Notas de aulas de Introdução à Análise Matemática
Funções Contı́nuas
Prof. Carlos Alberto S Soares
Neste tópico estaremos nos aprofundando no estudo das funções contı́nuas. Não nos deteremos em aspectos
já suficientemente estudados no curso de Cálculo.
Definição 1 Sejam f : X → R e a ∈ X. f será dita contı́nua em a se para todo ϵ > 0 existe δ > 0 tal que
∩
∀ x ∈ (a − δ, a + δ) X temos f (x) ∈ (a − ϵ, a + ϵ)
Observação 2 Note que: f é contı́nua em a ⇔ dado ϵ > 0 existe δ > 0 tal que se |x − a| < δ e x ∈ X teremos
|f (x) − f ∩
(a)| ≤ ϵ ⇔ dado qualquer intervalo aberto I contendo f (a) existe um intervalo aberto J contendo a tal
que f (X J) ⊂ I.
Antes de passarmos a alguns exemplos vejamos um resultado que sempre se mostra muito útil.
Teorema 3 f : I → R será contı́nua em a ∈ X se, e somente se, para toda sequência (xn ) tal que xn → a e
xi ∈ X para todo i, tivermos f (xn ) → f (a).
Proof. (⇒) Seja (xn ) tal que xn → a. Como f é contı́nua em a, dado ϵ > 0 existe δ > 0 tal que
∩
se x ∈ (a − δ, a + δ) X teremos f (x) ∈ (f (a) − ϵ, f (a) + ϵ)
Como xn → a, para este δ existe n0 tal que se n ≥ n0 vem xn ∈ (a − δ, a + δ) e consequentemente f (xn ) ∈
(f (a) − ϵ, f (a) + ϵ), seguindo daı́ o resultado.
(⇐) Se f não é contı́nua em a existe ϵ > 0 tal que para todo n ∈ N existe xn ∈ X com xn ∈
/ (f (a)−ϵ, f (a)+ϵ);
conseguindo, portanto, uma sequência xn → a sem que f (xn ) → f (a) o que contraria a nossa hipótese e daı́
segue que f é contı́nua em a.
{
Exemplo 4 f : R → R dada por f (x) =
{
Exemplo 5 f : R → R dada por f (x) =
0
1
se x ≤ 0
se x > 0
0
1
se
x∈Q
se x ∈ R − Q
Exemplo 6 Seja f : R → R definida por f (x) = 1/n, se x = m/n com m, n primos entre si e n > 0. Para
x∈
/ Q definimos f (x) = 0 e f (0) = 2.
Proof. Incialmente, note que para todo x ∈ R teremos f (x) = f (−x) e portanto f é contı́nua em x se, e
somente se, é contı́nua em −x. Mostremos que f é descontı́nua em todo número racional e contı́nua em todo
número irracional. Para tanto, seja r ∈ Q e tomemos uma sequência de números irracionais (xn ) tal que
xn → r. Se f fosse contı́nua em r deverı́amos ter f (xn ) → f (r), mas f (xn ) = 0 e no entanto f (r) ̸= 0 para
todo r ∈ Q. Seja agora a um número irracional positivo. Iremos mostrar que dado ϵ > 0 existe um intervalo J
1
contendo a tal que se x ∈ J teremos f (x) < ϵ. Para qualquer número irracional t temos f (t) = 0 e portanto só
precisamos nos preocuparmos com os números racionais, isto é, devemos encontrar um intervlao J contendo a
tal que se m/n ∈ J teremos 1/n < ϵ. Dado ϵ observamos que o conjunto
Γ = {q ∈ N; q < 1/ϵ}
é finito e portanto podemos supor
Γ = {q1 , q2 , . . . , qk }.
Para cada i = 1, 2, . . . , k sejam
Γi = {p/qi ; p/qi < a} e Γi = {p/qi ; p/qi > a}
Observe que Γi e Γi possuem minı́mo e máximo respectivamente, indicados por mi /qi e Mi /qi . Definimos
agora
p/q = min{mi /qi para i = 1, 2, . . . , k} e p′ /q ′ = max{Mi /qi para i = 1, 2, . . . , k}
Afirmamos que se m/n ∈ J = (p/q, p′ /q ′ ) teremos f (m/n) = 1/n < ϵ. Com efeito, sendo m/n ∈ J teremos
n > 1/ϵ já que p/q e p′ /q ′ são o maior e o menor racional de denominador < 1/ϵ respectivamente e portanto
f (m/n) = 1/n < ϵ.
A proposição abaixo, ainda que de fácil demonstração se revela muito útil em várias situações.
Proposição 7 Sejam f : X → R contı́nua ∩
em a ∈ X e d um número real tal que f (a) > (<)d. Então existe
um intervalo J contendo a tal que se x ∈ J X teremos f (x) > (<)d.
Proof. Faremos o caso f (a) > d, observando que o caso f (a) < ∩d é análogo. Tome ϵ = f (a) − d e pela
continuidade obteremos um intervalo J contendo a tal que se x ∈ J X teremos f (x) ∈ (f (a) − ϵ, f (a) + ϵ) =
(d, 2f (a) − d).
Lema 8 Sejam X um conjunto limitado superiormente(inferiormente) e a = supX(inf X). Então existe uma
sequência (xn ) de elementos de X tal que xn → a.
Proof. Sendo a = supX dado n ∈ N existe xn ∈ X tal que a − 1/n < xn ≤ a e portanto xn → a. De maneira
análoga farı́amos para inf X.
Observação 9 O teorema 3 acima pode ser usado para mostrar facilmente que se f e g são funções contı́nuas
em a, então as funções f ± g, f g e f /g desde que bem definidas e g(a) ̸= 0 são também contı́nuas em a.
Teremos ainda que se f é contı́nua em a e h é contı́nua em f (a) com a composta h ◦ f bem definida, a função
h ◦ f será contı́nua em a.
Teorema 10 (Teorema do Valor Intermediário)Sejam I um intervalo, f : I → R uma função, x1 , x2 em I e
d um número real tal que f (x1 ) < d < f (x2 ). Então existe um número real c entre x1 e x2 tal que f (c) = d.
Proof. Suponhamos sem perda de generalidade que x1 < x2 e definimos
Γ = {x ∈ [x1 , x2 ]; f (x) < d}
Observe que Γ ̸= ∅ e é limitado superiormente por x2 , existindo portanto c = supΓ. Claramente teremos
f (c) ≤ d e c ∈ (x1 , x2 ). Suponhamos f (x) < d. Da continuidade de f conseguimos um intervalo J = (c−δ, c+δ)
tal que se x ∈ I teremos f (x) < d o que contradiz o fato de c ser o supremo de Γ e portanto f (c) = d.
Diremos que uma função f : X → R satisfaz a propriedade do valor intemediário se para quaisquer
f (x1 ), f (x2 ) ∈ f (X) e d entre f (x1 ) e f (x2 ) existir c entre x1 e x2 tal que f (c) = d.
2
Exemplo 11 (Uma função que satisfaz a propriedade do valor intermediário, mas não é contı́nua)
Seja f : R → R a função definida por f (x) = sen 1/x se x ̸= 0 e f (0) = 0. Note que f é contı́nua sobre
qualquer intervalo que não contenha a origem, como composta de duas funções contı́nuas. Portanto se I é um
intervalo tal que 0 ∈
/ I, teremos que f satisfaz a propriedade do valor intermediário sobre I. De outra forma,
se x1 , x2 > 0 ou x1 , x2 < 0 e d é um número real entre f (x1 ) e f (x2 ) existe c entre x1 e x2 tal que f (c) = d.
Investiguemos o que acontece se d está entre f (x1 ) e f (x2 ) sendo x1 x2 < 0. Como d está entre f (x1 ) e f (x2 )
teremos, −1 ≤ d ≤ 1 e portanto existe α ∈ R tal que senα = d e daı́ vem
f(
e como
1
) = sen(2nπ + α) = senα = d
2nπ + α
1
→0
2nπ + α
1
em qualquer intervalo I que contenha a origem existirá n ∈ N tal que 2nπ+α
∈ I e portanto f satisfaz
a propriedade do valor intermediário. Note que para qualquer intervalo I que contenha a origem, teremos
f (I) = [−1, 1].
Corolário 12 Sejam I um intervalo e f : I → R uma função contı́nua. Então f (I) é um intervalo, podendo
ser degenerado, isto é, consistindo de um único ponto.
Proof. Basta observar que dados quaisquer x1 , x2 ∈ I e d entre x1 e x2 pelo teorema anterior teremos d ∈ f (I).
Teorema 13 (Weierstrass) Seja f : [a, b] → R uma função contı́nua. Então f é limitada e assume máximo e
minı́mo sobre [a, b], isto é, existem x1 , x2 ∈ [a, b] tais que
f (x1 ) ≤ f (x) ≤ f (x2 ) ∀ x ∈ [a, b]
Proof. Mostremos, inicialmente, que f é limitada. Suponhamos que para todo n ∈ N exista xn ∈ [a, b] tal que
|f (xn )| > n. Como (xn ) é limitada, possuirá uma subsequência (xnk ) convergente, digamos para α. É claro que
α ∈ [a, b] e portanto, como f é contı́nua em α devemos ter f (xnk ) → α, uma contradição com o fato de f (xnk )
ser ilimitada. Tendo mostrado que f é limitada, sejam β = inf{f (x); x ∈ [a, b]} e γ = sup{f (x); x ∈ [a, b]}.
Mostremos que existem x1 e x2 em [a, b] tais que f (x1 ) = β e f (x2 ) = γ. Sabemos existir uma sequência
(xn ), com xn ∈ [a, b] para todo n, tal que f (xn ) → γ. Como (xn ) é limitada possuirá uma subsequência (xnk )
convergente. Seja x2 ∈ [a, b] tal que xnk → x2 ∈ [a, b]. Da continuidade de f teremos que f (xnk ) → f (x2 ) e
portanto f (x2 ) = γ. De maneira análoga farı́amos para garantir a existência de x1 satisfazendo f (x1 ) = β.
Observação 14 Ressaltamos que a hipótese do intervalo ser limitado e conter seus extremos ’e essencial para
o teorema acima, comforme constatamos pelos exemplos f : (0, 1) → R dada por f (x) = 1/x e f : (0, ∞) → R
dada por f (x) = x.
Definição 15 Uma função f : X → R será dita uniformemente contı́nua se
∀ ϵ > 0 existe δ > 0 tal que se |x − y| < δ, com x, y ∈ X, teremos |f (x) − f (y)| < ϵ
É simples verificar que a função f (x) = x é uniformemente contı́nua.
Vale observar que f : X → R uniformemente contı́nua sempre será contı́nua.(Prove!)
Proposição 16 f : X → R será uniformente contı́nua se, e somente se, para quaisquer sequências (xn ) e (yn )
de elementos de X tais que xn − yn → 0 tivermos f (xn ) − f (yn ) → 0.
Proof. (⇒) Dado ϵ > 0 existe δ > 0 tal que sendo x, y ∈ X e |x − y| < δ teremos |f (x) − f (y)| < ϵ. Como
xn − yn → 0, para este δ existe n0 tal que se n, m ≥ n0 temos |xn − yn | < δ e portanto |f (xn ) − f (yn )| < ϵ.
3
(⇐) Suponhamos que f não seja uniformemente contiı́nua, isto é, existe ϵ > 0 tal que para todo δ > 0
existem xδ , yδ com |xδ − yδ | < δ mas |f (xδ ) − f (yδ )| ≥ ϵ. Em particular, tomando δ = 1/n, construiremos
sequências (xn ), (yn ) tais que |xn − yn | < 1/n mas |f (xn ) − f (yn )| ≥ ϵ ou ainda xn − yn → 0, mas f (xn ) − f (yn )
não converge para 0, absurdo!
Exemplo 17 Mostremos que a função f : R → R dada por f (x) = x2 não é uniformemente contı́nua. De fato,
sendo xn = n e yn = n + 1/n, temos que xn − yn = 1/n → 0 mas f (xn ) − f (yn ) = n2 − (n + 1/n)2 = −2 − 1/n2
que não converge para 0.
Um caso particular, em que continuidade implica continuidade uniforme, está menconado na proposição
abaixo.
Proposição 18 Seja f : [a, b] → R uma função contı́nua. Então f é uniformemente contı́nua.
Proof. Suponhamos que f não seja uniformemente contiı́nua e tal como na demonstração acima, sejam (xn )
e (yn ) sequências em [a, b] tais que |xn − yn | < 1/n mas |f (xn ) − f (yn )| ≥ ϵ. Claramente (xn ) possui uma
subsequência (xnk ) convergindo, digamos para c ∈ [a, b]. Assim, teremos que ynk → c e portanto, como f é
contı́nuna teremos f (xnk ) − f (y − nk ) → f (c) − f (c) = 0, o que contradiz |f (xn ) − f (yn )| ≥ ϵ.
Exercı́cio 19 1) Mostre que toda função uniformemente contı́nua é contı́nua.
2) Mostre que a composta de duas funções uniformemente contı́nuas é ainda uma funçã uniformemente
contı́nua.
3) O produto de duas funções uniformemente contı́nuas é necessariamente uma funçã uniformemente
contı́nua? Justifuque!
4) Seja X um conjunto limitado e f : X → R uma função uniformemente contı́nua. Mostre que f é
limitada, isto é, o conjunto f (X) é limitado. A conclusão ainda é válida se a hipótese f uniformemente
contı́nua for substitı́da por f contı́nua? Justifique!
5) Seja f : X → R uma função contı́nua
em a ∈ X. Mostre que f é limitada numa vizinhança de a, isto
∩
é, existe δ > 0 tal que o conjunto f (X (a − δ, a + δ)) é limitado.
6) Sejam
f, g : X → R funções contı́nuas em a ∈ X com f (a) < g(a). Mostre que existe δ > 0 tal que se
∩
x ∈ X (a − δ, a + δ) teremos f (x) < g(x).
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