O NOVO TRATAMENTO DAS OPERAÇÕES DE SOFTWARE PELO ESTADO DE SÃO PAULO ROGÉRIO CESAR MARQUES Advogado em São Paulo. Graduado pela Faculdade de Direito do Largo de São Francisco – Universidade de São Paulo (USP) em 2009. Pós-Graduado em Direito Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas (GV-Law) em 2012. Mestrando em Direito Financeiro pela Faculdade de Direito do Largo de São Francisco – Universidade de São Paulo (USP). 1. INTRODUÇÃO A tributação das operações que envolvem software sempre foi algo tempestuoso na doutrina e na jurisprudência brasileiras, principalmente em relação ao ICMS. Isso porque o conceito de software é complexo, envolvendo, conforme será analisado no presente artigo, dois conteúdos: i) o conteúdo intangível, que envolve o código fonte e funcionalidade do software; e; ii) o corpus mechanicum, ou seja, o suporte físico no qual encontra-se o conteúdo intangível do software. A principal questão a ser aqui analisada é exatamente a respeito da incidência do ICMS nas operações de software, tendo em vista que, conforme entendimento jurisprudencial e doutrinário já consolidado, este tributo incidiria tão somente em relação ao corpus mechanicum, uma vez somente esta parte do software trata-se de mercadoria. Pois bem, com a evolução tecnológica, os softwares, cada vez menos, vem sendo comercializados por meio do corpus mechanicum e cada vez mais por meio de downloads, o que termina por gerar os seguintes questionamentos: i) há a circulação de mercadoria que enseje a incidência do ICMS?; ii) Se sim, sobre qual base? As questões apresentadas ganharam especial relevância uma vez que, recentemente, em 29 de setembro de 2015, foi publicado o Decreto nº 61.522/15, revogando o Decreto nº 51.619/07 que introduzia o cálculo específico da base de tributação do ICMS em operações com 1 programas de computador, definindo que sua base de cálculo era lastreada no suporte mecânico do software. Esta revogação, teve por objetivo ampliar o valor da operação, passando a incluir o valor do programa, do suporte informático e outros valores que forem cobrados do adquirente, a partir de 1º de janeiro de 2016. 2. CONCEITO DE SOFTWARE A Lei nº 9.609 de 19 de fevereiro de 1998, em seu artigo 1º, defini software como sendo a expressão de um conjunto de instruções em linguagem natural ou codificada, contida em suporte físico de qualquer natureza, de emprego necessário em maquinas automáticas de tratamento da informação, dispositivos, instrumentos ou equipamentos periféricos, baseados em técnica digital ou análoga, de modo a permitir seu funcionamento de determinado modo para determinado fim. A mesma lei, nos termos do artigo 2º, dispõe que deve-se aplicar aos softwares do regime de proteção das obras literárias previsto na legislação de direitos autorais, na medida em que a criação de um programa de computador, tal como a criação da obra intelectual artística ou literária, confere ao seu criador a autoria e a propriedade do bem imaterial em que se traduz. A questão a ser analisada é como se da à tributação dos softwares, e, tendo em vista a complexidade da matéria, citar-se-á o posicionamento doutrinário e jurisprudencial a cerca do tema, bem como será elaborada uma conclusão preliminar. Alberto Xavier1 entende que software pode ser descrito como um programa ou série de programas, contendo instruções para um computador, requeridos quer para o processo operacional do próprio computador, quer para a execução de outras tarefas, podendo ser transferido através de uma variedade de meios, como em disco magnético. Dessa forma, o termo software abrangeria a obra imaterial fruto da criação humana e o meio por meio da qual tal programa encontra-se incorporado. Ademais, segundo o autor autoria de um software é o 1 XAVIER, Alberto, DIREITO TRIBUTÁRIO INTERNACIONAL NO BRASIL, 6ª EDIÇÃO. Rio de Janeiro: Forense, 2007; pp. 607 e 608. 2 fundamento da aquisição originária, pelo autor, da titularidade do bem imaterial em que a obra consiste, consistindo no direito exclusivo da respectiva exploração econômica. No mesmo sentido Raquel Rios de Oliveira2 entende que software é definido como uma obra intelectual, ou seja, um bem incorpóreo vinculado a um suporte físico sendo, de tal forma, protegido por direitos autorais. Tanto é assim que tanto os softwares padronizados, quanto os softwares de prateleira, produzidos em larga escala, vêm acompanhado de um contrato de licenciamento de adesão. 3. TRATAMENTO TRIBUTÁRIO DAS OPERAÇÕES COM SOFTWARE Alberto Xavier3 afirma que a exploração econômica pressupõe sempre uma atividade lógica cronologicamente subsequente ao ato de criação, podendo, o titular dos direitos sobre o programa do computador explorar economicamente o seu direito, não transmitindo a titularidade deste, mas autorizando a utilização por terceiros. Esta autorização que deve ser considerada como núcleo essencial do contrato primário de direito de autor ou contrato de exploração de direito do autor, caracterizado genericamente como contrato de licença de uso de programa de computador. Pois bem, a lei 9.609/98 prevê três modalidades de contrato de licença de uso de programa de computador: i) a primeira consiste na licença para uso próprio ou licença para uso em sentido estrito, pela qual o licenciado adquire a liberdade de aplicar o programa em sua atividade profissional ou empresarial; ii) a segunda modalidade de licença, a licença de direitos de comercialização, atribui ao licenciado o direito de proporcionar, mediante uma atividade comercial, esse uso a terceiros; e, iii) a terceira e última espécie de transferência prevista é o denominado contrato de licença de uso de conhecimento tecnológico por meio do qual é abrangida a própria transferência tecnológica do programa de computador, devendo haver, por parte do fornecedor da tecnologia, a entrega do código fonte do software ao receptor com suas devidas descrições. 2 RIOS DE OLIVEIRA, Raquel, A não Submissão da Cessão de Direito aos Tributos sobre o Consumo (ICMS, ISS, COFINS E PIS), in SILVA, Paulo Roberto Coimbra, BERNARDES, Flávio Couto e FONSECA, Maria Júlia (coord.). Tributação Sobre o Consumo – São Paulo: Quarier Latin, 2008; p. 374. 3 XAVIER, Alberto, DIREITO TRIBUTÁRIO INTERNACIONAL NO BRASIL, 6ª EDIÇÃO. Rio de Janeiro: Forense, 2007; pp. 607 e 608. 3 Renato Gonçalves Lacerda de Lima4 afirma que as relações jurídicas envolvendo software seriam operações mistas especiais, as quais englobariam uma obrigação de dar, configurada pela obrigação da transmissão total ou parcial de direitos de autor do software ou, obrigação de fazer, configurando prestação de serviços. Segundo o autor, as obrigações de dar são compostas pela transmissão parcial de direitos autorais, a qual subdividide-se na licença de uso e na licença de comercialização do software, e na transmissão total de direitos autorais. Ainda de acordo com Renato Gonçalves Lacerda de Lima5, a prestação de serviços, por sua vez, divide-se na distribuição do software (sem licença de exploração econômica), na distribuição do software livre e na prestação de serviços técnicos complementares relativos ao adequado funcionamento do software, sendo que a primeira hipótese (distribuição do software sem licença de exploração) subdivide-se na distribuição pura e simples, no agenciamento de software e na distribuição e agenciamento do software. Segundo o autor, existem ainda situações que configuram obrigações ora de fazer e ora de dar, tais como o desenvolvimento de software sob encomenda e a adaptação (“customização”) do software. Raquel Rios de Oliveira6 afirma que o fato do programa estar contido num suporte físico que é vendido não altera a natureza jurídica do software, tornando-o mercadoria, ou seja, o que é vendido é o corpus mechanicum do software materializado, sendo, também, adquirida a licença de uso do programa. Dessa forma, segundo a autora, apenas deve-se admitir a incidência do ICMS sobre o corpus mechanicum dos softwares (de prateleira ou por encomenda), mas não no licenciamento de obra intelectual nele materializada. Interessante notar o julgamento do RE 176.626, no qual a questão analisada foi a incidência ou não de ICMS sobre licenciamento de software de prateleira, sendo que, no resultado do julgamento foi afirmado que no licenciamento, quer dos softwares de prateleira, quer nos personalizados, não há a incidência do ICMS sobre o licenciamento, somente sobre o corpus mechanicum do programa, logo, a incidência do referido imposto não pode se dar sobre o valor total da operação com o software, devendo ser excluído da base de cálculo o valor do licenciamento. 4 GONÇALVES, Renato Lacerda de Lima. A TRIBUTAÇÃO DE SOFTWARE NO BRASIL. São Paulo: Quartier Latin, 2005; p. 46. 5 GONÇALVES, Renato Lacerda de Lima. Op. cit.; p. 52. 6 RIOS DE OLIVEIRA, Raquel, Op. cit.; pp 376 e 377. 4 Raquel Rios de Oliveira7 afirma que o mesmo raciocínio aplicado no julgamento em questão deve ser aplicado nas operações de importação dos softwares de prateleira, visto que a mercadoria que entra no território nacional é apenas o exemplar do programa (corpus mechanicum), devendo somente sobre ele incidir o ICMS e demais tributos de importação. Segundo a autora8, o que deve ser efetuado pelas empresas que comercializam software de prateleira, de acordo com o RICMS de vários Estados brasileiros, é discriminar nas notas fiscais o valor do corpus mechanicum do valor do licenciamento do programa. 4. TRATAMENTO TRIBUTÁRIO DOS SOFTWARES NO ESTADO DE SÃO PAULO Conforme mencionado anteriormente, o STF já se manifestou, quando do julgamento do RE 176.626, cuja ementa encontra-se abaixo transcrita, no sentido de que no licenciamento, quer dos softwares de prateleira, quer nos personalizados, não há a incidência do ICMS sobre o licenciamento, somente sobre o corpus mechanicum do programa, logo, a incidência do referido imposto não pode se dar sobre o valor total da operação com o software, devendo ser excluído da base de cálculo o valor do licenciamento: EMENTA: I. Recurso extraordinário: prequestionamento mediante embargos de declaração (Súm. 356). A teor da Súmula 356, o que se reputa não prequestionado é o ponto indevidamente omitido pelo acórdão primitivo sobre o qual "não foram opostos embargos declaratórios". Mas se, opostos, o Tribunal a quo se recuse a suprir a omissão, por entendê-la inexistente, nada mais se pode exigir da parte (RE 210.638, Pertence, DJ 19.6.98). II. RE: questão constitucional: âmbito de incidência possível dos impostos previstos na Constituição: ICMS e mercadoria. Sendo a mercadoria o objeto material da norma de competência dos Estados para tributar-lhe a circulação, a controvérsia sobre se determinado bem constitui mercadoria é questão constitucional em que se pode fundar o recurso extraordinário. III. Programa de computador ("software"): tratamento tributário: distinção necessária. Não tendo por objeto uma mercadoria, mas um bem incorpóreo, 7 8 RIOS DE OLIVEIRA, Raquel, Op. cit.; pp 377 e 378. Idem, ibidem. 5 sobre as operações de "licenciamento ou cessão do direito de uso de programas de computador" " matéria exclusiva da lide ", efetivamente não podem os Estados instituir ICMS: dessa impossibilidade, entretanto, não resulta que, de logo, se esteja também a subtrair do campo constitucional de incidência do ICMS a circulação de cópias ou exemplares dos programas de computador produzidos em série e comercializados no varejo - como a do chamado "software de prateleira" (off the shelf) - os quais, materializando o corpus mechanicum da criação intelectual do programa, constituem mercadorias postas no comércio. (RE 176626, Relator(a): Min. Sepúlveda Pertence, Primeira Turma) O software, quando produzido sem qualquer grau de customização, vendável a todos os clientes do detentor da licença e pronto para uso é, de acordo com entendimento do STF e para todos os efeitos de tributação, mercadoria, sendo chamado de “software de prateleira”. Até recentemente o Fisco paulista entendia que o software fornecido através de download, a base de cálculo do ICMS seria inexistente, uma vez que não há mídia física. RESPOSTA À CONSULTA TRIBUTÁRIA 234/2011, de 10 de Junho de 2011. ICMS - Operações com programas para computador (licenças para uso de "softwares") realizadas exclusivamente por "download" (internet) - Essas operações estão inseridas no campo de incidência do ICMS, mas devido à inexistência de suporte informático (cujo valor é exigido para compor a base de cálculo), não é devido o imposto - Obrigatoriedade de emissão do documento fiscal antes de iniciada a saída da mercadoria. 1. A Consulente informa que, "dentre outras atividades, comercializa programas de computador para análise de perfil psicológico", e que, em março/2011, celebrou Contrato de Cessão de Direito de Uso de Software com determinado restaurante. 2. Transcrevendo o artigo 1º do Decreto 51.619/2007, que estabelece, como base de cálculo do imposto nas operações realizadas com programas de computador, o dobro do valor do seu suporte informático, explica que o software que comercializa "não possui suporte informático, sendo disponibilizado para o usuário adquirente via download na internet". 6 3. A respeito do assunto, reproduz a resposta a consulta nº 891/1999 (devidamente publicada no sítio da Secretaria da Fazenda deste Estado), que, com base no artigo 51-A do RICMS/91, vigente à época, deixou assente que "tratando-se de operações de importação realizadas com software, via INTERNET, por não haver suporte informático, não há base de cálculo e nem imposto a ser recolhido", e aduz que "o procedimento fiscal adotado pela Consulente consiste em não entregar à tributação os valores referentes ao Contrato de Licença de Uso de Software", por fim, indaga da correção do seu procedimento. 4. Em resposta, apesar de o artigo 51-A do RICMS/1999, com base no qual o entendimento da citada RC 891/1999 foi exarado, ter sido revogado e substituído, em sequência, pelo artigo 50 do RICMS/2000 (revogado pelo Decreto 51.520/2007) e, depois, pelo aludido artigo 1º do Decreto 51.619/2007, vigente atualmente, nota-se que o teor da norma continua o mesmo, portanto, por não ter havido alteração na definição da base de cálculo nas operações com "softwares", o procedimento da Consulente, ao não tributar as operações realizadas com "software" que não tenha suporte informático, está correto. 5. Não obstante a impossibilidade de se exigir o recolhimento do ICMS, conforme exposto, as operações com programas para computador ("software") sem a existência de um suporte informático estão inseridas no campo de incidência do tributo, devendo, antes de iniciada a saída da mercadoria, ser emitido o correspondente documento fiscal. No mesmo sentido, pode-se citar a seguinte decisão: RESPOSTA À CONSULTA TRIBUTÁRIA 494/2011, de 24 de Outubro de 2011. ICMS - Operações com programas de computador ("softwares"), personalizados ou não, estão sujeitas à incidência do ICMS. 1. A Consulente, com atividade principal classificada sob a CNAE 6201-5/00 (Desenvolvimento de programas de computador sob encomenda), informa que "é responsável pela oferta e implementação de soluções de hardwares, softwares e serviços de segurança digital, além de armazenamento de dados e gerenciamento e performance, sendo a prestação de serviços sua principal atividade". 7 2. Relata que "uma das operações executadas pela empresa é a aquisição de software, de um fornecedor localizado no Estado do Rio de Janeiro, para posterior comercialização a clientes localizados em outros estados". 3. Esclarece que "o software em questão é importado pela empresa do Rio de Janeiro, via download. No momento da entrada na empresa, é emitida uma Nota Fiscal de Entrada de mercadoria. Conforme legislação específica do estado em questão, esse produto não sofre tributação do ICMS" (Decreto nº 27.307/2000, artigo 3º, parcialmente transcrito na consulta). 4. Expõe que "quando da venda do software à empresa Consulente, também é emitida uma Nota Fiscal de Venda de mercadoria". [...] 10. Não obstante, conforme registrado pela Consulente, as operações com programas de computador ("softwares"), personalizados ou não, estão sujeitas à incidência do ICMS, e de acordo com o Decreto paulista nº 51.619/2007, o imposto estadual será calculado sobre uma base de cálculo que corresponderá ao dobro do valor de mercado do seu suporte informático. 11. No caso específico dos softwares comercializados por meio de download, por não haver suporte fático, não há base de cálculo e, consequentemente, não há imposto a ser recolhido. Contudo, ainda que não haja recolhimento do imposto, tais operações estão inseridas no campo de incidência do tributo, devendo, por esse motivo, antes de iniciada a saída da mercadoria, ser emitido o correspondente documento fiscal. (...) Dessa forma, de acordo com o entendimento exarado até recentemente pelo Fisco paulista, na hipótese dos referidos softwares serem comercializados via transmissão de dados (download), não haveria base de cálculo para fins de incidência do ICMS e, portanto, não haveria imposto a ser recolhido. O entendimento proferido pelo STF, reproduzido pelo Fisco de São Paulo nos processos acima transcritos, vai de encontro com a regra–matriz de incidência do ICMS, estabelecido no artigo 155, inciso II, da CF, segundo o qual a hipótese de incidência do referido imposto é a circulação de mercadoria. Ora, sem corpus mechanicum não há circulação de mercadoria e, 8 não havendo circulação de mercadoria, não há o que se falar em hipótese de incidência do ICMS. Além disso, outro ponto que merece destaque é que, atualmente, encontra-se em julgamento perante o STF a ADI nº 1.945, que tem por objetivo afastar a exigência de ICMS introduzida por lei estadual do Estado de Mato Grosso, que estabelece que aquele imposto incide sobre operações com programa de computador (software), ainda que realizadas por transferência eletrônica. No referido caso, a liminar que pedia a suspensão da lei foi indeferida, sob o fundamento de que é possível a incidência de ICMS sobre softwares adquiridos por meio de transferência eletrônica de dados, sendo irrelevante o fato de inexistir bem corpóreo ou mercadoria em sentido estrito. Muito embora a ADI verse sobre Lei Estadual do Mato Grosso do Sul, é certo que, caso seja julgada improcedente, o Estado de São Paulo passa a ter um importante precedente para cobrança de ICMS nestas operações. Isso porque, recentemente, em 29 de setembro de 2015, foi publicado o Decreto nº 61.522/15, revogando o Decreto nº 51.619/07 que introduzia o cálculo específico da base de tributação do ICMS em operações com programas de computador, definindo que sua base de cálculo era lastreada no suporte mecânico do software. Esta revogação, como previsto na exposição de motivos do referido Decreto, abaixo citada, teve por objetivo ampliar o valor da operação, passando a incluir o valor do programa, do suporte informático e outros valores que forem cobrados do adquirente, a partir de 1º de janeiro de 2016: “Senhor Governador, Tenho a honra de encaminhar a Vossa Excelência a inclusa minuta de decreto, que revoga o Decreto nº 51.619, de 27 de fevereiro de 2007, o qual introduz cálculo específico da base de tributação do ICMS em operações com programas de computador. 9 A revogação proposta tem por objetivo adequar, a partir de 1º de janeiro de 2016, a tributação do ICMS incidente nas referidas operações à adotada em outras Unidades Federadas. Com a revogação, a base de cálculo nas operações com programas de computador passa a ser o valor da operação, que inclui o valor do programa, do suporte informático e outros valores que forem cobrados do adquirente. Com essa justificativa e propondo a edição de decreto conforme a minuta, aproveito o ensejo para reiterar-lhe meus protestos de estima e alta consideração.” Dessa forma, a partir do ano que vem, haverá a incidência do ICMS também sobre os softwares objetos de download, uma vez que com essa alteração, para evitar questionamentos fiscais por parte do Fisco paulista. A grande questão, que o referido Decreto não deixa clara, é exatamente qual será a base de cálculo sobre a qual deverá haver a incidência do imposto. Isso porque, conforme entendimento firmando, somente o corpus mechanicum trata-se de uma mercadoria que pode ser tributada pelo ICMS, a parte intangível estaria fora da hipótese de incidência do referido imposto. Contudo, conforme verificado, quando do julgamento do RE nº 176.626 o STF definiu que o ICMS deve incidir sobre o corpus mechanicum do software, por tratar-se este de mercadoria, não podendo haver a incidência deste imposto sobre a parcela intangível do software. Isso porque esta referida parcela não se enquadra na hipótese de incidência do ICMS. Ora, sem suporte físico não há mercadoria e, não se trata de mercadoria, não há o que se falar na incidência do ICMS. Este é exatamente o caso de softwares que são adquiridos via downloads, nos quais não se faz presente o suporte físico. Portanto, a tentativa do Fisco de São Paulo de ampliar a base de cálculo de sorte a abarcar a aquisição de softwares por meio de downloads: i) é inconstitucional, uma vez que não observa aos previsto no artigo 155, inciso II, da Constituição Federal de 1988; e, ii) vai contra o entendimento sobre o assunto já pacificado por meio da jurisprudência do STF, conforme 10 julgamento do RE nº 176.626, que vincula a incidência do ICMS em operações com software ao suporte mecânico deste, uma vez que seria este o elemento que corresponde à mercadoria, cuja circulação da ensejo a incidência do imposto em questão. Ademais, pode-se ainda questionar se a referida alteração pode ser realizada por meio de Decreto, uma vez que esta ocasionando, diretamente, aumento da carga tributária por meio de alteração em um dos elementos da hipótese de incidência do ICMS. O entendimento que parece mais correto é o de que tal alteração, por meio de decreto, afronta o princípio da legalidade em matéria tributária, artigo 150, inciso I, da Constituição Federal, abaixo transcrito, que obsta a exigência ou aumento de tributo sem que seja por meio de lei: Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: I - exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça; De acordo com o referido princípio, todos os aspectos da hipótese de incidência, necessários para a incidência tributária, devem ser estabelecidos por lei. Pois bem, considerando que a base de cálculo de um tributo é um dos elementos necessários para a apuração do aspecto quantitativo da hipótese de incidência, este somente poderá ser alterado por força de lei, jamais por ato infra legal como por meio de decreto. Ou seja, a alteração na sistemática de tributação do ICMS ora em análise, ainda que estivesse de acordo com a jurisprudência do STF e a hipótese de incidência constitucional do imposto, por alterar (majorar) o aspecto quantitativo da hipótese de incidência do ICMS, somente poderia ocorrer por meio de lei, sob pena de inconstitucionalidade em razão da violação ao principio da legalidade. Portanto, além da inconstitucionalidade em razão do desrespeito à hipótese de incidência constitucionalmente prevista do ICMS, a alteração na tributação dos softwares promovidas pelo Fisco paulista padece de outra inconstitucionalidade decorrente do desrespeito ao princípio da legalidade em matéria tributária. 11 5. CONCLUSÃO Recentemente, em 29 de setembro de 2015, foi publicado o Decreto nº 61.522/15, revogando o Decreto nº 51.619/07 que introduzia o cálculo específico da base de tributação do ICMS em operações com programas de computador, definindo que sua base de cálculo era lastreada no suporte mecânico do software, com o objetivo de que passasse a ser incluído o valor do programa, do suporte informático e outros valores que forem cobrados do adquirente, a partir de 1º de janeiro de 2016. Dessa forma, a tentativa do Fisco de São Paulo de ampliar a base de cálculo de sorte a abarcar a aquisição de softwares por meio de downloads é inconstitucional e vai contra o entendimento sobre o assunto já pacificado por meio da jurisprudência do STF, Uma vez que, sem corpus mechanicum não há circulação de mercadoria e, não havendo circulação de mercadoria, não há o que se falar em hipótese de incidência do ICMS. Ademais, ainda que a alteração em questão estivesse em observância ao desenho constitucional da hipótese de incidência do ICMS, bem como em sintonia com a jurisprudência do STF, somente poderia dar-se por meio de lei, o que não ocorreu no fato concreto, ocasionado outra inconstitucionalidade em razão do desrespeito ao principio da legalidade em matéria tributária. 6. BIBLIOGRAFIA GONÇALVES, Renato Lacerda de Lima. A TRIBUTAÇÃO SOFTWARE DE NO BRASIL. São Paulo: Quartier Latin, 2005. RIOS DE OLIVEIRA, Raquel, A SOBRE O NÃO SUBMISSÃO DA CESSÃO DE DIREITO AOS TRIBUTOS CONSUMO (ICMS, ISS, COFINS E PIS), in SILVA, Paulo Roberto Coimbra, BERNARDES, Flávio Couto e FONSECA, Maria Júlia (coord.). TRIBUTAÇÃO SOBRE O CONSUMO – São Paulo: Quarier Latin, 2008. XAVIER, Alberto, DIREITO TRIBUTÁRIO INTERNACIONAL NO BRASIL, 6ª EDIÇÃO. Rio de Janeiro: Forense, 2007 12