BIBLIOTECA DA Raphael Gomes, advogado: A instituição do Comercializador Varejista no mercado livre de energia Figura do Comercializador Varejista ainda não foi implementada, mas já foi aberta Consulta Pública para alterar a norma que nem ao menos começou a vigorar Raphael Gomes, advogado, para a Agência CanalEnergia, Artigos e Entrevistas 02/03/2015 O Comercializador Varejista foi instituído por meio da Resolução Normativa Aneel nº 570/2013 (REN nº 570/2013), publicada em 1º de agosto de 2013. Dezoito meses após a publicação da resolução, veremos que a figura do Comercializador Varejista ainda não foi implementada e, ainda, foi aberta Consulta Pública para alterar a norma que nem ao menos começou a vigorar. Assim, esse artigo trará um breve histórico e os fundamentos da criação do Comercializador Varejista, uma visão geral sobre as inovações trazidas pelo novo instituto e, ao final, a análise das propostas de mudanças da REN nº 570/2013. I – Histórico e fundamentos para a criação do Comercializador Varejista Em agosto de 2011, a CCEE encaminhou para a Aneel Proposta de Implantação do Comercializador Varejista. A proposta teve como fundamento diversas reuniões realizadas na Câmara junto a representantes dos comercializadores e consumidores, objetivando encontrar meios de facilitar o ingresso e a operação de Agentes no âmbito do Mercado Livre. O principal foco das mudanças sugeridas seria facilitar o ingresso no Ambiente de Contratação Livre daquelas empresas de menor porte, para os quais a complexidade da operação e das regras revela-se verdadeira barreira à entrada nesse Mercado. Em junho de 2012, a ANEEL determinou a abertura da Audiência Pública nº 44/2012, objetivando discutir os termos da resolução a ser editada para tratar da matéria. Mais de um ano depois, em 1º de agosto de 2013, a REN nº 570/2013 foi publicada, sendo que o instituto do Comercializador Varejista não foi implementado, uma vez que o §3º do art. 12 da citada resolução condicionou sua eficácia à aprovação das regras e procedimentos de comercialização, os quais deveriam ser propostos e enviados pela CCEE à Aneel em até 90 dias. Tendo sido cumprido o prazo pela CCEE, a ANEEL aprovou a nova versão das Regras de Comercialização, em 7 de fevereiro de 2014 sendo que a o respectivo Procedimento de Comercialização não foi aprovado até o presente momento. Passados mais de 3 anos do envio da proposta pela CCEE e 18 meses desde a publicação da REN nº 570/2013, em 22 de dezembro de 2014 foi publicada a abertura da Consulta Pública Aneel nº 16/2014 a qual, surpreendentemente, além de discutir o Procedimento de Comercialização, também propõe mudanças na resolução que não entrou em vigor até hoje. BIBLIOTECA DA II - Visão Geral sobre o Comercializador Varejista Podemos retirar o conceito do Comercializador Varejista da leitura da redação original da REN nº 570/2013, como sendo: O Agente (Comercializador ou Gerador integrante da CCEE), devidamente habilitado, que poderá representar, sob o seu perfil, consumidores livres, especiais e/ou geradores facultativos, assumindo todas as obrigações, financeiras e operacionais, da entidade representada perante a CCEE e ao Mercado. Por meio desse conceito, verifica-se uma série de inovações, que justificam as razões de sua criação. Com a implantação do Varejista, passará a ser possível, no âmbito da CCEE, a representação de consumidores livres e especiais por outros agentes, fato que só era permitido para Usinas não obrigatórias1. Caso o consumidor opte por esse mecanismo, ele não será um Agente da CCEE, devendo apenas entregar documentação simplificada para realização de um "cadastro" perante a Câmara, ficando toda a sua operação por conta e risco do representante - Comercializador Varejista. Na prática, significa dizer que o consumidor-representado não terá relação jurídica direta com a CCEE. O vendedor-representante será responsável por adquirir energia suficiente para suprir todos os consumidores que estiverem modelados sob o seu perfil, recebendo todos os relatórios e efetuando todos os pagamentos relativos ao conjunto de cargas sob sua responsabilidade. A remuneração a ser paga pelo consumidor pelo fornecimento de energia e pelo serviço de representação estará prevista no Contrato para Comercialização Varejista2 e em demais instrumentos bilaterais, livremente pactuados entre as partes. Obviamente, que a criação desse novo instituto não afasta a possibilidade de o consumidor ser um Agente da CCEE em nome próprio, aderindo e cumprindo normalmente todas as obrigações regulatórias e operacionais pertinentes. Essa alteração regulatória vem de encontro com os anseios e reivindicações antigas dos Agentes em prol de diminuição das barreiras de entrada em crescimento do Mercado. Entretanto, o Comercializador Varejista também deve ser visto com atenção sob o aspecto de que, a partir de sua implementação, será possível existir Comercializadores ou Geradores com grande número de representantes, podendo alcançar a proporção de tamanho de pequenas Distribuidoras de energia elétrica. Por esse motivo, a norma estabelece um procedimento de habilitação especial para aqueles agentes que desejam habilitar-se como Comercializadores Varejistas perante a CCEE, não bastando a mera adesão ao quadro de associados da Câmara, como ocorre com os demais Agentes. Da mesma forma, o estabelecimento de regras para a constituição de garantias financeiras e para a hipótese de inadimplência do Comercializador Varejista também foram previstas na regulação. Tendo sido exposta uma visão geral sobre a nova figura do Comercializador Varejista, passa-se a analisar as alterações propostas no âmbito da Consulta Pública nº 16/2014. III – Propostas de Alteração da REN nº 570/2013 Passados cerca de 18 meses da publicação da REN nº 570/2013, a Agência Nacional de Energia Elétrica determinou a abertura da CP nº 16/2014, objetivando (i) colocar em discussão o Procedimento de Comercialização necessário para plena eficácia da resolução; e, no mesmo momento, (ii) propor alterações à REN nº 570/2013. O prazo para envio de contribuições à CP nº 16/2014 terminou em 21/01/2015. BIBLIOTECA DA Sem entrar no mérito se o instituto da Consulta Pública seria o meio adequado para a discussão de alteração da REN nº 570/2013, passemos à análise das principais propostas de alteração da norma, bem como do Procedimento de Comercialização proposto. III.1 - Dos Requisitos para Habilitação para Comercializador Varejista Conforme citado, a importância e o risco que um Comercializador Varejista pode representar para todo o Mercado, justifica a adoção de procedimento de habilitação especial. Nessa linha, temos que foi prevista extensa lista de documentos comprobatórios da regularidade fiscal, jurídica e financeira, não só do Agente candidato à comercialização varejista, como também de seus sócios, controladoras ou coligadas. No entanto, alguns dos requisitos trazidos pela CP nº 16/2014 merecem atenção especial do Regulador, uma vez que podem vir a ser questionados por não atenderem aos requisitos de adequação, necessidade e/ou eficácia ao fim que se destinam. Vejamos: III.2 - Premissa 3.6.1 do Procedimento de Comercialização: "balanço energético realizado por auditoria independente, atestando-se ou não o equilíbrio para um horizonte mínimo de cinco anos" A preocupação da ANEEL com a contratação e suficiência de lastro para atendimento de suas cargas é plenamente justificável e importante. Entretanto, estabelecer um requisito sem os exatos contornos e especificações necessárias, poderá ocasionar diversas dúvidas e conflitos por partes dos Agentes, tais como: O requisito é a apresentação do balanço, "atestando ou não" o lastro pelo período de cinco anos. E se o balanço apontar falta de lastro, qual a sanção? A habilitação será negada? Hoje é possível a contratação ex post. Essa premissa significa que o Comercializador Varejista deve efetuar suas compras ex ante, estabelecendo limitação às normas hoje vigentes? Esse relatório deverá ser apresentado no momento do pedido de habilitação. E se, no dia seguinte, o Comercializador Varejista vier a alterar ou cancelar seus registros de compra de energia? Qual a sanção? Qual a periodicidade para apresentação desse balanço energético? Ou seja, por mais louvável que seja a intenção da Aneel, referido requisito deverá estar alinhado com as demais normas regulatórias superiores vigentes, assim como trazer todos os seus elementos essenciais, de maneira que possa ser plenamente exigida e não trazer insegurança jurídica aos seus destinatários. III.3 - §3º do art. 3º da REN nº 570/2013 - proibição de que comunhões de fato ou de direito venham a ser representadas por Comercializador Varejista Esta talvez seja alteração mais polêmica em meio às propostas da CP nº 16/2014. Explica-se. A proposta inicial de criação do Comercializador Varejista, enviada à Aneel em 2011, era justamente para facilitar o acesso ao Mercado Livre e a operação no âmbito da CCEE por parte dos consumidores de energia de menor porte. Nesse grupo, por óbvio, estavam enquadrados os consumidores que necessitam reunir-se em comunhões de fato ou de direito para atingir a demanda mínima contratada de 500kW, necessária para a participação no Ambiente de Contratação Livre - ACL3. Sob a justificativa de que o controle de tais comunhões seria dificultado pelo fato de os consumidores não serem propriamente Agentes da CCEE, a Aneel propõe retirar tais grupos de empresas da égide da Comercialização Varejista. BIBLIOTECA DA Verifica-se, assim, o risco de que os benefícios a serem trazidos pela criação do Comercializador Varejista sejam anulados, uma vez que nova sistemática somente estará disponível para aqueles consumidores que, em sua maioria, possuem porte suficiente para suportar e adequar-se às normas regulatórias de adesão e operação na CCEE. III.4 - §2º do art. 3º da REN nº 570/2013 - autorização para que geradores "obrigatórios" venham a ser representados por Comercializador Varejista Nesse ponto, objetivando flexibilizar a Comercialização Varejista, a Aneel propõe que concessionários, permissionários e/ou autorizados de geração de energia elétrica, com capacidade instalada superior a 50MW, venham a ser representados no âmbito da CCEE. Sobre essa proposta, sem entrar no mérito das repercussões e riscos envolvidos, verifica-se uma questão de legalidade a ser ponderada pela Aneel. O inciso I do §1º do art. 4º do Decreto nº 5.177/2004 é enfático ao determinar que os concessionários, permissionários ou autorizados com capacidade de geração superior a 50MW tenham participação obrigatória na CCEE. Além disso, a Convenção de Comercialização de Energia Elétrica, instituída pela Resolução Normativa ANEEL nº 109/2004, estabelece, em seu art. 17, X, aos Agentes da CCEE (incluindo os geradores obrigatórios, por óbvio) "manter todos os ativos de sua propriedade vinculados a seu nome e respectivo cadastro", o que parece ser incompatível com a proposta constante da CP nº 16/2015. Dessa forma, é importante que a Aneel, quando da análise da questão por sua Diretoria Colegiada, venha a atentar para a adequação das propostas trazidas às normas legais, regulamentares e regulatórias vigentes. III.5 - Premissa 3.1 do Procedimento de Comercialização - Estipulação de LOM e Patrimônio Líquido A proposta de estipular um Limite Operacional Mínimo (nos termos da Resolução Normativa ANEEL nº 622/2014) e um Patrimônio Líquido específico para Comercializador Varejista está alinhado com as premissas de segurança e proteção ao Mercado. Entretanto, a premissa 3.2 da minuta de Procedimento de Comercialização determina que esses valores devem ser atualizados mensalmente, o que poderá resultar em insegurança jurídica e trabalho operacional desproporcional em relação ao Limite Operacional Mínimo, o que poderá, até mesmo, inviabilizar a proposta. III.6 - Demais requisitos para habilitação como Comercializador Varejista Dentre os diversos requisitos inseridos por meio da proposta de alteração da REN nº 570/2013 e da minuta de Procedimento de Comercialização, alguns merecem destaque, como por exemplo: Caso o candidato possua marca registrada no INPI, deve ser vedada sua cessão e o licenciamento a terceiros; O candidato deve possuir nome em domínio na internet, com expressão assemelhada ao nome empresarial; e O candidato deve juntar declaração de matrimônio, união estável e de parentesco consanguíneo ou afim com sócios, acionistas de controladores de empresas do Grupo, intermediários, coligadas, etc. Verifica-se, nesse aspecto, que algumas das exigências apresentadas pela Aneel fogem ao escopo de proteção ao Mercado e carecem de fundamento apto a justificar sua inserção como condicionante para habilitação como Comercializador Varejista. Em atendimento aos princípios administrativos que devem ser observados, a inclusão dos requisitos e condições para a habilitação a determinada atividade é válida e, no BIBLIOTECA DA caso, até mesmo imprescindível. Porém, devem ser acompanhadas da devida razoabilidade e adequação entre a exigência e a finalidade a que se destina. Desta forma, entende-se que poderá haver questionamentos caso tais requisitos sejam efetivamente mantidos no texto final da REN nº 570/2013 e do respectivo Procedimento de Comercialização, devendo a Diretoria Colegiada da Aneel analisar com a devida cautela a atenção as propostas e comentários enviados por meio da CP nº 16/2014. IV - Conclusão Outras propostas de alteração foram inseridas na CP nº 16/2014, tendo sido exploradas somente aquelas consideradas de maior impacto em relação ao texto original da REN nº 570/2013 e à sua finalidade. Questões como o prazo do Contrato para Comercialização Varejista, tratamento dos consumidores em caso de desligamento do Comercializador Varejista e obrigações do Varejista na hipótese de inadimplência do consumidor permanecem sendo um desafio na implantação do instituto. Dessa forma, espera-se que a Aneel venha a considerar as contribuições dos Agentes no âmbito da citada Consulta Pública, de maneira a implementar as melhorias necessárias na REN nº 570/2013, esclarecendo as dúvidas e dando o tratamento adequado aos pontos sensíveis da nova metodologia, sem que haja a descaracterização do instituto. Raphael Gomes é sócio área de energia do Demarest Advogados.