ANALISANDO A FAMÍLIA - EXEMPLOS DE GENÉTICA CLÁSSICA NA
PRÓPRIA FAMÍLIA
JOSÉ MANOEL MARTINS
Professor de Biologia do Ensino Médio
HARLEI ALBERTO FLORENTINO
Biólogo e Diretor do Ensino Médio
Colégio Oswald de Andrade – São Paulo-SP
Modalidade: Relato de experiência
Resumo
Desde 2010 esse trabalho é realizado com os alunos do 3o ano do Ensino Médio
na disciplina de Biologia como objetivo de utilizar conteúdos conceituais
referentes à genética clássica na análise do heredograma da própria família. Para
isso também são mobilizados uma série de conteúdos procedimentais e
atitudinais. Um importante objetivo didático é criar um campo de significação onde
os alunos possam se envolver de forma afetiva e, assim, contribuir para um maior
engajamento e ampliação da capacidade de atribuir significados ao que será
estudado.
O trabalho iniciou sempre coma apresentação de uma ficha instrucional em que
está descrita toda a sequência didática que será realizada, desde a concepção do
projeto, até o dia da apresentação do mesmo durante a mostra cultural do colégio.
O produto final, portanto, é um cartaz mostrando o heredograma da família do
aluno.
Na ficha instrucional, os alunos foram convidados a, inicialmente, criar um
heredograma de sua família seguindo as recomendações que aparecem em seu
livro de biologia adotado no colégio à época (Amabis&Martho, 2006). Essas
recomendações estavam relacionadas com os símbolos usados para representar
casamentos, filhos, sexo masculino, sexo feminino etc. Nesse heredograma
deveria aparecer, pelo menos, a geração do aluno e de seus primos, a de seus
pais e tios e a de seus avós. Caso o aluno tivesse sobrinhos, também poderia
incluí-los em uma quarta geração.
Recomendou-se que o primeiro rascunho do heredogramafosse feito em uma
folha grande (A3, por exemplo) para que as informações que seriam adicionadas
sobre os parentes pudessem aparecer adequadamente.
Uma vez feito o heredograma, a próxima etapa foi a seleção de características e
atribuição de genótipos. Para isso, foi elencada, num quadro na ficha, uma série
de características que poderiam ser observadas na família. As formas dominantes
e recessivasestavam identificadas, com a ressalva de que aquele quadro com as
características e suas interpretaçõesera apenas uma simplificação do que
realmente são os padrões genéticos de herança para cada uma daquelas
características. No entanto, essa simplificação era válida para o objetivo de
exercitar a observação e a identificação do possível genótipo de cada indivíduo da
família.
A identificação das características, muitas vezes, não poderia ser feita
diretamente com a pessoa. Nesse caso, a sugestão era de se recorrer a fotos,
vídeos ou relatos dos familiares. Quando a característica não era possível de ser
levantada (observada), o aluno deveria simplesmente indicar uma interrogação
para ela no heredograma. Foi recomendado que o aluno escolhesse apenas
características que fossem variáveis na família.
A listagem dessas características totalizavam 23 possibilidades:
• o formato do rosto (redondo/longo);
• formato dos olhos (reto/oblíquo; oriental/ocidental ou largo/estreito);
• cor dos olhos (dois pares de alelos com interação gênica);
• tamanhos dos cílios (longos/curtos);
• formato do nariz (longo/médio ou pequeno;
• saliente/normal, protuberante/normal, curvo/reto/côncavo, estreito/largo,
arrebitado/reto ou nariz de batata/reto);
• formato da narina (larga/estreita);
• cor do cabelo (castanho/loiro/vermelho) ou textura do cabelo
(encrespado/ondulado/liso);
• sardas (presentes/ausentes);
• forma da figura do corpo (obesa/magra);
• tipo de voz (soprano/contralto/grave/tenor);
• presença de cabelo grisalho (aos 25 anos/idade normal);
• calvície (em homens/em mulheres);
• forma dos lábios (grossos/finos);
• forma do lóbulo de orelha (solto/aderente);
• presença de dentes ao nascer (presente/ausente);
• grupos sanguíneos ABO/Rh (caso tenha esses dados da maioria dos
componentes da família);
• covinhas na face (com/sem);
• forma do polegar (reto/“de caroneiro”);
• formato da sobrancelha (larga/fina);
• extensão da sobrancelha (separadas/única);
• polegar que fica sobre o topo quando dedos das mãos entrelaçados
(esquerdo/direito);
• sisos (sem/com).
Foi solicitado que se escolhesse oito características. Esse foi o número que nos
pareceu adequado para alcançar os objetivos, garantindo também que o produto
final – o cartaz com o heredograma da família – não ficasse “poluído” demais com
informações.
Os alunos deveriam então escrever os genótipos de cada característica escolhida
abaixo do símbolo do parente no heredograma. Era necessário que fosse feita
uma legenda no final do heredograma para cada característica, indicando por
letras qual o alelo dominante e recessivo. Foi recomendado que para cada
característica fosse usada uma letra diferente.
Esse primeiro rascunho do heredograma era então corrigido e devolvido aos
alunos para os necessários ajustes. Entre os erros mais comuns que pudemos
ver nas correções, destacam-se:
• indicação de homozigotos em indivíduos dominantes: no caso de
características dominantes, era comum os alunos indicarem o genótipo
homozigoto (por exemplo, AA), quando se poderia apenas ter certeza de
que havia pelo menos um alelo dominante (A_);
• interpretação errada do genótipo em função do fenótipo: o aluno
determinava um determinado fenótipo para um indivíduo que, pelo
fenótipo/genótipo de seus pais, ele não poderia ter aquele fenótipo. Por
exemplo, dois pais com características recessivas tendo um filho com
características dominantes. Nesses casos era recomendada uma revisão
dos fenótipos dos envolvidos, onde geralmente eles encontravam os erros;
• deixar de indicar que um indivíduo era heterozigoto: no caso de indivíduos
que eram dominantes, em certos casos era possível determinar que aquele
indivíduo era também heterozigoto (por exemplo, quando um dos pais era
recessivo ou que seu filho era recessivo).
Nessa etapa, os principais recursos mobilizados em cada aluno envolviam
conteúdos conceituais específicos da genética clássica, além da capacidade de
observação e discernimento em relação às características escolhidas. Muitas
vezes a escolha dessas características se mostrou ruim pela dificuldade de
interpretação ou falta de dados para sua interpretação.
Vale ressaltar que em alguns casos, problemas familiares apareciam e exigiam
um lidar mais particular e sensível de nossa parte, como:
• o desconhecimento total de alguns parentes (por exemplo, alunos que não
conheceram casos verdadeiros);
• filhos adotivos e que, portanto, não poderiam se encaixar no heredograma;
• situações complexas de indivíduos com dois ou mais casamentos, o que
levava à formação de várias famílias “paralelas” dentro de uma família que
não mais poderia ser considerada “nuclear” – alunos com vários “meioirmãos”, o que a psicanalista Maria Rita Kehl chamou de famíliatentacular:
“As separações e as novas uniões efetuadas ao longo da vida
dos adultos foram formando, aos poucos, um novo tipo de
família que vou chamar de família tentacular, diferente da
família extensa pré moderna e da família nuclear que aos
poucos vai perdendo a hegemonia.”1
•
perdas recentes de familiares– ao longo dos 3 anos desse projeto houve
um caso de uma aluna que não se sentiu capaz de realizar o trabalho, pois
chorava muito cada vez que ia tentar fazê-lo. Nesse caso, propusemos um
trabalho alternativo com a família de um funcionário da escola que ela
mesmo escolheria e pesquisaria com o consentimento do mesmo.
A próxima etapa do trabalho era a execução do cartaz (padronizado no tamanho
de uma cartolina) com as informações corrigidas do heredograma. Nesse
momento, a criatividade dos alunos era estimulada e desejada. Eles tinham que
mobilizar habilidades, ligadas principalmente às artes, que dificilmente eram
exploradas durante as aulas regulares de Biologia. Nessa etapa contamos com a
1
KEHL, Maria Rita. Em defesa da família tentacular. 2003. Disponível em:
http://www.mariaritakehl.psc.br/PDF/emdefesadafamiliatentacular.pdf (acesso em
13.03.2013). participação da área de Artes do colégio que ajudava diretamente os alunos no
desenvolvimento de suas ideias para a montagem dos cartazes.
Desse modo, podemos dizer que a apresentação do trabalho final (cartaz com o
heredograma) envolveu um rigor científico na utilização dos códigos de linguagem
adequados na área e a liberdade de utilizar manifestações artísticas compatíveis.
A última etapado trabalho era a montagem da sala em que os trabalhos de todos
os alunos seriam apresentados durante a Mostra Cultural da escola. Além de uma
ambientação que sugerisse o mote do trabalho (a interpretação de características
genéticas da família), e que contou com a colaboração da área de Artes da
escola, também era necessário montar o painel em que os alunos, divididos em
trios e durante quinze minutos, iriam simular para os visitantes os padrões
genéticos de herança de algumas das características estudadas e observadas
nas famílias e, assim, demonstrar como foram feitas as interpretações das
mesmas nas construções do heredograma de sua família. Para isso, os alunos
reproduziram o formato de rostos de um homem, de uma mulher (os pais) e de
uma criança (o filho) e diferentes formas/formatos de olhos, sobrancelhas,
narizes, bocas e cabelos, com manta magnética que poderiam ser aderidos a um
painel de metal que ficava em uma das paredes da sala. Dessa forma, os alunos
montavam diferentes combinações de rostos entre pais e filho e discutiam com os
visitantes quais seriam os padrões genéticos (representados por letras
maiúsculas – dominantes – e minúsculas – recessivas – também com manta
magnética). Essas explicações dos alunos eram o ponto alto do trabalho, pois ali
era possível mostrar realmente o que aprenderam e vivenciar “in loco” a
dificuldade que é a transmissão de conhecimento – eles estavam ensinando aos
visitantes o que aprenderam.
As produções finais dos alunos foram surpreendentes, como o uso de materiais
alternativos como tecidos, arames, caixas de fósforo, recorte, fotos originais da
família, caricaturas estilizadas, botões, objetos que lembravam características da
personalidade dos parentes etc. Parte dessas produções pode ser observada no
site: www.youtube.com/colegiooswaldque teve a participação efetiva de Daniel
Mantovani e Lúcia Lima em sua edição e a quem agradecemos pelo trabalho e
profissionalismo.
Nesses trabalhos, os alunos puderam certamente conhecer mais e melhor sua
família. Em alguns casos reatar alguns laços familiares ou estreitar outros.
Também os parentes visitantes da Mostra Cultural se reconheciam no trabalho, o
que era bem gratificante para os alunos e para eles próprios.
Muitos alunos, ao final do trabalho, levaram seu cartaz para casa, o que indica a
dedicação, o carinho e o apreço que muitos sentiram com a sua realização. Ali
estava não apenas o resultado de um trabalho em que tiveram que se dedicar
bastante na execução, mas um pouco da sua história.
Aproveitamos para agradecer a bióloga e laboratorista do colégio, Marcia Laguna,
por todo o auxílio prestado durante as mostras culturais, ao professor de Artes do
colégio, Marcelo Poletto, que orientou produções artísticas dos alunos para a
montagem da sala da exposição do projeto nas mostras culturais.
Palavras chaves
Genética clássica, heredograma, observação, mostra cultural, família, educação
Bibliografia
AMABIS, J.M. & G.R. MARTHO. Fundamentos da Biologia Moderna: volume
único, 4a ed. São Paulo: Moderna, 2006, p: 595.
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