Comida de Verdade
Por Selvino Heck
Não faz muito, o segundo maior problema do Brasil era a fome. Não é mais. Hoje, o Brasil é exemplo
para o mundo de combate à fome e à extrema pobreza e de consolidação de políticas de segurança
alimentar e nutricional (SAN) e soberania alimentar.
O primeiro problema brasileiro, desde sempre, e continua, é a desigualdade social e econômica. Com
todos os avanços dos últimos anos, de redução da desigualdade e melhoria de vida dos mais pobres entre
os pobres – o Brasil era o quarto país mais desigual do mundo no início dos anos 2000, atrás apenas de
Suazilândia e outros dois países africanos -, continua entre o quinze países com mais desigualdade do
mundo. E o Brasil está entre as dez maiores economias mundiais.
O segundo maior problema brasileiro, por incrível que pareça – ou o terceiro, quarto, quinto, depois da
corrupção, ou da falta de reformas estruturais, ou das ameaças ao meio ambiente, ou do sistema
prisional – é a obesidade ou o sobrepeso. Segundo pesquisa do Ministério da Saúde, 52,5% da
população adulta do país está com excesso de peso (há nove anos a taxa era de 43%); 17,9% das pessoas
com mais de 18 anos está obesa, o que leva a doenças crônicas como hipertensão e diabetes e a
colesterol alto. Em 2014, foram feitas 88 mil operações bariátricas no Brasil (Revista do Correio
Braziliense, 18.10.15, pp. 20/21).
Por essa e outras muitas razões, mais que necessário falar em „comida de verdade‟. É o que será
discutido e sobre o que será deliberado na 5ª Conferência Nacional de Segurança Alimentar e
Nutricional – Comida de Verdade no Campo e na Cidade, por direitos e soberani alimentar” -, de 3 a 6
de novembro, em Brasília, realização do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional
(Consea), integrado por sociedade (dois terços) e governo (um terço), e da Câmara Interministerial de
Segurança Alimentar e Nutricional (Caisan), coordenada pelo Ministério de Desenvolvimento Social e
Combate à Fome (MDS).
O conceito de comida de verdade está diretamente associado ao de alimentação adequada e saudável,
direito humano básico reconhecido pela Constituição Federal brasileira, contempladas suas duas
dimensões: estar livre da fome e ter acesso a uma alimentação adequada - e reafirmada a primazia da
soberania alimentar.
O Brasil avançou muito nos últimos anos, com diferentes políticas e ações públicas e diálogo
permanente entre governo e sociedade: valorização do salário mínimo, aumento do crédito e do emprego
formal, ampliação dos programas de transferência de renda, reconstrução e ampliação da matriz de
políticas sociais. Diz o Documento Referência da 5ª Conferência: “O acesso à alimentação foi
significativamente ampliado com o crescimento da renda familiar e o fortalecimento da agricultura
familiar, camponesa e indígena, acompanhado da redução das desigualdades e de melhorias em vários
indicadores sociais”.
Com estas políticas e programas, possibilitou erradicar a fome endêmica no país que, em 2014, deixou
de constar do Mapa Mundial da Fome elaborado pela FAO. Disse a presidenta Dilma Rousseff, na
Sessão Plenária da ONU para a Agenda de Desenvolvimento pós-2015, em setembro: “O Brasil saiu, no
ano passado, do Mapa Mundial da Fome. E é bom lembrar que o fez a partir de um programa chamado
Fome Zero, que agora é um dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável”. Em 1990, 22,5 milhões de
pessoas estavam subalimentadas. Em 2013, este número reduziu-se para 3,4 milhões de pessoas, uma
queda de 85%. Assim houve grande redução na pobreza extrema e nas desigualdades de renda, bem
como dos níveis de insegurança alimentar.
É fruto da ação da sociedade: a Ação da Cidadania contra a Fome e a Miséria e pela Vida, a criação do
Consea e realização da 1ª Conferência de SAN em 1994, Betinho e D. Mauro Morelli à frente, sua
reconstrução em 2003 e realização da 2ª Conferência em 2004, no governo Lula. É fruto da ação dos
governos, federal, estaduais, municipais, em diálogo com a sociedade, construindo políticas e
programas, aprovando a Lei Orgânica de Segurança Alimentar e Nutricional (Losan), a inscrição do
Direito Humano à Alimentação na Constituição, a criação do Sistema Nacional de Segurança Alimentar
e Nutricional (Sisan) e a implantação do 1º Plano Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional
(Plansan) 2012/2015.
Mas ainda há um longo caminho pela frente: acabar com o que ainda existe de fome e insegurança
alimentar; enfrentar a obesidade e o sobrepeso; avançar nas políticas de agroecologia e produção
orgânica; garantir o acesso à água como alimento; enfrentar as desigualdades de gênero e suas
implicações na produção e consumo de alimentos saudáveis; garantir o direito à terra e ao território;
preservar a biodiversidade; fazer processos permanentes de educação alimentar e nutricional e de
presença de conhecimentos tradicionais. E, principalmente, diminuir (ou acabar com) a desigualdade
econômica e social.
Canta o baiano Juvaldino Nascimento da Silva, no cordel da Conferência: “Todo mundo tem direito/de
poder se alimentar/com alimentos saudáveis/todo dia e sem parar/ respeitando os costumes/e a cultura
do lugar./ Adquirindo terra e água/alguns problemas vão acabar/principalmente a fome/e a obesidade
popular/trazendo paz e saúde/para o povo do nosso lugar./ Para acabar com a fome/e também a
obesidade/as doenças associadas/da nossa sociedade/precisamos de alimentos/saudáveis e em
quantidade./ O direito alimentar/é parte fundamental/de condições necessárias/mas também essencial/de
forma igualitária e não discriminal./ Todo país tem direito/à soberania alimentar./ Produção e
distribuição/é garantia, a Lei nos dá!/ Cabe aos nossos governantes/ fazer isso funcionar”.
Não é pouco o que se espera da 5ª Conferência, dos dois mil delegados e convidados, eleitos em
centenas de conferências municipais e estaduais com dezenas de milhares de participantes, para que se
tenha comida de verdade no campo e na cidade, com direitos e soberania alimentar. Para isso acontecer,
é preciso avançar para outro projeto de desenvolvimento e outro projeto de sociedade. Um outro mundo
é possível. Urgente e necessário.
Selvino Heck é assessor especial da Secretaria de Governo da Presidência da República
Serviço
5ª Conferência Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional
Dias: 3 a 6 de novembro de 2015
Local: Centro de Convenções Ulysses Guimarães, em Brasília
A 5ª Conferência Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, ocorrerá de 3 a 6 de novembro, em
Brasília/DF, sob o lema “Comida de verdade no campo e na cidade: por direitos e soberania alimentar”.
Trata-se de evento estratégico onde estarão em debate questões como alimentação saudável, o uso de
agrotóxicos, os alimentos transgênicos, sobrepeso/obesidade, o acesso à terra e à água, entre tantos
outros assuntos relacionados ao tema central.
Informações: http://www4.planalto.gov.br/consea/eventos/conferencias/5a-conferencia-nacional-deseguranca-alimentar-e-nutricional
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