O LEMA “EDUCAÇÃO PARA TODOS” EM DOCUMENTOS DE ORGANISMOS INTERNACIONAIS SOBRE PLANEJAMENTO DA EDUCAÇÃO E REPERCUSSÃO NO FUNCIONAMENTO DAS ESCOLAS Silvia Reis Fernandes1 Resumo: O presente artigo tem como objetivo o cotejamento entre dois documentos originados de organismos internacionais sobre políticas educacionais para países emergentes, visando captar neles orientações sobre objetivos e funções da escola pública². O primeiro contem a Declaração Mundial sobre Educação para Todos, originada da Conferência Mundial em Jomtien, na Tailândia, realizada por vários organismos internacionais em 1990, entre eles o Banco Mundial; o segundo é o texto "Aprendizagem para todos: Investimento no conhecimento e nas habilidades das pessoas para promover o desenvolvimento", produzido pelo Banco Mundial em 2011. A análise dos documentos busca estabelecer relações entre a internacionalização das políticas para a educação e as políticas públicas implantadas no Brasil a partir de 1990 mostrando como tais políticas vem atuando na deterioração das condições de funcionamento da escola pública destinada às camadas populares, contrariamente ao que proclamam os dois documentos analisados. Palavras chave: Políticas Públicas, Banco Mundial, Pedagogia da hegemonia. INTRODUÇÃO A escola pública brasileira se caracteriza, atualmente, pelo dualismo descrito por Nóvoa (2009): “a escola concebida essencialmente como um centro de acolhimento social para os pobres (...) por outro lado, uma escola claramente centrada na aprendizagem e nas tecnologias destinada a formar os filhos dos ricos”. Libâneo (2011) reitera essa situação, identificando-a como “o dualismo perverso da escola pública brasileira. Esse dualismo traz fortes repercussões na acentuação das desigualdades educativas, uma vez que a escola proposta nos documentos internacionais apresenta níveis reduzidos de expectativa de escolarização para as camadas mais pobres, já que a 1 Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Educação da Pontifícia Universidade Católica de Goiás. ² Este trabalho é parte integrante das atividades da linha de pesquisa “Teoria histórico-cultural e práticas escolares” vinculada ao Grupo de Pesquisa Teorias da educação e processos pedagógicos do CNPq, em projeto coordenado pelo prof. Dr. José Carlos Libâneo. 1 ênfase recai mais em ações educativas voltadas para a proteção social. A discussão aqui visa destacar a repercussão e o impacto que as políticas elaboradas pelos organismos internacionais causa nos objetivos e formas de funcionamento interno das escolas. Para compreender o problema do mencionado dualismo, cumpre perguntar: quais devem ser os objetivos e funções da escola, especialmente aquela destinada às camadas pobres? Para entendermos a história da educação brasileira devemos, sobretudo, entender a luta pela escola pública, a defesa da cidadania perante uma estrutura social extremamente desigual e marcada pela formação de um Estado elitista. Nessa direção Akkari (2001), nos indica quatro períodos principais na história da luta “em prol da escola pública no Brasil”. O primeiro, entre 1934 e 1962, ficou marcado pela discussão entre católicos e leigos, pela defesa de uma concepção religiosa e humanista do ensino defendida pelos católicos, enquanto do outro lado defendia uma escola que, com o apoio dos movimentos progressistas, “estaria apta a garantir as mesmas chances para todos os cidadãos brasileiros”. Este primeiro período acabou com a promulgação da Lei Nº 4024/61 de 20 de dezembro de 1961, que se constituiu nas diretrizes e bases da educação brasileira. O segundo período, segundo o autor, foi entre 1962 e 1964, em que se buscou aprofundar o reformismo populista e as lutas sociais. Este momento corresponde no campo educacional ao surgimento do movimento de educação popular, com o trabalho pioneiro do Movimento de Educação de Base (MEB) juntamente com a atuação do pedagogo Paulo Freire. O terceiro período iniciou-se em 1964, quando o golpe militar e a instauração da ditadura interromperam os avanços do período anterior, principalmente no que diz respeito à educação popular. Este período foi marcado pela influência tecnicista. E, por fim, o quarto período, segundo Akkari (2001), começa no início dos anos 1980 com o retorno progressivo da democracia, onde o debate girou em torno da democratização do ensino e da permanência das crianças menos favorecidas na escola. Para o autor, neste contexto, “várias medidas legislativas em prol da escola pública foram votadas, como a Nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, em 1996”. Os anos de 1990 foram marcados por conquistas das lutas na afirmação do direito à educação no Brasil e a necessidade de avançarmos neste sentido. O Brasil passava por um novo momento político e histórico, e ainda trazia muitas dívidas da década anterior, e é nesse período que é realizada a Conferência Mundial sobre Educação para Todos, realizada em Jomtien, na Tailândia, em 1990, que, para Frigotto 2 e Ciavatta (2003, p.97), “inaugurou um grande projeto de educação em nível mundial, para a década que se iniciava, financiada pelas agências UNESCO, UNICEF, PNUD e Banco Mundial. Educação para todos e uma Pedagogia da Hegemonia O movimento Educação para todos, cujo marco é a Conferência Mundial sobre Educação para Todos, tinha como principal eixo à ideia da ‘satisfação das necessidades básicas de aprendizagem’. Em 2011, o Banco Mundial publica o documento intitulado "Aprendizagem para todos: Investimento no conhecimento e nas habilidades das pessoas para promover o desenvolvimento" que tem estratégias na condução de ações para a educação voltadas para a estabilidade do sistema econômico internacional. Libâneo (2011) argumenta que “a associação entre as políticas educacionais do Banco Mundial para os países em desenvolvimento e os traços da escola dualista representa substantivas explicações para o incessante declínio da escola pública brasileira nos últimos 30 anos.” (p.02). Sendo assim as orientações e políticas de organizações internacionais são adotadas como políticas oficiais para a educação, e implantadas no Brasil há mais de 20 anos. Segundo Libâneo: No Brasil, o primeiro documento oficial resultante da referida Declaração e das demais conferências foi o Plano Decenal de Educação para Todos (1993-2003), elaborado no Governo Itamar Franco. Em seguida, seu conteúdo esteve presente nas políticas e diretrizes para a educação do Governo FHC (1995-1998; 1999-2002) e do Governo Lula (2003-2006; 2007-2010), tais como: universalização do acesso escolar, financiamento e repasse de recursos financeiros, descentralização da gestão, Parâmetros Curriculares Nacionais, ensino a distância, sistema nacional de avaliação, políticas do livro didático, Lei de Diretrizes e Bases (Lei nº 9.394/96), entre outras. (LIBÂNEO, 2011, p.02) Políticas essas que estão cada vez mais presentes nas nossas escolas, implantadas e supervisionadas pelo sistema público de ensino. ___________________________ ³ A Declaração Mundial da Conferência de Jomtien, foi a primeira dentre outras conferências realizadas nos anos seguintes em Salamanca, Nova Délhi, Dakar etc., convocadas, organizadas e patrocinadas pelo Banco Mundial em que foram feitas revisões em alguns aspectos definidos na Declaração da Tailândia sem, no entanto, alterar sua essência. 3 Em a Nova Pedagogia da Hegemonia, Lúcia Maria W. Neves usa da expressão Terceira Via para se referir a centro-radical, centro-esquerda, nova esquerda, nova social democracia, ou governança progressiva, que segundo a autora é um projeto burguês que procura manter os ideais básicos do neoliberalismo. A Terceira Via tem como objetivo a reforma por intermédio de mudanças na política, na economia e educação, que para o que estamos mostrando se encaixa com os objetivos mostrados pelo Banco Mundial no documento Aprendizagens para todos de 2011. A "Abordagem sistêmica" da estratégia fornece uma estrutura para ajudar os países a formular as reformas para que possam alcançar melhores resultados entre os domínios políticos fundamentais de um sistema de educação. [...] Ele também fornece um roteiro objetivo para reformas que os países possam implementar para melhorar o desempenho em um domínio de política em particular, que a médio prazo pode levar a melhorias no sistema de ensino como um todo. (BM, 2011, pg. 60) “tradução do autor” A Terceira Via foi sistematizada por Anthony Giddens, um renomado sociólogo britânico, que faz críticas ao socialismo, faz uma defesa aberta do capitalismo e defende a doutrina neoliberal como política de Estado, de modo que descontextualizando o neoliberalismo, esvaziando seu significado político-econômico acaba escondendo ao mesmo tempo seu caráter reformista. (NEVES, 2005, p. 44). Assim a Terceira Via defende um sistema de reformas onde se deve governar pensando em sintonizar as ações do Estado, de tal forma que são constituídas de ações administrativas ou reguladoras. Anthony Giddens defende que o governo pode e deve desempenhar um importante papel na renovação da cultura cívica na sociedade. O Banco Mundial deixa claro esse objetivo, ajudando na reconstrução econômica de países subdesenvolvidos ou em via de desenvolvimento, por meio da aplicação de programas de ajustamento estrutural, intervindo diretamente na formulação de políticas internas e na própria legislação desses países, representando a importância de sua atuação na defesa dos interesses capitalistas internacionais. Concepções de escola e aprendizagem Na Declaração Mundial sobre Educação para Todos tem como tema básico a satisfação das necessidades básicas de aprendizagem em uma escola que efetive ações socioeducativas, visando atendimento com base em premissas pedagógicas humanitárias. (LIBÂNEO, 2011, p. 8). Em Aprendizagem para todos, do Banco Mundial de 2011, já com uma mudança de paradigma traz uma visão onde os indivíduos 4 aprendam, dentro e fora da escola, da etapa pré-escolar até a chegada ao mercado de trabalho, no sentido de adaptação ao mercado de trabalho, uma escola que dê aprendizagem a todos, mas que ensine-os a trabalhar, alcançar seu emprego. A nova estratégia vai dar atenção para o conhecimento e as habilidades necessárias relacionadas ao mercado, e o objetivo é aumentar a parcela de projetos que incluem mercado de trabalho relacionados com objetivos de conhecimetno. [...] No âmbito da estratégia, os esforços que estão em curso, em colaboração com os parceiros de desenvolvimento, para desenvolver um quadro e ferramentas para medir as habilidades e competências necessárias para competir efetivamente no mercado de trabalho (BM, 2011 pg 35 ) “tradução do autor” As políticas educacionais implantadas em nosso país nos últimos anos sofreram uma mudança de paradigmas e essas mudanças não foram repassadas aos profissionais da educação. Não houve informação e esclarecimentos destas políticas aos alunos, à família, à comunidade local e, mais ainda, não ocorreram no interior das escolas e nem contaram com sua participação, o que cada vez mais consagra a desigualdade social, onde os objetivos que se buscam não visam uma formação cognitiva do aluno, mas o treinamento em habilidades e competências voltadas para o enquadramento profissional. Libâneo (2011), ao expressar o sentido de escola proposto na Declaração Mundial sobre Educação para Todos, diz que “ocorre uma inversão das funções da escola: o direito ao conhecimento e à aprendizagem é substituído pelas aprendizagens mínimas para a sobrevivência.” ( p. 10). No documento do Banco Mundial de 2011 afirma-se que essa aprendizagem mínima para a sobrevivência era um problema maior nos anos 90, mas atualmente “a velocidade sem precedentes recente do progresso tecnológico e sua assimilação rápida no mercado de trabalho alterou drasticamente o mix de habilidades da força de trabalho” (BM, 2011, p.16). Ou seja, agora o Banco Mundial inverte as funções da escola no sentido de que o direito do conhecimento é substituído por aprendizagens para o mercado de trabalho. Argumentase que, pelo fato de que os jovens deixarem a escola muito cedo e provavelmente não voltarem, faz-se necessário dar-lhes oportunidade de aprendizagem, tais como treinamento em habilidades de trabalho, a fim de ajuda-los a encontrar emprego.” Esta tendência é um poderoso argumento para alinhar currículos escolares com necessidades do mercado de trabalho (BM, 2011, p. 16). Enquanto Libâneo (2011) afirma que o papel da escola é prover aos alunos a apropriação da cultura e da ciência acumuladas historicamente, como condição para seu 5 desenvolvimento cognitivo, afetivo e moral, e torná-los aptos à reorganização crítica de tal cultura, a orientação representada pela Terceira Via se contrapõe à concepção de homem como síntese das relações sociais negando a centralidade da categoria “trabalho” para a constituição humana ao reduzi-la à ideia de ocupação ou emprego. (NEVES, 2005, pg. 46). Com foco na aprendizagem, a nova estratégia vai voltar a atenção não apenas para a matrícula e conclusão mas para verificar se os egressos da escola têm o conhecimento e as habilidades necessárias relacionadas ao mercado, e o objetivo é aumentar a parte de projetos que inclui objetivos voltados para o mercado de trabalho. Políticas sociais e Políticas educacionais Fica claro que as políticas educacionais defendidas pelo Banco Mundial estão voltadas explicita e unicamente ao mercado de trabalho. Por meio de análise econômica os investimentos são direcionados apenas para situações que apresentem um grau satisfatório de rentabilidade, de lucro. Isso leva o BM a recomendar a prioridade à educação básica, vendo a escola como um lugar que leve a um nível de ensino que, além de dotar os indivíduos de capacidades básicas necessárias para a vida e o trabalho em tempos de globalização. A estratégia do Banco Mundial para alcançar a “Aprendizagem para Todos” na próxima década: o objetivo primordial não é apenas escolarização, mas aprendizagem. Segundo o Banco Mundial o acesso de milhões de crianças à escola tem sido uma grande conquista, e está comprometido em construir este progresso e intensificar seu apoio para ajudar todos os países a alcançar a “Educação para Todos” e os “Objetivos do desenvolvimento da educação para o Milênio”. O condutor do desenvolvimento, no entanto, será em última análise que os indivíduos aprendam, dentro e fora da escola, desde a pré-escola, por meio do mercado de trabalho. A propósito dos reais interesses dos organismos internacionais e como se explicitam em políticas públicas alinhadas a esses interesses, Iosif (2009, p. 116)) nos lembra que o papel das Políticas Públicas é usualmente confundido com o das Políticas Governamentais ou Partidárias, sujeitas às mudanças periódicas de disputa pelo poder. 6 O funcionamento das políticas públicas só pode ser compreendido a partir do conceito de política que leve a todos o que se é proposto, e que assegure tais condições a todos, pois se assim não for, não será público. Para esse autor, público deve ser entendido como "[...] coisa pública conotada em sua referência à coisa comum, ao coletivo, é uma das categorias mais antigas no pensamento político" (Iosif, apud Cunil 1997 p.21). A questão da política pública tem que ser vista e entendida como política social e, enquanto social, ela surge como proposta de enfrentamento das desigualdades sociais, principalmente por parte do Estado, por meio de ação organizada. Mas, de fato, o que acontece não é bem assim como, por exemplo o Programa Bolsa Escola implantado em Brasília. Em sua proposta inicial, o Programa queria assegurar renda mensal às famílias pobres com um salário mínimo, para que mantivessem seus filhos na escola. "O objetivo primordial do programa não era melhorar a qualidade do ensino, mas manter as crianças pobres na escola." (Ib., p.119). Dessa forma, o objetivo não é uma prática social que visa a atividade humana e histórica que se constitui num conjunto de relações, ela visa uma formação que favoreça à ampla mercadorização da educação, sendo que a educação como política pública de caráter social "deve ser vista como fator importante para o enfrentamento das desigualdades sociais, uma vez que desempenha papel estratégico no momento de formar cidadãos críticos e conscientes da necessidade de luta e de participação social." (IOSIF, 2009, p.120). Ao tornar as escolas públicas apenas veículos de implantação e controle das políticas sociais, o governo impede a educação de qualidade para todos e educar para cidadania, pois se não sabem lidar com situações de exclusão e desigualdade social, contribuem para condições de pobreza material, humana, social e educacional, o que impede a cidadania global emancipada. Os dois documentos, de algum modo, têm como horizonte aplicar estratégias para redução das condições de pobreza. Em 1990, a pobreza para o Banco Mundial era vista como uma “incapacidade de atingir um padrão de vida mínimo”. O relatório do Banco Mundial de 2000/2001 define a pobreza como "privação acentuada de bem-estar" (UGÁ, 2011, p.191), devendo os programas de assistência propor estratégias que visem a conquista de um padrão de vida mínimo para empoderar as pessoas. No documento Aprendizagem para todos, que define seu papel pós-crise, o Banco Mundial define em sua chave de prioridades a atenção aos pobres e vulneráveis, criando oportunidades para seu crescimento pela via de inserção no mercado de trabalho. A nova estratégia se concentra no aprendizado por uma razão simples: “o desenvolvimento, crescimento e 7 redução da pobreza dependem do conhecimento e das habilidades que as pessoas adquirem” (BM, 2011, p. 20). Sendo assim, para o Banco Mundial é necessário para sair da pobreza dar condições de oportunidades e esperança aos pobres do mundo, para que as competências de um trabalhador determinem a sua produtividade e capacidade de adaptação às novas tecnologias e oportunidades. Essas razões podem incluir a pobreza de renda, gênero, deficiência, e outras fontes de desvantagem, bem como baixos retornos do mercado para a educação. O desafio é consolidar conhecimentos básicos e competências aprendidas em escola, para então equipar esses jovens com técnicas adicionais e habilidades profissionais que promovam o emprego e empreendedorismo. (BM, 2011, pg 22) “tradução do autor” Ugá (2011), em sua análise, ressalta que o Banco Mundial traz “múltiplas dimensões” sobre o novo tratamento da pobreza, redefinindo quem é pobre, e com que critérios identificar o número de pobres em um determinado país. Assim como nos demais documentos, especialmente em Aprendizagem para todos, o Banco Mundial continua utilizando indicadores monetários, só que agora inclui como prioridade fortalecer os sistemas de educação para alcançar resultados. Em países de renda média, os principais desafios estão em melhorar a capacidade do sistema de ensino para contribuir para o desenvolvimento da força de trabalho e garantir que os alunos desfavorecidos e de baixo desempenho tenham acesso a qualidade e a oportunidades de aprendizagem relevantes. As prioridades do Banco nesses países será de: (1) melhorar a qualidade e relevância do sistema de ensino, de modo a melhorar os seus laços com o mercado de trabalho e a transição escola-trabalho, respondendo assim à crescente demanda por programas flexíveis de competências; (2) Promover quadros políticos que garantem a qualidade dos serviços educacionais prestados; 3) melhorar a eficiência dos sistemas de ensino; (4) promover a igualdade de oportunidades de aprendizagem para as populações desfavorecidas; (5) gerar inovações que impulsionam o progresso econômico. (BM, 2011, pg 45) “tradução do autor” O Banco reconhece explicitamente que o termo “instituições educativas” se aplica a oportunidades de aprendizagem também ofertadas por entidades nãogovernamentais e não-formais de educação. Nesse entendimento, podem ser explicados os vários programas mantidos pelo MEC e implementados por entidades nãogovernamentais relacionados com ações socioeducativas. Sendo assim, o foco na aprendizagem para todos numa visão ora utilitarista, ora assistencialista, pode levar a pouca atenção a uma educação de qualidade aos pobres, já que relativiza o papel específico da escola para a escolarização. 8 Essa orientação do Banco se aplica às políticas sociais do governo, o qual utiliza a escola como “posto avançado do Estado” para implementar e controlar tais políticas. Por exemplo, programas de transferência de renda como o Bolsa Escola por exemplo, precisam da escola para que as políticas socias funcionem (ALGEBAILE, 2009, p.225). Para essa autora, não são as políticas educacionais que definem a função e as formas de funcionamento das escolas, são as formas de funcionamento da escola que são definidas pelas políticas sociais, e daí surge então a escola de proteção social. Segundo ainda Algebaile, “a escola, ao mesmo tempo que seria uma base de realização, um posto de uma política de assistência, realizaria o papel de uma fronteira que prédelimita a pobreza a ser assistida” (p.334) contribuindo efetivamente para uma escola pública pobre para os pobres. Rosa Maria Torres, comentando os efeitos maléficos ao funcionamento dos sistemas de ensino das politicas do Banco Mujndial, com base no documento Prioridades e estratégias para a educaçao, de 1995, escreve: Sustentamos que o referido pacote e o modelo educativo subjacente à chamada "melhoria da qualidade da educação", do modo como foi apresentado e vem se desenvolvendo, ao invés de contribuir para a mudança no sentido proposto – melhorar a qualidade e a eficiência da educação e, de maneira específica, os aprendizados escolares na escola pública e entre os setores menos favorecidos - está, em boa medida, reforçando as tendências predominantes no sistema escolar e na ideologia que o sustenta, ou seja, as condições objetivas e subjetivas que contribuem para produzir ineficiência, má qualidade e desigualdade no sistema escolar (TORRES, 1996, p. 127). As estratégias do Banco Mundial para 2020 Na versão de 2011 de suas Estratégias, o Banco Mundial concentra os seus esforços na educação em duas direções estratégicas: reforma dos sistemas de educação e a construção de uma base de conhecimento de alta qualidade para a educação e reformas a nível global, porém nesse novo paradigma a educação tem uma visão geral de ensino onde, sistema de educação inclui toda a gama de oportunidades de aprendizagem disponíveis em um país, sejam elas fornecidas ou financiadas pelo setor público ou privado, de forma que se busca o treinamento, o aperfeiçoamento profissional, de tal forma que o desenvolvimento da criança é condicionado. Um sistema de ensino inclui, assim, programas formais e não formais, além de toda a gama de beneficiários e interessados nestes programas: professores, formadores administradores, funcionários, alunos e suas famílias, e 9 empregadores. Um sistema de ensino também inclui as regras, políticas e mecanismos de responsabilização que se ligam a um sistema de educação em conjunto, bem como os recursos e mecanismos de financiamento que a sustentam. (BM, 2011 pg. 5) “tradução do autor”. Outros temas estão presentes no documento recente do Banco Mundial. Há, por exemplo, uma preocupação evidente em relação à aceleração da aprendizagem. Fica claro que nesse momento pós-crise econômica, cada vez mais é necessário atualizar e aperfeiçoar mão-de-obra para o mercado de trabalho, o que requer um acentuado esforço em reorganizar o sistema educacional, tornam-se mais fortes os pilares do capitalismo. Desse modo, não há uma preocupação em melhorias na qualidade de ensino, em como esse ensino deve ser aplicado visando ação cognitiva e mental das crianças, uma vez que a escola de acolhimento para os pobres se torna mais acentuada, pois é dessa escola, que o Banco Mundial procura reordenar os objetivos de ensino, visando um enquadramento profissional, colocando em segundo plano a aprendizagem dos conteúdos. Mudanças externas e internas exigem um repensar da estratégia do Banco. Mudanças econômicas, demográficas e tecnológicas estão redefinindo o desafio do desenvolvimento para todos os países. Os sistemas de ensino devem se adaptar a essas mudanças para que eles possam produzir a força de trabalho qualificada, ágeis e cidadãos informados neste ambiente. (BM, 2011, p.17) “tradução do autor”. Outra orientação do documento para melhorar os resultados da educação está nas ligações com a saúde e com a proteção social, para o que são recomendadas estratégias multisetoriais. Para medir o sucesso da estratégia, o BM vai usar um número de indicadores de resultados, desempenho e impacto: indicadores de desempenho para áreas sobre as quais o Banco tem controle direto; indicadores de resultados das áreas em que o progresso exige os esforços parceiros e do Banco, e os indicadores de impacto, que vão monitorar o progresso em direção aos objetivos finais da estratégia de educação. Assim a educação se baseia em resultados. Buscando uma proposta Na visão de Bernard Charlot, as estratégias para a educação impostas pelos organismos internacionais produzem o ocultamento da dimensão cultural e humana da educação. Para ele, “essa redução da educação ao estatuto de mercadoria resultante do 10 neoliberalismo ameaça o homem em seu universalismo humano, em sua diferença cultural e em sua construção como sujeito” (2005, p.143). Sendo assim, as desigualdades sociais diminuam, pelo contrário, levam ao distanciamento do acesso a uma educação de qualidade, condicionando os menos favorecidos a um mercado capitalista, onde se é preciso investir em habilidades (qualidades) específicas, para sustentar seus objetivos neoliberais, daí a necessidade de acelerar a aprendizagem. Por sua vez, Os princípios e estratégias da Terceira Via, ao se consubstanciarem nas estratégias burguesas para obtenção do consenso em nível mundial, configuram-se como passos fundamentais da pedagogia da hegemonia na atualidade. (NEVES, 2005, p. 66) O objetivo sempre foi esse, reforçar a competitividade atuante no mercado globalizado, apesar de vir embutido em outros objetivos, o problema é que os resultados de recursos substanciais gastos em educação têm sido assim, decepcionantes em termos de resultados da aprendizagem, que segundo o Banco Mundial “os jovens estão saindo da escola e entrando na força de trabalho sem o conhecimento e habilidades ou competências necessárias para se adaptar a uma economia competitiva e cada vez mais globalizada.” (BM, 2011, p.17) “tradução do autor”. Com estes condicionantes, as reformas educativas aplicadas no Brasil trouxeram supostas inovações escolares para a redução da pobreza, mas em geral com medidas externas ao processo de ensino-aprendizagem, como mudanças no currículo e nas formas de gestão, dentro de um modelo de eficiência do sistema de ensino. Com isso, o sistema de ensino deixou de “investir nas ações pedagógicas no interior da escola para um enfrentamento pedagógico-didático dos mecanismos de seletividade e exclusão.” (LIBANEO, 2011, p.11). Dessa forma, é preciso pensar numa escola que busque uma formação geral com base em saberes públicos que apresentam um valor, que prepare os alunos não só para o enfrentamento do trabalho, mas para a formação cultural e científica. Não é justo distanciar as crianças e jovens desses saberes, pelo contrário, temos de levá-los a até eles, temos que nos preocupar não é se eles estão instruídos apenas para trabalhar e prosperar. As políticas estão financiando esse modelo educacional imposto pelos organismos internacionais, podem financiar um projeto de construção social adequado às crianças mais pobres, levando condições para que o conhecimento e a ciência sejam acessíveis a todos, e não simplesmente uma escola acolhedora que busca apenas oferecer um “kit” de habilidades para sobrevivência social, como bem escreve Torres (2005) Tal como escreve Libâneo: 11 A escola tem, pois, o compromisso de reduzir a distância entre a ciência cada vez mais complexa e a cultura de base produzida no cotidiano, e a provida pela escolarização. Junto a isso t e m , também, o compromisso de ajudar os alunos a tomarem-se sujeitos pensantes, capazes de construir elementos categoriais de compreensão e apropriação crítica da realidade. (LIBANEO, 1998, p. 4). A luta pelas conquistas sociais é grande entre educadores e se torna um dever ético lutar a favor do ensino público. Para esse propósito, temos que nos basear em referências teóricas e conceituais a fim de buscar um consenso entre os educadores, políticos e organizações sociais, em favor de um ensino que valorize nos alunos, o domínio dos saberes “sistematizados como base para o desenvolvimento cognitivo e a formação da personalidade, por meio da atividade de aprendizagem socialmente mediada” (LIBANEO, 2011, p.11) A escola com que sonhamos é aquela que assegura a todos a formação cultural e científica para a vida pessoal, profissional e cidadã, possibilitando uma relação autônoma, crítica e construtiva com a cultura em suas várias manifestações: a cultura provida pela ciência, pela técnica, pela estética, pela ética, bem como pela cultura paralela (meios de comunicação de massa) e pela cultura cotidiana. (LIBANEO, 1998, p. 4) A formação cultural e científica tem como fundamento as pedagogias voltadas para a formação do pensamento conceitual e para o desenvolvimento mental, tal como a pedagogia histórico-cultural formulada por Lev Vygotsky e seguidores. O papel democrático da escola e sua função social é de promover e ampliar o desenvolvimento mental e a formação da personalidade, por meio do domínio de saberes e instrumentos culturais. Quando defendemos essa teoria, o fazemos (defendemos) pelo fato de que ela traz contribuições para formar cidadãos participantes em todas as instâncias da sociedade, cidadãos críticos e criativos, com formação de qualidades morais e convicções que fazem parte de uma competência reflexiva, com reconhecimento das diferenças e da diversidade cultural. Por isso, defendemos uma escola que tenha como concepção de formar cidadãos, ampliando seu desenvolvimento mental, para que tenham capacidades de ir além do que é proposto pelo BM, que restringe a escola à formação de mão de obra e à empregabilidade. CONSIDERAÇÕES FINAIS A análise dos dois documentos – Declaração Mundial Educação para Todos, de 1990, e Aprendizagem para Todos, de 2011 - possibilitou identificar diferenças entre os conceitos de aprendizagem e educação, conforme os 20 anos que separam uma 12 versão de outra. Nessa distinção representa uma séria separação para a formação do cidadão crítico e criativo, em oposição a uma educação voltada para o trabalho e desenvolvimento. Desse modo, este texto procurou demonstrar que a visão que o Banco Mundial tem para com a concepção de escola e aprendizagem é oposta à escola de formação cultural e científica articulada com a atenção à diversidade social e cultural. Uma visa a mera preparação do aluno para o mercado de trabalho e para a empregabilidade, outra a aprendizagem para o desenvolvimento cognitivo, afetivo e moral dos alunos. Trata-se, por fim, de saber como “dominam os que dominam” para construir uma contra hegemonia visando a transformação da sociedade e da escola. Não é uma tarefa nada fácil, mas temos que ter otimismo e lutar para que as políticas educacionais do país possam traçar seu destino sem atrelamento aos interesses dos organismos internacionais, que atuam no âmbito do capitalismo globalismo, em direção a uma escola que vise a formação cultural e científica para a vida pessoal, profissional e cidadã de cada aluno presente na escola, e que a mesma não seja uma escola que se divida em escola para ricos e escola para pobres. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALGEBAILE, E. Escola pública e pobreza no Brasil. A ampliação para menos. Rio de Janeiro: Faperj, 2009. AKKARI, A. J. Educação e Sociedade. Campinas: v. 22, n.74, 2001. 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