Carlos Alberto. Direito de família. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária. 2006. p.
46.
46
BITTAR, Carlos Alberto. Direito de família. p. 46.
47
BITTAR, Carlos Alberto. Direito de família. p. 46.
48
DAHER, Marlusse Pestana. Família substituta. Disponível em:
<http://jus.com.br/artigos/1655/familia-substituta>. Acesso em: 21 mai. 2014.
49
BRASIL. Projeto de Lei do Senado n. 470, de 2013. Disponível em:
<http://www.senado.gov.br/atividade/materia/getPDF.asp?t=140057&tp=1> Acesso em: 30 Set.
2013.
13
A respeito do tema, Maria Berenice Dias afirma:
A convivência familiar dos parentes colaterais recebe o nome de
família pluriparental. Não importa a igualdade ou diferença do grau
de parentesco entre eles. Assim, tios e sobrinhos que vivem em
família constituem uma família pluriparental. Igualmente, os irmãos e
até os primos que mantêm convivência familiar, são outros exemplos.
Por não existir verticalidade dos vínculos parentais em dois planos, é
conhecida pelo nome de família anaparental. Assim é possível
identificar duas espécies de entidades familiares parentais que se
diferenciam pelo elo de parentesco de seus integrantes:
monoparental é a formada por um ascendente e seus descendentes
e pluriparental, entre parentes da linha colateral.50
E ainda completa:
Também se encaixam no conceito de pluriparentalidade os vínculos
que se estabelecem com mais de duas pessoas desempenhando as
funções parentais. Estas são novas realidades cada vez mais
freqüentes, principalmente quando são utilizadas as modernas
técnicas de reprodução assistida, em que mais de uma pessoa faz
parte do processo procriativo. Nada justifica alijar qualquer delas do
vínculo de filiação. Nestas novas conformações é indispensável
reconhecer que o filho tem mais de dois pais, o que lhe garante
direitos com relação a todos e todos devem assumir os deveres
decorrentes do vínculo pluriparental.51
Portanto, conclui-se que a família pluriparental é aquela formada entre
parentes da linha colateral.
Sendo assim, passa-se ao estudo da família eudemonista.
h) Família eudemonista
Eudemonista é considerada a família decorrente da convivência entre
pessoas por laços afetivos e solidariedade mútua. Pode-se utilizar como exemplo
dessa espécie de família ―os amigos que vivem juntos no mesmo lar, rateando
despesas, compartilhando alegrias e tristezas, como se irmãos fossem‖.52
50
DIAS, Maria Berenice. Comentários - Família pluriparental, uma nova realidade. Disponível
em:<http://ww3.lfg.com.br/public_html/article.php?story=20081114094927519&mode=print>.
Acesso em: 21 mai. 2014.
51
DIAS, Maria Berenice. Comentários - Família pluriparental, uma nova realidade. Disponível
em:<http://ww3.lfg.com.br/public_html/article.php?story=20081114094927519&mode=print>.
Acesso em: 21 mai. 2014.
52
ANDRADE, Camila. O que se entende por família eudemonista? Disponível em:
http://ww3.lfg.com.br/artigo/20081001121903207_direito-civil-_o-que-se-entende-por-familiaeudemonista-camila-andrade.html>. Acesso em: 21 mai. 2014.
14
―Para essa nova tendência de identificar a família pelo seu envolvimento
afetivo se deu a nomenclatura de família eudemonista, que busca a felicidade
individual, vivendo um processo de emancipação de seus membros‖.
53
Acerca do assunto, Maria Berenice Dias comenta que:
O eudemonismo é a doutrina que enfatiza o sentido de busca pelo
sujeito de sua felicidade. A absorção do principio eudemonista pelo
ordenamento altera o sentido da proteção jurídica da família,
deslocando-o da instituição para o sujeito, como se infere da primeira
parte do § 8º do art. 226 da CF: o Estado assegurará a assistência à
família na pessoa de cada um dos componentes que a integram.54
Assim sendo, entende-se que a família eudemonista é aquela decorrente
de laços de afeto, respeito e amor, formando assim uma entidade familiar.
Feitas as devidas considerações acerca da família eudemonista, passa-se
ao estudo da família ou união homoafetiva.
i) Família ou união homoafetiva
A união homoafetiva é considerada uma entidade familiar composta por
pessoas do mesmo sexo que mantém uma relação com objetivo de formar uma
família.
O Projeto do Estatuto das Famílias a define no artigo 68 da seguinte
forma:
Art. 68. É reconhecida como entidade familiar a união entre duas
pessoas de mesmo sexo, que mantenham convivência pública,
contínua, duradoura, com objetivo de constituição de família,
aplicando-se, no que couber, as regras concernentes à união
estável.55
No mesmo sentido, Roberto Senise Lisboa sustenta que uniões
homoafetivassão ―as relações íntimas entre pessoas de mesmo sexo que possuem
afeição semelhante, ainda que com orientação sexual diversa‖.
56
O doutrinador ainda lembra que ―a homossexualidade existe desde os
tempos remotos, podendo-se encontrar informações a seu respeito desde o período
antediluviano‖.57
53
ANDRADE, Camila. O que se entende por família eudemonista? Disponível em:
http://ww3.lfg.com.br/artigo/20081001121903207_direito-civil-_o-que-se-entende-por-familiaeudemonista-camila-andrade.html>. Acesso em: 21 mai. 2014.
54
DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. p. 52-53.
55
BRASIL. Projeto de Lei do Senado n. 470, de 2013. Disponível em:
<http://www.senado.gov.br/atividade/materia/getPDF.asp?t=140057&tp=1> Acesso em: 30 Set.
2013.
56
LISBOA, Roberto Senise. Manual de direito civil: Direito de Família e Sucessões. p. 178.
15
Ainda, no que se refere à adoção nessa espécie de família, Paulo Lôbo
explica que:
Sobre a adoção, não há impedimento constitucional para que duas
pessoas do mesmo sexo, que vivam em relação afetiva, possam
adotar a mesma criança. Não pode o art. 1.622 do Código Civil limitar
a adoção conjunta aos cônjuges ou aos companheiros, porque é
restrição que a Constituição não faz. Emerge dos §§ 5º e 6º do art.
227 da Constituição a abertura para a adoção, sem discriminação,
como meio de integração familiar das crianças e adolescentes órfãos
ou abandonados em abrigos.58
Assim, diante das mudanças que vem ocorrendo nas espécies de família,
principalmente na espécie de família denominada homoafetiva, não compete a
sociedade fazer juízo valorativo a respeito, em atenção ao princípio da dignidade da
pessoa humana, ademais, deve o legislador disciplinar estas relações jurídicas de
afeto e suas consequências no mundo jurídico.
Isto posto, estudar-se-á na sequência a espécie de família paralela.
j) Família paralela
As famílias paralelas também são denominadas famílias simultâneas,
plúrimas, múltiplas ou por poliamorismo, que consistem em uma situação praticada
por um indivíduo que concomitantemente é componente de duas ou mais entidades
familiares diversas entre si.59
Acerca do assunto, Carlos Eduardo Pianovski Ruzyk define como se
configura a família paralela:
[...] caso uma família seja constituída paralelamente a outra, tendo
como elemento comum um componente que mantém relações de
conjugalidade em ambos os núcleos, incidem sobre a hipótese
deveres éticos de respeito e proteção à esfera moral e patrimonial
dos componentes da outra entidade familiar. Entre esses deveres,
pode estar o de tornar ostensiva a nova relação em face do núcleo
original, de modo a não permitir que os componentes daquela
primeira entidade familiar incorram em engano.60
Com efeito, Maria Berenice Dias identifica esse tipo de relacionamento da
seguinte maneira:
Os relacionamentos paralelos, além de receberem denominações
pejorativas, são condenados à invisibilidade. Simplesmente a
tendência é não reconhecer sequer sua existência. Somente na
57
LISBOA, Roberto Senise. Manual de direito civil: Direito de Família e Sucessões. p. 178.
LÔBO, Paulo. Direito civil. Famílias. p. 91.
59
RUZYK, Carlos Eduardo Pianovski. Famílias simultâneas e monogamia. São Paulo: IOB
Thomson. 2006. p. 193.
60
RUZYK, Carlos Eduardo Pianovski. Famílias simultâneas e monogamia. p. 212.
58
16
hipótese de a mulher alegar desconhecimento da duplicidade das
vidas do varão é que tais vínculos são alocados no direito
obrigacional e lá tratados como sociedades de fato.61
Portanto, a entidade familiar denominada paralela, também conhecida
como concubinato impuro, ocorre quando há outra família paralela/simultânea à
família principal (casamento). Deste modo, um dos integrantes participa como
cônjuge de mais de uma família.
Com isso, analisar-se-á a seguir a família unipessoal.
k) Família unipessoal
A família unipessoal é aquela formada por somente uma pessoa e seus
vínculos. Para melhor exemplificação, analisar-se-á o seguinte caso:
[...] consideremos o seguinte exemplo: uma pessoa é casada e
mantém vínculo com diversas outras pessoas, ao se tornar viúva
esta pessoa continuará a manter as mesmas relações, só que agora
como viúva. Apesar de estar sozinha, aquela pessoa ainda
representa a essência do conceito de família, estes casos são
classificados pela doutrina como família unipessoal.62
Deste modo, compreende-se que a família unipessoal é aquela formada
por apenas um membro que tem ligação com diversas outras pessoas.
Concluída a pesquisa em relação às espécies de família, adentra-se a
seguir no estudo das espécies de parentesco.
1.4 ESPÉCIES DE PARENTESCO
Conforme menciona o artigo 1593 do Código Civil o parentesco pode ser
natural ou civil, logo, que resulte de consanguinidade ou outra origem.63
Além disso, considera-se que o ―parentesco é a relação jurídica
estabelecida pela lei ou por decisão judicial entre uma pessoa e as demais que
integram o grupo familiar, nos limites da lei‖.64
Deste modo, passa-se a uma breve abordagem de cada uma das
espécies de parentesco.
61
DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. p. 48.
ROWEDER, Rainner Jerônimo. As novas entidades familiares. Disponível em:
<http://uj.novaprolink.com.br/doutrina/8366/as_novas_entidades_familiares>. Acesso em: 23 mai.
2014.
63
BRASIL. Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>. Acesso em: 30 set. 2013.
64
LÔBO, Paulo. Direito civil: famílias. p. 205.
62
17
Primeiramente, no que cerne ao parentesco natural, pode-se conceituá-lo
como consanguíneo ou biológico, que se origina entre pessoas que descendem de
um tronco comum, ou seja, ligadas umas às outras pelo mesmo sangue.65
Por sua vez, conceitua-se a espécie denominada parentesco civil aquela
formada por laços de afeto, sem relação de consanguinidade, é o que ocorre no
parentesco decorrente da adoção, há o vínculo legal que se estabelece
à semelhança da filiação natural, porém é independente da consanguinidade.
Cabe observar que de acordo com o artigo 227, §6º da Constituição
Federativa do Brasil de 1988: ―Os filhos, havidos ou não da relação do casamento,
ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer
designações discriminatórias relativas à filiação‖.66
A propósito, sobre o tema já se manifestou o Tribunal de Justiça de Santa
Catarina:
DIREITO DE FAMÍLIA. INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE C/C
ALIMENTOS. AUTOR ADOTADO, EM TENRA IDADE, PELA
REPRESENTANTE LEGAL DELE NA DEMANDA, A QUAL
MANTEVE LONGA UNIÃO ESTÁVEL COM O REQUERIDO. LAÇOS
AFETIVOS PATERNO-FILIAL CONSOLIDADOS DURANTE MAIS
DE
13
(TREZE)
ANOS.
EXISTÊNCIA
DE
ACORDO
EXTRAJUDICIAL FIXANDO A OBRIGAÇÃO DE PAGAMENTO DE
ALIMENTOS. PATERNIDADE SÓCIO-AFETIVA RECONHECIDA.
ALIMENTOS DEVIDOS. RECURSO DESPROVIDO. 1. Na
conformidade do art. 1.593 do Código Civil o reconhecimento de
paternidade ou de maternidade não está vinculado, tão só, a laço
biológico, podendo ser constituído também a partir de denso e
afetuoso relacionamento humano e social. 2. Sendo assim, se a
prova produzida no processo evidencia, com segurança, a existência
desse relacionamento gerado entre a criança e o convivente da mãe
adotiva dela - convivência essa longa, amorosa, afetuosa, pública e
notória - age com inegável acerto a sentença que reconhece a
filiação paterna sócio-afetiva entre eles.67
No
caso
supracitado,
verifica-se
que houve
reconhecimento
da
paternidade sócio-afetiva porquanto comprovada a relação de afeto existente entre a
criança e o convivente.
65
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: direito de família. 22. ed. São Paulo:
Saraiva. 2007. V.5. p. 409.
66
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm>. Acesso em: 21
mai. 2013.
67
SANTA CATARINA, Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina. Apelação Cível n.
2010.039965-4, de Blumenau, Quarta Câmara de Direito Civil, Rel. Des. Eládio Torret Rocha,
Florianópolis, 30 de setembro de 2010. Disponível em:
<http://busca.tjsc.jus.br/jurisprudencia/html.do?q=reconhecimento%20paternidade%20s%F3cioafetiva&only_ementa=&frase=&id=AAAbmQAABAACEgaAAE&categoria=acordao>. Acesso em:
30 set. 2013.
18
Destarte, no que tange ao parentesco por afinidade, pode-se afirmar que
trata-se da relação de parentesco originada do casamento ou da união estável, ou
seja, é o vínculo estabelecido entre um cônjuge e os parentes do outro cônjuge.68
Com efeito, Paulo Lôbo ensina que:
O parentesco por afinidade é estabelecido forçosamente em
decorrência do casamento ou da constituição de união estável. O
vínculo jurídico independe da vontade das partes ou da eventual
rejeição dos que a ele ficam sujeitos. No sentido comum, afinidade
compreende-se como coincidência ou semelhança de gostos,
interesses, sentimentos, como pontos comuns entre duas coisas da
mesma espécie ou até mesmo como identidade. No sentido jurídico,
contudo, diz apenas respeito a parentesco específico com os
parentes do outro cônjuge ou companheiro.69
Conclui-se, portando, que ―o parentesco por afinidade é o que decorre do
casamento e da união estável, vinculando-se com os parentes do cônjuge ou
companheiro (cunhado, sogros, genros, noras, enteados)‖.70
Em seguida, passa-se ao estudo de alguns princípios norteadores do
direito de família.
1.5 PRINCÍPIOS NORTEADORES DO DIREITO DE FAMÍLIA
Dentre os princípios que norteiam o direito de família, estudar-se-á na
presente pesquisa apenas o princípio da igualdade, do melhor interesse da criança,
da afetividade, da liberdade e do respeito à dignidade da pessoa humana.
a) Princípio da igualdade
Primeiramente
expressamente
contido
observa-se
na
que
Constituição
o
princípio
Federativa
da
do
igualdade
Brasil
de
está
1988,
―designadamente nos preceitos que tratam das três principais situações nas quais a
desigualdade de direitos foi a constante histórica: os cônjuges, os filhos e as
entidades familiares‖.71
Conforme dispõe o artigo 5º da referida Lei, ―todos são iguais perante a
lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos
68
BRASIL. Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>. Acesso em: 30 set. 2013.
69
LÔBO, Paulo. Direito civil: famílias. p. 212-213.
70
LÔBO, Paulo. Direito civil: famílias. p. 207.
71
LÔBO, Paulo. Direito civil: famílias. p. 66.
19
estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à
igualdade, à segurança e à propriedade [...]‖.72
Diz-se isso porque ―as diferenças não podem legitimar tratamento jurídico
assimétrico ou desigual, no que concernir com a base comum dos direitos e
deveres, ou com o núcleo intangível da dignidade de cada membro da família‖. 73
Não obstante, no princípio da igualdade extrai-se o princípio da igualdade
jurídica dos cônjuges e dos companheiros, conforme ensina Roberto Lisboa:
Com o fim do patriarcalismo e a emancipação da mulher, confere-se
a ela a igualdade de direitos em relação ao seu marido, durante a
constância do casamento. Isso significa que não há mais o estado de
sujeição no qual a cônjuge virago se encontrava, podendo ela tomar
as decisões em conjunto com o seu consorte. Institui-se, assim, o
regime de cogestão familiar.74
Deste modo, observa-se que com a eliminação do pater poder, homens e
mulheres passaram a ter os mesmos direitos e deveres, nascendo assim, o princípio
da igualdade jurídica entre cônjuges e companheiros.
Na mesma linha, tem-se o princípio da igualdade jurídica entre os filhos,
conforme esclarece Roberto Senise Lisboa:
O filho não havido das relações conjugais possui atualmente os
mesmos direitos dos filhos havidos do casamento. O direito pósmoderno confere uma tutela jurídica diferenciada e mais protetiva à
criança, ao adolescente e ao idoso, em comparação com os demais
membros da entidade familiar.75
Acerca do assunto, Maria Helena Diniz declara:
Princípio da igualdade jurídica de todos os filhos (CF, art. 227, §6º, e
CC, arts. 1.596 a 1.629), acatado pelo nosso direito positivo, que (a)
nenhuma distinção faz entre filhos legítimos, naturais e adotivos,
quanto ao nome, direitos, poder familiar, alimentos e sucessão; (b)
permite o reconhecimento dos filhos havidos fora do casamento; (c)
proíbe que se revele no assento do nascimento a ilegitimidade
simples ou espuriedade e (d) veda designações discriminatórias
relativas à filiação. De modo que a única diferença entre as
categorias de filiação seria o ingresso, ou não, no mundo jurídico, por
meio do reconhecimento; logo só se poderia falar em filho,
didaticamente, matrimonial ou não matrimonial reconhecido e não
reconhecido.76
Por sua vez, Paulo Lôbo destaca que:
72
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm>. Acesso em: 30 set.
2013.
73
LÔBO, Paulo. Direito civil: famílias. p. 67.
74
LISBOA, Roberto Senise. Manual de direito civil: direito de família e sucessões. p. 31.
75
LISBOA, Roberto Senise. Manual de direito civil: direito de família e sucessões. p. 31.
76
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: direito de família. 26. ed. São Paulo:
Saraiva. 2011. p. 36-37.
20
O princípio da igualdade, como os demais princípios, constitucionais
ou gerais, não é de aplicabilidade absoluta, ou seja, admite
limitações que não violem seu núcleo essencial. Assim, o filho havido
por adoção é titular dos mesmos direitos dos filhos havidos da
relação de casamento, mas está, ao contrário dos demais, impedido
de casar-se com os parentes consanguíneos de cuja família foi
oriundo, ainda que se tenha desligado dessa relação de parentesco
(art. 1.626 do Código Civil).77
Assim,
partindo
dessa
premissa,
conclui-se
que
é
permitido
o
reconhecimento dos filhos que não decorrem do casamento, ou seja, aqueles
oriundos do vínculo afetivo.
b) Princípio do melhor interesse da criança e do adolescente
O princípio do melhor interesse da criança e do adolescente vem descrito
no artigo 227, caput, da Constituição Federativa do Brasil de 1988, o qual assim
dispõe:
Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à
criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o
direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à
profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à
convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de
toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência,
crueldade e opressão.78
Na mesma linha, Paulo Lôbo esclarece que o princípio do melhor
interesse da criança e do adolescente, segundo a Convenção Internacional dos
Direitos da Criança, conceitua-se pelo dever do Estado, da sociedade e da família
em tratar com prioridade a aplicação desses direitos, bem como das relações
familiares.79
Destarte, a respeito do tema, manifestou-se o Tribunal de Justiça de
Santa Catarina da seguinte forma:
Em processos nos quais se discute a proteção da criança ou
adolescente o Poder Judiciário deve buscar solução adequada à
satisfação do melhor interesse desses seres em formação. Essa
determinação não decorre tão-somente da letra expressa
da Constituição Federal (artigo 227) ou do Estatuto da Criança e do
Adolescente(artigo 4º), mas advém igualmente de imperativo da
razão, haja vista que a pacificação social (um dos escopos da
atividade jurídica estatal) não está alicerçada unicamente na
legalidade estrita, mas na aplicação racional do arcabouço normativo
77
LÔBO, Paulo. Direito civil: famílias. p. 66-67.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm>. Acesso em: 30 set.
2013.
79
LÔBO, Paulo. Direito civil: famílias. p. 75.
78
21
e supranormativo. A promoção da dignidade humana, desde a
formação de cada cidadão, deve ser o escopo primordial da ação
estatal.80
Diante disso, conclui-se que o princípio do melhor interesse da criança
―deve
ser
reconhecido
como
pilar
fundamental
do
Direito
de
Família
81
Contemporâneo‖.
c) Princípio da afetividade
Pode-se afirmar que o princípio da afetividade é ―corolário do respeito da
dignidade da pessoa humana, como norteador das relações familiares e da
solidariedade familiar‖.82
Sendo assim, ―[...] o princípio da afetividade deve reger todas as relações
familiares, haja vista o conceito atual de família não mais se restringir à filiação
biológica, dando, pois, lugar à filiação sócio-afetiva, que é aquela caracterizada
essencialmente pelo afeto existente entre pai e filho‖.83
Nas palavras de Caio Mário da Silva Pereira:
Pode-se destacar um anseio social à formação de relações familiares
afetuosas, em detrimento da preponderância dos laços meramente
sanguíneos e patrimoniais. Ao enfatizar o afeto, a família passou a
ser uma entidade plural, calçada na dignidade da pessoa humana,
embora seja, ab initio, decorrente de um laço natural marcado pela
necessidade dos filhos de ficarem ligados aos pais até adquirirem
sua independência e não por coerção de vontade, como no
passado.84
Ademais, Paulo Lôbo esclarece que:
O princípio da afetividade está implícito na Constituição. Encontramse na Constituição fundamentos essenciais do princípio da
afetividade, constitutivos dessa aguda evolução social da família
brasileira, além dos já referidos: a) todos os filhos são iguais,
independentemente de sua origem (art. 227, § 6º); b) a adoção,
como escolha afetiva, alçou-se integralmente ao plano da igualdade
de direitos (art. 227, §§ 5º e 6º); c) a comunidade formada por
80
SANTA CATARINA, Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina. Agravo de Instrumento n.
2013.021539-5, de Joinville, Sexta Câmara de Direito Civil, Rel. Des. Denise Volpato,
Florianópolis, 09 de junho de 2014. Disponível em:
<http://app6.tjsc.jus.br/cposg/pcpoQuestConvPDFframeset.jsp?cdProcesso=01000OH3Z0000&nu
SeqProcessoMv=97&tipoDocumento=D&nuDocumento=6928192>. Acesso em: 30 set. 2013.
81
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil: direito de família. p. 59.
82
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: direito de família. 26. ed. p. 38.
83
SOBRAL, Mariana Andrade. Princípios constitucionais e as relações jurídicas familiares.
Disponível em:
<http://www.ambitojuridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=8400>.
Acesso em: 23 mai. 2014.
84
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. Rio de Janeiro: Editora Forense,
2011. p. 58-59.
22
qualquer dos pais e seus descendentes, incluindo-se os adotivos,
tem a mesma dignidade de família constitucionalmente protegida (art.
226, § 4º); d) a convivência familiar (e não a origem biológica) é
prioridade absoluta assegurada à criança e ao adolescente (art.
227).85
Assim, da análise do referido princípio constata-se a importância do
respeito e do afeto nas relações familiares.
d) Princípio da dignidade da pessoa humana
Entende-se que o princípio da ―dignidade da pessoa humana é um valor
supremo que atrai o conteúdo de todos os direitos fundamentais do homem, desde o
direito à vida‖.86
Com efeito, extrai-se do artigo 1º, inciso III, da Constituição Federativa do
Brasil que o Estado Democrático de Direito possui como fundamento a dignidade da
pessoa humana.87
Paulo Lôbo comenta que tal princípio fundamenta as normas que
cristalizaram a emancipação de seus membros, ficando explicitados em algumas
(arts. 226, § 7º; 227, caput, e 230). A família, tutelada pela Constituição, está
funcionalizada ao desenvolvimento da dignidade das pessoas humanas que a
integram.88
Ainda, para José Afonso da Silva:
Dignidade da pessoa humana é um valor supremo que atrai o
conteúdo de todos os direitos fundamentais do homem, desde o
direito à vida. ―Concebido como referência constitucional unificadora
de todos os direitos fundamentais [observam Canotinho e Vital
Moreira], o conceito de dignidade da pessoa humana obriga a uma
densificação valorativa que tenha em conta o seu amplo sentido
normativo-constitucional e não uma qualquer idéia apriorística do
homem, não podendo reduzir-se o sentido da dignidade humana á
defesa dos direitos pessoais tradicionais, esquecendo-a nos casos
de direitos sociais, ou invocá-la para construir ‗teoria do núcleo da
personalidade‘ individual, ignorando-a quando se trate de garantir as
bases da existência humana‖. Daí decorre que a ordem econômica
há de ter por fim assegurar a todos existência digna (art. 170), a
ordem social visará a realização da justiça social (art. 193), a
educação, o desenvolvimento da pessoa e seu preparo para o
exercício da cidadania (art. 205) etc., não como meros enunciados
85
LÔBO, Paulo. Direito civil: famílias. p. 71.
SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional. 34. ed. rev. e atual. São Paulo: Atlas,
2011. p. 105.
87
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm>. Acesso em: 21
mai. 2013.
88
LÔBO, Paulo. Direito civil: famílias. p. 62.
86
23
formais, mas como indicadores do conteúdo normativo eficaz da
dignidade da pessoa humana.89
Sendo assim, pode-se dizer que por esse princípio garante-se o pleno
desenvolvimento e a realização de todos os membros da família. 90
Ademais, que ―a dignidade da pessoa humana é o núcleo existencial que
é essencialmente comum a todas as pessoas humanas, como membros iguais do
gênero
humano,
impondo-se
um
dever
geral
de
respeito,
proteção
e
intocabilidade‖.91
Ainda, importante mencionar as palavras de Ingo Wolfgang Sarlet:
O que se percebe, em uma última análise, é que onde não houver
respeito pela vida e pela integridade física do ser humano, onde as
condições mínimas para existe digna não forem asseguradas, onde a
intimidade e identidade do indivíduo forem objeto de ingerências
indevidas, onde sua igualdade relativamente aos demais não for
garantida, bem como onde não houver limitação do poder, não
haverá espaço para a dignidade da pessoa humana, e esta não
passará de mero objeto de arbítrio e injustiças.92
Em vista disso, feito todos os apontamentos necessários em relação à
família, qual seja, evolução histórica, espécies de famílias e parentescos, e
princípios constitucionais, passa-se a seguir ao estudo da adoção e seus institutos
afins.
89
SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional. 34. ed. rev e atual. São Paulo: Atlas,
2011. p. 105.
90
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: direito de família. 22. ed. p. 26.
91
LÔBO, Paulo. Direito civil: famílias. p. 60.
92
SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 6. ed . rev e atual. Porto Alegre:
Livraria do Advogado, 2006. p. 122.
24
2. ADOÇÃO NO DIREITO BRASILEIRO
O presente capítulo monográfico tem por objetivo estudar o conceito e a
natureza jurídica da adoção, o escorço histórico legal da adoção, bem como seus
efeitos.
2.1 CONCEITO E NATUREZA JURÍDICA DA ADOÇÃO
Conceitua-se adoção ―o ato jurídico pelo qual uma pessoa recebe outra
como filho, independentemente de existir entre elas qualquer relação de parentesco
consanguíneo ou afim‖.93
Para Orlando Gomes, a adoção vem a ser o ato jurídico pelo qual se
estabelece, independentemente de procriação, o vínculo da filiação. Trata-se da
possibilidade de se constituir entre duas pessoas o laço de parentesco, como se pai
e filho biológico fossem.94
No mesmo sentido, Carlos Roberto Gonçalves define que adoção ―é o ato
jurídico solene pelo qual alguém recebe em sua família, na qualidade de filho,
pessoa a ela estranha‖.95
Carlos Alberto Bittar, por sua vez, menciona que:
A adoção constitui instituto marcado por forte sentido humanitário, a
que o direito empreste força vinculante, a ponto de instituir
parentesco civil, de cunho irrevogável entre adotante e adotado e
seus familiares, protegido inclusive com a previsão de impedimento
matrimonial absoluto (CC, art. 1.521, incs. III e V, compreendendo-se
o adotante com quem foi cônjuge do adotado; o adotanto com quem
o foi do adotante; o adotado com filho do adotante).96
Por sua vez, Arnaldo Marmitt aponta a importância da adoção para o
estado, veja-se:
A adoção sobressai a marcante presença do estado, estendendo
suas asas protetoras ao menor de dezoito anos, chancelando ou não
o ato que tem status de ação de estado, e que é instituto de ordem
pública. Perfaz-se uma integração total do adotado na família do
adotante, arredando definitiva e irrevogavelmente a família de
sangue.97
93
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. p. 407.
GOMES,Orlando. Direito de família. p.369.
95
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro. p.15.
96
BITTAR, Carlos Alberto. Direito de família.p.212.
97
OLIVEIRA, Adriane Stoll de; RIBEIRO, Flávio Luís S. Adoção internacional. Disponível em: <
http://jus.com.br/artigos/4819/adocao-internacional>. Acesso em: 22 abr. 2014.
94
25
Deste modo, entende-se que a finalidade da adoção é ―oferecer um
ambiente familiar favorável ao desenvolvimento de uma criança, que, por algum
motivo, ficou privada da sua família biológica‖.98 E que o objetivo ―é atender as reais
necessidades da criança, dando-lhe uma família, onde ela se sinta acolhida‖.99
Assim, pode-se afirmar que a adoção trás benefícios tanto ao adotado
quanto aos adotantes, uma vez que o primeiro, normalmente é abandonado pela
família biológica e precisa de uma família substituta, e o segundo, na maioria das
vezes é aquele que não pode ter filhos consanguíneos, que opta por adotar uma
criança para satisfazer sua vontade de ser pai/mãe.
No que tange a natureza jurídica da adoção, deve-se observar que
existem algumas controvérsias, conforme esclarece Eunice Ferreira Rodrigues
Granato:
Existe divergência doutrinária sobre a natureza jurídica da adoção.
Alguns a consideram contrato; outros, ato solene, ou então filiação
criada pela lei, ou ainda instituto de ordem pública. Existem ainda os
que a consideram uma figura híbrida, um misto de contrato e de
instituição ou instituto de ordem pública.100
Acerca do assunto manifestam-se Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo
Pamplona Filho:
De nossa parte, entendemos que a adoção mais se aproximaria do
conceito de ato jurídico em sentido estrito.
[...] o ato jurídico em sentido estrito ou não negocial caracteriza-se
por ser um comportamento humano cujos efeitos estão legalmente
previstos. Vale dizer, que não existe, aqui, liberdade na escolha das
consequências jurídicas pretendidas.
Ora, a partir do momento em que a adoção passou a ser oficializada
e disciplinada por meio de normas de natureza cogente e de ordem
pública, concluímos que a subsunção do conceito de adoção de
adoção à categoria de ato em sentido estrito seria mais adequada do
que à do negócio jurídico.101
Contudo, considerando-se que em um primeiro momento a adoção é um
ato de amor voluntariamente decidido, mas que implica em consequências legais,
principalmente no âmbito da esfera civil, nasce o entendimento de que a natureza
jurídica da adoção possui caráter contratual, conforme comenta Carlos Roberto
Gonçalves:
98
GRANATO, Eunice Ferreira Rodrigues. Adoção: doutrina e prática. Curitiba: Juruá. 2006. p. 26.
GRANATO, Eunice Ferreira Rodrigues. Adoção: doutrina e prática. Curitiba: Juruá. 2006. p. 26.
100
GRANATO, Eunice Ferreira Rodrigues. Adoção: doutrina e prática. Curitiba: Juruá. 2006. p. 26.
101
GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil: direito de
família. São Paulo: Saraiva. 2011 v. VI. p. 656.
99
26
No sistema do Código de 1916, era nítido o caráter contratual do
instituto. Tratava- se de negócio jurídico bilateral e solene, uma vez
que se realizava por escritura pública, mediante o consentimento das
duas partes. Se o adotado era maior e capaz, comparecia em
pessoa; se incapaz, era representado pelo pai, ou tutor, ou
curador.102
Sob a ótica constitucional, por, mais abrangente, nas palavras de
Gonçalves:
A partir da Constituição de 1988, todavia, a adoção passou a
constituir-se por ato complexo e a exigir sentença judicial, prevendoa expressamente o art. 47 do Estatuto da Criança e do Adolescente e
o art. 1.619 do Código Civil de 2002, com a redação dada pela Lei n.
12.010, de 3-8-2009. O art. 227, § 5º, da Carta Magna, ao determinar
que, ―a adoção será assistida pelo Poder Público, na forma da lei,
que estabelecerá casos e condições de sua efetivação por parte de
estrangeiros‖, demonstra que a matéria refoge dos contornos de
simples apreciação juscivilista, passando a ser matéria de interesse
geral, de ordem pública.103
Assim, há divergência se a natureza jurídica da adoção é de caráter
negocial bilateral, solene, ato jurídico em sentido estrito, ou negócio jurídico,
―todavia, a partir da Constituição de 1988, passou a constituir-se por ato complexo, a
exigir sentença judicial, destacando-se o ato de vontade e o nítido caráter
institucional (CF,art. 227, §5º)‖.104
A seguir, no próximo capítulo voltar-se-á a esse ponto e evidenciar-se-á
que esse formalismo com procedimento judicial é essencial, por exemplo, em casos
de identificação de registro que, sabidamente não é do registrante.
Por conseguinte, adentrar-se-á no estudo do histórico legal da adoção.
2.2 ESCORÇO HISTÓRICO LEGAL DA ADOÇÃO NO BRASIL
Neste tópico apresentar-se-á o histórico legal da adoção no Brasil, sendo
estes: a adoção no código civil de 1916, a adoção segundo a Constituição
Federativa do Brasil de 1988, a adoção no código de menores, a adoção no Estatuto
da Criança e do Adolescente e, por fim a adoção no novo código civil.
102
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: direito de família. 7. ed. São Paulo:
Saraiva. 2010. v. 6. p. 363.
103
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: direito de família. 7. ed. p. 363.
104
GONÇALVES, Carlos Roberto. Sinopses jurídicas: direito de família. 11. ed. São Paulo: Saraiva.
2006. v. 2. p. 122.
27
a) A adoção segundo o Código Civil de 1916
Inicialmente, importante citar que o Código Civil de 1916 foi a primeira lei
brasileira a regulamentar sobre a adoção, tratando-se da matéria nos artigos 368 e
seguintes do código.
Sendo assim, delimitava o artigo 368 que somente os maiores de 30 anos
podiam adotar.
Em comentário ao referido artigo, Carlos Roberto Gonçalves cita que com
a criação do Código Civil de 1916, permitiu-se o direito de adoção apenas aos
maiores de 50 anos, desde que sem prole legítima ou legitimada, ―pressupondo-se
que, nessa idade, era grande a probabilidade de não virem a tê-la‖. Contudo, após a
edição da Lei n. 3.133/1957, houve alteração no artigo 368, passando-se a permitir a
adoção aos maiores de 30 anos.105
Ainda, esclarece o doutrinador que a adoção do Código Civil de 1916 não
integrava completamente o menor na nova família, porquanto o adotado ainda
possuía laços com seus parentes consanguíneos, veja-se:
A adoção civil era a tradicional, regulada no Código Civil de 1916,
também chamada restrita porque não integrava o menor totalmente
na família do adotante, permanecendo o adotado ligado aos seus
parentes consanguíneos, exceto no tocante ao poder familiar, que
passava para o adotante. Com a entrada em vigor do Estatuto da
Criança e do Adolescente ficou limitada aos maiores de dezoito anos.
Adoção estatutária era a prevista no mencionado diploma para os
menores de dezoito anos.106
Além disso, naquele tempo podia-se perfectibilizar a adoção por meio de
escritura pública, veja-se:
Neste ordenamento, previu-se como forma de constituição do ato a
escritura pública, tal como determinado pelo Art. 375, in verbis: ―A
adoção far-se-á por escritura pública, em que se não admite
condição, nem termo‖. Formalizada a escritura pública, a mesma
deveria ser levada ao Registro Público, incumbência atribuída ao
Registro Civil das Pessoas Naturais, por meio de ato averbatório.
Observa-se que a averbação era feita no assento primitivo, a partir
do qual o oficial fornecia certidão apenas com os novos elementos,
não podendo conter informações sobre o estado anterior do
adotado.107
Acerca do assunto, manifestou-se o Tribunal de Justiça de Santa Catarina
da seguinte forma:
105
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: direito de família. 3. ed. p. 331.
GONÇALVES, Carlos Roberto. Sinopses jurídicas: direito de família. 11. ed. p. 122.
107
COÊLHO, Bruna Fernandes. Adoção à luz do Código Civil de 1916. Disponível em:
<http://www.conteudojuridico.com.br/?colunas&colunista=17617&ver=845>. Acesso em: 24 mai.
2014.
106
28
AÇÃO DE NULIDADE DE REGISTRO PÚBLICO. PRETENDIDA
ANULAÇÃO DE ADOÇÃO. ALEGAÇÃO DE DIVERGÊNCIA ENTRE
CARTEIRA DE IDENTIDADE E ESCRITURA PÚBLICA DE
ADOÇÃO. PROCEDIMENTO QUE SEGUIU AS NORMAS LEGAIS
DA ÉPOCA. CÓDIGO CIVIL DE 1916 QUE AUTORIZAVA A
ADOÇÃO POR ASCENDENTE E POR ESCRITURA PÚBLICA.
SENTENÇA MANTIDA. APELO CONHECIDO E DESPROVIDO.
Antes da vigência do Estatuto da Criança e do Adolescente, versava
o Código Beviláqua que a adoção podia realizar-se mediante
escritura pública e era possível, inclusive, a adoção celebrada por
ascendente do adotando, o que foi vedado a partir da edição da Lei
Federal n. 8.069/1990 (artigo 42, caput).108
Portanto, verifica-se que era legítima a formalização da adoção em
Cartório de Registro Civil por meio de escritura pública.
Outrossim, o artigo 377 do Código Civil de 1916 disciplinava que a
adoção ―não integrava o adotado, totalmente, na nova família. Permanecia ele ligado
aos parentes consanguíneos‖.109
Entretanto, em 1965, foi publicada a Lei n. 4.655, a qual tratou da
legitimidade adotiva, prevendo direito igualitário entre o adotado e os filhos legítimos
do adotante. No procedimento de legitimação, ―exigia-se o consentimento dos pais
do adotado e se constituía a adoção por decisão judicial‖.110
Deste modo, observa-se que a Lei n. 4.655/65, introduziu no ordenamento
jurídico brasileiro a legitimação adotiva, como forma de proteger o menor
abandonado, e, formalizando-se a legitimação, estabelecia-se um vínculo de
parentesco de primeiro grau.111
Assim, findo o estudo sobre a adoção no Código Civil de 1916, adentra-se
no tópico seguinte, à adoção no Código de Menores de 1979.
b) A adoção no Código de Menores de 1979
O Código de Menores (Lei n. 6.697, de 10-10-1979), destinava-se ―à
proteção dos menores até dezoito anos de idade que se encontrassem em situação
irregular‖.112
108
SANTA CATARINA, Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina. Apelação Cível n.
2012.035594-0, de Lages, Sexta Câmara de Direito Civil, Rel. Des. Jaime Luiz Vicari,
Florianópolis, 25 de outubro de 2012. Disponível em:
http://app6.tjsc.jus.br/cposg/pcpoQuestConvPDFframeset.jsp?cdProcesso=01000LZYV0000&nuS
eqProcessoMv=20&tipoDocumento=D&nuDocumento=5042799>. Acesso em: 24 mai. 2014.
109
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: direito de família. 3. ed. p. 332.
110
COÊLHO, Bruna Fernandes. Adoção à luz do Código Civil de 1916. Disponível em:
<http://www.conteudojuridico.com.br/?colunas&colunista=17617&ver=845>. Acesso em: 24 mai.
2014.
111
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: direito de família. 3. ed. p. 332.
112
GRANATO, Eunice Ferreira Rodrigues. Adoção: doutrina e prática. p. 47.
29
A propósito:
Art. 2º - Para os efeitos deste Código, considera-se em situação
irregular o menor:
I - privado de condições essenciais à sua subsistência, saúde e
instrução obrigatória, ainda que eventualmente, em razão de:
a) falta, ação ou omissão dos pais ou responsável;
b) manifesta impossibilidade dos pais ou responsável para provê-las;
Il - vítima de maus tratos ou castigos imoderados impostos pelos pais
ou responsável;
III - em perigo moral, devido a:
a) encontrar-se, de modo habitual, em ambiente contrário aos bons
costumes;
b) exploração em atividade contrária aos bons costumes;
IV - privado de representação ou assistência legal, pela falta eventual
dos pais ou responsável;
V - Com desvio de conduta, em virtude de grave inadaptação familiar
ou comunitária;
VI - autor de infração penal.113
Não obstante, tem-se que o Código de Menores revogou expressamente
a Lei nº 4.655/65, ficando conhecidas duas espécies de adoção no ordenamento
jurídico brasileiro: a adoção simples e a adoção plena.114
No tocante à adoção simples:
A adoção simples, também denominada restrita, era regulada pelo
Código Civil e aplicava-se aos maiores de idade. Os maiores de
dezoito anos e menores de vinte e um anos necessitavam da
assistência dos pais ou responsáveis legais para que válida fosse
sua declaração de vontade. O vínculo advindo de tal modalidade de
adoção dizia respeito apenas ao adotante e ao adotado, perdendo os
pais biológicos apenas o poder familiar (o então pátrio poder) e não
desaparecendo os impedimentos relativos ao matrimônio. O vínculo
com os ascendentes naturais não de desfazia, podendo, inclusive, o
filho postular alimentos em face do pai natural, caso o pai adotivo
não pudesse provê-los.115
Esta modalidade de adoção estava prevista nos artigos 27 e 28 do Código
de Menores, o qual assim estabelecia:
Art. 28. A adoção simples dependerá de autorização judicial,
devendo o interessado indicar, no requerimento, os apelidos de
família que usará o adotado, os quais, se deferido o pedido,
constarão do alvará e da escritura, para averbação no registro de
nascimento do menor.
113
BRASIL. Lei n. 6.697, de 10 de outubro de 1979. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/1970-1979/L6697.htm>. Acesso em: 24 mai.2014.
114
COÊLHO, Bruna Fernandes. Adoção à luz do Código Civil de 1916. Disponível em:
<http://www.conteudojuridico.com.br/?colunas&colunista=17617&ver=845>. Acesso em: 24 mai.
2014.
115
COÊLHO, Bruna Fernandes. Adoção à luz do Código Civil de 1916. Disponível em:
<http://www.conteudojuridico.com.br/?colunas&colunista=17617&ver=845>. Acesso em: 24 mai.
2014.
30
Art. 27. A adoção simples de menor em situação irregular reger-se-á
pela lei civil, observado o disposto neste Código.
Importante assinalar que o Código de Menores não revogou o Código
Civil de 1916, porquanto permaneceram válidos os requisitos e efeitos da adoção
modalidade simples. ―Contudo, tal filiação não era definitiva ou irrevogável. Embora
amplos os direitos do adotado, esta modalidade era constituída por contrato,
estando sujeita aos casos de extinção previstos pela legislação civilista então em
vigor e, inclusive, por vontade das partes‖.116
Quanto à adoção plena, semelhante à legitimação adotiva revogada e
diferentemente da adoção simples, ―cortava todos os laços com a família biológica
do menor que entrava na família do adotante com se fosse filho de sangue [...]‖.117
Assim, pode-se conceituar adoção plena ou irrestrita aquela atinente ao
adotando menor de idade, que ―só se efetuava com o consentimento dos pais ou do
representante legal do adotando e era precedida de estágio de convivência com a
criança ou adolescente pelo prazo que o juiz fixasse [...]‖.118
Diversa da modalidade simples, ―a adoção irrestrita era irrevogável a partir
do trânsito em julgado da sentença constitutiva, esta precedida de instrução
processual e também de uma instrução psicossocial‖.119
Antonio Luiz Ribeiro Machado define que ―a adoção plena tem por
finalidade propiciar a perfeita integração do menor em situação irregular,
judicialmente declarado em situação de abandono, numa família substituta, como se
filho de sangue fosse‖.120
A respeito da adoção simples e da adoção plena, extrai-se trecho do
julgado do Superior Tribunal de Justiça em sede de Recurso Especial n. 685520 do
Rio Grande do Sul:
[...] O velho sistema da adoção previa, de fato, dois tipos: adoção dita
plena e adoção simples. A autora foi adotada quando era menor. O
116
COÊLHO, Bruna Fernandes. Adoção à luz do Código Civil de 1916. Disponível em:
<http://www.conteudojuridico.com.br/?colunas&colunista=17617&ver=845>. Acesso em: 24 mai.
2014.
117
GRANATO, Eunice Ferreira Rodrigues. Adoção: doutrina e prática. p. 48.
118
COÊLHO, Bruna Fernandes. Adoção à luz do Código Civil de 1916. Disponível em:
<http://www.conteudojuridico.com.br/?colunas&colunista=17617&ver=845>. Acesso em: 24 mai.
2014.
119
COÊLHO, Bruna Fernandes. Adoção à luz do Código Civil de 1916. Disponível em:
<http://www.conteudojuridico.com.br/?colunas&colunista=17617&ver=845>. Acesso em: 24 mai.
2014.
120
MACHADO, Antonio Luiz Ribeiro. Código de Menores comentado. 2. ed. atual. e ampl. São
Paulo: Saraiva.1987. p. 41.
31
Código Civil anterior regulava a adoção dita simples, não a plena,
que subordinava ao Código de Menores.
[...]
Sob o regime da época, ou seja, sob a disciplina do antigo Código de
Menores, para a adoção plena, correspondente à velha legitimação
adotiva, não havia a exigência do consentimento da adotada. Como
bem demonstrado no acórdão e no parecer do Professor Henrique
Fagundes, douto Subprocurador-Geral da República, a ―adoção
simples era regida pelo Código Civil de 1916, nos arts. 368 a 378, e a
plena pelo denominado Código de Menores‖ (fl. 258). E no Código de
Menores não se exigia o consentimento pretendido pela autora, ora
recorrente.121
Portanto, concluí-se do julgado que na adoção plena não era necessário o
consentimento dos pais biológicos para a formalização da adoção.
Sendo assim, passa-se para a adoção regulamentada pela Constituição
Federativa do Brasil de 1988.
c) A adoção segundo a Constituição Federativa do Brasil de 1988
A Constituição Federativa do Brasil de 1988 estabelece entre os direitos
da criança, do adolescente e do jovem ―à liberdade e à convivência familiar e
comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação,
exploração, violência, crueldade e opressão‖ (art. 227).
Além disso, define que no parágrafo 5º do referido artigo que ―a adoção
será assistida pelo Poder Público, na forma da lei, que estabelecerá casos e
condições de sua efetivação por parte de estrangeiros‖.
Por oportuno, ainda preconiza que ―os filhos, havidos ou não da relação
do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas
quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação‖ (art. 227, §6º, CRFB).
Sobre o assunto Ives Gandra Martins ensina que ―têm o mesmo
tratamento não só os filhos naturais, bastardos ou legítimos como aqueles
decorrentes da adoção, o que vale dizer, seus direitos e qualificações são
121
BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n. 685520 do Estado do Rio Grande
do Sul, Terceira Turma, Rel. Ministro Carlos Alberto Menezes Direito, Brasília, 07 de maio de
2007. Disponível em:
<http://jurisprudencia.s3.amazonaws.com/STJ/IT/RESP_685520_RS_07.05.2007.pdf?Signature=A
8j3qRy7yQHrz%2BobDoD6Mdxqb%2Bc%3D&Expires=1413508620&AWSAccessKeyId=AKIAIPM
2XEMZACAXCMBA&response-content-type=application/pdf&x-amz-meta-md5hash=e80377cc3b31fbf23ad937d5a3ec5f73>. Acesso em: 21 mai. 2013.
32
rigorosamente os mesmo, não podendo a lei, as pessoas ou instituições discriminálos‖.122
Se em tempos outros houve qualquer distinção da filiação, com o advento
da Constituição Federativa do Brasil de 1988, a sociedade brasileira amadureceu, ao
menos no aspecto constitucional, ao coibir qualquer distinção entre filhos, sejam
eles, consanguíneos havidos no casamento, na união estável, de forma individual,
monofamiliar, ou por adoção. Filho passou a ser uma categoria única que não
admite subespécies.
Ainda, sob a ótica constitucional de Paulo Lôbo:
No Brasil, após a Constituição de 1988, não há mais filho adotivo,
mas adoção, entendida como meio para filiação, que é única. A partir
do momento em que a adoção se conclui, com a sentença judicial e o
registro de nascimento, o adotado se converte integralmente em
filho. Em preceito arrojado e avançado, que inaugurou verdadeira
revolução na matéria, a Constituição (art. 227, § 6º) estabelece que
―os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção,
terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer
designações discriminatórias relativas à filiação‖.123
Dessa forma, discriminar filhos ou tratá-los de forma desigual foi sendo,
paulatinamente, absorvido por todo o ordenamento jurídico pátrio, registra-se:
Com essa determinação do legislador constituinte, foi afastada a
odiosa discriminação antes existente entre os filhos. Não só o filho
adotivo teve seus direitos igualados aos dos demais filhos, como a
pecha infamante de filho ilegítimo foi definitivamente proscrita do
nosso direito.124
Destarte, observa-se decisão proferida pelo Tribunal de Justiça de Santa
Catarina, no qual funda-se o julgado com base no artigo 227 da Constituição
Federativa do Brasil, veja-se:
[...] I - A adoção é irrevogável, segundo prescreve o art. 48 do
Estatuto da Criança e do Adolescente. Em outras palavras, significa
dizer que, uma vez transitada em julgado a sentença que a
concedeu, torna-se imutável a tutela jurisdicional prestada. Ainda,
nos termos do art. 227, § 6º, da Constituição Federal, "os filhos,
havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os
mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações
discriminatórias relativas à filiação". Sendo assim, a adoção atribui
a condição de filho ao adotado, com todos os seus consectários,
inclusive quanto ao direito à percepção de alimentos em decorrência
122
BASTOS, Celso Ribeiro; MARTINS, Ives Gandra. Comentários à constituição do brasil. São
Paulo: Saraiva. 2000. p. 1096.
123
LÔBO, Paulo. Direito civil. famílias. p. 272.
124
GRANATO, Eunice Ferreira Rodrigues. Adoção: doutrina e prática. p. 49.
33
da relação de parentesco, observando-se o estabelecido nos artigos
1.694 e 1.695 do Código Civil. [...].125
Com base nas citações acima, percebe-se que as mudanças ocasionadas
em relação aos filhos adotivos, foram de forma benéfica, pois hoje os mesmos
possuem os direitos e qualificações iguais aos dos filhos naturais, e são proibidas
quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.
A seguir analisar-se-á sobre a matéria de adoção no Código Civil de
2002, ainda em vigor.
d) A adoção no Código Civil de 2002
A princípio, importante esclarecer que quando entrou em vigor o Código
Civil de 2002, já existia o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), porquanto
instituído em julho de 1990.
Para Carlos Alberto Maluf e Adriana Caldas Maluf há duas espécies de
adoção no ordenamento jurídico brasileiro, quais sejam: a adoção de criança e
adolescente (até os 18 anos de idade), e a adoção de pessoas com mais de 18
anos, sendo a primeira regulada pela Lei n. 8069/90 (ECA), e a segunda pelo
Código Civil vigente.126
No mesmo sentido, Carlos Roberto Gonçalves cita que o instituto da
adoção passou a ser definido no novo Código Civil tanto para crianças e
adolescentes, quanto para os maiores, exigindo procedimento judicial em ambos os
casos.127
Partindo dessa premissa, pode-se afirmar que havia duas leis
determinando acerca da matéria de adoção, o Código Civil vigente e o ECA, fato que
acarretava enorme insegurança jurídica à sociedade e aos operadores do direito.
Com efeito, Pablo Stolze Gabliano e Rodolfo Pamplona Filho ensinam:
Outrora, o Código Civil brasileiro regulava a adoção juntamente com
o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).
125
SANTA CATARINA, Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina. Apelação Cível n.
2007.022629-6, de Chapecó, Primeira Câmara de Direito Civil, Rel. Des. Joel Figueira Júnior,
Florianópolis, 01 de abril de 2008. Disponível em:
<http://busca.tjsc.jus.br/jurisprudencia/html.do?q=filhos%20mesmo%20direito%20art%20227%20a
do%E7%E3o&only_ementa=&frase=&id=AAAbmQAABAAIAvDAAA&categoria=acordao>. Acesso
em: 21 mai. 2013.
126
MALUF, Carlos Alberto Dabus; MALUF, Adriana Caldas do Rego. Curso de direito de
família. São Paulo: Saraiva. 2013. p. 568.
127
GONÇALVES, Carlos Roberto. Sinopses jurídicas: direito de família. p. 126.
34
Essa duplicidade normativa, então explicada pela existência de uma
―adoção civil‖ e outra ―estatutária‖, não era de todo cômoda, pois
gerava insegurança jurídica.
Havia, pois, como dito, duas espécies de adoção, a regulada pelo
Código Civil (para maiores e dezoito anos) e a do ECA (para crianças
e adolescentes).128
Assim, visando acabar com essa duplicidade normativa, editou-se a Lei
Federal n. 12.010/2009, a qual revogou os dispositivos 1.620 a 1.629 do Código Civil
de 2002, e alterou os artigos 1.618 e 1.619 do mesmo código, que passaram a
vigorar com a seguinte redação:
Art. 1.618. A adoção de crianças e adolescentes será deferida na
forma prevista pela Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 - Estatuto da
Criança e do Adolescente.
Art. 1.619. A adoção de maiores de 18 (dezoito) anos dependerá da
assistência efetiva do poder público e de sentença constitutiva,
aplicando-se, no que couber, as regras gerais da Lei nº 8.069, de 13
de julho de 1990 - Estatuto da Criança e do Adolescente.129
Portanto, verifica-se que após as alterações ocorridas em função da
edição da Lei Federal n. 12.010/2009, a adoção passou a ser regulamentada pelo
Estatuto da Criança e do Adolescente (artigos 39 a 52), e não mais pelo Código Civil
como se perfazia desde 1916.
Contudo, constata-se que apesar de revogados, alguns dispositivos antes
vigentes no Código Civil de 2002 foram inseridos no ECA com redação semelhante
ou igual, conforme esclarece Caio Mario da Silva Pereira:
Revogado o art. 1.620 do Código Civil, foi mantida a orientação
estatutária ao reconhecer ao tutor e curador o direito de adotar o
pupilo desde que aprovadas as respectivas contas e saldado o
alcance, se houver. O princípio está reproduzido no art. 44 do
ECA.130
Além disso, permanece no mesmo sentido o revogado artigo 1.621 do
Código Civil de 2002 e o artigo 45 do ECA:
Revogado o art. 1.621 do Código Civil, foram mantidos seus
princípios no art. 45 e §§ do ECA, ao exigir o consentimento dos pais
ou representante legal do adotando, menor de 18 anos, salvo se
forem os pais desconhecidos ou tenham sido destituídos do poder
familiar através de procedimento próprio previstos nos arts. 155 a
163 do ECA.131
128
GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil: direito de
família. p. 657.
129
BRASIL. Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>. Acesso em: 21 mai. 2013.
130
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil: direito de família. p. 418.
131
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil: direito de família. p. 418.
35
Ademais, no novo Código Civil não há mais a modalidade de adoção
simples ou plena, posto que revogadas as disposições substantivas do Estatuto da
Criança e do Adolescente e do Código Civil de 1916, permanecendo apenas a
adoção por estrangeiro, que é regida por lei especial.132
Porém, criou-se a adoção irrestrita, com a mesma essência da adoção
plena, mas que se perfectibiliza apenas por processo judicial, e independe da idade
do adotando (antes, sendo o adotado maior de idade podia se fazer a adoção pela
via extrajudicialmente).133
e) A adoção no Estatuto da Criança e do Adolescente
Após a Constituição Federativa do Brasil de 1988, como visto, não havia
mais condições de manter no ordenamento jurídico o ―Código de Menores‖ que
representava outra época, outro momento histórico, outra realidade social brasileira.
Assim, em 1990 foi aprovada e sancionada a Lei n. 8.069 que instituiu o
Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), com o escopo de ver a criança
preparada para a vida em sociedade, preservando-se ―todos os direitos
fundamentais inerentes à pessoa humana (art. 3º) e a absoluta prioridade dos
direitos referentes às suas dignidades (arts. 4º, 15 e 18)‖.134
Arnoldo Wald cita algumas mudanças trazidas pelo ECA:
O Estatuto da criança e do Adolescente (Lei n. 8.069, de 13-7-1990)
revogou expressamente o Código de Menores (art. 267) e tratou
exaustivamente, no capítulo III do Título I do Livro I (―Do direito à
convivência familiar e comunitária‖) e especialmente na Seção III
(―Da família substituta‖), da guarda, da tutela e da adoção, já
considerada esta de modo unitário, sem as distinções da legislação
anterior. ―Adoção, segundo o disposto no ECA, passou a produzir
seus efeitos a partir do trânsito em julgado da sentença,
regularmente inscrita no Registro Civil‖.135
Ainda, necessário observar que há três espécies de família previstas no
ECA, quais sejam: a natural, a extensa e a substituta.
De acordo com o artigo 25, caput, da referida Lei, ―entende-se por família
natural a comunidade formada pelos pais ou qualquer deles e seus descendentes‖.
132
RIBEIRO, Alex Sandro. A adoção no novo Código Civil. Disponível em:
<http://jus.com.br/artigos/3302/a-adocao-no-novo-codigo-civil#ixzz3GVqjVl4j>. Acesso em: 21 mai.
2013.
133
RIBEIRO, Alex Sandro. A adoção no novo Código Civil. Disponível em:
<http://jus.com.br/artigos/3302/a-adocao-no-novo-codigo-civil#ixzz3GVqjVl4j>. Acesso em: 21 mai.
2013.
134
LÔBO, Paulo. Direito civil: famílias. p. 62.
135
WALD, Arnoldo. O novo direito de família. 16. ed. São Paulo: Saraiva. 2005. p. 275.
36
E, trata-se a ―família extensa ou ampliada aquela que se estende para além da
unidade pais e filhos ou da unidade do casal, formada por parentes próximos com os
quais a criança ou adolescente convive e mantém vínculos de afinidade e
afetividade‖ (parágrafo único).136
Por sua vez, conceitua-se família substituta aquela ocorrida ―mediante
guarda, tutela ou adoção, independentemente da situação jurídica da criança ou
adolescente, nos termos desta Lei‖.137
Além disso, os requisitos para adoção estão descritos no artigo 42 do
Estatuto da Criança e do Adolescente, veja-se:
Art. 42. Podem adotar os maiores de 18 (dezoito) anos,
independentemente do estado civil.
§ 1º Não podem adotar os ascendentes e os irmãos do adotando.
§ 2o Para adoção conjunta, é indispensável que os adotantes sejam
casados civilmente ou mantenham união estável, comprovada a
estabilidade da família.
§ 3º O adotante há de ser, pelo menos, dezesseis anos mais velho
do que o adotando.
§ 4o Os divorciados, os judicialmente separados e os excompanheiros podem adotar conjuntamente, contanto que acordem
sobre a guarda e o regime de visitas e desde que o estágio de
convivência tenha sido iniciado na constância do período de
convivência e que seja comprovada a existência de vínculos de
afinidade e afetividade com aquele não detentor da guarda, que
justifiquem a excepcionalidade da concessão.
§ 5o Nos casos do § 4o deste artigo, desde que demonstrado efetivo
benefício ao adotando, será assegurada a guarda compartilhada,
conforme previsto no art. 1.584 da Lei no 10.406, de 10 de janeiro de
2002 - Código Civil.
§ 6o A adoção poderá ser deferida ao adotante que, após inequívoca
manifestação de vontade, vier a falecer no curso do procedimento,
antes de prolatada a sentença.138
Sendo
assim,
somente
quando
preenchidos
esses
requisitos
e
certificando-se que é o melhor para o adotando (art. 43, ECA), é que deve ser
deferida a adoção.
A propósito, colhe-se da decisão do Tribunal de Justiça de Santa
Catarina:
[...] No caso em exame, a concessão da adoção constitui efetivo
benefício ao adotando. Sobre o tema leciona Tânia da Silva Pereira:
"O art. 1.625 do novo Código Civil determina que a medida deve
136
BRASIL. Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8069.htm>. Acesso em: 21 mai. 2013.
137
BRASIL. Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8069.htm>. Acesso em: 21 mai. 2013.
138
BRASIL. Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8069.htm>. Acesso em: 21 mai. 2013.
37
constituir 'efetivo benefício para o adotando'. Manteve, desta forma,
as diretrizes do art. 43 do ECA ao indicar que a adoção deve
'apresentar reais vantagens para o adotando e fundar-se em motivos
legítimos'. As expressões 'efetivo benefício' ou 'reais vantagens'
reportam-se ao princípio do 'melhor interesse da criança', presente
na Cláusula 3.1 da Convenção Internacional dos Direitos da Criança,
ratificada pelo Brasil através do Decreto n. 99.710/90), mas, também,
porque estamos diante de um princípio especial, o qual, a exemplo
dos princípios gerais de direito, deve ser considerado fonte
subsidiária na aplicação da norma." (Direito de Família e o Novo
Código Civil, 2ª edição, ibdfam, Orgs. Maria Berenice Dias e Rodrigo
da Cunha Pereira, Belo Horizonte, 2002, p. 145).139
Após o deferimento do pedido de adoção, a criança passará por um
estágio de convivência, ou seja, será acompanhado por uma equipe do serviço
social vinculada a Vara da Infância e da Juventude, ―preferencialmente com apoio
dos técnicos responsáveis pela execução da política de garantia do direito à
convivência familiar, que apresentarão relatório minucioso acerca da conveniência
do deferimento da medida‖ (art. 46, § 4º, ECA).
Destarte, pode-se afirmar que ―não se cogita mais de situação de
abandono ou de situação irregular, para que haja a atuação do poder público‖.140
[...] ainda que o menor não esteja em situação de abandono e que a
mãe ou os pais expressem desejo de entregá-lo para adoção a uma
pessoa determinada ou a um casal escolhido, será indispensável a
sentença judicial para que a adoção seja efetivada. Antes de entrar
em vigor o Estatuto, esses casos se resolviam através de escritura
pública, uma vez que regidos pelas normas do Código Civil.141
Portanto, concluí-se que na adoção prevista pelo Estatuto da criança e do
adolescente, objetiva-se ―criar laços de paternidade e filiação de paternidade e
filiação entre adotante e adotado, inclusive desligando-o completamente de sua
família biológica‖.142
2. 3 EFEITOS DA ADOÇÃO
Após a realização do procedimento da adoção, com o trânsito em julgado
da decisão e o registro de nascimento do adotado (art. 47, ECA), iniciam-se os
139
SANTA CATARINA, Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina. Apelação Cível n.
2007.017499-7, de Armazém, Segunda Câmara de Direito Civil, Rel. Des. Monteiro Rocha,
Florianópolis, 23 de agosto de 2007. Disponível em:
<http://app6.tjsc.jus.br/cposg/pcpoQuestConvPDFframeset.jsp?cdProcesso=010009PFG0000&nu
SeqProcessoMv=28&tipoDocumento=D&nuDocumento=212424>. Acesso em: 24 mai. 2014.
140
GRANATO, Eunice Ferreira Rodrigues. Adoção: doutrina e prática. p. 72.
141
GRANATO, Eunice Ferreira Rodrigues. Adoção: doutrina e prática. p. 72.
142
GRANATO, Eunice Ferreira Rodrigues. Adoção: doutrina e prática. p. 72.
38
efeitos oriundos do vínculo de filiação, que podem ser pessoais ou patrimonais,
conforme ensina Carlos Roberto Gonçalves:
Os principais efeitos da adoção podem ser divididos em de ordem
pessoal e patrimonial. Os de ordem pessoal dizem respeito ao
parentesco, ao poder familiar e ao nome; os de ordem patrimonial,
concernentes aos alimentos e ao direto sucessório.143
Assim, pode-se afirmar que a adoção gera tanto efeitos de natureza
pessoal quanto patrimonial, dos quais destaca-se: ―o desligamento do vínculo
parental com a família de origem e o consequente estabelecimento de novo vínculo
familiar com a família do adotante [...] (art. 1626 do CC)‖.144
Na mesma trilha, Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho
lembram que são dois efeitos que decorrem da sentença que deferi o pleito de
adoção: ―a desconstituição do vínculo anterior (ressalvada a hipótese de o poder
familiar dos pais biológicos já não existir) e a criação do novo vínculo parental entre
o adotante e adotado‖.145
Complementam ainda que:
[...] a adoção atribui ao adotado a condição de filho, para todos os
efeitos de direito, pessoais e patrimoniais, inclusive sucessórios, em
regime de absoluta isonomia em face dos filhos biológicos,
desligando-o dos seus pais naturais, mantidas, tão somente, as
restrições decorrentes dos impedimentos matrimoniais.146
Por sua vez, Caio Mario da Silva Pereira ensina:
A adoção produz efeitos pessoais e patrimoniais. Em termos
genéricos, dá nascimento a relações de parentesco. Ressalvam-se,
contudo, os impedimentos matrimoniais, que, por motivos de caráter
moral, vigoram entre adotante e adotado, entre o adotante e o
cônjuge do adotado, entre o adotado e o cônjuge do adotante, e
entre o adotado e o filho do adotante.147
A propósito, colhe-se trecho da decisão proferida pelo Tribunal de Justiça
de Santa Catarina:
Com a adoção, ocorre o total desligamento com a família de origem,
adquirindo o adotando, como diz a norma, a condição de filho
143
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito de família. 13. ed. rev. São Paulo: Saraiva. 2008. v. 2. p.
124.
144
BRUM, Amanda Netto. Dos vínculos por adoção. Disponível em:<http://www.ambitojuridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=10121>. Acesso em: 23
mai. 2013.
145
GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil: direito de
família. p. 668.
146
GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil: direito de
família. p. 666-667.
147
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil: direito de família. p. 411.
39
daquele núcleo familiar. Com relação à família biológica persistem os
impedimentos matrimoniais do art. 1521 do Código Civil.148
Dessa forma, uma vez constituído o vínculo de filiação entre adotante e
adotado, nasce o parentesco civil, inexistindo pela Constituição Federativa do Brasil
de 1988, diferença de direitos entre os filhos adotivos e os filhos biológicos,
conforme preconiza seu art. 227, § 6º: ―Os filhos, havidos ou não da relação do
casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas
quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação‖.149
Nessa esteira, Paulo Lôbo enfatiza que:
Os efeitos específicos em face o adotante e seus parentes (...) são
de três ordens: constitui relação de parentesco com o adotante,
assumindo este a posição de pai ou de mãe do adotado; constitui
relação de parentesco entre adotante e os descendentes do adotado,
ou seja, filhos e netos, que passam a ser netos e bisnetos do
primeiro, mas não há qualquer parentesco do adotante com os
parentes originários do adotado; constitui relação de parentesco do
adotado com os parentes doa adotante, ou seja, de seus
ascendentes e colaterais.150
E ainda, ensina Carlos Roberto Gonçalves que com a adoção, o filho
adotivo é equiparado ao consanguíneo sob todos os aspectos, ficando sujeito ao
poder familiar transferido do pai natural para o adotante.151
Destarte, observa-se que os efeitos da adoção se iniciam somente a partir
da sentença constitutiva, e que, via de regra, possuem efeito ex nunc. Porém,
excepcionalmente admite-se o efeito ex tunc quando ocorre o falecimento do
adotante no curso do processo de adoção, caso em que os efeitos da adoção terão
como marco inicial a data do óbito do adotante.
Com efeito, cita-se o artigo 47 da Lei 8.069/90 (ECA):
Art. 47. (omissis)
§ 7o A adoção produz seus efeitos a partir do trânsito em julgado da
sentença constitutiva, exceto na hipótese prevista no § 6o do art. 42
desta Lei, caso em que terá força retroativa à data do óbito. 152
148
SANTA CATARINA. Tribunal de Justiça de Santa Catarina, Apelação Cível n. 2009.062873-3, de
Campos Novos, Primeira Câmara de Direito Civil, Rel. Des. Joel Dias Figueira Júnior,
Florianópolis, 24 de março de 2011. Disponível em:
<http://app6.tjsc.jus.br/cposg/pcpoQuestConvPDFframeset.jsp?cdProcesso=01000F4C60000&nuS
eqProcessoMv=35&tipoDocumento=D&nuDocumento=3203842>. Acesso em: 23 mai. 2013.
149
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm>. Acesso em: 21
mai. 2013.
150
LÔBO, Paulo. Direito civil: famílias. 2. ed. p. 267.
151
GONÇALVES, Carlos Roberto. Sinopses jurídicas: direito de família. p. 125.
152
BRASIL. Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8069.htm>. Acesso em: 21 mai. 2013.
40
Por oportuno, dispõe o §6o do artigo 42 da mesma lei:
§ 6o A adoção poderá ser deferida ao adotante que, após inequívoca
manifestação de vontade, vier a falecer no curso do procedimento,
antes de prolatada a sentença.153
Nessa mesma trilha, destaca Carlos Roberto Gonçalves:
Os efeitos da adoção ―começam a partir do trânsito em julgado da
sentença, exceto se o adotante vier a falecer no curso da sentença,
exceto se o adotante vier a falecer no curso do procedimento, caso
em que terá força retroativa à data do óbito‖ (C.C, art. 1628, primeira
parte).154
Sendo assim, com a formação do vínculo de adoção, medida excepcional
e irrevogável (art. 39, §1º, ECA), mesmo ocorrendo o falecimento dos adotantes, não
poderá ser restabelecido o poder familiar dos pais biológicos, conforme ensina Paulo
Lôbo:
A condição de filho jamais poderá ser impugnada pelo pai ou mãe
que o adotaram, nem o filho poderá impugnar a nova paternidade ou
maternidade, inclusive quando atingir a maioridade, por
consequência, o filho que foi adotado não poderá promover
investigação de paternidade ou maternidade biológico.155
Deste modo, finda a análise acerca dos assuntos vinculados a adoção,
em termo geral, passa-se a seguir ao tema central da presente pesquisa, ou seja, o
reconhecimento da adoção à brasileira em nosso ordenamento jurídico.
153
BRASIL. Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8069.htm>. Acesso em: 21 mai. 2013.
154
GONÇALVES, Carlos Roberto. Sinopses jurídicas: direito de família. p. 126.
155
LÔBO, Paulo. Direito civil: famílias. 2. ed. p. 250.
41
3. A ADOÇÃO À BRASILEIRA
Neste capítulo, estudar-se-á a adoção à brasileira, a qual foi criada pela
jurisprudência e que ocorre com frequência no país.
Analisar-se-á ainda sua (i) legalidade, seu prazo prescricional para ser
declarado crime, seus efeitos, bem como sua possibilidade ou não de reversão.
3.1 CONCEITO
Antes de adentrarmos no tema da adoção à brasileira, faz-se necessário
expor novamente um breve conceito sobre o que seria a adoção pela legislação
brasileira vigente.
Silvio de Salvo Venosa assim define adoção:
―Uma filiação exclusivamente jurídica, que se sustenta sobre a
preposição de uma relação não biológica, mas afetiva. Portanto, um
ato jurídico que cria relações de paternidade e filiação entre duas
pessoas. O ato da doação faz com que uma pessoa passe a gozar
do estado de filho de outra pessoa, independentemente do vínculo
biológico‖.156
Por sua vez, ensina Clóvis Beviláqua que adoção ―é o ato civil, pelo qual
alguém aceita um estranho na qualidade de filho‖.157
Assim, partindo dessa premissa, pode-se dizer que a adoção à brasileira
conceitua-se pelo ato praticado por casais que registram como seu filho alheio, em
comum acordo com a mãe biológica.
Nesse sentido, Carlos Roberto Gonçalves esclarece:
Podíamos falar, antes do Código Civil de 2002, em três espécies de
adoção: simulada, civil e estatutária. A simulada ou à brasileira é
uma criação da jurisprudência. A expressão ―adoção simulada‖ foi
empregada pelo Supremo Tribunal Federal ao se referir a casais que
registram filho alheio, recém-nascido, como próprio, com a intenção
de dar-lhe um lar, de comum acordo com a mãe e não com a
intenção de tomar-lhe o filho.158
Para Carlos Alberto Maluf e Adriana Caldas Maluf a adoção à brasileira é
uma forma de adoção que se tornou frequente no território brasileiro, por isso foi lhe
atribuída este nome.159
156
VENOSA, Sílvio Salvo. Direito civil: direito de família. 10. ed. São Paulo: Atlas. 2003. p. 315.
BEVILAQUA, Clóvis. Clássicos da Literatura Jurídica: direito de família. Rio de Janeiro: Rio.
1976. p. 351.
158
GONÇALVES, Carlos Roberto. Sinopses jurídicas: direito de família. p. 121.
159
MALUF, Carlos Alberto Dabus; MALUF, Adriana Caldas do Rego Freitas Dabus. Curso de direito
de Família. São Paulo: Saraiva. 2013. p. 588
157
42
Os doutrinadores destacam que a adoção à brasileira ocorre quando
―toma-se para si o filho de outrem simplesmente registrando-o como se fosse seu
ascendente, sem obedecer aos trâmites legais‖.160
Por outro lado, relata Arnaldo Rizzardo sobre a adoção à brasileira:
Muito tem se falado, nos últimos tempos, sobre a chamada adoção à
brasileira, ou socioafetiva, que é aquela em que se assume a
paternidade ou a maternidade sem o devido processo legal,
resultando a mesma do reconhecimento de um estado de fato
existente há um certo período de tempo. Transparece sobretudo o
reconhecimento do filho de outrem. Indo mais longe, também se
admite a paternidade em razão do desconhecimento da paternidade
biológica, desde que se tenha exercido uma manifestação de
vontade, através do encaminhamento do ato do registro, com a
declaração expressa da paternidade.161
Ainda, Eunice Ferreira Rodrigues Granato aborda os motivos que
ensejam a adoção à brasileira:
Os motivos que levam alguém a registrar filho alheio como próprio,
por esse método, são os mais variados, mas fácil é intuir que, dentre
eles, estão a esquiva a um processo judicial de adoção demorado e
dispendioso, mormente quando se tem que contratar advogado; o
medo de não lhe ser concedida a adoção pelos meios regulares e,
pior ainda, de lhe ser tomada a criança, sob o pretexto de se atender
a outros pretendentes há mais tempo ―na fila‖ ou melhor qualificados;
ou ainda, pela intenção de se ocultar à criança a sua verdadeira
origem. 162
Complementa ainda que, a adoção à brasileira normalmente ocorre
porque a mãe biológica geralmente não possui condições de criar o recém- nascido
e não se importa em entregar a criança a terceiro que oferece melhores
possibilidades ao menor.163
Por sua vez, conceitua o Superior Tribunal de Justiça a adoção à
brasileira da seguinte forma:
[...] A ―adoção à brasileira‖, inserida no contexto de filiação sócioafetiva, caracteriza-se pelo reconhecimento voluntário da
maternidade/paternidade, na qual, fugindo das exigências legais
pertinentes ao procedimento de adoção, o casal (ou apenas um dos
cônjuges/companheiros) simplesmente registra a criança como sua
filha, sem as cautelas judiciais impostas pelo Estado, necessárias à
proteção especial que deve recair sobre os interesses do menor.
[...].164
160
MALUF, Carlos Alberto Dabus; MALUF, Adriana Caldas do Rego. Curso de direito de família. p.
588.
161
RIZZARDO, Arnaldo. Direito de família. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense. 2011. p. 531.
162
GRANATO, Eunice Ferreira Rodrigues. Adoção: doutrina e prática. p. 131.
163
GRANATO, Eunice Ferreira Rodrigues. Adoção: doutrina e prática. p. 131.
164
BRASIL. Superior Tribunal De Justiça, Recurso Especial n. 833.712, do Estado do Rio Grande
do Sul, Terceira Turma, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Brasília, 17 de maio de 2007. Disponível
43
Sendo assim, uma vez configurada a ocorrência de adoção à brasileira,
surgem diversas discussões sobre a sua validade, legalidade e efeitos, os quais
serão analisados a seguir.
Não obstante, necessário citar que a adoção à brasileira é um tema de
suma importância para o país, diz-se isso em razão da notícia publicada no portal do
Senado Federal, veja-se:
Conhecida como adoção à brasileira, a prática ilegal pode
encobrir casos de venda ou tráfico de crianças.
Depois da Lei da Adoção de 2009, qualquer pessoa que queira
adotar uma criança no Brasil tem de estar, obrigatoriamente, inscrita
no Cadastro Nacional de Adoção — CNA. Mas especialistas revelam
que uma prática ilegal arraigada na cultura do país continua a
acontecer. Chamada de adoção à brasileira, consiste em um modo
pelo qual a mãe ou a família biológica ―dá‖ a criança para outra
pessoa, escolhida por ela, à margem dos trâmites legais. Muitas
vezes, o casal adotante registra a criança como se fosse filho
biológico. Como ocorre fora de qualquer controle judicial ou
institucional, a prática dá margem a injustiças com famílias mais
humildes, que não necessariamente querem doar os filhos, mas
podem ser levadas a isso por pressão social e econômica. A adoção
à brasileira também pode encobrir casos de venda ou tráfico de
crianças. E, sobretudo, esse modo de adoção não leva em conta os
interesses da criança, o que é o mais importante para a lei em vigor.
[...].165
Deste modo, nota-se a importância do estudo da adoção à brasileira,
porquanto esta poderá ser precedida de um tráfico internacional de crianças.
3.2 A TIPIFICAÇÃO DE CRIME E SUA APLICABILIDADE
Neste tópico analisar-se-á a tipificação de crime nos casos de adoção à
brasileira, e para tanto, verificar-se-á tanto a legislação vigente como entendimentos
doutrinários e jurisprudenciais.
Na concepção de Arnaldo Rizzardo, a adoção à brasileira é tipificada
como crime, prevista no artigo 242 do Código Penal, veja-se:
Esse tipo de adoção, no rigor formalístico da lei, é considerado crime,
definido no artigo 242 do Código Penal, e ocorre quando alguém,
sem observar o regular procedimento de adoção imposto pela Lei
Civil, registra a criança como filho. No entanto, interessa ao direito a
em:
<https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ATC&sequencial=3040
672&num_registro=200600706094&data=20070604&tipo=51&formato=PDF>. Acesso em: 10 out.
2014.
165
BRASIL. Adoção “à brasileira” ainda é muito comum. Disponível em:
<http://www.senado.gov.br/noticias/Jornal/emdiscussao/adocao/realidade-brasileira-sobreadocao/adocao-a-brasileira-ainda-e-muito-comum.aspx>. Acesso em: 13 out. 2014.
44
pessoa humana daquele que teve um pai, em uma realidade que se
perpetuou através dos anos.166
Por oportuno, vale citar que o artigo 242 do Código Penal está incluído no
rol dos crimes contra o estado de filiação, que define pena de reclusão de dois a seis
anos para aquele que praticar o seguinte delito: ―Dar parto alheio como próprio;
registrar como seu o filho de outrem; ocultar recém-nascido ou substituí-lo,
suprimindo ou alterando direito inerente ao estado civil‖. 167
Contudo, apesar de ser considerado crime tanto pela doutrina quanto pelo
Código Penal, há decisões jurisprudenciais entendendo pela aplicação do perdão
judicial ao adotante que realizou a adoção à brasileira, conforme ensina Maria
Berenice Dias:
Há uma prática disseminada no Brasil – daí o nome eleito – de o
companheiro de uma mulher perfilhar o filho dela, simplesmente o
registrando como se fosse seu descendente. Ainda que este agir
constituía crime contra o estado de filiação (CP 242). Pela motivação
afetiva que envolve essa forma de agir é concedido o perdão
judicial.168
Essa corrente é baseada no parágrafo único do artigo 242 do Código
Penal que define que ―se o crime é praticado por motivo de reconhecida nobreza:
pena - detenção, de um a dois anos, podendo o juiz deixar de aplicar a pena‖.169
De acordo com Oscar Joseph de Plácido e Silva, conceitua-se uma causa
nobre aquela que ―exprime qualidades de virtuosa, bondosa, generosa, magnânima
e méritos que elevam a pessoa na consideração de seus semelhantes‖.170
Sendo assim, configurando uma causa ―nobre‖ a razão pela qual se
caracterizou a adoção à brasileira, o adotante poderá ver excluída sua pena pelo
perdão judicial do artigo 242, parágrafo único, do Código Penal.
Seguindo essa mesma linha de raciocínio, manifestou-se a Primeira
Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina, em sede de
julgamento da Apelação Criminal n. 2012.015205-2, de Lages, veja-se:
166
RIZZARDO, Arnaldo. Direito de família. p. 532.
o
BRASIL. Decreto-lei n 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Disponível:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm>. Acesso em: 23 mai.
2013.
168
DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 9. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais.
2013. p. 509.
169
o
BRASIL. Decreto-lei n 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Disponível:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm>. Acesso em: 23 mai.
2013.
170
SILVA, De plácido e. Vocabulário jurídico. 24 ed. Rio de Janeiro: Forense. 2004. p. 953.
167
45
APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME CONTRA A FAMÍLIA. REGISTRO
DE FILHO ALHEIO COMO PRÓPRIO. "ADOÇÃO À BRASILEIRA"
(ART. 242, CAPUT, DO CP). RECURSO MINISTERIAL.
PRETENDIDA APLICAÇÃO DE PENA. REGISTRO DE FILHO
ALHEIO COMO PRÓPRIO. ESPOSA COAUTORA. CONFISSÕES
EM JUÍZO CORROBORADAS PELOS DEPOIMENTOS DAS
TESTEMUNHAS QUE COMPROVAM A PRÁTICA DO ILÍCITO.
VONTADE LIVRE E CONSCIENTE À REALIZAÇÃO DA CONDUTA
EVIDENCIADA.
CONSTATADA
A
MOTIVAÇÃO
NOBRE.
GENITORA QUE NÃO DESEJA FICAR COM A RECÉM-NASCIDA E
O ENTREGA AOS RÉUS PARA O CRIAREM. APLICABILIDADE DO
ART. 242, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CP. CONCESSÃO DO
PERDÃO JUDICIAL. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO NÃO
PROVIDO.171
No caso em análise, apesar de reconhecida a ocorrência da adoção à
brasileira, a qual culminaria na aplicação da pena prevista no artigo 242 do Código
Penal, entendeu a Corte pela aplicação do parágrafo único do referido artigo,
porquanto constatado que a genitora não desejava ficar com a criança, que a
entregou aos adotantes, configurando causa de nobreza, ensejando o perdão
judicial.
Semelhante a decisão supracitada, é o entendimento exarado pela Sexta
Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, em sede
de Apelação Criminal n. 70037954229, de Rio Pardo:
PARTO
SUPOSTO.
ARTIGO
242
DO
CÓDIGO
PENAL. ADOÇÃO À BRASILEIRA.
PERDÃO
JUDICIAL
CONCEDIDO. SENTENÇA MANTIDA. Mãe do menor é prostituta e
diante da impossibilidade de criar adequadamente o recém nascido o
entregou aos réus. Para adequarem a realidade à certidão
de nascimento, os réus se declararam pais do nascituro e lograram
êxito em registrá-lo. Sentença concessiva de perdão judicial mantida.
APELO NÃO PROVIDO.172
171
SANTA CATARINA, Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina. Apelação Criminal n.
2012.015205-2, de Lages, Primeira Câmara Criminal, Rel. Des. Marli Mosimann Vargas,
Florianópolis, 24 de setembro de 2012. Disponível em:
<http://app6.tjsc.jus.br/cposg/pcpoQuestConvPDFframeset.jsp?cdProcesso=01000LD1S0000&nu
SeqProcessoMv=22&tipoDocumento=D&nuDocumento=4911774>. Acesso em: 23 de mai. 2013.
172
RIO GRANDE DO SUL, Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, Apelação Crime n.
70037954229, de Rio Pardo, Sexta Câmara Criminal, Rel. Des. Cláudio Baldino Maciel, Porto
Alegre, 23 de setembro de 2010. Disponível em:
<http://www.tjrs.jus.br/busca/search?q=cache:www1.tjrs.jus.br/site_php/consulta/consulta_process
o.php%3Fnome_comarca%3DTribunal%2Bde%2BJusti%25E7a%26versao%3D%26versao_foneti
ca%3D1%26tipo%3D1%26id_comarca%3D700%26num_processo_mask%3D70037954229%26n
um_processo%3D70037954229%26codEmenta%3D3788240+%22ado%C3%A7%C3%A3o+%C3
%A0+brasileira%22+crime++++&proxystylesheet=tjrs_index&client=tjrs_index&ie=UTF8&lr=lang_pt&site=ementario&access=p&oe=UTF8&numProcesso=70037954229&comarca=Comarca%20de%20Rio%20Pardo&dtJulg=23/09/2010
&relator=Cl%C3%A1udio%20Baldino%20Maciel&aba=juris>. Acesso em: 23 mai. 2013.
46
Verifica-se que neste caso a fundamentação utilizada é semelhante, haja
vista que declara a ocorrência de adoção à brasileira, porém, afasta o artigo 242,
caput, do Código Penal, e aplica o perdão judicial do parágrafo único em razão da
causa de nobreza, posto que a mãe biológica não possuía condições financeiras
para criar o recém nascido, e, portanto, no intuito de amparar o menor, os adotantes
o receberam como se descente fosse.
Além disso, manifestou-se a Terceira Turma do Superior Tribunal de
Justiça, em sede de Habeas Corpus n. 291.103, do Estado de São Paulo, pelo
melhor interesse da criança como fundamento para afastar a busca e apreensão do
menor, veja-se:
HABEAS CORPUS. BUSCA E APREENSÃO DE MENOR.
DETERMINAÇÃO DE ACOLHIMENTO INSTITUCIONAL. POSSÍVEL
PRÁTICA DE "ADOÇÃO À BRASILEIRA". CONVÍVIO COM A
FAMÍLIA REGISTRAL. MELHOR INTERESSE DA CRIANÇA.
ORDEM CONCEDIDA.
1.- A despeito da possibilidade de ter ocorrido fraude no registro de
nascimento, não é do melhor interesse da criança o acolhimento
institucional ou familiar temporário, salvo diante de evidente risco à
sua integridade física ou psíquica, circunstância que não se faz
presente no caso dos autos. Precedentes.
2.- Ordem concedida.173
Assim, uma vez constatado que o acolhimento em instituição temporária
poderá acarretar em danos psíquicos ao menor, cabível mantê-lo com os adotantes,
apesar de ocorrida a adoção à brasileira, com base no princípio do melhor interesse
da criança.
Ademais, semelhantemente entendeu a Sétima Câmara Cível do Tribunal
de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, no julgamento da Apelação Cível n. 70
058 386 848, de Caxias do Sul, pela busca e apreensão do menor em razão da
inexistência de vínculo afetivo, utilizando por base o princípio do melhor interesse da
criança:
ECA. MEDIDA DE PROTEÇÃO E RETIFICAÇÃO DE REGISTRO
CIVIL. ‗ADOÇÃO À BRASILEIRA‘. BURLA AO CADASTRO DE
ADOÇÃO. DETERMINAÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO.
CABIMENTO. 1. Verificado nos autos que ocorreu ‗adoção à
brasileira‘ encobrindo interesse escuso, cabível a adoção de todas as
providências necessárias para a mais ampla proteção do interesse
da infante. 2. Mostra-se adequada a busca e apreensão da criança,
173
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Habeas Corpus n. 291.103, do Estado de São Paulo,
Terceira Turma, Rel. Ministro Sidnei Beneti, Brasília, 05 de agosto de 2014. Disponível em:
<https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ATC&sequencial=3593
1813&num_registro=201400648099&data=20140829&tipo=51&formato=PDF>. Acesso em: 20 set.
2014.
47
bem como a retirada do nome paterno no registro civil da infante e
também de seu patronímico e dos respectivos ascendentes quando
estampado que o pai registral procedeu o registro com o manifesto
propósito de burlar o Cadastro de Adoção. 3. O processo de adoção
deve observar a forma legal e a escolha de uma criança para adotar
feita pelos pretendentes não os habilita necessariamente ao
processo de adoção. 4. A existência de vínculos sólidos com a
infante, que seria situação excepcional, não se verifica no caso em
exame, sendo necessário antes verificar o rol de pretendentes
habilitados na Comarca, cuja ordem deve ser obedecida. Recurso
desprovido.174
Deste modo, ante a inexistência de vínculos sólidos entre o adotante e o
adotado, cabível é a busca e apreensão do menor posto que comprovado a tentativa
de burlar o cadastro de adoção.
Ainda, colhe-se trecho de outra decisão proferida pela Terceira Turma do
Superior Tribunal de Justiça, em sede de Recurso Especial n. 1000356, do Estado
de São Paulo:
[...] tendo em mente as vicissitudes e elementos fáticos constantes
do processo, na peculiar versão conferida pelo TJ/SP, em que se
identificou a configuração de verdadeira adoção à brasileira, a
caracterizar vínculo de filiação construído por meio da convivência e
do afeto, acompanhado por tratamento materno-filial, deve ser
assegurada judicialmente a perenidade da relação vivida entre mãe e
filha. Configurados os elementos componentes do suporte fático da
filiação socioafetiva, não se pode questionar sob o argumento da
diversidade de origem genética o ato de registro de nascimento da
outrora menor estribado na afetividade, tudo com base na doutrina
de proteção integral à criança.
Conquanto a adoção à brasileira não se revista da validade própria
daquela realizada nos moldes legais, escapando à disciplina
estabelecida nos arts. 39 usque 52-D e 165 usque 170 do ECA, há
de preponderar-se em hipóteses como a julgada consideradas as
especificidades de cada caso a preservação da estabilidade familiar,
em situação consolidada e amplamente reconhecida no meio social,
sem identificação de vício de consentimento ou de má-fé, em que,
movida pelos mais nobres sentimentos de humanidade, A. F. V.
manifestou a verdadeira intenção de acolher como filha C. F. V.,
174
RIO GRANDE DO SUL, Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Apelação Cível n.
70 058 386 848, de Caxias do Sul, Sétima Câmara Cível, Rel. Des. Sérgio Fernando De
Vasconcellos Chaves, Porto Alegre, 27 de agosto de 2014. Disponível em:
<http://www.tjrs.jus.br/busca/search?q=cache:www1.tjrs.jus.br/site_php/consulta/consulta_process
o.php%3Fnome_comarca%3DTribunal%2Bde%2BJusti%25E7a%26versao%3D%26versao_foneti
ca%3D1%26tipo%3D1%26id_comarca%3D700%26num_processo_mask%3D70058386848%26n
um_processo%3D70058386848%26codEmenta%3D5912481+%22ado%C3%A7%C3%A3o+%C3
%A0+brasileira%22++++&proxystylesheet=tjrs_index&client=tjrs_index&ie=UTF8&lr=lang_pt&site=ementario&access=p&oe=UTF8&numProcesso=70058386848&comarca=Comarca%20de%20Caxias%20do%20Sul&dtJulg=27/0
8/2014&relator=S%C3%A9rgio%20Fernando%20de%20Vasconcellos%20Chaves&aba=juris>.
Acesso em: 10 out. 2014.
48
destinando-lhe afeto e cuidados inerentes à maternidade construída
e plenamente exercida. [...]175
Neste caso, entendeu a Terceira Turma da Corte Superior de Justiça que
apesar de ocorrida a adoção á brasileira, deve-se aplicar o princípio da proteção
integral da criança, bem como preservar a estabilidade familiar. Logo, nota-se que
apesar de comprovado o crime, mantém-se a criança sob os cuidados dos adotantes
para sua proteção e estabilidade psíquica.
Por oportuno, cabe citar que para o reconhecimento do crime previsto no
artigo 242, caput, do Código Penal, faz-se necessário observar o prazo prescricional,
posto que havendo o decurso desse prazo, tem-se a extinção da pretensão punitiva,
nos moldes do artigo 107, inciso IV, do Código Penal.176
A propósito, dispõe o artigo 111 do Código Penal:
Art. 111 - A prescrição, antes de transitar em julgado a sentença
final, começa a correr:
IV - nos de bigamia e nos de falsificação ou alteração de
assentamento do registro civil, da data em que o fato se tornou
conhecido.177
Ademais, trata o artigo 109 também do Código Penal sobre os prazos
prescricionais, verificando-se para tanto a pena máxima aplicada ao crime:
Art. 109. A prescrição, antes de transitar em julgado a sentença final,
salvo o disposto no § 1o do art. 110 deste Código, regula-se pelo
máximo da pena privativa de liberdade cominada ao crime,
verificando-se:
I - em vinte anos, se o máximo da pena é superior a doze;
II - em dezesseis anos, se o máximo da pena é superior a oito anos e
não excede a doze;
III - em doze anos, se o máximo da pena é superior a quatro anos e
não excede a oito;
IV - em oito anos, se o máximo da pena é superior a dois anos e não
excede a quatro;
V - em quatro anos, se o máximo da pena é igual a um ano ou,
sendo superior, não excede a dois;
VI - em 3 (três) anos, se o máximo da pena é inferior a 1 (um) ano.178
175
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça, Recurso Especial n. 1000356 do Estado de São Paulo,
Terceira Turma, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Brasília, 25 de maio de2010. Disponível em:
<https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ATC&sequencial=9888
629&num_registro=200702526975&data=20100607&tipo=51&formato=PDF>. Acesso em: 13 out.
2014.
176
SOUZA, Artur de Brito Gueiros; JAPIASSÚ, Carlos Eduardo Adriano; Direito Penal. Rio de Janeiro:
Elsevier. 2011. p.570.
177
o
BRASIL. Decreto-lei n 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Disponível:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm>. Acesso em: 23 mai.
2013.
178
o
BRASIL. Decreto-lei n 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Disponível:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm>. Acesso em: 23 mai.
2013.
49
Nos casos de adoção à brasileira, incorre o indivíduo na prática do crime
previsto no artigo 242 do Código Penal, conforme demonstrado anteriormente, o
qual possui pena de reclusão de 2 (dois) a 6 (seis) anos, logo, utilizando-se a pena
máxima de 6 (seis) anos, e com base no artigo 109 do Código Penal, a prescrição
desse crime é de 12 (doze) anos.
Com efeito, colhe-se decisão proferida pela Primeira Câmara de Direito
Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina, no julgamento da
Apelação Cível n. 2008.016077-1, de Blumenau, onde verificou-se a ocorrência de
prescrição, sendo incabível, portanto, reconhecer o crime do artigo 242 do Código
Penal:
APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE
- SEGREDO DE JUSTIÇA - REGISTRO CIVIL AO ARREPIO DA LEI
- INESCUSABILIDADE - ILÍCITO FLAGRANTE - GARANTIDO O
DIREITO À PATERNIDADE BIOLÓGICA - INVESTIGAÇÃO BEM
SUCEDIDA - PATERNIDADE COMPROVADA - SENTENÇA
MANTIDA - DE OFÍCIO, COMPLEMENTAÇÃO SOBRENOME COM
O NOME DE FAMÍLIA DE AMBOS OS AVÓS, A PEDIDO DO
AUTOR - ERRO MATERIAL CORRIGIDO - TAMBÉM DE OFÍCIO,
CONDENAÇÃO RECORRENTE ÀS PENAS POR LITIGÂNCIA DE
MÁ-FÉ - RECURSO DESPROVIDO A adoção exige procedimento
específico, não se confundindo com a prática corrente - mas sempre
rejeitada pelos pretórios - da chamada "adoção à brasileira", método
pelo qual determinada pessoa assume a paternidade biológica de
outra, com a qual não mantém laço algum de consaguinidade. Tal
prática, por sinal, constitui crime, conforme ocorreu no caso, embora
já alcançado pela prescrição, motivo pelo qual esta matéria perde
qualquer importância nestes autos.
Erro material consistente na
omissão do último nome de família do pai do autor. Com efeito, este
requereu o direito de usar o nome do pai e dos avós paternos em seu
assento de nascimento.179
Igualmente, entendeu a Sétima Câmara Criminal do Tribunal de Justiça
do Estado do Rio Grande do Sul, em sede de Apelação Crime n. 70022570667, de
Canoas, pela declaração de extinção da punibilidade em virtude da ocorrência de
prescrição:
ADOÇÃO À BRASILEIRA. REGISTRO DE FILHO DE TERCEIRO
COMO
SE
PRÓPRIO.
―DIES
A
QUO‖
DO
PRAZO
PRESCRICIONAL. PERDÃO JUDICIAL.
Ao crime do artigo 242 do Código Penal se aplica a regra do artigo
111, IV, daquele estatuto repressivo, pela qual a prescrição passa a
correr da data em que conhecido o fato delituoso.
179
SANTA CATARINA, Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina. Apelação Cível n.
2008.016077-1, de Blumenau, Primeira Câmara de Direito Civil, Rel. Des. Edson Ubaldo,
Florianópolis, 31 de março de 2009. Disponível em:
<http://app6.tjsc.jus.br/cposg/pcpoQuestConvPDFframeset.jsp?cdProcesso=01000BG7F0000&nu
SeqProcessoMv=44&tipoDocumento=D&nuDocumento=1459519>. Acesso em: 05 set. 2014.
50
Se ausente alguma característica especial, muito bem definida, que
indique conduta cercada por carga prevalente de desprendimento, e
não de interesse pessoal próprio em ter o recém nascido como se
seu filho fosse, não se cogita da aplicação do perdão judicial.
Se nem todos os operadores do artigo 59 do Código Penal são
francamente favoráveis, adequado se mostra afastamento, ainda
mais módico, como havido, da pena-base do mínimo cominado
à infração.
Apelo provido, mas com declaração de extinção da punibilidade, pela
prescrição, de co-ré condenada pela mesma sentença apelada.180
Deste modo, verifica-se que apesar de o Código Penal prever em seu
artigo 242 pena de reclusão de 2 (dois) a 6 (seis) anos àqueles que registram filho
de outrem como se fosse seu, vem se manifestando a jurisprudência pelo
reconhecimento do perdão judicial em decorrência da causa nobre que há por trás
desses casos, bem como pelo princípio do melhor interesse da criança, que passa a
ter contato com o adotante e cria vínculo com este, logo, sua busca e apreensão à
um lar lhe traria enormes danos psíquicos.
3.3 (IM) POSSIBILIDADE DE REVERSÃO DA ADOÇÃO À BRASILEIRA
Acerca do assunto, Maria Berenice Dias ensina que não é possível anular
o registro efetuado através de adoção à brasileira, porquanto considerado um ato
voluntário, veja-se:
A Jurisprudência, reconhecendo a voluntariedade do ato, praticado
de modo espontâneo, por meio da ―adoção à brasileira‖, passou a
não admitir a anulação do registro de nascimento, considerando-o
irreversível. Não tendo havendo vício de vontade, não cabe a
anulação, sob o fundamento de que a lei não autoriza a ninguém
vindicar estado contrário ao que resulta do registro de nascimento
(CC 1.604).181
Do mesmo modo manifestou-se a Terceira Turma do Superior Tribunal de
Justiça no julgamento do Recurso Especial n. 1088157 do Estado da Paraíba, onde,
apesar de comprovada a ocorrência de adoção à brasileira, entendeu a turma que o
180
RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Apelação Crime n.
70022570667, de Canoas, Sétima Câmara Criminal, Rel Des. Marcelo Bandeira Pereira, Porto
Alegre, 24 de abril de 2008. Disponíve em:
<http://www.tjrs.jus.br/busca/search?q=cache:www1.tjrs.jus.br/site_php/consulta/consulta_process
o.php%3Fnome_comarca%3DTribunal%2Bde%2BJusti%25E7a%26versao%3D%26versao_foneti
ca%3D1%26tipo%3D1%26id_comarca%3D700%26num_processo_mask%3D70022570667%26n
um_processo%3D70022570667%26codEmenta%3D2328888+%22ado%C3%A7%C3%A3o+%C3
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r=Marcelo%20Bandeira%20Pereira&aba=juris>. Acesso em: 13 out. 2014.
181
DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 9.ed. p. 509.
51
adotante só poderá requerer a nulidade do registro civil quando não houver
constituído vínculo sócio-afetivo com o adotado, veja-se:
RECURSO ESPECIAL - AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE
REGISTRO CIVIL - NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL ALEGAÇÃO DE VIOLAÇÃO GENÉRICA - RECURSO ESPECIAL,
NO PONTO, DEFICIENTEMENTE FUNDAMENTADO - APLICAÇÃO
DA SÚMULA N. 284/STF - ADOÇÃO À BRASILEIRA PATERNIDADE SÓCIO-AFETIVA - IMPOSSIBILIDADE, NA
ESPÉCIE DE DESFAZIMENTO - RECURSO ESPECIAL
IMPROVIDO.
1. O conhecimento do recurso especial exige a clara indicação do
dispositivo, em tese, violado, bem assim em que medida o aresto a
quo teria contrariado lei federal, o que in casu não ocorreu com
relação à pretensa ofensa ao artigo 535 do Código de processo Civil
(Súmula n. 284/STF).
2. Em se tratando de adoção à brasileira, a melhor solução consiste
em só permitir que o pai-adotante busque a nulidade do registro de
nascimento, quando ainda não tiver sido constituído o vínculo de
sócio-afetividade com o adotado.
3. Recurso especial improvido.182
Assim, no caso em tela foi indeferido o pedido de anulação do registro
civil do adotado porquanto já formado vínculo sócio-afetivo com o adotado, sendo,
portanto, impossível ser declarada a nulidade do ato jurídico.
Por sua vez, entendeu a 11ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado
do Paraná, no julgamento da Apelação Cível n. 454064-3, de Rolândia, pela
irrevogabilidade do ato de reconhecimento de paternidade, apesar de oriundo de
adoção à brasileira, veja-se:
APELAÇÃO CÍVEL - NEGATÓRIA DE PATERNIDADE c/c
ANULAÇÃO DE REGISTRO CIVIL JULGADA IMPROCEDENTE APELANTE QUE REGISTROU FILHO DE SUA ESPOSA SABENDO
QUE NÃO ERA SEU - ADOÇÃO À BRASILEIRA IRREVOGABILIDADE - INTELIGÊNCIA DO ARTIGO 1.609 DO
CÓDIGO CIVIL - VÍCIO DE CONSENTIMENTO NÃO
COMPROVADO - VÍNCULO SÓCIO-AFETIVO VERIFICADO SENTENÇA CONFIRMADA - RECURSO DESPROVIDO. O
reconhecimento espontâneo da paternidade por quem sabe não ser
o pai biológico tipifica verdadeira adoção (adoção à brasileira), a qual
é irrevogável, descabendo postular-se anulação do registro de
nascimento, salvo se demonstrada de forma convincente a existência
de vício de consentimento, o que inocorreu no caso em tela.183
182
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n. 1088157, do Estado da Paraíba,
Terceira Turma, Rel. Ministro Massami Uyeda, Brasília, 23 de junho de 2009. Disponível em:
<https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ATC&sequencial=5359
617&num_registro=200801995643&data=20090804&tipo=91&formato=PDF>. Acesso em: 10 out.
2013.
183
PARANÁ. Tribunal de Justiça do Estado do Paraná. Apelação Cível n. 454064-3, de Rolândia,
11ª Câmara Cível, Rel. Des. Luiz Antônio Barry, Curitiba, 01 de setembro de 2008. Disponível em:
52
Nota-se que nesse caso fundamentou-se a decisão na impossibilidade de
anular o registro de nascimento do adotado em virtude do reconhecimento de
paternidade ter se realizado de forma espontânea. Ademais, que só seria possível a
anulação se ocorrido algum dos vícios de consentimento.
A propósito, tratam-se os vícios de consentimento daqueles atos que
causam defeito e consequentemente nulidade do negócio jurídico, porquanto
praticados mediante erro, dolo e coação (capítulo IV, Código Civil).
Acerca do assunto, manifestou-se a Corte Especial do Superior Tribunal
de Justiça, no julgamento da Sentença Estrangeira Contestada n. 980, pela
anulação do registro civil do adotado quando comprovada ocorrência de algum dos
vícios de consentimento, veja-se:
[...] Os Tribunais pátrios inclinam-se no sentido de não permitir a
anulação do registro de filho de companheira ou cônjuge efetuado
por quem sabia não ser o verdadeiro pai, mas que, mesmo assim,
por livre vontade, optou pela declaração inverídica, praticando ato
ilícito tanto à luz do direito civil, com à do direito penal (art. 242 do
Código Penal). Abre-se exceção aos casos em que fica comprovado
que o declarante teria agido guiado por algum vício de
consentimento. [...].184
Seguindo esse mesmo entendimento, foi a decisão proferida pela Oitava
Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, em sede de
Apelação Cível n. 70047082383, de Rio Grande, pela rejeição do pedido de
anulação do registro de nascimento por inexistência de vício de consentimento:
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO ANULATÓRIA DE REGISTRO CIVIL.
AUSÊNCIA DE PROVA DE VÍCIO DE CONSENTIMENTO. DUVIDA
ACERCA DA PATERNIDADE QUE NÃO IMPEDIU O
RECONHECIMENTO VOLUNTÁRIO. ADOÇÃO À BRASILEIRA.
1. As próprias circunstâncias que envolvem o relacionamento do
falecido com a mãe do apelado evidenciam que ele tinha a suspeita
de não ser seu pai biológico, mas, mesmo assim, efetuou o registro e
assumiu responsabilidades de pai, alcançando mensalmente
alimentos ao menino, mesmo sem um convívio estreito.
2. Até depois de realizado o exame de DNA que excluiu a
paternidade biológica, o falecido permaneceu inerte, nada
providenciando no sentido de reverter o reconhecimento, mesmo
tendo a seu dispor no ordenamento jurídico a ação de anulação de
<https://portal.tjpr.jus.br/jurisprudencia/j/1728378/Ac%C3%B3rd%C3%A3o-4540643#integra_1728378>. Acesso em: 10 out. 2013.
184
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Sentença Estrangeira Contestada n. 980, Corte Especial,
Rel. Ministro João Otávio De Noronha, Brasília, 16 de outubro de 2006. Disponível em:
<https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ATC&sequencial=2502
759&num_registro=200502030800&data=20061016&tipo=91&formato=PDF>. Acesso em: 13 out.
2014.
53
reconhecimento, com grande possibilidade de êxito, já que dispunha
de uma respeitável prova pericial.
3. À míngua de prova de vício de consentimento que viesse a
macular o reconhecimento voluntário de paternidade, tal cenário
configura claramente a chamada ―adoção à brasileira‖, que é por sua
natureza irrevogável e irretratável, assim como o é o reconhecimento
voluntário, quando expressão de uma vontade sem mácula.
Inteligência dos arts. 1.609 e 1.610 do Código Civil. NEGARAM
PROVIMENTO. UNÂNIME.185
Portanto, diante do julgado exposto, verifica-se que inexistindo vícios de
consentimento, bem como havendo o reconhecimento do menor de forma voluntária,
é impossível a anulação do registro civil.
Além disso, pode-se afirmar que o pedido de anulação de registro de
nascimento é extremamente burocrático, haja vista tratar-se a adoção de medida
irrevogável, logo, só é anulada quando comprovada a ocorrência de vícios de
consentimento.
Nesse sentido, é a decisão proferida pela Sétima Câmara Cível do
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, em sede de Apelação Cível n.
70041393901, de Santo Ângelo, veja-se:
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO ANULATÓRIA DE INEXISTÊNCIA
DE FILIAÇÃO. ADOÇÃO À BRASILEIRA. PATERNIDADE
SOCIOAFETIVA. IMPROCEDÊNCIA DA AÇÃO.
A adoção à brasileira, a exemplo da adoção legal,
é irrevogável. É a regra. Ausente qualquer nulidade no ato e
demonstrado nos autos a filiação socioafetiva existente entre
as partes, admitida pelo próprio demandado, não cabendo
desconstituir o registro de nascimento válido. Improcedência
da negatória de paternidade mantida. Precedentes
jurisprudenciais. APELAÇÃO DESPROVIDA.186
185
RIO GRANDE DO SUL, Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Apelação Cível n.
70047082383, de Rio Grande, Oitava Câmara Cível, Rel. Des. Luiz Felipe Brasil Santos, Porto
Alegre, 26 de abril de 2012. Disponível em:
<http://www.tjrs.jus.br/busca/search?q=cache:www1.tjrs.jus.br/site_php/consulta/consulta_process
o.php%3Fnome_comarca%3DTribunal%2Bde%2BJusti%25E7a%26versao%3D%26versao_foneti
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2&relator=Luiz%20Felipe%20Brasil%20Santos&aba=juris>. Acesso em: 13 out. 2014.
186
RIO GRANDE DO SUL, Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Apelação Cível n.
70041393901, de Santo Ângelo, Sétima Câmara Cível, Rel. Des André Luiz Planella Villarinho,
Porto Alegre, 24 de agosto de 2011. Disponível em:
<http://www.tjrs.jus.br/busca/search?q=cache:www1.tjrs.jus.br/site_php/consulta/consulta_process
o.php%3Fnome_comarca%3DTribunal%2Bde%2BJusti%25E7a%26versao%3D%26versao_foneti
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54
Ainda, no que tange ao pedido de anulação de registro civil postulado por
adotante, em caso de adoção à brasileira, manifestou-se a 7ª Câmara Cível do
Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, no julgamento da Apelação Cível n.
171329-7, de Maringá, pelo descabimento do pedido em face do princípio do melhor
interesse da criança e do princípio da dignidade da pessoa humana, veja-se:
[...] Sendo a adoção ato jurídico irretratável, não pode agora o
adotante pretender a anulação do registro da infante, sob pena de
desrespeito aos direitos de personalidade da criança, em especial da
dignidade da pessoa humana, conforme já assentou a jurisprudência
da 2ª Câmara, desta forma: "NEGATÓRIA DE PATERNIDADE.
ADOÇÃO À BRASILEIRA. CONFRONTO ENTRE A VERDADE
BIOLÓGICA E A SÓCIO-AFETIVA. TUTELA DA DIGNIDADE DA
PESSOA HUMANA. PROCEDÊNCIA. DECISÃO REFORMADA. 1.
[...] 2. No confronto entre a verdade biológica, atestada em exame de
DNA, e a verdade sócio-afetiva, decorrente da denominada adoção à
brasileira (isto é, da situação de um casal ter registrado, com outro
nome, menor, como se deles filho fosse) e que perdura por quase
quarenta anos, há de prevalecer à solução que melhor tutele a
dignidade da pessoa humana. 3. A paternidade sócio-afetiva,
estando baseada na tendência de personificação do direito civil, vê a
família como instrumento de realização do ser humano; aniquilar a
pessoa do apelante, apagando-lhe todo o histórico de vida e
condição social, em razão de aspectos formais inerentes à irregular
adoção à brasileira, não tutelaria a dignidade humana, nem faria
justiça ao caso concreto, mas, ao contrário, por critérios meramente
formais, proteger-se-ia as artimanhas, os ilícitos e as negligências
utilizadas em benefício do próprio apelado." (acórdão 20110).
Nessas condições, mantém-se a r. sentença recorrida, por seus
próprios fundamentos. 3. Diante do exposto, ACORDAM os
Magistrados integrantes da Sétima Câmara Cível do Tribunal de
Justiça do Estado do Paraná, por maioria de votos, em negar
provimento à apelação.187
Assim, ante os julgados expostos anteriormente, percebe-se que na
grande maioria dos casos é indeferido o pedido de anulação do registro civil em
razão do vínculo sócio-afetivo existente entre adotante e adotado, bem como pelo
ato de reconhecimento ser realizado de forma espontânea, sem a presença de
qualquer vício de consentimento, e com base no princípio do melhor interesse da
criança.
8&numProcesso=70041393901&comarca=Santo%20%C3%82ngelo&dtJulg=24/08/2011&relator=
Andr%C3%A9%20Luiz%20Planella%20Villarinho&aba=juris>. Acesso em: 13 out. 2014.
187
PARANÁ. Tribunal de Justiça do Estado do Paraná. Apelação Cível n. 171329-7, de Maringá, 7ª
Câmara Cível, Rel. Des. Acácio Cambi, Curitiba, 27 de setembro de 2005. Disponível em:
<https://portal.tjpr.jus.br/jurisprudencia/j/1449528/Ac%C3%B3rd%C3%A3o-171329-7#>. Acesso
em: 13 out. 2014.
55
Contudo, há a possibilidade de ser concedida a anulação do registro civil
quando o pedido adveio do adotado, conforme ensina Maria Berenice Dias:
No entanto, quando não é reconhecida a existência de filiação
socioafetiva, se este for o desejo do filho e não a vontade exclusiva
do pai, impositivo admitir a anulação do registro. Possível que a ação
seja movida visando só o efeito anulatório, sem que intente o filho a
ação investigatória de paternidade contra o pai biológico. Dispõe ele
do direito de simplesmente excluir do registro o nome de quem lá
consta como seu genitor.188
Tal assunto foi tema tratado no informativo n. 512 do Superior Tribunal de
Justiça, onde manifestou-se a Corte pelo reconhecimento da paternidade biológica
quando ocorrida a adoção à brasileira, porquanto essa forma ilegal de adoção não
afasta a possibilidade de anular aquele registro e reconhecer a paternidade
biológica, veja-se:
DIREITO CIVIL. RECONHECIMENTO DA PATERNIDADE
BIOLÓGICA REQUERIDA PELO FILHO. ADOÇÃO À BRASILEIRA.
É possível o reconhecimento da paternidade biológica e a anulação
do registro de nascimento na hipótese em que pleiteados pelo filho
adotado conforme prática conhecida como ―adoção à brasileira‖. A
paternidade biológica traz em si responsabilidades que lhe são
intrínsecas e que, somente em situações excepcionais, previstas em
lei, podem ser afastadas. O direito da pessoa ao reconhecimento de
sua ancestralidade e origem genética insere-se nos atributos da
própria personalidade. A prática conhecida como ―adoção à
brasileira‖, ao contrário da adoção legal, não tem a aptidão de
romper os vínculos civis entre o filho e os pais biológicos, que devem
ser restabelecidos sempre que o filho manifestar o seu desejo de
desfazer o liame jurídico advindo do registro ilegalmente levado a
efeito, restaurando-se, por conseguinte, todos os consectários legais
da paternidade biológica, como os registrais, os patrimoniais e os
hereditários. Dessa forma, a filiação socioafetiva desenvolvida com
os pais registrais não afasta os direitos do filho resultantes da filiação
biológica, não podendo, nesse sentido, haver equiparação entre a
―adoção à brasileira‖ e a adoção regular. Ademais, embora a ―adoção
à brasileira‖, muitas vezes, não denote torpeza de quem a pratica,
pode ela ser instrumental de diversos ilícitos, como os relacionados
ao tráfico internacional de crianças, além de poder não refletir o
melhor interesse do menor. Precedente citado: REsp 833.712-RS, DJ
4/6/2007.REsp 1.167.993-RS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado
em 18/12/2012.189
Ainda, colhe-se da decisão proferida pela Terceira Turma do Superior
Tribunal de Justiça, em sede de Recurso Especial n. 1256025, do Estado do Rio
Grande do Sul:
188
189
DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 9.ed. p. 510.
BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. Informativo 512 do STJ. Disponível em:
<http://www.conteudojuridico.com.br/informativo-tribunal,informativo-512-do-stj-2013,42149.html>.
Acesso em: 13 out. 2014.
56
DIREITO CIVIL. FAMÍLIA. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE
INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE. VÍNCULO BIOLÓGICO
COMPROVADO. "ADOÇÃO À BRASILEIRA". PATERNIDADE
SOCIOAFETIVA.
INEXISTÊNCIA
DE
ÓBICE
AO
RECONHECIMENTO DA PATERNIDADE BIOLÓGICA BUSCADA
PELA FILHA REGISTRAL.
1. Nas demandas sobre filiação, não se pode estabelecer regra
absoluta que recomende, invariavelmente, a prevalência da
paternidade socioafetiva sobre a biológica. É preciso levar em
consideração quem postula o reconhecimento ou a negativa da
paternidade, bem como as circunstâncias fáticas de cada caso.
2. No contexto da chamada "adoção à brasileira", quando é o filho
quem busca a paternidade biológica, não se lhe pode negar esse
direito com fundamento na filiação socioafetiva desenvolvida com o
pai registral, sobretudo quando este não contesta o pedido.
3. Recurso especial conhecido e provido.190
Nota-se que nesse caso entendeu a Turma pela possibilidade de
reconhecimento do vínculo biológico requerido pelo adotado, posto que a adoção à
brasileira trata-se de uma forma de adoção irregular.
Igualmente, decidiu a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, no
julgamento do Recurso Especial n. 1167993, do Estado do Rio Grande do Sul:
DIREITO
DE
FAMÍLIA.
RECURSO
ESPECIAL.
AÇÃO
INVESTIGATÓRIA DE PATERNIDADE E MATERNIDADE
AJUIZADA PELA FILHA. OCORRÊNCIA DA CHAMADA "ADOÇÃO
À BRASILEIRA". ROMPIMENTO DOS VÍNCULOS CIVIS
DECORRENTES DA FILIAÇÃO BIOLÓGICA. NÃO OCORRÊNCIA.
PATERNIDADE E MATERNIDADE RECONHECIDOS.
1. A tese segundo a qual a paternidade socioafetiva sempre
prevalece sobre a biológica deve ser analisada com bastante
ponderação, e depende sempre do exame do caso concreto. É que,
em diversos precedentes desta Corte, a prevalência da paternidade
socioafetiva sobre a biológica foi proclamada em um contexto de
ação negatória de paternidade ajuizada pelo pai registral (ou por
terceiros), situação bem diversa da que ocorre quando o filho
registral é quem busca sua paternidade biológica, sobretudo no
cenário da chamada "adoção à brasileira".
2. De fato, é de prevalecer a paternidade socioafetiva sobre a
biológica para garantir direitos aos filhos, na esteira do princípio do
melhor interesse da prole, sem que, necessariamente, a assertiva
seja verdadeira quando é o filho que busca a paternidade biológica
em detrimento da socioafetiva. No caso de ser o filho - o maior
interessado na manutenção do vínculo civil resultante do liame
socioafetivo - quem vindica estado contrário ao que consta no
registro civil, socorre-lhe a existência de "erro ou falsidade" (art.
1.604 do CC/02) para os quais não contribuiu. Afastar a
190
BRASIL, Superior Tribunal de Justiça, Recurso Especial n. 1256025, do Estado do Rio Grande
do Sul, Terceira Turma, Rel. Ministro João Otávio de Noronha, Brasília, 19 de março de 2014.
Disponível em:
<https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ATC&sequencial=3150
2281&num_registro=201101188534&data=20140319&tipo=91&formato=PDF>. Acesso em: 13
out. 2014.
57
possibilidade de o filho pleitear o reconhecimento da paternidade
biológica, no caso de "adoção à brasileira", significa impor-lhe que
se conforme com essa situação criada à sua revelia e à margem da
lei.
3. A paternidade biológica gera, necessariamente, uma
responsabilidade não evanescente e que não se desfaz com a
prática ilícita da chamada "adoção à brasileira", independentemente
da nobreza dos desígnios que a motivaram. E, do mesmo modo, a
filiação socioafetiva desenvolvida com os pais registrais não afasta
os direitos da filha resultantes da filiação biológica, não podendo,
no caso, haver equiparação entre a adoção regular e a chamada
"adoção à brasileira".
4. Recurso especial provido para julgar procedente o pedido
deduzido pela autora relativamente ao reconhecimento da
paternidade e maternidade, com todos os consectários legais,
determinando-se também a anulação do registro de nascimento
para que figurem os réus como pais da requerente. 191
Verifica-se que nesse caso a Turma manifestou-se também pela
possibilidade de reconhecimento de vínculo com o pai biológico, haja vista a
ocorrência de adoção à brasileira. Partindo dessa premissa, pode-se afirmar que
uma vez reconhecendo-se o vínculo com os genitores, tem-se por anulado o registro
em nome dos adotantes, considerando a impossibilidade de haver dois registros de
nascimento.
Nessa mesma trilha, manifestou-se a Oitava Câmara Cível do Tribunal de
Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, em sede de Apelação Cível n.
70048389613, de Agudo, pela possibilidade do adotado reconhecer a paternidade
do pai biológico por se tratar de adoção à brasileira, veja-se:
APELAÇÃO CÍVEL. INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE.
Comprovado o vínculo biológico, há que dar acolhida à pretensão
declaratória de paternidade. O fato de um dos investigantes estar
registrado em nome de terceiro - caracterizando uma adoção à
brasileira - não obsta que o reconhecido busque a verdade sobre sua
ascendência biológica. Impede apenas que aquele que reconheceu
revogue o reconhecimento. O reconhecente não pode revogar, mas o
reconhecido pode buscar a sua verdade biológica, como é o caso.
Nada impede, ademais, que aquele que foi até aqui o pai registral
continue exercendo a sua relação de proximidade na condição de
padrasto das crianças, tratando-as com o mesmo afeto que dedicou
a elas até agora. Não é pelo fato de no registro ter mudado a
paternidade que ele renegará essas crianças.192
191
BRASIL, Superior Tribunal de Justiça, Recurso Especial n. 1167993 do Estado do Rio Grande
do Sul, Quarta Turma, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Brasília, 15 de março de 2013.
Disponível em:
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out. 2014.
192
RIO GRANDE DO SUL, Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Apelação Cível n.
70048389613, de Agudo, Oitava Câmara Cível, Rel. Des. Luiz Felipe Brasil Santos, Porto Alegre,
58
Deste modo, verifica-se que em se tratando de pedido de anulação de
registro civil formulado por adotante, incabível na maioria das vezes o seu
deferimento, em razão do vínculo socioafetivo existente entre adotante e adotado,
bem como pelo ato de reconhecimento ser realizado de forma espontânea, sem a
ocorrência de qualquer vício de consentimento, e com base no princípio do melhor
interesse da criança. Porém, se tal pedido é formulado pelo adotado, possível a sua
concessão em virtude da ilegalidade da prática de adoção à brasileira, não podendo
ser negado seu direito de reconhecer os genitores biológicos em seu registro civil,
anulando-se o antigo.
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ca%3D1%26tipo%3D1%26id_comarca%3D700%26num_processo_mask%3D70048389613%26n
um_processo%3D70048389613%26codEmenta%3D4963576+%22ado%C3%A7%C3%A3o+%C3
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=Luiz%20Felipe%20Brasil%20Santos&aba=juris>. Acesso em: 13 out. 2014.
59
CONCLUSÃO
Ao longo dos anos, a família passou por várias mudanças, e os conceitos
foram adaptados às novas formas de convivência, para que os indivíduos pudessem
ter o amparo legal e os seus direitos garantidos, pois antes eram obedecidas regras
ríspidas, e assim, essas mudanças trouxeram evoluções consideráveis para a
sociedade moderna.
Na família brasileira prevalecia o poder patriarcal, e a filiação era
vinculada apenas ao casamento, desconsiderando-se de qualquer forma a relação
de paternidade vinda do vínculo de afetividade. Nesta época, o casamento era a
procriação e criação dos filhos, não se discutia se o casamento trazia felicidade ou
não para os nubentes.
Deste modo, percebe-se a diferença dos direitos referentes às épocas
passadas dos que vigoram atualmente, o que hoje é considerado direito, como o
divórcio, antes só era admitido quando ocorria alguma causa que gerava a
dissolução do casamento.
A Constituição Federativa da República de 1988 trouxe em seu artigo 227
§ 6º que os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, ou seja,
aqueles oriundos do vínculo afetivo terão os mesmos direitos e qualificações que os
filhos havidos pela consanguinidade, sendo assim, proibidas quaisquer designações
discriminatórias relativas à filiação.
A adoção à brasileira é uma forma de adoção que se tornou frequente no
Brasil, e por isso foi lhe atribuída este nome, este tipo de adoção conceitua-se pelo
ato praticado por casais que registram como seu filho alheio, em comum acordo com
a mãe biológica.
O Código Penal prevê em seu artigo 242 pena de reclusão de 2 (dois) a 6
(seis) anos àqueles que registram filho de outrem como se fosse seu, mas, a
jurisprudência vem se manifestando pelo reconhecimento do perdão judicial em
decorrência da causa nobre que há por trás desses casos, bem como pelo princípio
do melhor interesse da criança, que passa a ter contato com o adotante e cria
vínculo com este, logo, sua busca e apreensão à um lar lhe traria enormes danos
psíquicos.
60
Sendo assim, configurando uma causa ―nobre‖ a razão pela qual se
caracterizou a adoção à brasileira, o adotante poderá ver excluída sua pena pelo
perdão judicial do artigo 242, parágrafo único, do Código Penal.
Por sua vez, ante os julgados expostos anteriormente, percebe-se que se
tratando de pedido de anulação de registro civil formulado por adotante, é incabível
na maioria das vezes o seu deferimento, em razão do vínculo socioafetivo existente
entre adotante e adotado, bem como pelo ato de reconhecimento ser realizado de
forma espontânea, sem a ocorrência de qualquer vício de consentimento, e com
base no princípio do melhor interesse da criança.
Além disso, pode-se afirmar que o pedido de anulação de registro de
nascimento é extremamente burocrático, haja vista tratar-se a adoção de medida
irrevogável, logo, só é anulada quando comprovada a ocorrência de vícios de
consentimento.
Porém, se tal pedido é formulado pelo adotado, possível a sua concessão
em virtude da ilegalidade da prática de adoção à brasileira, não podendo ser negado
seu direito de reconhecer os genitores biológicos em seu registro civil, anulando-se o
antigo.
61
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