ANEXO 6 – Tema 2014: Do tempo que temos, que uso fazemos? (texto retirado parcialmente do livro: O homem à procura de si mesmo. Rollo May. Rio de Janeiro: Editora Vozes, 1971. Capítulo 8, p.211-230.) Homem, o que transcende o tempo Rollo May “... A questão do tempo é, portanto, foco de ansiedade para inúmeras pessoas nos dias de hoje... Os tempos andam loucos e assim desculpar-nos por não procurar saber se existe algo seriamente abalado no nosso íntimo...” “... Nascemos nesta época e temos que aproveitá-la da melhor maneira possível. O melhor é investigar o relacionamento do homem com o tempo – um relacionamento muito estranho na verdade – para saber se é possível obter insights que nos ajudem a tornar o tempo um aliado e não um inimigo...” O homem não vive apenas no presente “... Esta aptidão em olhar para a frente e para trás faz parte da capacidade humana para ter consciência de si mesmo... A característica que distingue o homem de todos os outros seres vivos é a sua capacidade para ligar o tempo. Com isso Korzybski dizia: refirome à capacidade para usar as experiências e os frutos dos trabalhos passados como capital intelectual ou espiritual visando evoluir no presente... Psicológica e espiritualmente, o homem não vive só no presente. Seu tempo depende antes da importância do acontecimento. O tempo psicológico não é simples passagem das horas, e sim o significado da experiência, isto é, o que foi significativo para as esperanças, a ansiedade e o progresso da pessoa...” “A memória não é apenas uma impressão do passado; é a guardiã de tudo o que é significativo em nossas mais profundas esperanças e temores. Como tal é uma prova de que temos uma relação flexível e criativa com o tempo, da qual o princípio orientador não é o relógio e sim o significado qualitativo de nossas experiências. Isto não significa que o tempo quantitativo possa ser ignorado: observamos simplesmente que não vivemos apenas segundo esse tempo. Envelhecemos ou nos cansamos se trabalharmos muito prolongadamente e não podemos fugir à necessidade de ser realistas com respeito ao relógio e ao calendário. O homem morre, como qualquer outra forma de vida, mas é o animal que o sabe e pode prever a própria morte. Quanto mais capaz é alguém de dirigir conscientemente sua vida tanto melhor poderá utilizar o tempo em realizações construtivas. Quanto mais conformista, cerceado e bitolado for, quanto mais trabalhar não por escolha e sim por compulsão, tanto mais será objeto do tempo quantitativo. Quanto mais conformista e bitolado, tanto mais escravo será do tempo. Parte da ansiedade atual pelo tempo que corre tem origem em algo mais profundo que a guerra iminente, ou a bomba atômica. Pois em qualquer época a passagem do tempo teve o poder de amedrontar o ser humano. O exemplo mais óbvio de como as pessoas temem a passagem do tempo é o medo de envelhecer. Mas esse medo é, em geral, simbólico do fato de que sua percepção cronológica está sempre forçando-os a defrontar-se com a questão: você está vivo, evoluindo ou apenas tentando evitar a decadência e a morte? Mais significativo ainda: o tempo é tão temido porque, com a solidão, ele agita o espectro assustador do vazio. Na vida diária, isto se manifesta pelo horror ao tédio. 1 Tédio é a doença ocupacional do ser humano. Se a percepção da passagem do tempo diz a alguém apenas que o dia chegou e se vai, que o inverno sucede o outono e que nada acontece na vida, exceto a sucessão de horas, a pessoa precisa sacudir-se, senão sofrerá penosa sensação de tédio e vazio. Em plano menos corriqueiro, a antecipação do tempo vazio pode causar horror a quem achar que, se nada tiver para fazer, nenhum plano rotineiro, nenhum compromisso, ficará louco de incerteza. Quando, em consequência de um complexo especial de culpa e ansiedade, como no caso de Macbeth, ou por causa do vazio íntimo, conforme se dá com muita gente hoje em dia, a vida não tem significado, torna-se de fato uma realidade que ...” “Fixar-se no passado pode ter, naturalmente, a mesma função de fuga que pensar no futuro. Viver esperando o futuro é a fuga habitual das pessoas sem cultura; viver do passado talvez seja a fuga das sofisticadas. Em análise, as últimas sabem que não é moda imbuir-se de esperanças em recompensas celestiais, mas aprenderam que é respeitável falar no passado, uma vez que os problemas fundamentais de cada um têm raízes na infância...” O MOMENTO FECUNDO “A coisa mais necessária a um relacionamento construtivo com o tempo é aprender a viver a realidade do momento presente. Pois, falando do ponto de vista psicológico, o presente é a única coisa de que dispomos. O passado e o futuro só têm significado por fazerem parte do presente...” “Foi por isso que Freud atacou os acadêmicos. Rank sacudiu a psicoterapia, fazendo-a voltar à realidade ao demonstrar que o que quer que haja de significativo no passado de uma pessoa – como os seus relacionamentos na primeira infância – será trazido para seus relacionamentos do presente. Os contatos com os pais surgem na maneira de tratar o terapeuta, a esposa e o patrão (é o que Freud chamou de transferência)...” “... A razão mais óbvia pela qual defrontar-se com o momento presente e que causa ansiedade é o fato de que isto levanta a questão da decisão e das responsabilidades. Não se pode fazer grande coisa em relação ao passado e pouco a respeito do futuro distante. Como é agradável, então, sonhar com eles! Como a pessoa se sente livre de aborrecimentos, desligada de ideias perturbadoras referentes ao que deve fazer com sua vida!” “... A maneira mais eficaz de garantir o futuro, conforme mencionamos, é enfrentar o presente com coragem e proveito. Pois o futuro nasce do presente e dele se constitui...” “... Tempo, para o ser humano, não é um corredor; é uma contínua abertura.” À LUZ DA FRATERNIDADE “Inúmeras experiências arrancam-nos à rotina quantitativa do tempo, mas a principal é a ideia da morte...” “A possibilidade de a morte arrancar-nos à rotina do tempo, lembrando vividamente que não vivemos para sempre. A ideia nos sacode, fazendo-nos levar a sério o presente...” A IDADE NÃO IMPORTA “A questão fundamental é de que modo o indivíduo, na percepção de si mesmo e do período em que vive, é capaz, por intermédio de suas decisões, de alcançar a liberdade interior e viver com integridade. Seja na Renascença, no século XIII na França ou no tempo da decadência romana, fazemos parte de nossa época em todos os seus aspectos – guerras, conflitos econômicos, ansiedades, realizações...” “... E nenhuma situação mundial traumática pode roubar-lhe o privilégio de fazer opção final com respeito a si mesmo, ainda que apenas para confirmar seu destino...” “... Em plano superficial existem vantagens e desvantagens na vida de qualquer período. Em plano mais profundo, cada indivíduo deve chegar à consciência de si mesmo e isto ele o realiza a um nível que transcende a época em que está vivendo. 2 O mesmo é exato em relação à nossa idade cronológica. O importante não é ter vinte, quarenta ou sessenta anos e sim preencher a própria capacidade de opção consciente ao seu particular nível de desenvolvimento. É por isso que uma criança sadia aos oito anos – conforme qualquer um pode observar – é pessoa mais completa que um adulto neurótico de trinta anos. A criança não é mais amadurecida no sentido cronológico, nem pode realizar tanto quanto um adulto, ou cuidar tão bem de si mesma, porém é mais amadurecida, se julgarmos a maturidade pela sinceridade da emoção, originalidade e capacidade de fazer opções em assuntos adequados ao seu estágio de desenvolvimento.” “... Cada passo desta jornada significa que ele está vivendo menos como um escravo do tempo automático e mais como alguém que transcende o tempo, isto é, vive segundo suas opções.” “A sugestão prática é a seguinte: a meta do homem é viver cada momento com liberdade, sinceridade e responsabilidade. Desta maneira estará realizando, nas possibilidades de sua natureza, sua tarefa evolucionária...” 3