UMA EDUCAÇÃO PARA TODOS, AO LONGO E EM TODOS OS ESPAÇOS DA VIDA: DESAFIOS PARA A CONSTRUÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS PROMOTORAS DE UMA CIDADANIA PLANETÁRIA CRÍTICA E ATIVA ALCOFORADO, L. Uma Educação para Todos, ao Longo e em todos os Espaços da Vida: desafios para a construção de políticas públicas promotoras de uma cidadania planetária crítica e ativa. In Marinalva Freire da Silva. Mundos Distantes, Diálogos Possíveis: a vida em Mosaico. João Pessoa: Ideia. 2014. P. 14-34. ISBN: 9788575399095. UMA EDUCAÇÃO PARA TODOS, AO LONGO E EM TODOS OS ESPAÇOS DA VIDA: DESAFIOS PARA A CONSTRUÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS PROMOTORAS DE UMA CIDADANIA PLANETÁRIA CRÍTICA E ATIVA Luís Alcoforado Universidade de Coimbra Introdução A modernidade trouxe-nos a convicção de duas conquistas civilizacionais que, bom grado os avanços indiscutíveis das últimas décadas, têm demorado a cumprir as esperanças depositadas: o direito à educação ao longo da vida e o direito a formas de trabalho mais dignas e humanizadas. Sendo interdependentes, estas duas dimensões, contribuíram originalmente para organizar a nossa vida em duas etapas distintas e complementares, correspondendo a primeira fase, coincidente com os últimos anos da infância, a um tempo dedicado ao estudo, onde adquiriríamos os recursos necessários ao desempenho futuro dos papéis sociais que as diferentes comunidades esperavam da nossa condição de pessoas adultas e outro período destinado, exatamente, ao cumprimento dessas funções cidadãs nos novos estados-nação, entre as quais o trabalho avultava pelo tempo que lhe devia ser dedicado e pela importância incontornável que se lhe atribuía na criação de riqueza, que poderia ser utilizada na construção progressiva do nosso bem-estar comum. A escola surgiu, desta forma, para aproveitar a capacidade de todos sermos educáveis, garantindo-nos a possibilidade de realizar percursos de aprendizagem capazes de nos preparar para nos integrarmos, posteriormente, nas diversas dinâmicas problematizações mais recentes. Contudo, desde o princípio platónico de que qualquer cidadão se deve educar, em todos os aspetos, ao longo de toda a vida, até aos princípios defendidos por Coménio de uma educação universal, integral e continuada, onde se deveria ensinar todas as coisas a todos os homens, passando pela defesa de uma educação para todos, de e para o quotidiano, conforme a experiência de cada um, mas sempre portadora do universal, enunciada por Condorcet, percorrendo os fundamentos filosóficos do projeto de humanização do desenvolvimento que foi a educação permanente, concluindo com as mais recentes reflexões políticas e teóricas, tudo converge para um entendimento pacífico da educação como um processo coextensivo à duração da vida. Igualmente com referência na Paidéia grega, mas fortemente reforçado pelo princípio da Educação Permanente de que se tornava indispensável uma penetração da escola na vida e da vida na escola, ganha hoje um significado pouco controverso o entendimento de educação como ultrapassando espacialmente o de escolarização (Canário, 2001), transformando em educativos todos os espaços da vida. Então, qualquer política educativa deverá, forçosamente, acolher esta necessidade integradora de garantir coerência às dimensões temporal e espacial da educação, criando e desenvolvendo os recursos necessários, cuidando da dimensão educativa1 de todos os contextos e disponibilizando serviços de ajuda e aconselhamento para que todos, em qualquer momento, possam questionar os seus percursos e saberes, reformular o seu sentido e significado e, eventualmente, reconstruir os seus projetos educativos e de vida. No entanto, das práticas conhecidas e das respetivas molduras teóricas, fica-nos a certeza da necessidade de um questionamento permanente à orientação ideológica das opções políticas hoje dominantes. Se o combate à característica unidimensional da relação da sociedade com a aprendizagem, com a sobrevalorização das dimensões económicas, se deve eleger como um objetivo permanente, torna-se inadiável que um novo movimento a construir e a desenvolver assuma também compromisso com a humanização da cultura, fazendo-se e refazendo-se na construção de uma cidadania local/planetária informada, ativa e crítica, empenhada em garantir a igualdade de direitos, deveres e oportunidades, desenvolvendo-se num processo multirreferencial e encontrando a articulação adequada entre as componentes psíquicas e individuais e as sociais e coletivas. Apresentamos, na figura 1, uma proposta desta possível política integral, necessária atualmente para a construção e desenvolvimento de um movimento de Educação e Formação ao Longo da Vida. 1 A tradição educativa da Europa continental foi sendo construída numa separação pronunciada entre duas ofertas de natureza bem diferente: a educação oferecida pelas escolas, nos seus diferentes níveis e a formação profissional, disponibilizada por centros de formação, ou pelas próprias empresas. Dois mundos que surgiram de costas voltadas e tiveram sempre muita dificuldade em encontrar formas de diálogo e colaboração. O que aqui designamos como Formação Profissional compreende o que no Brasil é chamado de Educação Profissional e de Treinamento. Portanto, quando aqui falamos de Educação e Formação ao longo da vida, referimo-nos à necessidade de dar uma dimensão política e de práticas comum que coloque todas as atividades educativas ao serviço da transformação das pessoas e das suas diferentes comunidades. Contextos de vida Educadores Orientação e Aconselhamento Cidadã/ão Planetária/o Reconhecimento de Adquiridos Recursos Educativos Contexto educativo local e global Figura 1: Dimensões de uma política para a construção e consolidação de um Movimento de Educação e Formação ao Longo da Vida Educação e Formação, porque urge contrariar a independência mutuamente exclusiva, dos dois subsistemas, que contribuíram para o acantonamento das práticas, associadas a estes dois conceitos, na escola e no trabalho; educação e formação também, e em consequência, porque é indispensável garantir um efectivo equilíbrio entre as diferentes práticas educativas da tradição ocidental (educação e formação vocacional; educação popular e formação contínua; trabalho e cidadania), explicitando o reforço da construção de uma sociedade multidimensional; educação e formação, porque se deve exigir um permanente combate à dimensão excessivamente individualista, fragmentada, instrumental e mercantilista, associada, nos discursos mais recentes, à aprendizagem; mas, educação e formação, por fim, porque é importante caucionar a existência harmoniosa dos processos, eventos, atividades e condições, quer sejam formais, não formais, ou informais, que suportam e encorajam o envolvimento de todas(os) nas atividades educativas que satisfaçam as suas necessidades individuais e coletivas, em todos os espaços e tempos da vida. Resulta, assim, da figura 1, um conjunto de cinco componentes, pensadas no âmbito de um contexto educativo local/global, as quais devem ser indissociáveis e com absoluta coerência entre si, tendo, cada uma delas, um papel e significado próprios, que passaremos a caracterizar, esperando da sua totalidade uma contribuição decisiva, não só para a reconfiguração dos estados de bem-estar social, sempre edificados sobre o princípio da garantia dos direitos universais do homem e na convivência com formas progressivamente mais participadas de democracia, mas também para uma globalização solidária e um desenvolvimento sustentável. Como qualquer ação concreta, a educação é sempre uma mistura das dimensões ideológica e tecnológica (de fins e meios), pelo que interessa desde já clarificar que a finalidade de qualquer atividade educativa, se deve orientar para a formação holística e integrada da/o cidadã/ão planetária/o. Esclareçamos um pouco esta ideia e o que ela deve significar. Contexto Local/Global e Cidadania Planetária Se existe algum consenso, entre as diversas posições e abordagens ideológicas, que têm vindo a tratar as questões relacionadas com as globalizações (assim, no plural, como sugere Boaventura Sousa Santos) ou com a emergência da sociedade de risco ou pós-industrial (JANSEN & VAN Der VEEN, 1996), ele traduz-se, inquestionavelmente, na aceitação de que vivemos num contexto global e numa era planetária. Morin Motta & Ciurana (2004, p. 9) resume esse sentimento geral, afirmando a sua convicção de que “os desenvolvimentos científicos, técnicos e económicos, projetam um devir planetário comum a toda a humanidade”. Temos vindo a constatar, no entanto, que, enquanto os avanços técnicos e científicos estão a permitir, com relativa facilidade, a criação de um sistema de comunicações que nos autorizam a entender todo o planeta como um território comum, a globalização económica está a impor uma economia mundial e a criar a sensação progressiva de uma civilização, também mundial, resultante do alastramento tentacular de um modelo civilizacional. Estaremos, então, a viver numa verdadeira sociedade global, sem, no entanto, dispormos de mecanismos democráticos de controlo, de regulação e de legitimação dos inúmeros poderes (predominantemente económicos), que proliferam e se cruzam, na construção e desenvolvimento desta sociedade. Mesmo estruturas supranacionais com as características e o poder do Fundo Monetário Internacional, Banco Mundial e Organização Mundial do Comércio, quando revelam capacidade de influenciar e impor opções políticas e programas de desenvolvimento, a determinados países ou regiões, tem-se revelado claramente impotentes para empreender uma regulação integrada desta economia mundial, deixando as diferentes comunidades completamente expostas a variáveis de identificação muito difícil, que acabam, muitas vezes, por contribuir para piorar as condições de vida das pessoas e dos diferentes grupos. Podemos ainda afirmar que muito do que acontece, em qualquer parte do planeta, terá, previsivelmente, consequências, em todos os membros da sociedade planetária, sem que, no entanto, qualquer um desses membros consiga, em igualdade democrática de condições, influenciar e contribuir para o desenvolvimento dessa mesma sociedade. Dito de uma outra forma, vivemos numa sociedade planetária, sem termos erigido as bases para uma afirmação, ainda que mínima, da cidadania planetária. Daí a urgência, registada em todos os documentos mais recentes da UNESCO (DELORS, 1996; MORIN, 2002; UNESCO; 2005), de se colocar a tónica numa educação, que se desenvolva no âmbito e na compreensão da sociedade mundial, sendo, portanto, uma educação para a era planetária, cuja preocupação central só pode ser o exercício de uma cidadania planetária (GUTIÉRREZ & PRADO, 1999; MORIN, 2002; MORIN, MOTTA & CIURANA, 2004), activa e crítica, simultaneamente local e global, visando a aquisição de um conjunto de valores e de saberes que permitam conhecer os problemas da nova realidade, lidando com as situações resultantes dessa realidade e provocando um envolvimento pleno na procura ativa de soluções alternativas. É, pois, fundamental fazer acompanhar a globalização económica, desenvolvida de-cima-parabaixo, do aparecimento e consolidação de uma cidadania planetária capaz de empreender uma globalização participada de-baixo-para-cima (SANTOS, 2003), interpretando criticamente a/s realidade/s e agindo para a/s transformar. Nesta conformidade, a Educação e Formação ao Longo da Vida, deverá, necessariamente, assumir a prossecução de alguns princípios orientadores, de entre os quais avultará a permanência temporal e espacial de aprender a ser (DELORS, 1996), consolidado através do desenvolvimento de um saber crítico (HABERMAS, 1987), ou de uma racionalidade crítica e autocrítica (MORIN, 2002, p. 28), que “não ignora os seres, a subjetividade, a afetividade e a vida […] e que conhece os limites da lógica, do determinismo e do mecanicismo”. Esta racionalidade crítica terá, forçosamente, que dotar-nos dos instrumentos necessários para despertar a nossa lucidez, levando-nos a questionar, firmemente, todo o género de hipotéticas fatalidades sociais, políticas, económicas e culturais, enfrentando o “Poder Imperativo Dos Paradigmas, Crenças Oficiais, Doutrinas Reinantes E Verdades Estabelecidas” (MORIN, 2002, p. 32) que vão determinando um imprinting cultural, responsável por aquilo que Mezirow (1990; 1991) designou como perspetivas de significado. Igualmente, esta racionalidade crítica tem que nos habilitar para compreender as armadilhas da sociedade de risco e para regular os diferentes globalismos (SANTOS, 2003), envolvendo-nos na defesa das causas percebidas como comuns, usando em nosso benefício as possibilidades de interação criadas pela sociedade planetária (cosmopolitismo) e no debate ativo e ação militante, à volta de temas entendidos como património da humanidade. Outro princípio orientador da dimensão ideológica deste movimento de Educação e Formação ao Longo da Vida terá de pautar-se pela garantia de um contínuo direito a aprender a viver juntos (DELORS, 1996), contribuindo para desenvolver, em cada cidadão, um conhecimento comunicativo (HABERMAS, 1987; 1987a), responsável pela apreciação intersubjetiva das nossas relações e entendimento mútuo. Será, então, forçoso ensinar a condição humana (MORIN, 2002), compreendendo e desenvolvendo o anel da relação tripartida indivíduo/sociedade/espécie humana. Não se pode absolutizar o indivíduo e fazer dele o fim supremo deste anel; tão pouco se pode absolutizar a sociedade ou a espécie. Ao nível antropológico, a sociedade vive para o indivíduo, o qual vive para a sociedade; a sociedade e o indivíduo vivem para a espécie, que vive para o indivíduo e a sociedade. Cada um destes termos é simultaneamente meio e fim: é a cultura e a sociedade que permitem a realização dos indivíduos e são as interações entre os indivíduos que permitem a perpetuação da cultura e a auto-organização da sociedade. Todavia, podemos considerar que a plenitude e a livre expressão dos indivíduos-sujeitos constituem o nosso propósito ético e político, sem deixar de pensar também que constituem a finalidade própria da tríade indivíduo/sociedade/espécie (MORIN, 2002, 59). Como a sociedade planetária será sempre uma sociedade plural, comportando inúmeras sociedades locais, nacionais e regionais, a cultura planetária será, incontornavelmente, multicultural, pelo que se torna imprescindível desenvolver, não um relativismo axiológico, mas o reconhecimento mútuo das incompletudes das diferentes culturas, como condição necessária para um diálogo intercultural (SANTOS, 2003). Por fim, a Educação e Formação ao Longo da Vida terá que assumir, igualmente, como princípio orientador, a formação de um cidadão planetário capaz de aprender a aprender, a conhecer e a fazer (DELORS, 1996), como base da criação de um conhecimento instrumental (HABERMAS, 1987; 1987a), que lhe permita agir, exercendo controlo sobre o ambiente. Mas, como todo o conhecimento e respetiva aplicação comporta riscos, torna-se indispensável educar para uma ação responsável, livre e autónoma, entendida como ponto de encontro de interações como o individual e o coletivo, o subjetivo e o objetivo e os diferentes tipos de saberes. Como Morin (1991, 2002), defendemos a necessidade de desenvolver a noção de ecologia da ação, entendendo-a na sua complexidade, a qual comporta acaso, iniciativa, decisão, inesperado, imprevisto e consciência das derivas e das transformações, submetendo sempre o conhecimento instrumental ao crivo consciente do conhecimento crítico. Em jeito de primeira conclusão provisória, diremos que a Educação e Formação ao Longo da Vida será o meio pelo qual os cidadãos planetários deverão adquirir os recursos necessários para uma participação ativa na transformação dos seus diferentes grupos de pertença, envolvendo-se, volitivamente, numa globalização ascendente, assente em comunidades locais educadoras, na construção de estados de bem-estar social participados, no desenvolvimento de blocos regionais com fortes dimensões sociais e económicas, mas também políticas e culturais, e uma sociedade planetária, onde o cosmopolitismo, a defesa do património comum e o respeito pelos direitos humanos reconceptualizados como multiculturais (SANTOS, 2003; TORRAINE, 2005), sejam uma efetiva contribuição para uma humanidade progressivamente mais feliz. Diremos também que a Educação e Formação ao Longo da Vida deverá ser a alavanca necessária para a construção de uma Sociedade do Conhecimento para todos, baseada num conhecimento partilhado, entendido como um bem público comum (UNESCO, 2005). Recursos Educativos e Contextos de Vida Educadores No sentido do que afirmámos na introdução deste texto, Sue (2001) argumenta que a educação e os tempos educativos sempre se organizaram, ao longo da história, em função de um tempo social dominante. Assim aconteceu na Grécia Antiga, com a predominância do tempo destinado ao governo da cidade, na Idade Média, com a centralidade do tempo religioso e após a revolução industrial, com a predominância do tempo destinado ao trabalho. Se bem entendemos esta argumentação, ela justificaria também o pendor económico e profissionalizante das práticas enquadráveis no movimento da Educação Permanente, uma vez que ele surgiu em pleno ciclo desenvolvimentista, com absoluta centralidade do trabalho, o qual, por razões tecnológicas, organizacionais e de volatilidade dos mercados, exigia, não só uma formação de base, plasmada num diploma traduzido por uma qualificação ou profissão (Alcoforado, 2000), mas, principalmente, uma formação contínua que pudesse servir de resposta, ou antecipação às mudanças e às necessidades de (re)qualificação e de gestão do (des)emprego, resultante da crise económica dos anos setenta. De igual forma, poderemos perceber a organização e orientação dos recursos educativos (instituições, pessoas, financiamentos, espaços de educação não formal e informal), ao longo das últimas décadas, convocados para responder à posição dominante do trabalho, bem como às diferentes velocidades e características do desenvolvimento económico. Os últimos tempos começam a dar-nos sinais de alguma desorganização dos tempos sociais. Se bem que o trabalho continue a representar o tempo social dominante e como fronteira mais visível de inclusão/exclusão (HART, 1996; MÉDA, 1999; KOVACS, 1999), a verdade é que vamos assistindo à sua progressiva desregulação e instabilidade, ao mesmo tempo em que, por isso mesmo, vai, gradualmente, repartindo a sua centralidade com os tempos livres, os tempos libertos (de que os períodos de desemprego e de aposentação, são exemplos) e os tempos de utilidade social (SUE, 2001). Por outro lado, começam a ser questionadas as relações dos diplomas, característicos das organizações educativas construídas para o trabalho como tempo social dominante, com os empregos. Então, as organizações educativas tradicionais aumentam a sua importância, devendo garantir a aquisição dos saberes considerados essenciais para a transmissão intergeracional da cultura, a todas as crianças, adolescentes e jovens, promovendo o seu desenvolvimento cognitivo e afetivo, a criatividade e a solidariedade, tornando-os/as capazes de se descobrirem como pessoas com projetos que potenciem os seus talentos individuais e contribuam para a construção de comunidades mais felizes. Necessitamos também que sejam capazes de os/as preparar para aprender a aprender e a dar sentido a essas aprendizagens, por forma a prosseguirem os seus processos educativos e de treinamento ao longo de toda a vida. Para cumprir esta missão as escolas ficam obrigadas a associar uma educação mais transmissiva de saberes hierárquicos e sequenciados, a marca mais significativa do seu ADN, com experiências que as transformem num espaço e tempo charneira de comunidades educadoras mais alargadas, promotoras de desenvolvimento integrado e sustentável. Uma escola porque tem que envolver todos/as, durante mais tempo, ensinar mais coisas e não descriminar, precisa de utilizar e preparar para uso dos diferentes meios tecnológicos e as oportunidades formativas dos contextos, tornando-se variada, interconectiva e desafiante. De forma concomitante, é forçoso que a educação e os recursos educativos se organizem, de molde a responder às novas dinâmicas temporais. Tão importante como garantir diplomas e formações específicas para um trabalho pouco previsível, e para o desempenho de papéis sociais bem definidos, é indispensável ajudar todas as pessoas a organizarem as suas referências temporais, cuidando de afiançar que os tempos, espaços e recursos educativos contribuam, efetivamente, para um tempo de vida de navegação (LE BOTERF, 1997) entre situações profissionais, sociais, culturais, afetivas, lúdicas e de exercício de cidadania. De uma forma perfeitamente consonante, a UNESCO (2004) sugere que por qualidade da educação se devem entender os objetivos de promover o desenvolvimento cognitivo dos educandos, de fomentar atitudes e valores de exercício de cidadania e da criação de condições propícias para o desenvolvimento afetivo e da criatividade. Uma tal missão só pode ser cumprida, a partir de políticas públicas, que caucionem uma educação da primeira infância, igual ou superior a dois anos, um ensino básico universal para todos e uma formação de jovens e adultos que garanta a igualdade de direitos, deveres e oportunidades, nos contextos local e global (UNESCO, 2004), caucionando, igualmente, o acesso de todas as pessoas à produção e usufruto dos bens culturais. No âmbito destas políticas, será absolutamente incontornável a necessidade de desenvolver os recursos didáticos necessários, de encontrar os espaços educativos e condições físicas mais adequadas, de procurar constantemente que todos possam ter acesso aos meios tecnológicos disponíveis e que sejam formados os profissionais capazes, sendo-lhes permitida a construção de uma profissionalidade que otimize os atos educativos, favoreça as diferentes aprendizagens e potencie as transformações pessoais, sociais e contextuais, garantindo, em suma, o conhecimento como um bem comum, que está, efetivamente, ao alcance de todos e pode ser partilhado por todos. Como ficou claro das experiências da Educação Permanente, nos anos setenta do século XX, é igualmente indispensável que os contextos se configurem, eles próprios, como verdadeiros espaços educativos. Se é pacífico aceitar, desde Dewey, o exercício da cidadania, da autonomia e da liberdade, para se ser cidadão ativo, autónomo e livre, se, pelo menos, desde D. Kolb, foi ampliada a importância da experiência para uma ação mais eficaz e se como resume Baltes (1997) o desenvolvimento e as aprendizagens dependem das experiências de vida e das condições socioculturais ao longo da vida, será, então, o momento de retomarmos Hutchins (1970), reivindicando a responsabilidade educadora da sociedade, exigindo-lhe que reconheça, exercite e desenvolva, permanentemente, além das suas funções tradicionais (económica, social, política e de prestação de serviços), uma função de criação e partilha generalizada de conhecimento (UNESCO, 2005). É também o momento de retomarmos Faure (1974), reatualizado, mais tarde, pelo movimento das cidades educadoras (cf., entre outros, BERNET, 1990; NOGUERAS, 1990; MARFULL, 1990), assumindo para as mesmas, uma intencionalidade e responsabilidade, cujo objetivo principal deverá ser a formação, promoção e desenvolvimento de todos os habitantes, construindo, desta forma, contextos sociais mais participados e solidários, convocadores do envolvimento de todos na construção de uma cidadania informada e ativa, a começar pelas comunidades de maior vizinhança. É ainda o momento de procurarmos multiplicar os contextos de trabalho convocadores de diferentes tipos de saberes e motivações, envolvendo os trabalhadores em atividades de permanente desenvolvimento pessoal e social. Estaríamos, assim, a construir uma esfera pública cidadã, reforçando o mundo da vida (HABERMAS, 1987; 1987a), onde os sujeitos ganham consciência da sua condição histórico-social, assumindo-se como agentes de construção do futuro, ou, como lembrou Gaston Pineau, a construir um novo paradigma de educação/formação, designado por ecoformação, onde todos aprendem em conjunto, num equilíbrio harmonioso com o meio em que vivem e que partilham, influenciando-o, enquanto se influenciam, questionando-o, ao mesmo tempo que se questionam e transformando-o sempre que se transformam. Estaríamos, por fim, a responder ao apelo de Lima (2003), cuidando da vida, ao longo de todas as aprendizagens. Reconhecimento de Adquiridos e Orientação Educativa ao Longo da Vida Por outro lado, não será possível evitar a marginalização dos tempos e espaços extra-escolares e pós-escolares, se não se for suficientemente longe no esforço de reconhecer todas as aquisições daí resultantes, avaliando-as e validando-as, dando-lhes, dessa maneira, a importância formal que elas têm para a organização das diversas temporalidades individuais e coletivas, permitindo uma continuidade e equivalência mútua com os saberes formalizados e os diferentes percursos de educação e formação. Se é reconhecido que a escola hieraquiza os saberes, estabelecendo uma relação direta com o valor social diferenciado que lhes pode corresponder e se os percursos educativos e de formação contribuem para a construção de uma ordem social e profissional, materializada nos níveis de qualificação, é indispensável que se possa garantir uma conversão e correspondência dos diferentes saberes, adquiridos por diferentes formas de aprendizagem, negando o elitismo cognitivo de apenas os saberes formalizados terem um reconhecimento social garantido. Sendo uma antiga aspiração da Educação de Adultos, presente desde as primeiras práticas da Educação Permanente (recorde-se a experiência das unidades capitalizáveis), a ideia do reconhecimento e validação de adquiridos assenta, principalmente, em desarmantes argumentos de bom senso, que Chaput (1991) traduz nesta série de proposições inter-relacionadas: Aprendemos coisas importantes em todas as situações; Todas estas aprendizagens têm componentes teóricas e práticas; Ninguém deve ser obrigado a reaprender o que já sabe; Temos o direito de ver reconhecido tudo o que aprendemos; Podemos avaliar com rigor todas as nossas aprendizagens. Então, as políticas públicas enquadradoras do movimento de Educação e Formação ao Longo da Vida não podem ignorar a necessidade de desenvolver metodologias de avaliação e validação de todos os saberes e aprendizagens, em qualquer situação da vida, mormente por parte das pessoas adultas, portadoras de diversificadas experiências, prosseguindo o objetivo de esbater qualquer injustificada hierarquia, elitismo cognitivo e determinismo histórico, cultural e social, existente entre eles. Até porque, sendo a qualificação o principal elemento organizador e minimamente regulador do mercado de trabalho, a educação e a formação terão de se organizar para responder à procura individual e social de obtenção de qualificações e de garantia de mobilidade. Fechando o ciclo da caracterização das componentes do movimento, que designámos por Educação e Formação ao Longo da Vida, resulta clara a necessidade de qualquer pessoa ou grupo de pessoas se poderem situar face ao conhecimento, aos seus percursos educativos, às suas aquisições e ao leque de possíveis oportunidades, fazendo as opções que melhor sirvam as suas características, as características dos contextos e os diferentes projetos de vida. Como referem Coimbra, Parada & Imaginário (2001, p. 35), existe hoje uma crença generalizada de que, “até certo ponto, as pessoas podem deliberadamente influenciar as suas trajetórias (escolares, profissionais…), quer durante o período de formação (inicial ou contínua), quer no decurso da sua vida profissional”. Por esta razão, as práticas de ajuda, orientação e aconselhamento, não se podem limitar às questões da transição da escola para o emprego, mantendo-se a necessidade de as multiplicar e diversificar, por forma a ajudar todas as pessoas, em qualquer fase das suas vidas (GUICHARD & HUTEAU 2001). Este processo simultâneo de autoconhecimento e de conhecimento das características contextuais, nas quais podemos realizar os nossos projetos, aspirações e potencialidades, cruzado com a possibilidade de encontrarmos estratégias que nos permitam reconhecer todos os nossos saberes, adquiridos em diferentes situações, será a melhor garantia de transições bem-sucedidas, gerindo mais adequadamente os tempos (de trabalho, utilidade social, livres e libertos…) e as dimensões (sociais, culturais, afetivas, lúdicas…) da vida. A associação destas duas componentes constituirá, igualmente, a possibilidade de um desafio contínuo à (re)construção das identidades individuais e coletivas (DUBAR, 1997), contribuindo, desta forma, para ajudar na reconfiguração necessária de novas procuras sociais, novos abrigos identitários e novas comunidades de pertença. Especificidade da Educação de Jovens e Adultos Se é verdade que a educação se deve prolongar ao longo da vida das pessoas, também resulta evidente que as diferentes idades da vida podem convocar a construção de uma problemática específica e de práticas diferenciadas. Para responder a esta necessidade, a educação de jovens e adultos foi-se construindo, ao longo do século XX, como uma área de saber e campo de práticas com identidade própria, que Mezirow (2000) traduz como de orientação predominantemente transformativa, distinguindo-se da destinada a crianças e adolescentes que deverá ter uma direção essencialmente formativa. Procuremos esclarecer a especificidade da Educação de Jovens e Adultos, no quadro do movimento da Educação e Formação ao Longo da Vida. Antes de mais, é essencial afirmar que a Educação e Formação de Jovens Adultos é hoje mais necessária que nunca. Como tem sido demonstrado, as mudanças estruturais de uma sociedade, num determinado momento, só podem advir das transformações pessoais e sociais assumidas pelas populações adultas, sendo que a necessidade de imprimir mudanças, é hoje premente. Mudanças, desde logo, a nível político. Secundando Olssen, Codd & O’Neill (2004), existe uma absoluta necessidade de envolver os cidadãos e as cidadãs na refundação do estado de bem-estar, não burocrático, cuja função deve ser a de construir um novo bem-estar político que incremente as condições de existência de uma cidadania participativa plena, o que implica uma desconcentração do poder para a sociedade civil, submetendo-se ao seu escrutínio e controlo, embora mantendo o estado a função de regulação e fiscalização, mormente sobre os grandes interesses e sociedades empresariais, revestindo essa função da dimensão ética de assegurar justiça democrática e distribuição justa de recursos e capacidades. Mudanças também ao nível pessoal e social, construindo espaços de defesa da igualdade e respeito pela diferença e de reconstrução de novas formas de solidariedade e envolvimento em causas comuns, que possam convergir na firme apologia de um desenvolvimento sustentado. Serão estas algumas das causas que a Educação de Jovens e Adultos, assumindo a sua vocação de movimento social, terá que abraçar, como, aliás, tem sido defendido nalgumas das discussões enquadradoras, mais recentes. Recorrendo ao texto da Conferência da UNESCO, realizada em Hamburgo, no final do século passado, a Educação de Adultos surge-nos definida como “o conjunto de processos de aprendizagem, formal, ou não, graças ao qual as pessoas consideradas como adultas pela sociedade a que pertencem, desenvolvem as suas capacidades, enriquecem os seus conhecimentos e melhoram as suas qualificações técnicas, ou profissionais, ou as reorientam de modo a satisfazerem as suas próprias necessidades e as da sociedade” (UNESCO, 1998, p. 15-16). Tal como foi entendida pelos participantes nessa Conferência, a Educação de Adultos deve integrar-se numa nova visão de educação, segundo a qual a aprendizagem ocorre ao longo de toda a vida, compreendendo toda a gama de oportunidades de educação informal e ocasional existentes numa sociedade educativa multicultural e assumindo os objetivos prioritários de “desenvolver a autonomia e o sentido de responsabilidade das pessoas e das comunidades, reforçar a capacidade de fazer face às transformações da economia, da cultura e da sociedade no seu conjunto, promover a coexistência, a tolerância e a participação consciente e criativa dos cidadãos na sua comunidade, permitindo, em suma, que as pessoas e as comunidades assumam o controlo do seu destino e da sociedade para enfrentarem os desafios do futuro” (UNESCO, 1998, p.16). Os diferentes estados ali presentes responsabilizaram-se por garantir os recursos necessários para a implementação de políticas públicas conducentes à aplicação duma agenda educativa, cuja finalidade deverá ser a criação de uma sociedade empenhada na justiça social e no bem-estar geral, elegendo como temas prioritários, antes de mais, a aposta na Alfabetização de Jovens e Adultos, entendendo-a como os conhecimentos e capacidades básicas de que todos precisam num mundo em rápida transformação, como catalisador da participação nas atividades sociais, culturais e económicas e pedra angular de todos os processos educativos. Depois assume, também, opções claras pelo reconhecimento do direito de aprender ao longo de toda a vida, pela integração, social e profissional, e autonomia da mulher, pela defesa de uma cultura de paz e da educação para a cidadania e a democracia, pela defesa da diversidade e igualdade, pela promoção da saúde como um direito fundamental, pela promoção de um meio ambiente sustentável, pela garantia da participação de todos na transformação da economia, pelo acesso de todos à informação e pela participação ativa, a todos os níveis, da população idosa. Estabilizada a dimensão ideológica da Educação de Jovens e Adultos, interessará agora perceber as características diferenciadoras da dimensão tecnológica, após todo um percurso histórico bem significativo, na procura da construção de um conhecimento próprio e de um campo de práticas com identidade reconhecida. A Declaração saída da Conferência de Hamburgo identifica alguns princípios basilares dessa dimensão começando por enunciar (UNESCO, 1998, p.10) que “o novo conceito de educação de jovens e adultos põe em causa as práticas existentes, já que exige uma interligação eficaz no seio dos sistemas formal e não formal, bem como inovação e mais criatividade e flexibilidade”, pelo que “o desenvolvimento da educação de adultos exige a colaboração entre os departamentos governamentais, intergovernamentais e organizações não-governamentais, empregadores e sindicatos, universidades e centros de investigação, meios de comunicação, associações civis e comunitárias, instrutores de educação de adultos e dos próprios educandos adultos”. Neste sentido, os países presentes comprometeram-se a dinamizar práticas, assentes em políticas públicas, que consagrem os princípios enunciados, defendendo os direitos das pessoas adultas a serviços de informação e aconselhamento, de reconhecimento social de adquiridos e de facilitação do acesso à educação, por parte de todos e todas, no âmbito da sua própria cultura, garantindo-lhes uma participação ativa e crítica nas dinâmicas sócioeconómico-político-culturais dos tempos atuais. Já no final da primeira década deste século, a última Conferência da UNESCO sobre Educação de Adultos, realizada em Belém, no Brasil, voltou a afirmar o compromisso dos países presentes em desenvolver políticas públicas de qualidade, que atendam a diversidade de interesses e projetos das pessoas e das comunidades, com particular preocupação às pessoas pouco escolarizadas, apelando aos estabelecimentos de ensino superior para uma colaboração que ajude a reforçar a especificidade do domínio (UNESCO, 2009). Fica, mais uma vez, desta Conferência, a constatação generalizada de que a educação deve assumir os compromissos com os quatro pilares enunciados no documento Delors, compreendendo todas as experiências formais e não formais, sendo incontornável como contributo mais decisivo para impulsionar o desenvolvimento sustentável das nações. Por outro lado, os contributos teóricos do domínio da educação e formação de jovens adultos, colocam um realce particular na dimensão holística das atividades educativas e na ação, enquanto unidade central, organizadora de todas essas mesmas atividades. Jobert (2007, p. 27) sintetiza, de uma maneira particularmente feliz, esta dupla leitura das atividades educativas para pessoas adultas, afirmando que, a diferenciação histórica que distingue a emergência da profissionalidade específica do formador de adultos “é a consideração não só de um sujeito cognitivo, de um sujeito epistémico, mas também de um sujeito envolvido na ação e comprometido com todas as dimensões da sua pessoa: emocionais, utópicas, sociais e simbólicas”. Se é perfeitamente legítimo entender o sujeito das teorias humanistas, ou o agente das teorias críticas, como pessoas que, respetivamente, se mudavam para agir, mudando o contexto, ou que, em conjunto com outros agentes, se envolvia numa práxis transformadora, empreendendo a mudança social, será lícito e indispensável colocar a ação, ela própria, no âmago das atividades educativas, passando a considerar as pessoas adultas, como atuantes, os(as) quais devem compreender e revalorizar a sua ação passada, conhecer as condições e necessidades de transformação da ação presente, impregnando de sentido essa transformação e o seu quotidiano, por forma a regularem satisfatoriamente o confronto com a instabilidade, o risco e o caos vocacional, características identificadoras (BOUTINET, 1997) da idade adulta atual. Como facilmente se compreenderá, as pessoas apenas serão atuantes se forem autónomas e usarem de completa liberdade na configuração, desenvolvimento, avaliação e reconfiguração da sua ação, entendida por Morin (2002) como resultado de uma escolha e decisão sem coações de qualquer tipo, derivada dos recursos disponíveis e ponto de encontro de múltiplas interações. Por outro lado, as pessoas apenas serão autónomas se, conscientemente, não estiverem condicionadas aos constrangimentos de forças cultural e economicamente hegemónicas, sendo capazes de avaliar criticamente a persuasão ditatorial de certos estilos de vida e de atualizar, permanentemente, a capacitação individual e coletiva para assumirem a satisfação das suas necessidades e o controlo do seu destino, no âmbito da partilha do espaço planetário. Conjugando estas dimensões e procurando as ideias centrais das perspetivas teóricas revistas, representamos, na figura 2, uma proposta de modelo para a caracterização da especificidade atual da Educação e Formação de Adultos. Por tudo o que ficou escrito, apenas podemos compreender a Educação e Formação de Adultos construída e desenvolvida a partir da ação (cf., também, BRITON, 1996; USHER, Bryant & JOHNSTON, 1997; FINGER & ASÚN, 2003; BARBIER & GALATANU, 2004), para transformar essa ação, distinguindo-se da educação escolar, predominantemente baseada na aquisição conteúdos sequenciados e hierarquizados, destinada a crianças e adolescentes, a qual assume como orientação principal a socialização, entendida (DUBAR, 1997) como o processo pelo qual os indivíduos se tornam membros de grupos, de coletivos ou de sociedades. Afasta-se também, por completo, da educação bancária (FREIRE, 1972), onde as pessoas recebem e memorizam, acriticamente, os diferentes tipos de saberes. Em síntese, colocando ao longo de um eixo horizontal as dimensões de socialização e da ação, a Educação e Formação de Adultos, tem de situar-se, sem concessões, do lado desta, considerando as pessoas como membros, por inteiro, de uma comunidade onde (inter)agem, sendo esta (inter)ação a única possibilidade real, de qualquer transformação pessoal ou social. Autonomia prática Educação de Adultos emancipatória Acção Socialização vocacional instrumental Adaptação Figura 2: Especificidade Identitária da Educação e Formação de Jovens e Adultos Colocando, depois, perpendicularmente a essa orientação horizontal, um novo eixo, em cujas extremidades se situem, de um lado, atividades educativas mais orientadas para a adaptação acrítica a situações preexistentes, cultural e socialmente estabilizadas e codificadas e, do outro, atividades educativas promotoras da autonomia individual e coletiva, comprometidas com a leitura do mundo (FREIRE & MACEDO, 1994) e desafiadoras da condição de pessoas atuantes, agentes de transformação e mudança, encontram-se quatro quadrantes, nos quais podemos tipificar a generalidade das experiências educativas conhecidas: instrumentais, vocacionais, práticas e emancipatórias. De toda a evolução do pensamento científico deste domínio, do aperfeiçoamento das atividades educativas e das necessidades identificadas nas dinâmicas pessoais, sociais, institucionais e organizacionais, mais hodiernas, revistas ao longo deste capítulo, a Educação e Formação de Adultos só poderá desenvolver-se no âmbito de uma orientação emancipatória (Fig. 2). Naturalmente que, na gestão das suas trajetórias, transições e temporalidades e na reconstrução da(s) sua(s) identidade(s) (DUBAR, 1997), os sujeitos necessitarão, frequentemente, de reforçar os seus saberes instrumentais e de recompor os seus percursos e processos de socialização. No caso das atividades educativas com adultos, mantendo, permanentemente, a identidade enunciada, estas aquisições e reconstruções deverão estar sempre submetidas ao desenvolvimento de uma consciência autocrítica e crítica (leitura do mundo), dimensões indispensáveis para uma práxis transformadora desenvolvida por pessoas atuantes. Considerações finais Em face das referências históricas e teóricas revistas e atendendo às condições de desenvolvimento das comunidades e da sociedade atual, mormente dos processos globalização, nem sempre muito claros e de controlo indefinido, torna-se indispensável debater e equacionar a construção de um movimento de Educação e Formação ao Longo da Vida, com uma dimensão ideológica comprometida com a construção de uma sociedade do conhecimento partilhado por todos, a humanização da cultura e o exercício de uma cidadania plena, informada, ativa e crítica, por parte de todos os cidadãos e cidadãs, desafiados/as a partilhar o espaço planetário. Na proposta de organização desse movimento avança-se neste texto com a necessidade de nele incluir cinco componentes indissociáveis e dinamicamente conjugadas: a construção de uma cidadania planetária ativa e crítica, a garantia dos recursos educativos necessários, a necessidade de contextos de vida educativos, a existência de serviços de orientação e aconselhamento e a criação de instituições e serviços que promovam o reconhecimento pessoal e social de saberes construídos nos diferentes espaços e tempos de vida, combatendo o elitismo cognitivo vigente de apenas se valorizarem socialmente os saberes escolares. Integrando este movimento, propõe-se que a Educação e Formação de Jovens e Adultos consolide a sua especificidade identitária, fazendo-se e refazendo-se a partir da ação, com o objetivo de transformar essa mesma ação, comprometendo-se, de forma inalienável, com a mudança individual e social, promovendo a progressiva autonomia e responsabilidade das pessoas e dos grupos, assumindo as características de uma práxis transformadora, com uma direção ideológica emancipatória. Se hoje a polis tem a dimensão do planeta, deixam-se aqui algumas reflexões para o debate necessário sobre a maneira como a educação e formação que, necessariamente, se devem prolongar ao longo da vida, podem contribuir para a aspiração platónica de trabalharmos para um espaço onde todos sejam felizes. Referências ALCOFORADO, L. Educação de Adultos e Trabalho. Dissertação de Mestrado. Coimbra: Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Coimbra, 2000. _______. 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