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PARCERIAS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA COM TERCEIRO SETOR: OBSTÁCULOS À
IMPLEMENTAÇÃO DA ASSISTÊNCIA SOCIAL COMO POLÍTICA PÚBLICA
Valéria Aparecida Naves Damião1
RESUMO
Este artigo tem como finalidade analisar a parceria da Administração Pública com o terceiro
setor para desenvolvimento da política de Assistência Social no contexto do sistema
capitalista e do avanço do neoliberalismo no Estado brasileiro. Essa relação de parceria entre
o setor público estatal e essa área da iniciativa privada não é algo novo; a leitura histórica
dessa conjuntura nos possibilitará ligar a efervescência de instituições do terceiro setor com
atuação em políticas públicas com a ascensão do neoliberalismo. O artigo perpassa pelo
estudo do Estado e das parcerias da Administração Pública, incluindo as mudanças no papel
do Estado, como a reforma da Administração Pública e as parcerias com terceiro setor, bem
como pela trajetória da Assistência Social no Brasil e pelo estreitamento da atuação pública
com terceiro setor para a área, a qual sofre com resquícios de uma cultura paternalista e
assistencialista que a desqualificam enquanto política pública de responsabilidade estatal e
repercutem no trabalho do assistente social. Quanto aos procedimentos metodológicos,
trata-se de um estudo que privilegia a avaliação qualitativa, adotando uma abordagem
metodológica crítico-dialética que utiliza as pesquisas bibliográfica e documental como
estratégias metodológicas.
Palavras-chave: Estado; Parceria Público-Privada; Terceiro Setor; Assistência Social e Serviço
Social.
1
Bacharel em Serviço Social pelo Centro Universitário do Sul de Minas/UNIS MG (2009).
Especialista em Gestão Pública de Organizações de Saúde pela Universidade Federal de Juiz de
Fora/UFJF (2012). Mestranda do Programa de Mestrado Gestão Pública e Sociedade da
Universidade Federal de Alfenas – Campus Varginha/MG. Analista de Gestão e Assistência à Saúde/Serviço Social da Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais (FHEMIG). Coordenadora da
Comissão Local de Protocolos Clínicos da Casa de Saúde Santa Fé/Fundação Hospitalar do Estado
de Minas Gerais (FHEMIG).
2
1 INTRODUÇÃO
O presente artigo se dedica ao estudo das parcerias da Administração Pública
brasileira com o terceiro setor, mais especificamente as parcerias estabelecidas para o
desenvolvimento da política pública1 de Assistência Social.
O estudo das parcerias da Administração Pública com o terceiro setor para o
desenvolvimento da política pública de Assistência Social encontra relevância acadêmica na
necessidade de que seja desvendada a forte tendência de expansão do neoliberalismo em
moldes que reforçam o conceito de Estado Mínimo2 (BEHRING, 2002). Existem obrigações
estatais que só estão sendo implementadas por uma relação de parceria com associações e
fundações privadas que prestam serviços de natureza pública, genericamente conhecidas
como ONG’s, operando uma descentralização das atividades do Estado que prejudica a
implementação da Assistência Social como política pública e influencia diretamente o
trabalho do Assistente Social.
Pelo prisma social, esse estudo se justifica pela imperiosidade de que a sociedade
tenha meios de analisar que a coexistência do público e do privado no desenvolvimento da
política pública de Assistência Social ocorre devido a Constituição Federal de 1988 mesclar
princípios dos Estados de Bem Estar Social e Neoliberal, o que faz com o governo avance no
que tange aos interesses dos grupos detentores do capital e recue no atendimento aos
interesses coletivos da maior parte da população brasileira.
Como problema, identifica-se a transferência de serviços, programas e projetos de
Assistência Social da esfera pública para organizações não-governamentais, apoiando-se nas
hipóteses de que a parceria da Administração Pública com o terceiro setor para o
desenvolvimento da política pública de Assistência Social tem se constituído em estratégia
de avanço do neoliberalismo e de que essas parcerias contribuem para a desqualificação da
Assistência Social enquanto política pública. Assim, esta pesquisa objetiva estudar a relação
existente entre o avanço do sistema socioeconômico neoliberal e o desenvolvimento da
política pública de Assistência Social de forma subsidiária3, identificando as mudanças no
papel do Estado e contextualizando as parcerias da Administração Pública brasileira com
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terceiro setor para essa política pública.
2 REFORMA DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E PARCERIAS COM TERCEIRO SETOR
2.1 Mudanças no Papel do Estado
Entre o fim da década de 1970 e início da de 1980, o Estados de Bem Estar Social e
Socialista entraram em crise, abrindo campo para o surgimento do neoliberalismo, que
retoma os ideais liberais de redução do papel do Estado; relega a este a intervenção
econômica apenas nos momentos de crise e propõe uma assistência pública focalista
(COELHO, 2009a).
Cabe destacar que em meio à ofensiva neoliberal de lastro mundial, o Brasil promulgou, em 1988, a Constituição Federal que seguia na contramão das tendências mundiais,
organizando, ainda que de forma tardia, o sistema de Proteção Socialno país. Contudo, a
regulamentação legal dos direitos de cidadania, imersa no desenrolar de relações neoliberais, não garantiu resistência aos processos que lhe são inerentes, já que abriu precedentes a
estes, entre outras, na forma de parcerias com a iniciativa privada, cujas personificações, à
época ficaram a cargo das organizações sociais e das fundações, por exemplo, de Assistência
Social (BARBOSA, 2012).
O Estado Neoliberal4, cuja adesão e expansão no Brasil tem como marco a década de
1990, apóia-se em três eixos: desregulamentação, em especial sobre as relações de trabalho;
privatizações e abertura dos mercados, preconizando a intervenção estatal apenas em
determinadas áreas como mercados de trabalho, de capitais e de bens e serviços; de cultura
individualista, a polarização entre ricos e pobres aumenta (HAYEK, 1987).
Embora o neoliberalismo tenha marco no Brasil nos anos 1990, Chaves (2012)
informa que desde o início dessa mesma década passou a haver uma crítica ao paradigma
neoliberal, sendo a mesma intensificada a partir da crise mundial de 2008. O autor também
pontua que os exemplos de poucos países que alcançaram o que ele caracteriza como
suposto êxito, do qual lançam mão os defensores do neoliberalismo, não são suficientes
4
para apagar as evidências empíricas, de níveis internacionais e com ramificações em diversas
regiões, de que o modelo de economia de mercado é um fracasso.
2.2 Reforma da Administração Pública e Parcerias com Terceiro Setor
Diretamente relacionado ao ideário neoliberal, ganhou impulso no Brasil já no início
dos anos 1990, aprofundando-se em 1995, no governo de Fernando Henrique Cardoso, o
modelo gerencial de Administração Pública5, o que caracterizou a chamada Reforma da
Administração Pública Brasileira.
A Nova Administração Pública divide o Aparelho do Estado em núcleo estratégico;
atividades exclusivas; serviços não-exclusivos e produção de bens e serviços para o mercado.
O núcleo estratégico é caracterizado pelo governo (Poderes Executivo, Legislativo e
Judiciário; Ministério Público) e tem a incumbência de elaborar leis e políticas públicas, bem
como garantir que sejam cumpridas e executadas. As atividades exclusivas constituem o
setor de serviços que somente o Estado pode prestar por meio de seu poder
regulamentador, fiscalizador e fomentador. Serviços não-exclusivos, como a denominação já
sugere, são aqueles em que a atuação estatal não é considerada prerrogativa única,
convivendo com a atuação de organizações públicas não-estatais ou mesmo privadas,
inaugurando o conceito de publicização. Como produção de bens e serviços para o mercado
entenda-se as atividades econômicas voltadas para o lucro, para que sugere-se a
privatização (BRASIL, 1995).
No bojo da chamada globalização e da Reforma do Estado, ganha vulto a ideia de
Estado baseado no princípio da subsidiariedade. De acordo com esse princípio, de
um lado, o Estado deve abster-se de exercer atividades que o particular tem
condições de desempenhar por sua própria iniciativa e com seus próprios recursos;
de outro, o Estado deve fomentar, coordenar, fiscalizar a iniciativa privada, de
sorte a permitir aos particulares, sempre que possível, o sucesso na condução de
seus empreendimentos (GROTTI, 2012: 31).
Di Pietro (2009) pontua esse marco para a redução do tamanho do Estado a partir
das privatizações; competitividade entre público e privado, a partir da quebra de
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monopólios; delegação, autorização, permissão e concessão de serviços públicos; parcerias
público-privadas e terceirizações de atividades estatais.
No contexto neoliberal da Reforma do Estado, atividades entendidas pelos princípios
da Nova Administração Pública como não-exclusivas do Estado passaram a ser objeto de
convênios administrativos (GROTTI, 2012), contratos de gestão (BRASIL, 2013) e termos de
parcerias (DI PIETRO, 2009) com instituições pertencentes ao terceiro setor.
Barbosa (2012) pontua que é preciso não entender que público seja somente aquilo
que é estatal e promover a convivência entre instituições privadas e objetivos públicos;
destaca que há o entendimento de que as instituições privadas que não apresentem fins
lucrativos têm finalidades públicas, mesmo que não sejam estatais.
Ainda buscando associar o pensamento de Barbosa (2012) sobre a pertinência da
parceria entre os setores público e privado, pode-se inferir que a forma como a iniciativa
privada foi prevista na Constituição Federal de 1988 resguardou a defesa da soberania do
país e o impedimento de uma desvalorização do ser humano frente à busca indiscriminada
pelo lucro. Contudo, a execução dessa prerrogativa tem acontecido de forma infiel ao
preconizado, uma vez que a iniciativa privada tem sido, muitas vezes, substitutiva e não
complementar ao Estado, promovendo um acesso desigual dos usuários e fazendo com que
o Estado financie o setor privado em detrimento de sua instrumentalização própria.
O surgimento dos novos sujeitos coletivos proposto pelo neoliberalismo desde
meados da década de 80 está caminhando cada vez mais para espaços públicos não-estatais,
o que foi garantido paulatinamente por legislações sociais que, embora definam a
responsabilidade estatal, resguardam a participação privada como complementaridade,
como a Lei Federal 8.742/1993 – Lei Orgânica da Assistência Social (BRASIL, 2012b).
Baseando-se em Rua (2009), as ações privadas não podem ser consideradas políticas
públicas porque uma política pública é caracterizada por um processo legal e político de
atendimento aos direitos dos cidadãos, tendo como interesse a solução de um problema de
forma a promover o bem estar da coletividade; são imperativas por envolver decisões e
ações estatais. Já as atividades desenvolvidas por instituições privadas são ações privadas de
interesse público, as quais, embora, muitas vezes, tenham como resultado a melhoria das
6
condições do público-alvo de políticas públicas, distinguem-se dessas por não possuírem as
características afins já descritas, bem como pelo fato de que seu sua motivação e/ou
finalidade são menos coletivas, mas sim o interesse do particular que as põe em prática,
como marketing e responsabilidade social; inspiração religiosa, entre outros.
3 ASSISTÊNCIA SOCIAL: DA CARIDADE À POLÍTICA PÚBLICA DE RESPONSABILIDADE
ESTATAL
Lonardoni; Gimenes e Santos (2013) apontam o ano de 1938 como marco regulatório
da Assistência Social no país, com a criação do Conselho Nacional de Serviço Social, que
representou uma espécie de acordo entre Estado e elite, estando esta, na figura
organizacional do conselho, responsável por direcionar os recursos do Estado a organizações
da sociedade civil que prestavam a assistência, vinculada, estritamente, ao conceito de
solidariedade.
Teixeira (1995) informa que a primeira instituição de Assistência Social no país foi a
Legião Brasileira de Assistência – LBA, criada em 1942, com viés caritativo e solidário, como
exclusividade feminina e origem na elite para apoio às famílias dos convocados para lutarem
quando da entrada do Brasil na II Guerra Mundial.
Após o final da II Guerra, a LBA manteve sua atuação assistencial, mas a partir de
então com foco na maternidade, infância e juventude; na educação (geral e para o trabalho);
em ações de saúde, entre outras. A presidência da instituição era estatutariamente
garantida às primeiras-damas (LONARDONI; GIMENES e SANTOS, 2013), o que disseminou a
associação da Assistência Social às figuras das esposas dos chefes do executivo. A dissolução
da LBA ocorreu em 1995. (CAMPEMISA SOCIAL, 2013).
Inserindo a Assistência Social enquanto política social, cabe informar que, a partir da
Constituição Federal de 1988, constitui-se em política pública não contributiva, que integra o
tripé da seguridade social (formado ainda por saúde e previdência social), destinada a quem
dela necessitar (BRASIL, 2013), sendo regulamentada em 1993 pela Lei Federal 8.742/93 - Lei
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Orgânica da Assistência Social – LOAS, passando a ser direito do cidadão e dever do Estado,
tendo como função prover os mínimos sociais (BRASIL, 2012b).
Mesmo com a extinção da LBA, não ocorreu a dissociação da Assistência Social do
conceito de solidariedade social e da atuação das ONG’s na área, coexistindo a atuação
estatal com a atuação privada, em que essas instituições, algumas precariamente; outras
com recursos próprios suficientes e até algumas se mantendo pelo viés único dos recursos
públicos, absorveram uma demanda de trabalho estatal (CAMPEMISA SOCIAL, 2013).
Na sequência do caminho legal para profissionalização da Assistência Social, em
2004, o governo federal lança a Política Nacional de Assistência Social - PNAS (BRASIL, 2004)
e, em 2005, é criado, na qualidade de norma operacional, o Sistema Único de Assistência
Social - SUAS (BRASIL, 2005). Juntos, PNAS e SUAS definem as regras que devem ser seguidas
para a adequada execução dos projetos, programas, serviços e benefícios da Assistência
Social.
No ano de 2011, o SUAS deixa a condição de norma operacional a partir da alteração
da Lei Orgânica de Assistência Social – LOAS – pela Lei Federal Nº 12.435, que o incorpora
àquela (BRASIL, 2013b).
A partir da incorporação do SUAS à Lei Orgânica de Assistência Social, o Sistema
Único de Assistência Social – SUAS - deixa de ser apenas uma orientação, adquirindo o status
de observância obrigatória aos gestores públicos respectivos e aos operadores do direito,
contribuindo para seu fortalecimento e a garantia de direitos dos usuários.
3.1 A terceirização do SUAS e o Serviço Social
O SUAS prevê a participação das organizações do terceiro setor como parte de seu
princípio de descentralização. Cabe notar que a publicização, como ficou conhecida essa
prática a partir da Reforma do Estado e da implementação da Nova Administração Pública,
tem sido utilizada como parte integrante do projeto neoliberal e está em sintonia com o
processo de reestruturação do capital, seja pela flexibilização das relações de trabalho, seja
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pelo afastamento do Estado das responsabilidades sociais (MONTÃNO, 2012).
A descentralização administrativa e a privatização e a transferência para o “terceiro
setor” das respostas às sequelas da “questão social” (mal denominada pelo exministro Bresser Pereira de “publicização) repercutem negativamente no aumento
tendencial do nível de desemprego profissional, na precarização das condições de
trabalho, nas condições de emprego. [...] procede-se tanto a uma precarização do
atendimento estatal às demandas sociais, como a uma auto-responsabilização
pelas respostas às próprias necessidades localizadas, o que se reflete direta e
fortemente na base de sustentação funcional ocupacional do Serviço Social.
Negar esse fato e fingir que tudo segue sem problemas para nossa profissão é um
ato suicida; conformar-se a aceitá-lo como dado e se adequar a ele resulta
reprodutor e confirma estas tendências nefastas tanto para os direitos dos usuários
quanto para os implementadores das políticas sociais públicas – assistentes
sociais [...], entre outros profissionais. O conhecimento crítico deste processo e seu
enfrentamento é o único caminho a seguir (MONTAÑO, 2012: 255-256, grifos
meus).
A partir de dados do Censo SUAS6 2011 obtém-se a informação de que a rede
socioassistencial privada7 brasileira é composta por 9.456 instituições. Entre estas, apenas
26% são exclusivamente de Assistência Social (BRASIL, 2012a).
Nestas instituições, a procura por demanda espontânea representa 89,4%, enquanto
no CRAS8 – Centro de Referência da Assistência Social, essa procura espontânea cai para
50%. O encaminhamento pela rede socioassistencial é de 56,2% para as instituições do
terceiro setor e 15% para o CRAS; o encaminhamento advindo de outras políticas públicas e
do sistema de garantia de direitos é de 51,4% para a rede socioassistencial privada e 13%
para o CRAS (BRASIL, 2012a).
Esses dados demonstram que as instituições da rede socioassistencial privada não
têm a Assistência Social como sua prioridade de ação, bem como informam que, tanto os
usuários dos serviços como a rede socioassistencial, demais políticas públicas e sistema de
garantia de direitos, ao demandarem um serviço de Assistência Social buscam-no com maior
frequência e intensidade na rede socioassistencial privada, cujos interesses são ecléticos e a
garantia de profissionalização e continuidade comprometida pelo grande número de
trabalhadores voluntários que utiliza (BRASIL, 2012a).
Esses dados permitem comprovar a hipótese de que as parcerias da Administração
Pública com terceiro setor na área da Assistência Social contribuem para sua desqualificação
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enquanto política pública, sendo ainda visualizada como atividade paraestatal reforçada
pelo seu histórico assistencialista e caritativo, dificultando a profissionalização empreendida
pelos assistentes sociais que atuam na área.
Nesse contexto, a política pública de Assistência Social submete-se à pulverização de
ações fragmentárias subordinadas a interesses muito diferentes da garantia dos mínimos
sociais preconizado pela legislação específica.
Como consequências, tem-se que:
[...] o serviço que era público passará a ser prestado como atividade privada.
Dependendo da extensão que a medida venha a alcançar na prática, o Estado,
paulatinamente, deixará de prestar determinados serviços públicos na área social,
limitando-se a incentivar a iniciativa privada por meio dessa nova forma de
parceria. Em muitos casos, poderá esbarrar em óbices constitucionais, já que é a
Constituição que prevê os serviços sociais como dever do Estado e, portanto, como
serviço público (DI PIETRO, 2009: 267, grifos da autora).
Entre os resultados disponibilizados pelo Censo SUAS 2011, há o destaque de que o
CRAS tem sido o local privilegiado de oferta dos serviços de Assistência Social. No entanto, o
mesmo documento traz a informação que 69% dos CRAS possuem rede privada referenciada
na prestação de serviços socioassistenciais de Proteção Social Básica9 e que serviços de
Proteção Social Especial de alta complexidade (acolhimento institucional) também têm na
rede socioassistencial privada o maior executor (BRASIL, 2012a).
Notadamente não se faz aqui a defesa da exclusividade da execução direta, mas os
dados de que as reuniões periódicas entre os equipamentos públicos e privados que
compõem a rede representam apenas 24% e que os estudos de caso em conjunto apenas
21% deixam claro que não está havendo diálogo que garanta a convergência de interesses e
adequada execução dos serviços. Ademais, a resposta de apenas 25,4% dos municípios de
que a rede socioassistencial de que dispõem é suficiente para o atendimento à demanda,
exige a readequação da prestação do serviço, em especial considerando que o
monitoramento desse processo relativamente novo já permite uma reelaboração (BRASIL,
2012a).
Nesse cenário de avanço legal da assistência social como política pública, o Serviço
Social atua na operacionalização de um sistema de caráter ambíguo no qual os direitos
10
foram ampliados no discurso e estão sendo negados (ou ao menos sucateados) na prática
(CAVALCANTE et. al., 2013).
Assim o profissional que trabalha a partir de uma perspectiva crítica, se depara com
o discurso de cidadania, igualdade, conquista e ampliação de direitos, inclusive,
preconizados em lei, exposto no SUAS e percebe que é constante a ausência da
cidadania, a negação e restrição dos direitos, próprias das relações de produção
capitalista que privilegiam à propriedade privada (CAVALCANTE et. al., 2013).
Há de certa forma, uma relativa disputa entre a responsabilidade (Estado) e a
solidariedade (entidades de Assistência Social), o que foi propiciado pelo cenário brasileiro
que, a partir dos anos 1990, instalou a convivência comum entre os princípios neoliberais e
as legislações nacionais reguladoras da prática social, tentando mesclá-los.
A prestação das ações de Assistência Social a partir de atividades de fomento do
terceiro setor tem se prestado à sua descaracterização enquanto política pública,
conferindo-lhe status de mera atividade de interesse público (MIRAGEM, 2011) e não como
serviço público de fato.
Nessa conjuntura é que identificamos a ação do Estado intervindo nas relações
econômicas em prol do capitalismo, anulando praticamente os direitos do cidadão
ao privatizar os serviços públicos numa política neoliberal que restringe direitos
civis, sociais e políticos, conquistados ao longo da história, garantidos pela
Constituição Federal de 1988 e demais legislações pertinentes. (CASTRO, 2001: 7).
Silva (2013) discorre sobre esse cenário pontuando-o a partir dos 2000 como um
período de “[...] Estado máximo para o capital, e mínimo para a demanda dos trabalhadores
[...].” (p. 14), em que direitos são reduzidos em prol de medidas de ajuste econômico e
amplia-se a privatização e focalização das políticas sociais.
Destarte, encontra-se respaldo para a hipótese de que as parcerias da Administração
Pública com terceiro setor no desenvolvimento da política pública de Assistência Social tem
se constituído em estratégia de avanço do neoliberalismo.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
11
A LOAS, em seu art. 3º, define que as instituições, sem fins lucrativos, que atuam
para atender e defender os direitos das pessoas que constituem o público-alvo da política
pública de Assistência Social são entidades e organizações de Assistência Social (BRASIL,
2012b).
Entretanto, não é possível desconsiderar que:
[...] o terceiro setor na área social, ‘é útil como um acréscimo em relação ao
serviço público prestado pelo Estado, não como implicando na sua substituição
por entidades privadas, pois a Constituição não acolheu o princípio da
10
subsidiariedade na área social. (DI PIETRO , 2003: 439 apud GROTTI, 2012: 95).
Poulantzas (1976)11 apud Faleiros (1987) destaca que o Estado é uma relação social e,
como tal, constitui-se em arena de luta na qual os diversos grupos com influência sobre o
poder entram em embate entre si e com as classes dominadas, bem como também operam
a conciliação inter e extra-grupo.
Nesse sentido, Poulantzas (1971) chega a afirmar que o Estado capitalista, para
garantir a longo prazo a hegemonia dos interesses do grupo que exerce controle sobre o
poder, pode implementar, no curto prazo, medidas caracterizadas como política anticapitalista.
É nessa conjuntura que estão inseridas as parcerias da Administração Pública com
terceiro setor para o desenvolvimento da Assistência Social, em especial sob a alegação de
expansão da rede socioassistencial que compõe o SUAS. Nessa seara de atuação, o
profissional de Serviço Social deve manter sua atuação pautada no projeto ético político de
defesa de um projeto societário de defesa e garantia dos direitos de cidadania sem qualquer
expressão de dominação ou alienação.
12
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1
É necessário esclarecer que, nesse estudo, parte-se do entendimento de que uma política pública:
a) Constitui um conjunto de ações desencadeadas pelo Estado (esfera federal, estadual e/ou
municipal) com vistas ao bem coletivo, voltadas à garantia dos direitos sociais (SOUSA; GOMES;
ARAÚJO, 2013): “Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a
moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a
assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.” (BRASIL, 2013);
b) Caracteriza-se como intervenção planejada do poder público com a finalidade de resolver
situações problemáticas que sejam socialmente relevantes e pode ser desenvolvida em parceria com
organizações não governamentais e com a iniciativa privada (SOUSA; GOMES; ARAÚJO, 2013).
2
Estado que intervém minimamente sobre as relações sociais, cabendo o papel de regulá-las em
favor da liberdade individual; da propriedade privada e do livre mercado.
3
Subsidiária no sentido de conceder auxílio e/ou ajuda. “[...] Diz-se de um elemento secundário que
reforça outro de maior importância ou que para este converge [...].” (FERREIRA, 2009, p. 1887).
4
Gestado no início do segundo pós-guerra, em especial na Europa Ocidental, tem como premissa a
organização da sociedade a partir do mercado e a desregulamentação da economia (HAYEK, 1987).
5
Para detalhamento sobre o modelo gerencial de Administração Pública, recomenda-se a leitura de
Bresser Pereira (1996).
6
Instrumental utilizado pelo Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome para levantamento de dados socioassistenciais de municípios e estados, sendo preenchidos por estes (BRASIL,
2012a).
7
Caracteriza instituições do terceiro setor que prestam serviços socioassistenciais (BRASIL. 2012a).
8
Equipamento público estatal caracterizado como a porta de entrada dos serviços socioassistenciais
(BRASIL, 2005).
9
As ações do SUAS são voltadas para a proteção social de indivíduos e famílias. A proteção social
se ocupa das vitimizações advindas de vulnerabilidades socioeconômicas e de fragilidade, ausência e
rompimento de vínculos. Divide-se em Proteção Social Básica, cujo equipamento de referência é o
CRAS, e Proteção Social Especial de Média e de Alta Complexidade (BRASIL, 2005).
15
10
DI PIETRO. Maria Sylvia Zanella. Privatização e o novo exercício de funções públicas por
particulares. In: MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo (Coord.). Uma avaliação das tendências
contemporâneas do direito administrativo. Rio de Janeiro: Renovar, 2003.
11
NICOS, Poulantzas. Les classes sociales dans Le capitalisme d’aujourd’hui. Paris: Seuil, 1974.
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