Interdisciplinaridade e a Graduação em Administração: Complexificar para Melhorar
Autoria: Debora Nayar Hoff, Erlaine Binotto, Elisabete Stradiotto Siqueira
Resumo
Este artigo objetiva analisar como os cursos de administração têm materializado a perspectiva
interdisciplinar em seus currículos, formação docente e nos processos de avaliação
governamentais. A pesquisa caracterizou-se por um estudo descritivo de caráter qualitativo,
complementado por dados quantitativos (VERGARA, 2004). Foi desenvolvida através da
comparação de dois estudos de caso. A base de informações foi o banco de dados do
INEP/MEC, para os resultados da Avaliação do MEC (Provão) e do ENADE (de 2000 a
2004). No que diz respeito ao âmbito interno dos cursos foi analisada a formação e publicação
dos docentes, avaliações governamentais, perfil do egresso, estrutura curricular, planos de
ensino, planejamento estratégico e projeto político pedagógico. Os resultados indicam
limitações nas estruturas curriculares, que ainda são concebidas de forma linear e, ainda que
as disciplinas abordem conteúdos diferenciados, a análise do ementário revela que há diálogo
mínimo entre os saberes e muita sobreposição. Esse aspecto não permite integrar
conhecimentos nem, tampouco, a superar as limitações existentes entre as várias disciplinas.
É possível que esta diferença qualitativa origine-se das atividades de pesquisa, mais presentes
no Caso B e bastante ausente no Caso A, e não de atividades característica ou
intencionalmente interdisciplinares indicando a necessidade de maior debate sobre a questão.
1
Interdisciplinaridade e a Graduação em Administração: Complexificar para Melhorar
1 Introdução
A produção do conhecimento, neste século, tem tido, como característica fundamental, um
contexto de crise relacionado à excessiva especialização e divisão do conhecimento que
apresenta limites na análise de objetos mais complexos. Tal questão se constitui tanto em um
problema a ser superado, como em oportunidade de avanço da própria produção científica.
Este contexto desafia a racionalidade tomada somente em sua dimensão instrumental e passa a
exigir da formação do profissional maior complexidade na forma de articulação dos saberes e
na sua capacidade de interpretação da realidade.
Os limites entre organização e sociedade tornam-se cada vez mais tênues, pois a
produtividade organizacional não pode ser mais entendida somente como responsabilidade do
Administrador, passando a ser dividida com a sociedade e os objetivos das organizações
passam a ser múltiplos e incluírem aspectos econômicos, sociais e ambientais.
Tornou-se fundamental o desenvolvimento da capacidade dos Administradores de tratarem
com multiplicidade de fatores determinados simultaneamente por consumidores,
concorrentes, aliados e o próprio corpo funcional da organização. O novo administrador
precisa ter um perfil mais criativo e inovador e ser capaz de lidar com questões que
extrapolam os limites de sua área do conhecimento, pois a produção e o consumo
ultrapassaram as barreiras geográficas dos países, concorrência e parceria confundem-se nos
arranjos organizacionais, biotecnologia e tecnologia de produção começam a complementarse entre outras tantas questões que complexificam o ambiente de inserção das empresas.
O Ministério da Educação e Cultura (MEC) observa esse contexto, ao tentar traduzir tais
desafios na proposta das Diretrizes Curriculares para os Cursos de Administração. Imprimiu
uma dimensão mais flexível e redirecionou um perfil, historicamente tecnicista, para uma
formação com maior amplitude e conhecimentos fronteiriços com outras áreas do saber, além
de enfrentar a dicotomia global - local incentivando os cursos a constituírem uma identidade
contextualizada nas características regionais.
Neste sentido, as estruturas curriculares precisam contemplar outras áreas de conhecimento
que não só aquela central dos cursos, de forma que estas dialoguem entre si, gerando o
conhecimento interdisciplinar. O quadro docente, em tal contexto, teria que ser formado por
uma lógica de construção do pensamento complexa
ampliando o intercambio de
conhecimentos nas atividades de ensino para que este seja interdisciplinar e não apenas uma
junção de disciplinas e docentes de várias áreas do conhecimento.
Pode-se dizer que os cursos de graduação em administração sofrem uma pressão dupla e
antagônica, ou seja, tanto a estrutura curricular como a formação docente privilegiam os
conhecimentos específicos de administração em detrimento de outros impossibilitando o
diálogo. Tal questão é agravada pelas exigências dos Conselhos de Categorias Profissionais
que exigem formação específica na área da administração. O objetivo desse texto é analisar
como os cursos de administração têm materializado a perspectiva interdisciplinar em seus
currículos, formação docente e nos processos de avaliação governamentais.
Espera-se que o estudo sirva como uma informação adicional para que os cursos que estão em
fase de reestruturação curricular possam problematizar sua qualificação.
2 Revisão Teórica
2.1 Complexidade
As fronteiras contemporâneas com que a ciência se depara indicam que o conhecimento
específico isoladamente não é mais suficiente para entender a complexidade dos fenômenos
estudados. Autores como Morin (1990), têm apontado que a crise das ciências está
relacionada a um esgotamento da compartimentalização do conhecimento produzida no final
do século XIX, que tenta eliminar o individual e o singular em prol da produção de leis gerais,
2
capazes de explicar o mundo como se este fosse uma máquina mecânica perfeita; segundo o
autor, um pensamento simplista calcado na redução e na disjunção.
Souza Santos (1994) caracteriza que o problema principal da estagnação, proporcionado pela
modernidade na produção das ciências, foi uma limitação do conhecimento a um padrão
considerado válido. Tal limitação reduziu a produção científica a uma finalidade de aplicação
imediata, ou seja, regida pelo princípio da utilidade, presa, principalmente, ao processo
produtivo e perdendo seu caráter investigativo de criar alternativas e apontar possibilidades
futuras. Santaella (1992, p. 109) desenvolve a crítica à aplicabilidade imediata da ciência
usando uma comparação de Peirce: “usar as mentes dos cientistas em tais problemas seria
como tocar uma máquina a vapor com a queima de diamantes”.
Morin (1990) busca uma alternativa para a limitação da ciência discutindo e aprimorando a
idéia de complexidade. Para o autor (1990, p. 157), o termo complexidade está relacionado à
dificuldade em explicar alguma coisa, derivada principalmente pelos processos simultâneos
que produzem uma ação e, por outro lado, por fenômenos aleatórios produtores da incerteza.
Neste sentido, a essência da complexidade é a impossibilidade de sua homogeneização, ainda
segundo o autor: "a complexidade é correlativamente o processo da ordem, da desordem e da
organização. Digo também que a complexidade é a mudança de qualidades da ordem e a
mudança das qualidades de desordem. Na complexidade muito alta, a desordem torna-se
liberdade e a ordem é muito mais regulação do que imposição. Neste aspecto modifiquei meu
ponto de vista e mais uma vez modifiquei complexificando.” Para Bianchi (1999, p. 125) “o
método do pensamento complexo (...) não rejeita os resultados da ciência reducionista, mas
descobre a possibilidade de recusar suas limitações, no que concerne, pelo menos, à
modelização dos problemas propostos.” Aos adeptos desta concepção o grande mérito do
pensar complexo seria a possibilidade de observar qualquer objeto ou contexto de forma a
apreender o máximo possível de seu funcionamento, características ou detalhes. Sobre essa
questão, Simon (1972) desenvolveu o conceito de racionalidade limitada, que acompanha o
pesquisador e que lhe impede de entender a completude de seus objetos, a complexidade o
aproximaria mais do real, do que os métodos reducionistas tradicionalmente utilizados.
Outro autor enfatiza a complexidade como uma alternativa ao entendimento das coisas. Para
LeMoigne (2000, p. 11), o que ele chama de “inteligência da complexidade”, seria uma nova
forma de entendimento que exige de si mesma a atenção à percepção e à descrição dos
contextos relacionados aos objetos ou ações observados, superando as limitações do
prescrever e do descrever e buscando entender no conjunto de todos os elementos que
compõem uma determinada realidade. Neste sentido, análises sistêmicas tendem a se
aproximar mais do entendimento de realidades complexas do que aquelas que não o são.
2.2 Interdisciplinaridade
Quando transposto o conceito de complexidade para o ambiente da construção do
conhecimento, encontra-se a necessidade de extrapolar-se a divisão e especialização criada
também neste processo, através das disciplinas. De acordo com Bianchi (1999), trata-se de
abrir as disciplinas umas às outras para enriquecê-las com os pontos de vista provenientes de
outros horizontes. Este processo gera a possibilidade de associar conhecimentos como
alternativa para a superação dos limites que a própria ciência criou no entendimento
especializado de seus objetos. Busca-se então a interdisciplinaridade.
Coerente com esta afirmativa, Hornby (2003) indica que a interdisciplinaridade significa o
envolvimento de diferentes áreas do conhecimento, pesquisas e abordagens multidisciplinares.
Klein e Newell (1998) definem estudos interdisciplinares como o processo de responder
questões, resolver problemas ou direcionar tópicos tão amplos ou complexos que a abordagem
disciplinar não é suficiente para a compreensão ou solução.
Percebe-se a existência de contradições no estabelecimento do conceito de
interdisciplinaridade, principalmente confundindo-o com outras idéias como
3
multidisciplinaridade e transdisciplinaridade. Os autores que tratam desta questão, como
Andrade, (2004), Nicolescu, (1999), Oliveira e Neves, (2004), Soares, (1999), Miranda,
Souza e Barbosa, (2002), Demo, (1997) e Weil et al., (1993) estabelecem diferenciações
importantes entre estes termos.
O conceito de multidisciplinariedade, relativamente homogêneo entre os autores, é
considerado como a justaposição de diferentes disciplinas sem necessariamente produzir
mudanças internas na concepção de cada uma delas. Já entre a definição de
interdisciplinaridade e transdisciplinaridade são encontradas algumas contradições
principalmente no que tange ao nível de permeância entre as disciplinas dentro de cada uma.
Ora a primeira aparece como o grau mais avançado de interdependência, beirando a unicidade
do conhecimento, ora a segunda é que atinge este nível.
Segundo Nicolescu (1999) a interdisciplinaridade está relacionada a uma transposição de
métodos entre disciplinas, classificando-a em três graus de transferência: grau de aplicação,
grau epistemológico e um grau de criação de novas disciplinas. Andrade (2004) ratifica esta
idéia, considerando que a interdisciplinaridade está relacionada à interdependência e à
comunicação entre vários ramos do conhecimento, ou seja, ver o todo não pela simples
somatória das partes, mas com a percepção de que tudo sempre está em tudo.
Weil et al. (1993, p.31) considera que a interdisciplinaridade se constituiria em um momento
de relação e reciprocidade, contudo, não possibilitaria a transposição de fronteiras entre os
saberes, papel que caberia à transdisciplinaridade, recorrendo a um estudo de Erich Hantsch,
Weil define que a transdisciplinaridade é o “reconhecimento da interdependência de todos os
aspectos da realidade. A transdisciplinaridade é a conseqüência normal da síntese dialética
provocada pela interdisciplinaridade, quando esta for bem-sucedida”.
Demo (1997) indica que a produção do conhecimento interdisciplinar estaria vinculada,
necessariamente, a constituição de equipes formadas por várias áreas do saber,
preferencialmente, aquelas opostas. O diálogo e a contraposição de conhecimentos seriam
responsáveis por gerar, ao mesmo tempo, abrangência e profundidade. “O que faz, na
verdade, a interdisciplinaridade, não é a justaposição de textos, mas o esforço reconstrutivo de
tecê-los em um todo só”. (DEMO, 1997, p. 119). Para esse autor a transdisciplinaridade, ao
contrário de Weil, seria um intercâmbio disciplinar e não a possibilidade de construir um
conhecimento permeado pela lógica das várias disciplinas, ao mesmo tempo.
Como suporte para o entendimento de interdisciplinaridade usado por Weil et al. (1993),
pode-se buscar a argumentação de Brewer (1999), o qual aponta que a interdisciplinaridade
geralmente refere-se à apropriada combinação de conhecimento de várias especialidades
diferentes, de forma a dar novos enfoques a um problema real. Essa combinação de
disciplinas adiciona valor ao processo, sendo possível perceber que o resultado obtido pelo
estudo conjunto é mais interessante do que a soma das contribuições individuais das partes.
Para Klein (1990), as rotas do conceito de interdisciplinaridade têm ressonância no discurso
moderno, traduzido na concepção da ciência unificada e da integração do conhecimento. Estas
idéias são corroboradas por Wilson (1999) ao tratar da unificação do conhecimento por meio
da consiliência que seria uma busca do entendimento mais completo dos objetos da ciência, a
partir da conjunção de esforços das diversas áreas do conhecimento, onde as áreas específicas
combinadas permitem uma compreensão maior e melhor do que a permitida pela soma dos
entendimentos específicos, isoladamente.
Ainda neste sentido, Payne (1999) afirma que a chave interdisciplinar está em compreender
como diversos insights, oriundos de várias fontes disciplinares, são locados, selecionados,
delimitados e aplicados, e como um número de teóricos vindos de diferentes bases
disciplinares tem contribuído ao longo das duas últimas décadas na exploração destes insights.
Para tratar deste tema, refere-se à concepção de Klein (1990) de que a interdisciplinaridade é
um processo de aquisição e síntese integrada.
4
Ainda que os autores citados enfatizem a necessidade da produção do conhecimento
interdisciplinar Levy-Leblond (2004, p. 23) chama a atenção dos cuidados que deve ser
tomada para tal empreitada, dada a especificidade metodológica da produção da ciência. Tal
processo faz com que sua validade esteja restrita a contextos muito específicos, dessa forma,
sua transposição deve reconhecer tal limitação. “Trata-se de convocar a ciência, no processo
intelectual, não mais como o especialista que venha a fornecer confortáveis argumentos de
autoridade, mas como o contra-especialista que testemunha a fragilidade das conclusões, por
mais razoáveis que elas sejam.” Esses argumentos sugerem que o conhecimento é sempre
transitório e inacabado, a novidade está apoiada em conceitos de outras áreas da ciência, nesse
sentido, o exercício do pensar permanente é inerente a esse contexto.
Neste estudo, será tomado o conceito de interdisciplinaridade concebido por Wilson, Klein e
Demo por considerar que tratam a temática de forma suficientemente aberta possibilitando
uma concepção complexa do conhecimento.
3 Metodologia
A pesquisa caracterizou-se por um estudo descritivo de caráter qualitativo, complementado
por dados quantitativos (VERGARA, 2004). Esta foi desenvolvida através da comparação de
duas instituições de ensino um pautado em uma Universidade Pública de Direito Privado
(Caso A) e outro em uma Universidade Pública (Caso B), ambas situadas no mesmo estado da
federação. Os nomes foram omitidos visando proteger os cursos e as imagens das instituições.
No âmbito interno dos cursos foi analisada uma amostra dos planos de ensino, definidas a
partir de uma disciplina de cada área profissional (marketing, finanças, recursos humanos,
produção e área geral), a titulação e produção bibliográfica dos docentes, o projeto político
pedagógico (PPP) e o perfil dos egressos. Nesses casos a análise foi orientada pela
materialização de perspectivas interdisciplinares, ou seja, “esforço reconstrutivo de tecê-los
em um todo só”. (DEMO, 1997, p. 119). No âmbito externo foram consideradas informações
do banco de dados do INEP/MEC, para os resultados da Avaliação do MEC (Provão) e do
ENADE (de 2000 a 2004).
As categorias de análise constituíram-se de: a) Formação dos docentes: foi avaliada a
formação na graduação, especialização, mestrado e doutorado, a fim de verificar a
procedência de docentes (que ministraram aulas em 2007/01) nas áreas de conhecimento. b)
Publicação dos docentes: foi analisada a produção individual de cada docente que ministrou
aula no curso em 2007/01 verificando se o docente está envolvido com produção e divulgação
de conhecimento. c) Avaliações governamentais: conceitos obtidos pelos cursos. d) Perfil do
Egresso: o foco de análise foram se havia indícios de aspectos interdisciplinares. e) Estrutura
Curricular: analisaram-se quais áreas as disciplinas se originavam. f) Planos de ensino: foram
selecionados um de cada área profissionalizante em cada instituição. Considerou-se o
conteúdo programático (ementa, objetivos, conteúdo e bibliografia) a fim de verificar a
existência de diálogo entre administração e outras áreas do conhecimento. g) Planejamento
Estratégico e Projeto Político Pedagógico: análise da missão, visão, objetivos propostos nos
planos.
4 Apresentação e Análise dos Dados
4.1 Histórico dos Cursos:
Caso A : O Curso A foi autorizado através do Decreto n.º 73.650 do CFE e reconhecido pelo
Decreto n.º 81.100/77, do CFE, de 21 de dezembro de 1977. De 1973 a 1998, portanto ao
longo de mais de duas décadas em que o curso é oferecido, 827 profissionais colaram grau.
Atualmente o curso conta com 427 alunos localizados, em sua grande maioria, no campus
central da Universidade.
Caso B: O Curso B foi criado pelo Decreto nº. 20.158, de 30 de junho de 1931, como Curso
Técnico, sendo autorizado pela Divisão de Ensino Comercial, em dezembro de 1942. O início
de suas atividades ocorreu em 10 de março de 1943. Em 16 de maio de 1944, obteve o seu
5
reconhecimento, de acordo com o Decreto nº. 15.581/44, publicado no Diário Oficial da
União de 31 de maio do mesmo ano (Site do Curso, 2007). Possui em torno de 900 alunos e
oferece 90 vagas por semestre, sendo 45 no turno da manhã e 45 à noite.
4.2 Formação docente
Partindo-se do pressuposto que a formação dos docentes interfere na forma como ele
metodologicamente aborda o processo de ensino, considerou-se relevante avaliar se existe no
curso uma diversidade de formação capaz de produzir o diálogo entre diferentes áreas de
conhecimento.
Quadro 1 - Formação dos docentes
Graduação
Áreas
B
A
6
1
Humanas
3
4
Exatas
30
35
Sociais aplicadas
2
3
Engenharias
0
1
Saúde
2
Agrárias
3
1
Ling.letras e artes
Especial.
Mestrado
Doutorado
Total
%
A
B
A
B
A
B
A
B
A
B
5
2
5
2
2
18
5
16
4
2
2
3
1
8
7
7
6
27
14
13
23
3
3
73
75
66
66
4
1
2
12
3
21
2
19
1
1
1
1
1
4
1
4
1
3
2
2
1
7
1
6
1
38
23
22
26
6
19
113
113
100
100
Fonte: Elaborado pelas autoras a partir do Currículo Lattes dos Docentes que compõem o quadro de cada um dos
cursos analisados.
Pode-se dizer que há certa similaridade entre os dois cursos quando observada a distribuição
da formação dos professores nas várias áreas do conhecimento: há uma concentração de
professores formados na área das Ciências Sociais Aplicadas, coerente com a característica
das associações corporativas dos profissionais desta área, contudo é contraditória com a
orientação do Conselho Estadual de Educação de SC que estabelece nas normas para o
funcionamento da Educação Superior, artigo 64, parágrafo I - a titulação mínima para o
exercício do magistério em cursos de graduação é a de ser o docente graduado na área da
disciplina ou afim e comprovar experiência profissional ou produção intelectual, técnica ou
científica relacionadas com a disciplina (CEE/SC, 2007). Exigência que é complementada
pelos requisitos nacionais para a formação do quadro docente de universidades, que precisa
ser, ao menos na sua terça parte, composta por mestres e doutores. Decorrente desta exigência
e pelo fato da instituição que oferece o curso B ser Universidade há mais tempo que a
instituição que oferece o curso A, há que se diferenciar a formação, em nível de pósgraduação, dos dois grupos. Enquanto que o curso A conta com apenas 6 doutores, metade
deles incorporado ao quadro do curso há menos de 1 ano, o curso B conta com 19 doutores, já
com alguns anos de atividade dentro do curso em análise. Esta característica irá marcar
sobremaneira a produção científica e a publicação dos docentes como será percebido nas
próximas análises.
4.3 Publicação dos professores
Curso A: Dos 43 professores do curso que atuaram em 2007/01, oito possuem algum tipo de
produção (artigos em periódicos, livros ou capítulos, trabalhos em anais e orientação de
projetos de iniciação científica), 18 não possuem produção científica e 13 não possuem
Curriculo Lattes. Não se mostrou relevante apresentar dados dessa produção, uma vez que é
muito concentrada nos professores que atuam no mestrado na instituição. A ausência de
pesquisa e sua conseqüente socialização em periódicos e eventos pode significar uma
deficiência no processo de atualização e produção de novos conhecimentos. Nesse caso, a
dimensão da interdisciplinaridade pode ficar comprometida, uma vez que tais docentes teriam
como tendência reproduzir os padrões tradicionais do conhecimento administrativo não
incorporando a este as novas tendências de diálogo que vem sendo elaboradas por outros
profissionais da área.
6
Curso B: Dos 46 professores do curso que atuaram em 2007/01, 22 possuem algum tipo de
produção (artigos em periódicos, livros ou capítulos, trabalhos em anais e orientação de
projetos de iniciação científica, 11 não possuem produção científica e 13 não possuem
Curriculo Lattes. No conjunto de professores observados somam-se 141 artigos publicados
em periódico, 39 livros, 67 capítulos de livro, 325 trabalhos completos publicados em anais de
eventos e 10 projetos de iniciação científica orientados pelos professores. Estes dados são
indicativos fortes da atividade de pesquisa por uma parcela dos professores, contudo também
demonstra uma relativa concentração entre aqueles que estão envolvidos com alguma
produção, visto que o número de docentes não varia muito entre as instituições, que tendem a
refletir na qualidade de ensino. O envolvimento de vários professores e alunos em atividades
de pesquisa complementares ou congruentes materializa-se na existência de 6 núcleos de
pesquisa estabelecidos dentro do CAD, na participação de professores do colegiado de
graduação no do programa de pós-graduação stricto sensu em administração da instituição.
4.4 Avaliações governamentais
No que se refere ao resultado do provão, o curso A obteve os seguintes conceitos: 2000 – D;
2001 a 2003 – C. Na prova do ENADE em 2006, ano em que o curso de Administração foi
incluído, o curso obteve conceito 3 (três). Já o curso B obteve: 2000 – A; 2001 – A, 2002 – B
e 2003 – A. Na prova do ENADE em 2006 o curso obteve conceito 5 (cinco).
Vários fatores podem influenciar no tipo de avaliação que é realizada. O número de discentes
que concorrem a uma vaga no vestibular seleciona de forma desigual o corpo discente e
também suas possibilidades de desempenho nessas avaliações, além disso o perfil do discente
do curso A está concentrado naqueles que tem dedicação parcial a atividades acadêmicas visto
que em grande parte dos casos trabalha para financiar os estudos. .
4.5 Perfil do Egresso
Curso A: “identificar oportunidades de negócios, necessidades atuais, tendências, tomar
decisões estratégicas na solução de problemas organizacionais; Gerenciar contingências;
Enfrentar desafios; Desenvolver a criatividade e o espírito empreendedor; Ser responsável e
manter ética profissional”.
Curso B: “o aluno de Administração (...) é preparado para ser um profissional criativo, com
capacidade empreendedora, capaz de se integrar facilmente aos objetivos de uma organização
e coordenar, em qualquer ramo de atividade, as mais importantes estratégias operacionais”
(Site do Curso, 2007).
Em nenhum dos dois perfis percebe-se claramente a intenção de formação de um profissional
habilitado para trabalhar interdisciplinarmente.
4.6 Estrutura Curricular
Curso A: Analisando-se a estrutura curricular, pode ser observado que 19% desta é composta
por disciplinas oriundas de áreas do conhecimento diferentes daquela específica do curso. As
disciplinas originam-se de áreas como as Ciências Humanas (filosofia, psicologia e
metodologia) e as ciências exatas (matemática e estatística), cumprindo requisitos mínimos
definidos nas diretrizes do MEC ou nos currículos mínimos estabelecidos por este mesmo
órgão. Estão presentes também disciplinas que tangenciam áreas como o Direito
Administrativo, representando 7% do currículo. Também neste caso o curso restringe-se ao
estabelecido legalmente. Apesar da estrutura curricular do curso A não prever disciplinas
eletivas, é possível, ao aluno, cursar qualquer disciplina ofertada por outros cursos de
graduação em funcionamento na universidade, porém esta não é uma prática comum entre os
discentes deste curso.
Curso B: Analisando-se a estrutura curricular, pode ser observado que 20% desta é composta
por disciplinas oriundas de áreas do conhecimento diferentes daquela específica do curso.
Como no outro curso analisado, as disciplinas originam-se de áreas como as Ciências
Humanas (filosofia, psicologia e metodologia) e as ciências exatas (matemática e estatística),
7
cumprindo requisitos mínimos definidos nas diretrizes do MEC ou nos currículos mínimos
estabelecidos por este mesmo órgão. São também observadas disciplinas tangenciais, que
chegam a 11% da estrutura total do curso. Também neste caso o curso restringe-se ao
estabelecido legalmente, sendo intensa a presença de disciplinas da área jurídica. A estrutura
curricular do curso B prevê a obrigatoriedade de complementação da sua carga horária através
de disciplinas eletivas, que podem ser escolhidas entre aquelas oferecidas pelo próprio curso
ou entre um rol selecionado entre os cursos da instituição. Porém, as elencadas na fonte de
informação têm forte relação com a área específica do curso, não caracterizando uma intenção
interdisciplinar.
4.7 Planos de Ensino
Caso A: No que concerne à análise dos sete planos de ensino, quatro ementas indicam
possibilidade de interdisciplinaridade quando explicitam alguma necessidade de articulação
da disciplina com as outras áreas de conhecimento da administração ou com o contexto social.
Nenhum dos objetivos presentes nos planos abre espaços para interdisciplinaridade. Quanto
aos conteúdos, um plano faz uma indicação sobre a interdisciplinaridade. Nas bibliografias,
dois planos incluem referências bibliográficas de áreas não específicas do conteúdo
programático.
Caso B: Nas ementas de sete planos analisados, duas indicam intenção de
interdisciplinaridade quando explicitam alguma necessidade de articulação da disciplina com
as outras áreas de conhecimento da administração ou com o contexto social. Em nenhum
plano de ensino os objetivos trazem relação interdisciplinar. Em apenas um plano é feita
indicação sobre a possibilidade de avanço interdisciplinar. Por fim, as bibliografias de dois
planos incluem referências bibliográficas de áreas não específicas do conteúdo programático.
4.8 Planejamento Estratégico e Projeto político pedagógico (PPP)
Caso A: A universidade ofertante deste curso fez um esforço para coadunar projeto político
pedagógico dos cursos e o planejamento estratégico institucional. Uma das formas usadas foi
tomar por base elementos do planejamento estratégico como orientadores dos PPPs dos
cursos, o que vale para a missão, os valores, a visão e os eixos estratégicos institucionais. As
palavras muldisciplinaridade e interdisciplinaridade são elementos presentes no planejamento
estratégico institucional, principalmente nos pontos que deveriam influenciar os PPPs dos
cursos. Porém, nem na visão do curso “ser um curso reconhecido por formar profissionais
comprometidos com o desenvolvimento das organizações”, nem na missão definida, “gerar
conhecimentos para desenvolver talentos que, através da prática profissional agreguem
valores qualitativos no desenvolvimento dos processos sócio, econômico, político e cultural,
permitindo a melhoria contínua da qualidade de vida da sociedade” (PPP, 2000, p. 11) fica
evidente uma intenção de formação de um profissional interdisciplinar. Apesar desta
constatação, quando estruturada a proposta curricular é demonstrado no PPP (2000), a
preocupação em não somente atender às demandas do mercado de trabalho, mas promover
novas relaçòes produtivas e sociais, integrando conhecimentos parciais, de forma orgânica e
lógica visando criar novos conhecimentos e formas de ação.
Caso B: Nas referências analisadas há especial destaque para o Plano Estratégico do
Departamento de Ciências da Administração 2006-2008 (Site do Curso, 2007), que configura
como um esforço para a implementação de um processo de planejamento e controle
continuado, sustentado na necessidade premente de se adaptar o CAD aos novos tempos tendo
por base o princípio da participação de professores, funcionários técnico-administrativos e do
corpo discente, através de seus representantes. De acordo com o Plano estratégico, a missão
do CAD é “construir e socializar o saber amplo sobre as organizações e sua gestão, por meio
da valorização dos potenciais humanos e da otimização dos recursos ambientais e
institucionais, em benefício da sociedade” (Site do Curso, 2007). Entre os princípios
orientativos estão: a) sociedade em primeiro lugar; b) integração; c) qualidade; d) inovação; e
8
e) respeito à pluralidade. Dentre os quais destaca-se a integração que para o CAD “significa
que, no cumprimento de sua missão e na tomada de decisões, o Departamento assume o
compromisso permanente com o exercício da parceria e com o fortalecimento das interrelações: universidade e comunidade; ensino, pesquisa e extensão; graduação e pósgraduação; professores, alunos e funcionários; áreas de conhecimento”, e o respeito a
pluralidade, o qual “significa a convivência construtiva entre as diferentes concepções da
Ciências da Administração, professados e praticadas no Departamento” (Site do Curso, 2007).
Pode-se dizer que nestes dois princípios orientativos está presente o germe da
interdisciplinaridade, num pela possibilidade de emergência das múltiplas visões
(pluralidade), noutro pelo exercício das “inter-relações” (integração), que vão gerar, ao longo
do tempo, a permeância entre as diversas áreas do conhecimento, pela conversa entre as
diversas disciplinas que compõem a estrutura curricular do curso (Site do Curso, 2007). A
partir deste contexto, o CAD quer formar perfil do seu egresso, já mencionado anteriormente.
Assim, nas análises realizadas de aspectos e instrumentos utilizados no desenvolvimento do
que é proposto nesses planos surge um gap entre intenção e prática.
Considerações Finais
Este artigo objetivou analisar como os cursos de administração têm materializado a
perspectiva interdisciplinar. Os dados indicam que esta perspectiva está mais no plano
estratégico, enquanto promessa de futuro, do que nos instrumentos e ações que atualmente
orientam o processo pedagógico.
Considera-se que o desafio para esta transformação é a superação das posturas corporativas
dos docentes, principalmente nesta área do conhecimento, bem como a resistência em assumir
um modo de pensar que aceite a complexidade dos fenômenos estudados e a necessidade do
uso da interdisciplinaridade para entendê-los. A complexidade diz respeito a uma forma de se
pensar, de se entender as relações de mundo que irá refletir na forma como o conhecimento é
construído. Neste sentido, a interdisciplinaridade está relacionada com a construção do
conhecimento complexo.
Percebem-se limitações nas estruturas curriculares, que ainda são concebidas de forma linear
e, ainda que as disciplinas abordem conteúdos diferenciados, a análise do ementário revela
que há diálogo mínimo entre os saberes e muita sobreposição. Esse aspecto não permite
integrar conhecimentos nem, tampouco, a superar as limitações existentes entre as várias
disciplinas. Contudo, essa questão poderia ser minimizada se o curso conseguisse ampliar os
horizontes e perspectivas de produção de conhecimento dos discentes.
O Caso B, no entanto, têm, em seu plano estratégico, indícios de que pretendem incrementar a
proposta pedagógica através da interdisciplinaridade. Percebe-se que existe uma diferença
fundamental na qualidade dos casos estudados, presente no desempenho dos cursos nas
avaliações do MEC. É possível que esta diferença qualitativa origine-se das atividades de
pesquisa, mais presentes no Caso B e bastante ausentes no Caso A. Pode-se especular que
dentro ou através da pesquisa e das atividades dela oriundas, exista a possibilidade de um
trabalho um pouco mais interdisciplinar, o que torna o aprendizado mais efetivo e abre-se a
possibilidade de construção do conhecimento. A superação da reprodução de conteúdos
parece ser uma questão fundamental para que se tenha qualidade no processo de ensino
aprendizagem, mas também para que a complexidade seja incorporada ao processo,
desencadeando atividades interdisciplinares, uma vez que a pesquisa é o espaço privilegiado
de construção, problematização e articulação de conhecimentos de várias áreas. Sugere-se que
novos estudos sejam desenvolvidos, com esse enfoque e com uma visão mais complexa a fim
de superar as limitações existentes neste, principalmente pelos elementos escolhidos para dar
base à análise.
REFERÊNCIAS
ANDRADE, R.C. Interdisciplinaridade – um novo paradigma curricular. Disponível em
9
http://www.suigeneris.pro.br/interdisciplin1.htm, consultado em 05/04/2004.
BIANCHI, F. O caminho do método. In: PENA-VEIGA, A .; NASCIMENTO, E. P. (orgs.). O
pensar complexo: Edgar Morin e a crise da modernidade. 2. ed. Rio de Janeiro: Garamond, 1999.
BREWER, G. D. The challenges of interdisciplinarity. Policy Sciences. Netherlands: Kluwer
Academic Publishers, 32, 1999.
CONSELHO ESTADUAL DE EDUCAÇÃO DE SANTA CATARINA. RESOLUÇÃO Nº
001/2001. Disponível em http://www.cee.sc.gov.br/legisla.htm. Acesso 12 de Julho de 2007.
DEMO, P. Conhecimento moderno: sobre a ética e intervenção do conhecimento.
Petrópolis: Vozes, 1997.
HORNBY, A. S. Oxford advanced learner´s dictionary of current English. 6.ed. Oxford:
Oxford University, 2003.
INEP – Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira. Disponível em
http://www.inep.gov.br. Acesso em 28 junho, 2007.
KLEIN, J. T. Interdisciplinarity: history, theory & practice. Detroit: Wayne State
University Press, 1990.
KLEIN, J. T.; NEWELL, W. H. Advancing interdisciplinary studies. In: NEWELL, W. H.
(ed.). Interdisciplinarity: essays from the literature. New York: College Entrance
Examination Board, 1998.
LE MOIGNE, J. . Prefácio: uma nova reforma do entendimento: a inteligência da complexidade. In:
MORIN, E.; LE MOIGNE, J.A inteligência da complexidade. 2.ed. São Paulo: Peirópolis, 2000.
LEVY-LEBLOND, J. M. O pensar e a prática da ciência, EDUSC: São Paulo, 2004
MEC
–
Ministério
da
Educação
e
Cultura.
Disponível
em
http://www.inep.gov.br/download/superior/sinaes . Acesso em 28 junho, 2007.
MIRANDA, A. P. ; SOUZA, B. C. ; BARBOSA, L. P. . Obstáculos à Interdisciplinaridade:
Os Alunos e Suas Interpretações dos Diferentes Tipos de Disciplina. In: XXVI Encontro da
ANPAD, 2002, Salvador/PE. Anais..., 2002.
MORIN, E. Introdução ao pensamento complexo. Lisboa: Instituto Piaget, 1990.
NICOLESCU, B. O manifesto da transdisciplinaridade. São Paulo: Trion, 1999.
OLIVEIRA R. L. T. ; NEVES, S. F. Interdisciplinaridade e o currículo do curso de
administração de Pelotas. UCPEL, Pelotas, 2004.
PAYNE, S. L. Interdisciplinarity: potentials and challenges. Systemic Practice and Action
Research, vol.12, n.2, 1999.
PROJETO POLÍTICO PEDAGÓCIO CURSO DE ADMINISTRAÇÃO, Caso A, 2000.
SANTAELLA, M. A assinatura das coisas, São Paulo: Imago, 1992.
SIMON, H. A. A capacidade de decisão e de liderança. 2.ed. Rio de Janeiro: Fundo de
Cultura, 1972
SOARES, H. Interdisciplinaridade. Jornal A Razão, Santa Maria, 1999.
SOUZA SANTOS, B. Pela mão de Alice: O social e o político na Pós-Modernidade,
Biblioteca das Ciências do Homem, Edições Afrontamento, Porto/Portugal, 1994.
VERGARA, S.C. Projeto e relatórios de pesquisa em administração. São Paulo: Atlas,
2004.
WEIL, P.; D’AMBROSIO, U. , CREMA, R. Rumo à nova transdisciplinaridade: sistemas
abertos de conhecimento. São Paulo: Summus, 1993.
WILSON, E. O. Consiliência: a unidade do conhecimento. Rio de Janeiro: Campus, 1999.
10
Download

Complexificar para Melhorar Resumo Este artigo objetiva analisar