Sensatez contra as drogas Usuário detido pela polícia pode optar por tratamento clínico Fabio Brisolla O Tribunal de Justiça do Rio está mudando o procedimento em relação às pessoas detidas por posse de drogas. Em vez de responder a um processo, o réu terá a oportunidade de optar pela reabilitação em clínicas para dependentes químicos. O programa, conhecido como Justiça Terapêutica, foi oficializado em ato executivo conjunto do procurador-geral de Justiça, José Muiños Piñeiro, do corregedor-geral de Justiça, Paulo Gomes da Silva Filho, e do presidente do Tribunal de Justiça do Estado do Rio, Marcus Antônio de Souza Faver. De acordo com o documento, o programa entra em vigor na segunda-feira (28) e vai estender-se a todas as varas criminais do município do Rio. O procedimento passa a ser o seguinte: após o flagrante e o registro da ocorrência na delegacia, se a pessoa estiver incursa no Artigo 16 (posse ilegal de substância entorpecente para uso próprio), será encaminhada à Vara de Execuções Penais, que centraliza o programa Justiça Terapêutica. Ali, passará pela avaliação de uma equipe da promotoria – na qual está incluído um psicólogo –, que examinará o grau de dependência e dará ao réu a opção de se livrar do processo se fizer tratamento. "Não tem nada a ver com descriminalização. Pelo contrário. Em troca de se livrar do processo, o usuário será obrigado a cumprir todas as etapas do tratamento", esclarece Márcio Mothé, promotor da 2ª Vara da Infância e Juventude, que há um ano adotou o Justiça Terapêutica. Durante esse período, 115 adolescentes participaram do programa. O tempo de internação varia conforme o caso. Mas, mesmo após ser autorizado a voltar para casa, o infrator continua a ser monitorado pela Justiça. Há uma série de encontros e palestras semanais, obrigatórios. Exames de urina, sem data marcada, são realizados regularmente. "Conseguimos determinar, pelo exame, o tipo de droga e há quanto tempo vem sendo usada", diz Mothé. O usuário considerado iniciante não é internado, mas fica com a obrigação de participar das palestras e dos encontros. Após concluir a pena estabelecida pela Justiça Terapêutica, o processo na vara criminal de origem é extinto. "No fim do programa, o dependente volta a ter a folha limpa na polícia", frisa Mothé. O Justiça Terapêutica surgiu nos Estados Unidos com as chamadas cortes de drogas. No Brasil, começou a ser adotado em 1999, durante o período em que Elisabeth Sussekind esteve à frente da Secretaria Nacional de Justiça. No Rio Grande do Sul, ele funciona a pleno vapor e em Pernambuco há inclusive uma vara especializada em Justiça Terapêutica. Além de ser uma opção para o dependente químico sem condições de pagar o tratamento em clínica especializada, o programa é apontado como uma arma contra a injustiça social. "A Justiça Terapêutica é um antídoto à impunidade. Afinal, o usuário de drogas da classe média não vai para a prisão e o pobre acaba indo, porque não consegue comprovar que não pertence àquele mundo", avalia Elisabeth Sussekind, que atualmente é professora da escola de direito da Fundação Getúlio Vargas e coordenadora do setor de pesquisas em direito da Fundação Casa de Rui Barbosa. No município do Rio, em média, oitenta pessoas são detidas a cada mês por posse de drogas. O número, pouco significativo, sinaliza que boa parte dos casos ainda é resolvida "informalmente" nas ruas. "A Justiça está preocupada com o usuário de droga e vai entrar no processo de recuperação dessa pessoa. O próximo passo é levar o programa também ao interior do Estado", anuncia o corregedor-geral de Justiça, Paulo Gomes da Silva Filho. Em Niterói, a promotora Laise Ellen Macedo realiza uma experiência ainda mais ousada com os menores levados à 2ª Vara da Infância e Juventude. Lá, o Justiça Terapêutica é estendido também a alguns traficantes. Bruno – nome fictício –, 18 anos, foi detido ao sair do Complexo da Maré com 500 gramas de maconha e alguns papelotes de cocaína. O rapaz mora em um bairro de classe média de Niterói. O pai é sociólogo e a mãe, psicóloga. Aos 11 anos começou a fumar e aos 16 circulava pelas bocas-de-fumo do Complexo da Maré para comprar drogas e revender na rua onde morava. Só parou após o tratamento. "Quando me internei, pensei: vou ficar um tempo aqui e depois volto para as drogas. Mas aí comecei a ver que era maneiro fazer o tratamento. Lá aprendia a sonhar novamente", conta o rapaz. No início de outubro, ele recebeu alta. Dois anos após o flagrante. "Estamos aprendendo com os erros. Inicialmente o projeto era estabelecer um ano de tratamento, mas descobrimos que esse prazo não pode ser determinado pela Justiça, e sim pela equipe médica", diz Laise. Apesar da alta, Bruno continua freqüentando os encontros semanais do Justiça Terapêutica. Tornou-se coordenador do grupo de reuniões para auxiliar os que estão chegando para enfrentar o vício.