APRENDENDO O SISTEMA DECIMAL Pode-se observar, ao percorrer as civilizações antigas, que houve muitas tentativas até se chegar a um sistema que permita representar os números com poucos algarismos e de modo tão prático. Todo esse esforço demonstra que ele não é tão simples, nem tão fácil de ser compreendido quanto parece. A partir das pesquisas realizadas com crianças entre 4 e 9 anos de idade, a pesquisadora Constance Kamii observou o seguinte: “A criança de 6 a 7 anos está ainda no processo de construir o sistema numérico, com operações de “+1”. O sistema escrito na base decimal exige a construção mental de “1” (uma coleção de dez) em “10” unidades e a coordenação da estrutura hierárquica de dois níveis. É importante construir o segundo nível, quando o primeiro ainda está sendo construído. Como vimos, a criança não pode criar a estrutura hierárquica da inclusão numérica antes da idade de 7 ou 8 anos, que é quando seu pensamento se torna reversível”. Portanto, para introduzir o sistema de numeração decimal aos alunos, é aconselhável que o professor realize um trabalho mais prolongado, desde as séries iniciais do Ensino Fundamental, com atividades diversificadas sobre agrupamentos e trocas, além da familiarização com o valor posicional dos algarismos. Essas atividades culminam com o estudo da representação formal, que pode ser feito no 3º ano. O trabalho com agrupamentos e trocas A ideia-chave do sistema decimal é utilizar o valor posicional dos algarismos para representar a ação de agrupar e trocar, que a humanidade sempre empregou para avaliar grandes quantidades de objetos (há registros do uso dessas ações desde a Pré-História). Ao repartir uma grande quantidade de jabuticabas, por exemplo, as crianças começam com “uma para cada um”. Quando percebem que há muitas frutas, passam para “uma mão cheia para cada um”. A unidade de referência deixa de ser uma jabuticaba, para ser “uma mão cheia”. Ao recordar e contar as pessoas que estavam presentes a uma festa, utilizamos o agrupamento: fazemos corresponder cada uma a um dedo da mão, até completar os dez; depois, recomeçamos a correspondência a partir do primeiro dedo usado, mas lembrando que já está contabilizado “um grupo de dez pessoas”. Embora essas ações seja intuitivas, é necessário propor às crianças situações variadas em que elas tenham oportunidades de agrupar grandes quantidades de elementos e depois registrá-los, para que aos poucos se conscientizem da operação realizada. Sugere-se que as primeiras experiências sejam realizadas em bases variadas, e não apenas na base 10 (sem representar a ação realizada), iniciando-se no 2º ano do Ensino Fundamental. Essa proposta está apoiada em dois argumentos. Em primeiro lugar, a criança constrói seus conhecimentos a partir da coordenação das relações que vai criando entre os objetos e ações sobre esses objetos. Assim, quanto mais diversificadas forem as situações de agrupamentos e trocas em que estiver envolvida, mais oportunidades ela terá de observar as semelhanças e diferenças entre essas situações, realizando abstrações e construindo o conceito. Observa-se, então, que a tradicional proposta de se trabalhar, no 1º ano, os números naturais menores que 100 impede que os alunos construam o significado “agrupar e trocar”, o que os leva a decorar os termos unidade e dezena, sem compreender realmente o que é e para que serve isso. Em segundo lugar, só é possível compreender o significado de base de um sistema de agrupamentos e trocas quando se realizam pelo menos duas trocas na base proposta. Nas bases 2, 3, 4, etc., consegue-se realizar tais trocas com poucos elementos. No entanto, para se chegar à segunda troca, na base 10, é necessário manipular pelo menos uma centena de objetos, o que não é fácil nem para um adulto, quanto mais para crianças de 7 a 8 anos de idade. Já a representação é tarefa bastante abstrata e sofisticada para o nível das séries iniciais do Ensino Fundamental. Ela só deve ser realizada para os agrupamentos e trocas na base 10, e apenas quando o professor perceber que as crianças já estão trabalhando com segurança os agrupamentos e trocas, o que geralmente ocorre no início do 3º ano. Seguindo as sugestões de Dienes, podem ser feitos jogos de isomorfismo focalizando os agrupamentos e trocas. Vejamos alguns exemplos: 1. Fábrica de fósforos A fábrica de fósforos é uma atividade que motiva bastante as crianças. Cada criança recebe uma quantidade de palitos de fósforos e combina-se, por exemplo, que cada 6 palitos serão colocada em uma caixa. A seguir, cada 6 caixas completas serão colocadas em um saquinho de papel, ou seja, a cada grupo de 6 elementos de um tipo, fazemos a troca por 1 elemento do tipo seguinte (palitos por caixa, caixas por saquinho). Dizemos, então, que essas trocas estão sendo feitas na base 6. Realizada a tarefa, propõe-se a verificação de quem recebeu a maior quantidade de fósforos para embalar. Os alunos logo descobrem que não é necessário contar palito por palito; basta conferir quem conseguiu formar a maior quantidade de saquinhos. Se, por exemplo, um aluno recebeu 40 palitos para embalar, seu resultado final será: 6 × 6 + 4 = 36 + 4 = 40 ⏟ 36 Quem recebeu 32 palitos terá: 5 × 6 + 2 = 30 + 2 = 32 ⏟ 30 Mesmo sem contar os palitos, as crianças percebem que o primeiro aluno ganhou mais palitos inicialmente, pois conseguiu formar um saquinho, enquanto que o segundo, não. 2. Sozinho, rodinha, corrente Essa brincadeira e realizada no pátio da escola. Os alunos se dispersam e o professor diz um número, que indica a quantidade necessária de crianças “para formar uma rodinha”; e, também, a quantidade de rodinhas “para formar uma corrente”. Suponhamos que o professor tenha indicado o número 4 e que haja 21 crianças no jogo. Teremos, então, 5 rodinhas de 4 crianças, ficando 1 criança sozinha. A seguir, 4 dessas rodinhas poderão se juntar, formando 1 corrente. Como resultado final, teremos: 1 “corrente”, 1 “rodinha” e 1 “sozinha”. Nesse caso, estamos trocando 4 crianças por 1 rodinha e 4 rodinhas por 1 corrente, ou seja, as trocas estão sendo feitas na base 4. 4 × 4 + 1 × 4 + 1 = 21 Com as mesmas 21 crianças, se o professor tivesse sugerido o número 7, teriam sido feitas 3 rodinhas, não restando nenhuma criança sozinha. Dessa vez, não seria formada nenhuma corrente, porque para isso seriam necessárias 7 rodinhas. 1 × 7 + 1 × 7 + 1 × 7 = 21 Nessa atividade, além de trabalhar com agrupamentos e trocas, os alunos também estarão exercitando o cálculo mental, tão importante desde as fases iniciais de aprendizagem. Para formar rodinhas de 7 crianças, surgirão oportunidades de realizar todas as adições possíveis (e também algumas subtrações) com resultado “7”. 3. Contagem de fichas Em qualquer jogo, o professor pode transformar a contagem de pontos numa situação lúdica: a cada ponto feito, o jogador recebe, por exemplo, uma ficha azul. A princípio, as crianças consideram esse método eficiente, mas quando o número de pontos dos participantes começa a aumentar, surgem dificuldades em comparar as quantidades. É o momento de sugerir, por exemplo, que sejam trocadas 5 fichas azuis por 1 vermelha. E quem consegue completar 5 vermelhas troca por 1 verde. Os participantes do jogo logo percebem que, para saber a qualquer momento quem está ganhando, não há a necessidade de contar ponto por ponto; basta verificar quem tem mais fichas vermelhas ou, melhor ainda, mais verdes. É bastante produtivo que desde o início da contagem de pontos os alunos se acostumem a arrumar suas fichas em posições adequadas. Esse hábito, além de permitir visualizar a situação de cada jogador, já estará preparando caminho para a compreensão do valor posicional dos algarismos. Assim, pode-se sugerir que cada criança construa um ábaco de papel. (FAVOR IMPRIMIR EM IMPRESSORA COLORIDA E RECORTAR AS FICHAS PARA AS PRÓXIMAS ATIVIDADES)