ID: 45026805 03-12-2012 Tiragem: 43576 Pág: 45 País: Portugal Cores: Cor Period.: Diária Área: 19,98 x 23,16 cm² Âmbito: Informação Geral Corte: 1 de 1 Em defesa do Estado social O João Carlos Espada Cartas de Varsóvia tema do Estado social é hoje recorrente entre nós. Paradoxalmente, muito poucos parecem realmente interessados numa discussão séria sobre o tema. Dois campos parecem emergir. Os que dizem que é preciso cortar nas prestações sociais porque não há dinheiro. E os que dizem que as funções sociais do Estado são intocáveis, devendo o dinheiro ser gerado através de impostos mais altos sobre os que ganham mais. Ambas as posições estão, em meu entender, equivocadas, embora ambas contenham parte de verdade. É verdade que não há dinheiro, e haverá cada vez menos devido à pressão demográfica, para financiar o Estado social tal como se encontra hoje. Mas isso não significa que a única ou sequer principal solução seja cortar nas prestações sociais. É possível manter, e até melhorar, o Estado social introduzindo concorrência e liberdade de escolha no sistema quase monopolista de fornecimento das prestações sociais — tema a que voltarei a seguir. Por outro lado, é verdade que o Estado tem obrigações sociais que devem ser preservadas numa sociedade livre e civilizada. Basicamente, trata-se de garantir uma rede de segurança para todos, abaixo da qual ninguém deve recear cair. Não devemos aceitar com ligeireza o abandono dessas funções com base em argumentos puramente financeiros. Mas, em contrapartida, se nada for feito, não haverá de facto condições financeiras para sustentar o Estado social. Imaginar que isso pode ser feito com recurso a mais impostos é uma ilusão. Impostos altos reduzem o crescimento económico e a criação de riqueza. Sem esta, só restará ao Estado social redistribuir a pobreza, não redistribuir a riqueza. Chegamos por esta via a uma dupla conclusão. Em primeiro lugar, devemos defender o Estado social, ou as funções sociais do Estado, visando garantir uma rede de segurança para todos. Em segundo lugar, devemos rever os mecanismos que actualmente propiciam essa rede de segurança, com vista a garantir a sustentabilidade financeira do Estado social. Esta dupla conclusão serviu de ponto de partida a um ciclo de oito conferências promovido pela revista Nova Cidadania no Mosteiro dos Jerónimos, há precisamente seis anos, entre Dezembro de 2006 e Julho de 2007. O título global era bastante revelador: Estado Garantia: o Estado Social do Século XXI?. Por outras palavras, partia-se da aceitação das funções sociais do Estado para discutir a melhor forma de as garantir. O ponto de partida dos Encontros foi definido pela sessão de abertura, a 16 Dezembro de 2006. João Cardoso Rosas, José Carlos Vieira de Andrade, José Gomes Canotilho, D. Manuel Clemente e o autor desta crónica discutiram o texto apresentado por Fernando Adão da Fonseca sobre a ideia de Estado garantia. “O Estado social tem de ser um Estado garantia, na medida em que lhe compete garantir a liberdade de escolha a todos os cidadãos. Quando um direito estiver em risco por falta de meios, o Estado garantia tem obrigação de garantir os recursos económicos que possibilitem o exercício da liberdade protegida por esse direito.” Fernando Adão da Fonseca contrastou esta ideia de Estado garantia com a ideia e a prática do Estado burocrático. Este último, “ao chamar a si o exercício preferencial, ou mesmo o monopólio, na execução de um número crescente de tarefas, elimina a liberdade de escolha. Ao reservar para si o papel fundamental (no fornecimento de serviços sociais), atribuindo um carácter meramente supletivo às iniciativas dos cidadãos e dos corpos sociais intermédios, o Estado burocrático apoderou-se da liberdade de escolha dos cidadãos, pervertendo a sua razão de ser. O resultado é um Estado social desvirtuado, frequentemente cativo de interesses corporativos e individuais, habituados a apropriarem-se dos impostos que todos pagamos, com relevo para os que se deixam seduzir pelo proteccionismo e pelos favores do Estado para alguns grupos de cidadãos (mais ou menos organizados) sentados à mesa do Orçamento do Estado.” Esta ideia central reuniu largo consenso nas Conferências dos Jerónimos. João Cardoso Rosas observou que “o Estado garantia não tem uma cor política única. No entanto, também não se pode dizer que tenha potencialidade para revestir qualquer cor política. Ele afasta decisivamente as perspectivas que atribuem ao Estado um papel dirigista face à sociedade, assim como aquelas que consideram que o Estado mais não deve fazer do que proteger a propriedade privada.” Os Encontros dos Jerónimos, realizados há seis anos, mostraram ser possível um consenso pluralista entre o centrodireita e o centroesquerda sobre a defesa do Estado social enquanto Estado garantia. Talvez os nossos partidos e analistas políticos pudessem revisitar esses debates, poupando-nos entretanto uma estéril e enfadonha guerrilha partidária. É possível manter, e até melhorar, o Estado social introduzindo concorrência e liberdade de escolha no sistema Professor universitário, IEP-UCP e Colégio da Europa, Varsóvia. Escreve à segunda-feira