O Brasil não é mais o mesmo... Luiz Augusto Passos* A Associação Brasileira de Homeopatia Popular luta pela democracia no país. A homeopatia é meio para nós, e não um fim em si mesmo. O Brasil, com ambiguidades das coisas no tempo, amanheceu diferente. Deu passos seguros em direção à democracia, apesar da tristeza dos ricos e conservadores com esta vitória popular. Setores ilustrados desprezam a população. Cultivam a cultura européia dominante maldizendo-nos como sub-raça mestiça, rejeitam nossos valores simbólicos-espirituais, a solidariedade e nossa capacidade de luta contra a dominação. Nosso povo é parte da América latina. Rejeita o Estado monocultural da modernidade que não nos representa. Vamos às ruas com nossas múltiplas etnias, indígenas e negras, por um projeto novo de estado plurinacional voltado à “vontade de viver”, não à “vontade de poder” (DUSSEL). Com cara híbrida, o Brasil surpreende pela criatividade das pessoas e organizações, com participação direta de muitos, na humanização, na economia solidária, ética voltada à vida. Política também é voto, mas só se realiza no cotidiano. Na vitória de Dilma, vencemos uma grande etapa de continuidade, num país crivado por genocídios (Canudos, Contestado, El Dorado dos Carajás e outros), por golpes contra o estado de direito, mudança de regras para tudo continuar como estava. O fascismo acostumou-se a delações, prisões, deportações, morte dos líderes trabalhadores – denúncia do filho de Romeu Tuma acerca da execução prevista do então sindicalista Lula! -; execução das lideranças sindicais, dos movimentos com ênfase ao MST, contra barragens, lideranças indígenas. Vencemos nas urnas um pacto das elites que patrocinam historicamente um sistema de morte, que se apóia na exploração, na ignorância, na subserviência e na destruição ambiental. Projeto patriarcal com toda a cara da modernidade, na qual os analfabetos, mulheres, negros, indígenas, não proprietários, nordestinos, constituem o “populacho” usados como bucha de canhão para a acumulação de fortunas de sangue. Projeto antipopular e antinacionalista daqueles que ficam felizes com a desgraça da maioria, em parte, foi derrotado. Cobram, eles do povo a conformidade às normas instituídas e o aparato legal, ao qual, eles, jamais se submetem. Ou seja: Para os inimigos: a Lei! Allain Touraine tão bem dissera: “a modernidade é a guerra da ordem contra o movimento”. Enraivecidos, cobraram do presidente Lula ter abandonado a condição de primeiro mandatário e virar cabo-eleitoral, mas este ordenamento valeria apenas para Dilma e Lula não valia para setores reacionários da CNBB 1, OPUS DEI; e governos anteriores que compraram o segundo mandato. Rifam e depenam o país, desde muito. A desnacionalização teve desdobramentos só agora divulgados nas contas de brasileiros nos paraísos fiscais, e que representaram perda de oxigênio gerando dívida pública, que exigiu a criatividade de Lula para pagar a conta. Neste pleito eleitoral valia tudo em boatos, panfletos, desinformações, teatrinhos promovidos por gente que se suporia maturidade maior que a de adolescentes, com apoio de grandes grupos internacionais que não querem nossa soberania como nação. Nossa vitória foi a vitória da democracia, feita de povo. Povo que tem consciência que a diferença entre morte e vida pode ser um prato de comida, uma vaga de trabalho, o acesso de seus filhos à escola e à universidade. Só do lugar social dos pobres, das mulheres, dos negros e indígenas pode ter toda a noção do preço da sobrevivência e o quanto as políticas públicas determinam suas vidas no cotidiano. A mesma cultura hipócrita que denuncia o racismo na institucionalização das quotas para negros, indígenas e pobres, nunca teve coragem de reconhecer que as quotas estiveram institucionalizadas na prática desde a colônia, o império e a república para brancos, filhos de proprietários de terra, coronéis e ricos da classe dominante. Vivemos estes dias como vitória dos filhos/as do Brasil, dos setores populares e empobrecidos que assumiram, na prática, a direção dos rumos da política brasileira, contra o projeto conservador, reacionário e elitista. Consagrou como de interesse nacional as políticas públicas ou de governo do Presidente Lula, consolidando o caminho já percorrido. Da decepção, os adversários dizem que esta vitória é frutos da “ignorância” política do povo brasileiro, sobretudo dos “nordestinos”: sabem, contudo que esta desculpa é apenas pretexto, cortina de fumaça, à incapacidade deles de formularem qualquer proposta política que fizesse sentido para todo o país. São Paulo não é Brasil. Já na eleição do segundo mandato Lula, grupos de comunicação de São Paulo, arrasados com os resultados, queriam descobrir onde tinham errado. Seguiram-se desde então quatro anos, com muito dinheiro externo para subsidiar o enterro político de Lula. Não tinham ainda consciência da desinteligência e o descompasso deles com o Brasil real. Apostaram no contra-senso de que o Brasil não tinha jeito, *Professor Associado, de Filosofia UFMT/PPGE/Grupo de Pesquisa Movimentos Sociais e Educação (GPMSE). ridicularizando as conquistas sociais e as melhorias como “vôo de galinha”: coro afinado com o FMI e a OMC. A eleição de Dilma mostrou que os olhos deles eram ruins para enxergar o bom que há no Brasil. Não merecem o Brasil dos brasileiros. Ao contrário a realidade vista pelos olhos de mulher de Dilma tinha como convicção que há muito ainda a se fazer com as riquezas do povo e do nosso país! Dizia que se podia aprofundar a melhoria de vida dos brasileiros e brasileiras. Podia-se aumentar o salário, acesso a trabalho formal, ampliar a proteção da previdência social, garantir melhor qualidade de vida, educação e saúde, intercambiar recursos com a economia solidária, sem comprometer o crescimento econômico do país e as questões ambientais. Há, e isso é bom para todos, um nível de autonomia e consciência do povo que sustenta opções pelos seus interesses, discordando aberta e claramente dos cantos das sereias, venha ele da burguesia, dos partidos, de lideranças religiosas que usaram Deus exigindo castigos eternos do céu aos que se contrapusessem aos seus interesses na terra. Tiveram que moldar a ordem do céu para fazê-lo do mesmo jeito que a (des)ordem feitas por eles, na terra. O conjunto de manobras, mentiras, distorções, montagens e encenações para gerar uma lógica de opinião pública ficou soterrada pela rapidez da pequena mídia, das redes de internautas que trouxeram à luz o conjunto das inverdades, perversidades e prepotência dos setores mais reacionários e entreguistas do país, inclusive pela Ficha Limpa. A última eleição foi plebiscitária: dividida entre projetos políticos distintos. Sequer podemos apalpar o arraso que sofreria a economia do país nas mãos dos grandes grupos econômicos internacionais, sobretudo nas áreas estratégicas de energia, transporte, saúde e educação nas mãos corruptas de políticos controladores das grandes redes de rádio e televisão que utilizaram e utilizam estes meios que pertencem domínio público, com a missão de informar, formar, e defenderem os interesses do país, e os utilizaram contra o país. A vitória da democracia foi também a derrota das velhas e históricas oligarquias de São Paulo, nelas, Maluf, FHC, Serra, Alkimin, juntamente com a Globo, O Estadão, Veja, Folha que há mais de um século impõem sua política ao país. São Paulo, com colonos, japoneses, italianos, árabes, nordestinos, enriqueceu as elites que acostumaram a realizar remessas para o exterior nos paraísos fiscais, cujo domínio público pela imprensa, desde Maluf, é bem conhecido. É este mesmo grupo que continuando seus maltratos fazem uma leitura invertida da política nacional. Pois foram os nordestinos, hoje, de sua terra que, unitariamente, barraram São Paulo em favor do Brasil. Permitiram, outra vez, consolidar os estudos realizados pelo professor Stéphane Monclaire da Sorbonne, que fica comprovado, no Brasil, que a escolarização não mede cidadania nem grau de criticidade de consciência política. Foram os estados ricos e bem escolarizados que apostaram no atraso brasileiro. E, foi a população dos mais empobrecidos que deram um basta à corrupção política e afirmaram a confiança de que o Brasil e os brasileiros tem jeito, sim. Atenção, contudo! A mesma descrença acerca do primeiro e segundo mandato de Lula é hoje patrocinada contra Dilma, também por ser mulher. Ivone Gebara comenta que até o patriarcalismo que, afirmava que por trás de um grande homem havia sempre uma grande mulher, acaba de mudar seu “jingle” para afirmar que “atrás de toda mulher tem sempre um grande homem! É notável a frustração da duplinha do Jornal Nacional e de alguns economistas famosos, que tem raiva quando informam que o Brasil cresceu e melhorou e, faíscam os olhos de alegria com um estranho ar alienígena, quando vitoriosos anunciam alguma desgraça econômico-política que sonham para o país. O grave é que, quase sempre erram. E desde que o CAPETAlismo sofre derrotas, o povo descobre que Deus é brasileiro, e diria o jesuíta negro Padre João Manoel Lima Mira, cujo aniversário de dez meses de sua morte, se dá hoje, quando escrevo, que Deus é tão democrático que não gosta de ser conhecido por um só nome e de um só jeito... Gosta muito de ser reconhecido e tratado por muitas formas e apresentações. É o Deus das nossas raízes híbridas, que vai à frente em nossas vitórias!.. *Professor Associado, de Filosofia UFMT/PPGE/Grupo de Pesquisa Movimentos Sociais e Educação (GPMSE).