“O SABER EXPLICITAR”: SISTEMA DE NUMERAÇÃO
DECIMAL
Maria Emília Melo Tamanini Zanquetta
PCM/UEM/SEED
[email protected]
Clélia Maria Ignatius Nogueira
PCM/UEM
[email protected]
Resumo:
Neste artigo, fragmento de nossa pesquisa de doutorado, que investiga as possibilidades
didáticas do cálculo mental com alunos surdos, destacando a dinâmica instaurada nas primeiras
sessões, com o objetivo de identificar se as crianças possuem o Sistema de Numeração Decimal
(SND) consolidado, isto é, se compreendem suas regularidades e as aplicam ―ad infinitum‖. A
pesquisa se sustenta teoricamente na teoria dos campos conceituais, em pesquisas realizadas
sobre cálculo mental com educandos ouvintes e em estudiosos sobre a construção do Sistema de
Numeração Decimal. A engenharia didática foi nossa opção metodológica. Os resultados
indicam que: 1) ao compartilharem o que estavam pensando sobre os números, os sujeitos
investigados foram percebendo as regularidades existentes nos Sistema de Numeração Decimal;
2) o professor precisa ter um conhecimento aprofundado das noções a ensinar, não apenas para
poder elaborar questões apropriadas, como para perceber quais são efetivamente as dificuldades
das crianças e as possíveis hipóteses que elas elaboram ; 3) a noção de números alto ou baixo
está relacionada não apenas à extensão da sequência numérica já construída, mas,
principalmente, à consolidação das regras deste sistema ; 4) que os sujeitos surdos, ao
representarem algarismo por algarismo em Libras de números que compreendia a classe do
milhar com zeros intercalados, não estabelecem diferenciação entre a numeração em Libras e a
sua representação algarismo por algarismo em Libras.
Palavras-chave: Cálculo mental. Sistema de numeração decimal. Alunos Surdos.
Apresentação do problema
De acordo com pesquisas realizadas por Nogueira e Machado (1996) e por
Zanquetta (2006), a educação oferecida aos surdos, independente da abordagem adotada
(oralismo ou bilinguismo), não favorece o desenvolvimento das estruturas lógico-
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formais. Assim, mais de 50 anos depois dos estudos de Furth (1968), para quem o surdo
seria ―concret minded‖, isto é, restrito ao período operatório concreto, não em função
das condições orgânicas da surdez e sim da sua dificuldade de interação de
comunicação e também como consequência do ensino a ele ofertado, a realidade
educacional do surdo não sofreu alterações significativas.
De forma análoga, o ensino tradicional de matemática ofertado aos ouvintes não
favorece o desenvolvimento das estruturas lógicas elementares, e nem por isso eles são
considerados ―concret minded‖. Entretanto, crianças ouvintes não possuem a interação
com o meio prejudicada e, assim, avançam em seu desenvolvimento cognitivo, apesar
de uma eventual condução pedagógica insatisfatória por parte da escola. Porém, mesmo
sem esta dependência do ambiente escolar para o desenvolvimento cognitivo dos
ouvintes, diversas pesquisas buscam estratégias didático-pedagógicas que favorecem o
pensamento reflexivo.
Nesta perspectiva, no ano de 2010, as discussões no GIEPEM (Grupo
Interdisciplinar de Estudos em Educação Matemática), sobre a temática cálculo mental,
proporcionaram inicialmente reflexões para uma das pesquisadoras, uma vez que não
desenvolvia atividades sistematizadas - sobre cálculo mental. Com a possibilidade de
cursar o doutorado, esta considerou ser a temática relevante para uma investigação mais
aprofundada, a qual foi compartilhada pela outra pesquisadora, como orientadora do
trabalho.
Nos referenciais teóricos sobre o assunto, foram encontradas diversas pesquisas,
todas com sujeitos ouvintes, destacando, principalmente, as possibilidades cognitivas e
didático-pedagógicas da metodologia adotada.
Da leitura realizada, temos que a expressão cálculo mental possui diferentes
significados que dividem opiniões, provocam dúvidas e expectativas.
Parra (1996) verificou que a expressão cálculo mental, ―para algumas pessoas,
está associada à repetição de memória das tabuadas de multiplicação; para outras,
representa uma capacidade admirável que possuem algumas pessoas‖ (p.186). A mesma
autora define cálculo mental como ―o conjunto de procedimentos em que, uma vez
analisados os dados a serem tratados, estes se articulam, sem recorrer a um algoritmo
preestabelecido para obter resultados exatos ou aproximados‖ e complementa que ―os
procedimentos de cálculo mental se apoiam nas propriedades do Sistema de Numeração
Decimal (SND) e nas propriedades das operações, que colocam em ação diferentes tipos
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de escrita numérica, assim como diferentes relações entre os números‖ (PARRA, 2006,
p. 195).
De acordo com Parra (1996), o cálculo mental tem sido pouco teorizado e há
muito a pesquisar em relação a seu papel na construção dos conhecimentos
matemáticos. A autora complementa que o trabalho com o cálculo mental deve estar
presente no decorrer dos anos, por influenciar na capacidade de resolver problemas, por
ampliar o conhecimento numérico e por favorecer o estabelecimento de uma melhor
relação do aluno com a Matemática. O trabalho com o cálculo mental deve ser
acompanhado de um aumento progressivo do cálculo automático, por ser uma via de
acesso para a construção e compreensão do algoritmo (PARRA, 1996).
Uma questão surgiu das reflexões: Um trabalho sistematizado com o cálculo
mental contribuiria para o desenvolvimento cognitivo do surdo?: Desta questão,
outras seguiram, como: Quais as estratégias utilizadas pelos alunos surdos em
situações didáticas de cálculo mental?
Assim, de forma ampla, a pesquisa propõe-se identificar as possibilidades
cognitivas e didático-pedagógicas de um trabalho sistematizado com cálculo mental na
educação de surdos e, para o presente artigo, apresenta as discussões de quatro
atividades da sequência didática no que se refere à aprendizagem do sistema de
numeração decimal, objetivando identificar se as crianças possuem o SND consolidado,
isto é, compreendem suas regularidades e as aplicam ―ad infinitum‖.
O referencial teórico e metodológico
Para a presente pesquisa, adotou-se como suporte a Teoria dos Campos
Conceituais de Gerard Vergnaud, em pesquisas realizadas sobre cálculo mental com
educandos ouvintes e em estudiosos sobre a construção do Sistema de Numeração Decimal.
Um sistema de numeração é um conjunto de símbolos e de regras utilizados para
representar os números. O sistema de numeração que utilizamos é o Sistema de
Numeração Decimal – SND, de origem indo-arábica, que possui dez símbolos
(algarismos), a saber 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9 e 0 e as seguintes regras:
1) O sistema é decimal, isto é, funciona com agrupamentos de dez.
Esse número dez é chamado de base do sistema;
2) O sistema é posicional, isto é, o valor de um algarismo é
determinado pela posição que ocupa no numeral;
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3) O sistema é multiplicativo, isto é, em um numeral cada algarismo
representa um número que é múltiplo de uma potência de base.
Por exemplo, 543, o algarismo 5 representa o número 5 X 10²,
que é múltiplo de 10², o algarismo 4 representa 4 X 10, que é
múltiplo de 10 e o algarismo 3 representa 3 X 10°, que é múltiplo
de 10°.
4) O sistema é aditivo, isto é, o valor do numeral é dado pela soma
dos valores individuais de cada símbolo de acordo com a regra
anterior. Por exemplo, 543 = 500 + 40 + 3 ( Nogueira, Bellini e
Pavanello, 2013, p. 84-85).
Conforme Nogueira, Bellini e Pavanello (2013), o processo de construção do
Sistema de Numeração Decimal é complexo, apesar do forte apelo social desse
conhecimento. Uma construção frágil do SND provoca dificuldades na aprendizagem da
aritmética nos anos iniciais.
Vergnaud (2009) confere ―à criança e à atividade infantil sobre a realidade papel
decisivo no processo educativo‖ (p.15). Ele considera:
Os conhecimentos que essa criança adquire devem ser construídos por
ela em relação direta com as operações que ela, criança, é capaz de
fazer sobre a realidade, com as relações que é capaz de discenir, de
compor e de transformar, com os conceitos que ela progressivamente
constrói (VERGNAUD, 2009, p.15).
E mais: o pesquisador destaca que o papel do professor deve ser o de estimular e
utilizar essas atividades da criança e, para isso, ele precisa ter um conhecimento claro
das noções a ensinar, pois só assim poderá compreender as dificuldades deparadas pela
criança e as etapas pelas quais esta passa (VERGNAUD, 2009).
[...] mesmo quando se trabalha numa classe de crianças de oito anos,
por exemplo, nessa mesma classe há crianças muito mais rápidas e
outras mais lentas e, se não há uma visão de longo prazo da
conceitualização acontece que o professor não é capaz de propor a seus
alunos a variedade de situação necessária, nem de levar a ajuda
necessária a cada um deles. Isso quer dizer que é necessário ter uma
visão bastante ampla do processo de conceitualização (VERGNAUD,
1998, p. 25).
Vergnaud (1996b, p.13), ainda tratando do contexto escolar, aborda que ―um
dos problemas do ensino é desenvolver ao mesmo tempo a forma operatória do
conhecimento, isto é, o saber-fazer, e a forma predicativa do conhecimento, isto é, saber
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explicitar os objetos e suas propriedades‖ (p.13). Argumenta-se com isso a dificuldade
que as pessoas têm em explicar suas ações; simplesmente as fazem.
Vergnaud (2003) aborda que a forma como cada sujeito age diante de cada
situação depende dos esquemas que ela possui.
Uma flagrante complexidade didática deriva do fato que os alunos não
se desenvolvem todos da mesma maneira. Há alunos que compreendem
bem umas coisas e outras não, o que implica uma individualização da
ajuda por parte do professor. Provavelmente, esse é hoje o desafio mais
importante ao magistério em todos os países do mundo (VERGNAUD,
2003, p. 50)
Vergnaud (1996c, p. 201) define esquema como ―a organização invariante do
comportamento para uma determinada classe de situações‖ e considera que a interação
social também contribui para a formação dos esquemas. Acontece então a relação
sujeito-em-situação, isto é, de perceber a conduta e a organização do sujeito em
situação.
Isso só é possível, segundo Vergnaud (1996, p.180), porque o esquema comporta
quatro elementos indispensáveis: Invariantes operatórios (conceitos-em-ação e
teoremas-em-ação); antecipações e predições da meta a atingir; regras de ação do tipo
―se...então...‖ e as inferências (ou raciocínios). Dos quatro elementos mencionados,
somente os invariantes operatórios são indispensáveis na articulação entre uma situação
que o sujeito enfrenta e o esquema que este possui para poder resolvê-la.
Para Guimarães (2009), além do conflito sociocognitivo1 desencadeado, quando
o aluno faz uma comparação entre a estratégia empregada por ele e a empregada por
outros em situação de cálculo mental, o estado de desequilíbrio provocado pelo
problema proposto permite a construção de novos esquemas. Tais esquemas ajudarão o
aluno a enfrentar outros desafios e automatizar o cálculo. Contudo essa automatização é
o resultado de um processo atingido após várias sessões de estudo, nas quais o aluno é
desafiado a estimar valores, testar hipóteses, comparar diferentes procedimentos e
descobrir estratégias variadas de cálculo. A autora ressalta que a prática regular com o
cálculo mental deveria ser incorporada na prática dos professores.
1
O conceito de conflito sociocognitivo combina o papel motor dos conflitos na aprendizagem, que Piaget
desenvolvera, com o de um lugar central das interações sociais, que se encontra igualmente em Wallon e
Vygotsky (ASTOLFI, DAROT, GINSBURGER-VOGEL e TOUSSAINT 1997, p.45).
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[...], pois favoreceu o conhecimento das concepções numéricas dos
alunos e contribui para o desenvolvimento de um ensino mais efetivo.
Dessa maneira foi possível insistir naqueles aspectos em que os alunos
cometiam erros, antecipando suas respostas e descrevendo estratégias
para a correção das mesmas, conduzindo-os a abandonar suas antigas
estratégias para adotarem novas, mais eficientes, agregando novos
conceitos e significados ao conhecimento matemático (GUIMARÃES,
2009, p. 5).
Assim, vemos no calculo mental uma metodologia didático-pedagógica que
pode favorecer o pensamento reflexivo.
Em consonância com o aporte teórico, a pesquisa configura-se como uma
abordagem qualitativa, tendo como princípio a Engenharia Didática. ―Vista como
metodologia de investigação, que caracteriza-se antes de mais nada por um esquema
experimental baseado em <<realizações didácticas>> na sala de aula, isto é, na
concepção, na realização, na observação e na análise de sequências de ensino‖
(ARTIGUE, 1996, p. 196).
Engenharia Didática é um termo utilizado nas pesquisas da Didática da
Matemática, desde o início dos anos de 1980, com o objetivo de descrever uma forma
do trabalho didático. Pode ser comparado ao trabalho de um engenheiro que, para
realizar um projeto com precisão, ―se apoia nos conhecimentos científicos do seu
domínio, aceita submeter-se a um controle de tipo científico do seu domínio mas, ao
mesmo tempo, se encontra obrigado a trabalhar sobre objetos mais complexo‖
(ARTIGUE, 1996, p.193).
Quando nos reportamos ao campo educativo, é preciso considerar o professor
que tem como pressuposto sistematizar uma sequência de atividades que permita
explorar determinado conteúdo em determinado contexto educativo; sendo que o
contexto educativo, por sua vez, deve considerar a tríade professor, aluno e o saber.
Artigue (1996), uma das precursoras da engenharia didática, descreve quatro
fases integrantes do processo experimental da engenharia didática: análises
preliminares; concepção e análise ―a priori‖ das situações didáticas; experimentação;
análise ―a posteriori‖ e validação. Cada uma dessas fases foi retomada e aprofundada ao
longo do trabalho de pesquisa, em função das necessidades emergentes. Por exemplo, a
fase das ―análises preliminares‖ não implica que após o início da fase seguinte não se
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possa retomá-las; este deve ser um trabalho concomitante com as demais fases da
pesquisa.
A validação apresenta-se como uma das singularidades dessa metodologia: pode
ser feita internamente, sem a necessidade de aplicação de um pré-teste ou de um pósteste.
A pesquisa
As atividades descritas e analisadas neste artigo fazem parte da nossa tese de
doutorado. Iniciou-se no segundo semestre de 2012, com três sujeitos surdos que no
começo da pesquisa estavam cursando o 6° ano em uma escola especial para surdos no
interior do estado do Paraná. A escolha para realizar o trabalho com alunos do 6° ano
foi por considerar que o tema SND e operações já haviam sido abordados em anos
anteriores e que no 6° ano ele é retomado.
Apoiámo-nos na pesquisa de Guimarães (2009), que desenvolveu pesquisa sobre
o cálculo mental com alunos do 4° e 5° ano do ensino fundamental. A opção por este
referencial deve-se ao fato de ter sido uma experiência realizada em sala de aula,
contemplando três blocos (sistema de numeração decimal, aditivo e o multiplicativo),
com diferentes graus de dificuldades. Havia como proposta inicial também comtemplar
os três blocos, mas até o presente momento (primeiro semestre de 2014) foram
desenvolvidos o bloco do sistema de numeração decimal e o bloco aditivo, visto que
foram realizadas algumas complementações.
A implantação da pesquisa ocorreu por meio de sessões de estudo de
aproximadamente 15 minutos, utilizando inicialmente as estratégias e técnicas de
cálculo mental, duas vezes semanais, durante o segundo semestre de 2012, e três vezes
semanais, durante o ano de 2013.
Para a coleta de dados, seguiram-se também as orientações de Guimarães
(2009). A pesquisadora compartilhava com o grupo a questão e um aluno por vez era
interrogado sobre o procedimento de cálculo utilizado; os demais acompanhavam e
eram interrogados em caso de contestação ou solicitação, para explicarem o
procedimento adotado. Com isso, busca-se criar ―em cada sessão um espaço de debate
ao redor das estratégias, desencadeando conflitos tanto cognitivo como sócio-cognitivo‖
(p.23). A atenção de todos é cobrada no decorrer da sessão e ―espera-se que durante as
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trocas verbais entre os alunos as regularidades dos números e as propriedades das
operações sejam percebidas‖ (p.23). Quanto ao registro, foi combinado que somente a
pesquisadora/professora iria registrar no quadro quando se fizesse necessário, porém
algumas vezes no transcorrer das sessões foi necessário os alunos registrarem também
no quadro.
Para conhecer quem iríamos investigar, foi realizado um levantamento de dados
sobre os alunos fornecidos pela equipe pedagógica da escola, pelos professores do ano
anterior e o da disciplina de matemática no ano de 2012, pelas pastas individuais do
arquivo da escola, que continham parte da história de cada aluno.
Vejamos, então, as especificidades de cada participante da pesquisa. Os sujeitos
estão denominados de X, Y e Z
X inicia a pesquisa com 11 anos e 5 meses. Está matriculada nesta escola desde
2003 (saiu durante 1 ano quando estava matriculada no 1° ano e saiu novamente no 7°
ano – inclusão). Sua surdez é congênita e bilateral, do tipo sensório-neural e grau
profundo. Importante destacar que ela é a única participante que possui pais surdos e
usuários da língua de sinais. Ela é usuária da língua de sinais, mas também utiliza a
oralidade para se comunicar. Esta aluna, no segundo bimestre de 2013, muda de escola,
transferindo-se para uma escola da rede pública estadual.
Y inicia a pesquisa com 10 anos e 9 meses. Está matriculado nesta escola desde
2003. Sua surdez é congênita e bilateral, do tipo sensório-neural e grau profundo. Usa
somente a libras para comunicar-se (não mantém um diálogo prolongado). É
diagnosticado TDAH, predominante com transtorno de déficit de atenção (faz uso de
medicamento).
Z inicia a pesquisa com 10 anos e 9 meses. Está matriculada na escola desde
2008. Sua surdez é congênita bilateral, do tipo sensório-neural e grau moderado.
Usuária da libras, mas também recorre à oralidade constantemente para se comunicar.
É diagnosticada TDAH, predominante com transtorno de déficit de atenção e
hiperatividade (faz uso de medicamento).
A Libras foi a língua utilizada para a comunicação entre os sujeitos da pesquisa;
para uma aluna, a comunicação oral se fez necessária em alguns momentos e para outra
ela utiliza da oralidade como apoio. Os encontros foram filmados com o auxilio de
duas câmeras, localizadas em diferentes pontos da sala, para possibilitar a transcrição e
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o esclarecimento de qualquer dúvida durante a análise, além dos registros no diário de
bordo realizado pela professora pesquisadora.
As primeiras atividades do bloco do sistema de numeração decimal: descrição e
análise
A compreensão das regras e das propriedades do sistema de numeração decimal,
o significado e os algoritmos das quatro operações elementares continuam sendo um
desafio no contexto escolar ainda no 6° ano. Quanto ao sistema de numeração decimal,
Nogueira, Bellini e Pavanello (2013) abordam que os adultos estão tão acostumados a
usar o SND que não conseguem perceber quanto ele é complexo. Segundo as autoras as
―[...] pesquisas indicam que a construção do SND ocorre entre o terceiro e o sexto ano
(depois da construção do número e da conservação da quantidade)‖ (NOGUEIRA,
BELLINI E PAVANELLO, 2013, p. 57).
As primeiras atividades propostas envolveram a contagem verbalizada/sinalizada
a partir de um determinado número e parar ao sinal da professora. Essas contagens
forams sucessivas e regressivas.
A escolha dos números obedeceu ao critério de estarem localizados próximos
aos ‗nós‘ da escrita numérica que envolviam dezenas, centenas, unidades de milhar e
assim sucessivamente; isso permite identificar o nível de conhecimento do sistema de
numeração decimal e suas regularidades.
Na análise ―a priori‖, estabelecemos as expectativas para
cada atividade
proposta. Para a atividade que envolveu a contagem progressiva segundo Guimarães
(2009, p. 46), dentre as estratégias, a criança poderia proceder da seguinte maneira:
[...] uso da sobrecontagem (contagem a partir de um certo número
diferente de um), acompanhando de uma pausa quando fosse o
momento da troca do 999 para o 1000, para desse modo calcular a
soma 999+1, até mesmo organizando o algoritmo mentalmente ou para
recordar a sequência numérica e descobrir o número seguinte, pautandose no seguinte teorema em ação: Para descobrir o próximo número da
sequencia basta acrescentar mais uma unidade ao último anunciado.
Considerando que Vergnaud (1990) aponta ser importante os alunos se
familiarizarem com a situação para um melhor envolvimento, proppusemos a repetição,
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algumas vezes, com números semelhantes e com a classe das unidades, principalmente
nas atividades de contagem regressiva. Se for necessário ao atingir a classe de milhar,
poderá ser realizado o registro no quadro pela pesquisadora (como uma escriba).
No primeiro encontro, a proposta da atividade era de que realizassem a
contagem inicialmente em conjunto. Como ilustração, acompanhe o fragmento a seguir:
Pesquisadora (P): Vamos começar do 88.
X, Y, Z: 89, 90, 91...
(até o 99 em grupo)
Z: 100
(parou de contar e esperou os demais)
Y: 99, 100, 101
(parava e voltava)
X: 101, 102, 103, 104, 105, 106
Pesquisadora (P): Podem parar.
Realizamos a contagem em conjunto em mais três sequências e em todas tanto Y
como Z paravam e continuavam. Ao conversamos sobre por que estavam parando e Y
verbalizou/sinalizou “Não tenho costume de contar”.
As sequências numéricas seguintes foram solicitadas para realizarem
individualmente, atingindo a ordem da dezena de milhar nos primeiros encontros; os
três mostravam-se espantados cada vez em que eram apresentados a números maiores.
Ao serem indagados como sabiam qual seria o número seguinte, Z fala “Tá na cabeça”
e X sinaliza “Eu pensei”. A pesquisa de Guimarães (2009) aponta que essa contagem
pode estar automatizada e Vergnaud (1996b) aborda que não conseguimos explicitar o
porquê das coisas, simplesmente fazemos. Em alguns encontros posteriores, X explica
que ela sabe que depois do 999 vem o 1.000, com a seguinte explicação: ―99 combina
com 0, 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 9; acabou, então vem 1.000”.
Podemos inferir que o seguinte teorema-em-ação foi mobilizado por X e que
estava previsto na análise ―a priori‖: Para descobrir o próximo número da sequência
basta acrescentar mais uma unidade ao último anunciado.
Z é surda, com perda auditiva moderada e usa tanto da oralidade como da
Libras para comunicar-se. Constatamos a influência da oralidade/fala na construção do
sistema decimal, o que podemos verificar em uma das colocações da pesquisadora
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quando usou somente da fala ao solicitar para ela continuar
a sequência do número
970, ela falou “novecentos e setenta e um‖ e em seguida representou algarismo por
algarismos em Libras ―90071.‖ Isso corrobora as pesquisas de Lerner e Sadovsky
(1996) que apontam que as crianças não fazem a diferenciação entre a fala e a escrita; a
representação de algarismo por algarismo em Libras de Z é como se fosse o registro
escrito. Isso ficou reforçado nas atividades seguintes, que envolveram o antecessor e
sucessor de um número.
Quanto à atividade que envolveu a representação dos números em Libras e a
representação do algarismo por algarismo em Libras, constatamos um fato
interessantíssimo. Quando P faz 10.000 (um zero ponto zero zero zero) e questiona o
próximo número da sequência para Y, este responde: 10.001 (um zero ponto zero zero
um). Em muitas situações que envolviam atividades semelhantes, pudemos verificar
que Y usava o ponto e mais três casas; como hipótese supomos que este marcava
quantas casas decimais P tinha colocado e considerava uma constante. Está explicitado
nos estudos de Silva (2010):
Esta característica linguística favorece um distanciamento dos erros
sintáticos, comuns entre as crianças das séries iniciais do Ensino
Fundamental, pois eles não tratam das regras operatórias que sustentam
as expressões verbais, compostas por elementos de potência, tampouco
das regras operatórias específicas da escrita numérica arábica composta
por dígitos e regras de composição multiplicativa e aditiva das diversas
unidades. Estas últimas terão sua conceitualização formulada de outra
maneira, num outro momento (p.222).
Ao utilizar-se somente da representação de algarismo por algarismo em Libras,
os resultados corroboram com Silva (2009), mas quando P, em uma outra atividade,
usou a representação em Libras ―10 mil e um ” e solicitou para que Y fizesse algarismo
por algarismo em Libras, sucedeu o que segue.
Y faz: 10.0001 (um zero ponto zero zero zero um). Isso reforça a pesquisa de
Lerner e Sadovsky (1996), onde a numeração falada não é condizente com a forma
escrita e que muitas crianças escrevem como pronunciam. No trecho acima, Y “escreveu
como se pronuncia‖, a numeração sinalizada não é condizente com a forma escrita.
Além das dificuldades encontradas na construção do sistema de numeração
decimal, como estávamos tratando de contagem, no final do quarto encontro realizamos
a seguinte indagação:
Pesquisadora(P): Vocês sabem qual o maior número que existe?
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Z : 200 mil (falou)
Y: 1.003
X: Fez o 1 e o sinal de continuar
Pesquisadora(P): X, ele continua ou para?
X: Para
Não exploramos nesse encontro as respostas e solicitamos que conversassem em
casa sobre qual o maior número que conheciam.
Intrigadas com as respostas, realizamos uma investigação paralela com 50
crianças ouvintes do 1° ao 5° de escolas públicas e particulares (cinco alunos da
educação infantil, dez alunos do 1° ano, dez alunos do 2° ano, dez alunos do 3° ano, dez
alunos do 4° ano e cinco alunos 5° ano). Perguntamos qual seria o maior número que
eles achavam que existia eles falavam oralmente. Em seguida, solicitávamos como seria
este número por escrito, a maioria dos alunos da educação infantil e primeiro ano
responderam 1 000, mesmo alguns não sabendo registrar corretamente este número. No
entanto, dois alunos do 1° ano falaram ‗infinito além‘; mas ao representar colocaram o
número 1 com alguns zeros e outro registrou 100001000001000010000 e continua; seis
alunos do 2° ano; oito alunos do 3° ano; dez alunos do 4° ano e os cinco alunos 5° ano
responderam infinito e que não caberia o registro no caderno, pois é infinito. Uma aluna
do 4° ano usou o símbolo do infinito.
Também paralelamente fizemos esta mesma pergunta para todas as crianças
surdas dos anos iniciais do ensino fundamental na escola em que a pesquisa está sendo
realizada e nenhum aluno respondeu infinito ou que não tinha fim, e dois dos quatro
alunos do 3° e 5° apresentavam em suas respostas números da ordem da unidade de
milhar.
Corroborando com os dados obtidos, tem-se a pesquisa de Barreto (2011):
solicitou a 92 crianças de 3.ª série a atividade na qual deveriam pensar em quantidades
que consideravam muito altas, a maior que conhecessem; este número deveria ser
indicado oralmente e em seguida registrado.
A quantidade considerada como muito alta esteve diretamente
relacionada com o desempenho apresentado pelos alunos nas outras
atividades da pesquisa. Os alunos que apresentaram melhor
desempenho em outras atividades da entrevista se referiram a números
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superiores a dez mil; os que apresentaram desempenho inferior
indicaram quantidades inferiores a dez mil (BARRETO, 2011, p. 76).
Como consequência, ela aponta, que os resultados nesta tarefa fazem supor que a
noção de números altos ou baixos está relacionada ao seu domínio do SND, quanto
maior é a compreensão destes quanto ao sistema de numeração, maiores são os números
apontados como grande quantidades (BARRETO, 2011).
No encontro seguinte, retomamos o questionamento e somente uma aluna tinha
conversado a respeito, os outros dois tinham esquecido. X falou que tinha conversando
com sua avó em casa e ela falou que os números não tinham fim. Ao se solicitada para
explicar o que seria não ter fim para os outros, ela explicou: “continua, continua,
continua, continua...‖. Logo em seguida foi perguntado para os outros dois qual o maior
número que eles achavam que existia.
Y: 1.003
(um ponto zero zero três)
Z: dez mil
(falou)
Naquele momento, a fala de X ainda não fazia sentido para os demais; eles
poderiam ter simplesmente repetido a explicação de X.
A pesquisadora registrou no quadro a resposta de Y, Z e foi perguntando se
acrescentasse um zero e outro zero e outro zero, que número ficaria. Ia indagando se
poderia continuar ou parar por ali. Outras dúvidas foram surgindo na leitura do número,
como a retomada do porquê de se separar os algarismos de três em três.
Quando novamente questionado, Y: Sinalizou o 1 e fez o sinal, de continua. Isso
persistiu nos encontros seguintes; pode-se inferir que o dialogo possibilitou e mobilizou
um desequilíbrio e uma ampliação do esquema de Y.
Segundo Vergnaud (1990), para a compreensão de um conceito é necessário
entender que este envolve outros conceitos e que se faz necessário vivenciar diferentes
situações ao longo do tempo. Assim, procuramos, no decorrer da sequência didática,
proporcionar uma variedade de situações com este objetivo.
Conclusões parciais
XII EPREM – Encontro Paranaense de Educação Matemática
Campo Mourão, 04 a 06 de setembro de 2014
ISSN 2175 - 2044
Ao iniciarmos um espaço para que os três sujeitos pensassem e compartilhassem
suas ideias sobre os números, constatamos que estes foram percebendo regularidades
existentes no Sistema de Numeração Decimal e que esta prática de verbalizar não é uma
prática presente no contexto escolar desses sujeitos. Averiguamos que em muitos
momentos o que estávamos conversando não atingia a todos, sendo necessário
proporcionar outras situações. Vale destacar a importância de o professor ter uma boa
compreensão do conhecimento a ser tratado, conforme foi confirmado pela própria
pesquisadora que sentiu diferença em sua prática após os estudos teóricos realizados
sobre o Sistema de Numeração decimal e sobre pesquisas que demonstram como este
sistema é construído pelos alunos.
Quando solicitamos a representar algarismos por algarismos em Libras de
números que compreendiam a classe do milhar com zeros intercalados, os sujeitos
investigados cometeram os mesmos equívocos de ouvintes narrados em pesquisas como
as de Lerner e Sadovsky (1996). Entretanto, os sujeitos da atual investigação são, pelo
menos, quatro anos mais velhos que os sujeitos da referida pesquisa.
Outra constatação é que a ordem de grandeza dos números está diretamente
relacionada ao domínio quanto ao Sistema de Numeração Decimal. Quanto mais
consolidado o SND, ―maior‖ é o ―maior número‖ que as crianças afirmam conhecer.
Finalizamos destacando a importância de maiores discussões no contexto escolar
de espaços nos quais o saber em jogo seja ―o saber explicitar‖.
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“o saber explicitar”: sistema de numeração decimal - SBEM