UNIVERSIDADE VALE DO RIO DOCE – UNIVALE NÚCLEO DE ESTUDOS HISTÓRICOS E TERRITORIAIS – NEHT MARINA SOARES LEÃO A REPRESENTAÇÃO SOCIAL DO PATRIMÔNIO CULTURAL PARA A FORMAÇÃO DO SENTIMENTO DE PERTENÇA DO SUJEITO SOCIAL GOVERNADOR VALADARES 2009 2 MARINA SOARES LEÃO A REPRESENTAÇÃO SOCIAL DO PATRIMÔNIO CULTURAL PARA A FORMAÇÃO DO SENTIMENTO DE PERTENÇA DO SUJEITO SOCIAL Monografia para obtenção do título de Especialista em Gestão do Território e do Patrimônio Cultural apresentada ao Curso Euro-Brasileiro de Pós-graduação em Gestão do Território e do Patrimônio Cultural da Universidade Vale do Rio Doce. Orientadora: Professora Doutora Sueli Siqueira GOVERNADOR VALADARES 2009 3 AGRADECIMENTO Agradeço a Deus por mais uma conquista alcançada. À minha orientadora Profa. Dra. Sueli Siqueira pela dedicação, paciência e boa vontade para comigo. Aos meus pais, José Carlos e Andréa e irmãos, Igor, Isabela e André que muito me incentivam na busca de meus objetivos e por serem o alicerce de minha formação. Ao Robson por ser a paz e a serenidade que tanto necessito para driblar as dificuldades que a vida nos impõe. A você, o meu mais profundo e sincero amor, carinho e companheirismo. 4 SUMÁRIO 1. Introdução 05 2. Patrimônio Cultural e sua função social 08 2.1. Sentimento de pertença 13 2.2. Território 16 3. Sujeito social 18 4. Representação social 25 5. Conclusão 30 6. Referências bibliográficas 32 5 1. INTRODUÇÃO A preservação patrimonial tornou-se uma questão amplamente discutida por estudiosos do assunto e dos habitantes das cidades que vêem nesta uma riqueza de memória, valores e sentimentos. Nostalgia, sentimento de que a cidade e o patrimônio não são mais os mesmos, permeia a fala dos residentes que expressam através deste discurso o distanciamento existente entre o legado patrimonial construído ao longo da formação da cidade na qual este reside. As rápidas mudanças ocorridas na estrutura urbana das cidades, refletidas profundamente na cultura das mesmas, também respaldam tais discursos. A revitalização e preservação apresentam-se como uma perspectiva de ressignificar os usos e percepções dos espaços históricos das cidades através de uma relação mais próxima e realista entre presente e passado. Tal processo surge como ferramenta essencial de intervenção e de recomposição das perdas oriundas dos atos de violência e degradação sofridos por estes expressivos bens culturais coletivos. Como um todo, a preservação e revitalização dos espaços e bens que compõem o patrimônio histórico-cultural de uma cidade advêm da necessidade de recuperar, por excelência, o digno passado da mesma. Ao pensar o sujeito enquanto ator social atuante no processo de preservação do patrimônio deve-se analisar também o espaço ocupado pela cidade, pois a mesma apresenta-se como um aglomerado de significações e imaginários que sustentam as práticas e representações atribuídas ao uso deste patrimônio. É através da troca propiciada entre as transformações e intervenções ocorridas nas formas urbanas das cidades e do imaginário surgido a partir desta relação que se encontra a interlocução entre passado e presente. As paisagens urbanas emolduradas pelo patrimônio cultural remetem à tentativa de recuperar uma “herança” perdida onde prima a intenção e a necessidade de preservar o eu. 6 Desta forma, surge a necessidade de recriar o patrimônio a partir da representação social que este tem para o sujeito que compõe o espaço em que ambos pertencem, pois enquanto teoria, a representação social traduz uma gama de significações e simbolismos oriundos das relações de afeto e de práticas sociais articuladas entre o sujeito e o patrimônio histórico-cultural. Ao reajustar o passado às novas percepções da realidade urbana permite-se, através dos processos de revitalização e preservação patrimonial, a probabilidade de estabelecer novos elos temporais constituídos de inúmeras significações, pois tais sentimentos afloram do imaginário daqueles que convivem e possuem algum tipo de ligação para com o patrimônio em questão e reconhecem nele seu próprio passado. Neste ínterim, permite-se refletir sobre a memória da cidade como aspecto fundamental para compreender a importância da preservação do patrimônio cultural. Dotada de inúmeros significados, a memória da cidade remete-nos à valorização e ao uso dos espaços constituídos como espaços de preservação patrimonial. Estes, por sua vez, no interior das disputas de diferentes atores sociais, sofrem com o processo de tentativa de serem classificados e ordenados quanto às prioridades das representações simbólicas enquanto objeto de preservação. De acordo com Barreira (2003, p. 315) “[...] o que preservar, como mudar ou o que mudar são questões que vêm à tona atualmente com mais evidência, alimentando o plano das representações sobre a cidade, que orientam diferentes discursos”. Sob este aspecto compreende-se que a cidade torna-se mutável de acordo com os acontecimentos que nela ocorrem e que, por sua vez, são refletidos na variação de seus significados. Ou seja, a cidade reinventa-se e reconstrói-se ao longo do tempo e traduz, por excelência, as memórias individuais e coletivas. A partir deste entendimento, retoma-se o diálogo da preservação enfocando a consolidação de políticas públicas de incentivo à cultura, iniciada na década de 1980. A Lei Rouanet, Lei nº 8.313/ 91, criada pelo Ministério da Cultura como Lei Federal de Incentivo à Cultura, focou a isenção fiscal e a abertura de linhas de financiamento à iniciativa privada que, por sua vez, utiliza do “marketing cultural” 7 para expandir-se, com relevante alcance comunitário, no mercado comercial ao associar sua marca aos espetáculos culturais criados nos cenários públicos. Sendo assim, a restauração, preservação e manutenção do patrimônio cultural nas cidades estão combinadas aos investimentos financeiros e materiais, sendo este último acompanhado de uma grande carga de simbolismos, individual e coletivo, que permeiam o crescimento urbano das mesmas ao serem representadas socialmente pelos sujeitos que participam deste processo. 8 2. PATRIMÔNIO CULTURAL E SUA FUNÇÃO SOCIAL A noção de patrimônio é muito abrangente e vasta, podendo ser compreendida, de um modo geral e simplista, como sendo um conjunto de bens materiais e imateriais pertencentes a um indivíduo e abastecido de algum valor, seja ele econômico ou sentimental. Tal valoração passa a ter algum significado a partir da legitimidade conferida pelo universo social que cerca o patrimônio, ou seja, é o valor atribuído ao patrimônio que irá caracterizá-lo como sendo um bem cultural ou não. No que tange às características de bem material ou imaterial, Rodrigues (2007) as diferencia a partir de uma subclassificação trabalhando-as no contexto “[...] dos bens culturais e, também, para imposição de providências referentes à sua preservação. Assim, a um bem cultural imaterial caberá a imposição de regras de preservação que se diferenciem daquelas de coisas materiais. As materiais impõem, a princípio, ao proprietário uma obrigação de não fazer, de conservar, de oferecer ao Estado o direito de preempção na hipótese de alienação, dentre outros. Já na preservação de bens culturais imateriais [...], não se pode, a princípio, impor ao cidadão um dever concreto de preservação. Nesse caso, a preservação dos valores, fator de caracterização dos bens culturais, ficaria a cargo do Estado, com a colaboração do particular, e efetivada por meio de regras de proteção do patrimônio imaterial [...]” (RODRIGUES, 2007, p. 53) Deste modo, pode-se perceber que o patrimônio cultural definitivamente exerce uma função que abarca os contextos culturais e sociais onde o valor conferido ao patrimônio ocorre a partir do “interesse que esse valor desperta na sociedade desejosa da tutela daquele valor” (Giancarlo Rolla apud Rodrigues, 2007, p. 54) atribuindo-lhe sentido. De acordo com Hewinson, apud Harvey (1992, p. 85) 9 “[...] o impulso de preservar o passado é parte do impulso de preservar o eu. Sem saber onde estivemos, é difícil saber para onde estamos indo. O passado é o fundamento da identidade individual e coletiva; objetos do passado são a fonte da significação como símbolos culturais. A continuidade entre passado e presente cria um sentido de seqüência para o caos aleatório e, como a mudança é inevitável, um sistema estável de sentidos organizados nos permite lidar com a inovação e a decadência. O impulso nostálgico é um importante agente do ajuste à crise, é o seu emoliente social, reforçando a identidade nacional quando a confiança se enfraquece ou é ameaçada [...]” De acordo com Peralta (2003), o patrimônio pode ser compreendido a partir da definição elaborada por Llorenç Prats (2003) que “[...] considera-o, antes de mais nada, uma construção social (1997, p. 19), porque para que determinados elementos se constituam como patrimônio têm de ser resgatados de um corpus cultural mais ou menos difuso e sujeitos a uma engenharia social que lhes confere valor e significado. A conversão de objetos e fenômenos culturais em patrimônio não é espontânea nem natural. Nem sequer é um fenômeno cultural universal. O patrimônio constrói-se [...] "ativa-se" (1997, p. 31). O que quer dizer que toda a operação de construção ou ativação patrimonial comporta em si mesma um propósito ou uma finalidade. Existe uma dimensão utilitária inerente a todo o processo de construção patrimonial. [...] Sendo uma idealização construída por uma sociedade sobre quais são os seus próprios valores culturais, o patrimônio serve, antes de mais nada, a fins de identificação coletiva, veiculando uma consciência e um sentimento de grupo, para os próprios e para os demais, erigindo, nesse processo, fronteiras diferenciadoras que permitem manter e preservar a identidade coletiva.” (PRATS apud PERALTA, 2003, p. 85) 10 A Carta Magna brasileira de 1988 também define a preservação do patrimônio cultural como um direito fundamental à pessoa humana, pois deste se produz também a preservação da identidade cultural do sujeito. O artigo 216 da Constituição Federal brasileira vigente dispõe o seguinte sobre o patrimônio cultural nacional: “Art. 216 – Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem: I – As formas de expressão; II – Os modos de criar, fazer e viver; III – As criações científicas, artísticas e tecnológicas; IV – As obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artísticos-culturais; V – Os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e cientifico.” O patrimônio é fundamentado no processo de identificação coletiva onde a fusão simbólica entre passado e presente se dá a partir de elementos sociais, culturais, ideológicos e psicológicos do grupo nos quais são significativos para a formação de sua identidade. Esta utilização do patrimônio como fomentador da identidade social é um dos principais aspectos de legitimação de sua preservação. Neste sentido, Guattari & Rolnik (1986) constroem a noção da identidade que permeia o sujeito mediante o seu processo de significação enquanto sujeito social definindo-a a partir de “[...] um conceito de referenciação, de circunscrição da realidade a quadros de referência, quadros esses que podem se imaginários [e, por conseguinte, idealizados]. [...] Em outras palavras, a identidade é aquilo que faz passar a singularidade de diferentes maneiras de existir por um só e mesmo quadro de referência identificável [...]” (GUATTARI & ROLNIK, 1986, p. 68) 11 Neste contexto, o conceito de patrimônio cultural apresenta-se de forma complexa. Embora tal conceituação englobe conjuntamente os conceitos de patrimônio histórico e artístico, sua compreensão é muito mais ampla do que imagina o senso comum. Conforme Lemos (2004) o Patrimônio Cultural “[...] pode ser subdividido em três categorias: os elementos pertencentes à natureza, que são os recursos naturais que tornam o sítio habitável; os elementos não tangíveis, que são a capacidade de sobrevivência do homem no seu meio ambiente (conhecimentos, técnicas, saber e saber fazer); e os bens culturais, que são coisas, objetos e construções, enfim, artefatos, obtidos a partir do meio ambiente e do saber fazer.” (LEMOS, 2004, p. 135) Ao moldar-se às novas percepções do presente, o patrimônio expressa a tentativa de recriar o passado com o intuito de reinventar seus significados e valores. Esta ressignificação permite aplicar uma nova forma de uso a este patrimônio que, por sua vez, adota uma nova função social. Ao representarem uma memória individual e coletiva, o patrimônio e a sua preservação passam a ser respostas e conseqüências diretas da percepção do sujeito no espaço ao qual está inserido e do valor que este patrimônio expressa na realidade deste sujeito. Em contrapartida, ao assumir o papel de representação da identidade, da memória e da reflexão do sujeito local o patrimônio ainda enfrenta problemas com relação ao entendimento deste sujeito em relação à sua própria memória, pois este se sente discriminado quanto à sua efetiva participação em diversos momentos do processo de preservação patrimonial sendo induzidos ao descaso de sua própria memória. Entretanto, no decorrer do processo de preservação do patrimônio cultural compreende-se o quanto é importante a participação ativa e efetiva do sujeito que, ao perceber-se como sujeito social produz o resgate de sua memória coletiva e 12 possibilita assim a compreensão da complexidade e dinamicidade dos significados presentes em tal processo. Segundo Sánchez (2001) o espaço 1 é a reprodução de um “ato de poder simbólico” que está em freqüente disputa pelas representações dominantes, onde “[...] entendimentos particulares de certos conceitos e noções tornam-se apropriados em momentos específicos do espaço-tempo e a partir de perspectivas políticas particulares. Nesses momentos, as formas de representar o espaço são ativamente mobilizadas. Diante dessa mobilização, há também maneiras de defender formas particulares de pensar e entender o espaço, como recusa às armadilhas de formulações hegemônicas prévias, abrindo terreno para novas questões que politicamente precisam ser apresentadas. Segundo Massey, essa recusa às formas dominantes de representar e pensar o espaço estaria contribuindo também para construções mais abertas de futuro (MASSEY apud SÁNCHEZ, 2001, p. 38)”. Como referência para a ação de recriar o espaço, é preciso compreender como este adquire o valor simbólico que lhe é atribuído. Sua valoração é dada a partir das atividades de representação e ressignificação do patrimônio local e do resgate da memória coletiva para com o sujeito que se constitui como produto e produtor deste espaço. Nesta perspectiva, ainda de acordo com Sánchez (2001) podemos perceber que “[...] ao produzir um objeto material na cidade, uma praça, um monumento, um edifício, produz-se também a maneira como será consumido, através das práticas ideológicas que produzem o objeto sob a forma de discurso e imagem. Assim, a reelaboração simbólica que um discurso efetiva é parte integral da realidade 1 O termo “espaço” é tomado aqui como a cidade ou o local de ocorrência da preservação do Patrimônio Cultural. 13 social e, por essa razão, tal realidade é também constituída ou determinada pela própria atividade de simbolização.” (SÁNCHEZ , 2001, p. 35) Segundo Raban, apud Harvey (1992, p. 17) “[...] as cidades, ao contrário dos povoados e pequenos municípios são plásticas por natureza. Moldâmo-las à nossa imagem: elas, por sua vez nos moldam por meio da resistência que aparece quando tentamos impor-lhes nossa própria forma pessoal. Nesse sentido, parece-me que viver numa cidade é uma arte, e precisamos do vocabulário da arte, do estilo, para descrever a relação peculiar entre homem e material que existe na contínua interação criativa da vida urbana. A cidade tal como a imaginamos, a suave cidade da ilusão, do mito, da aspiração do pesadelo, é tão real, e talvez mais real, quanto a cidade dura que podemos localizar nos mapas e estatísticas, nas monografias de sociologia urbana, de demografia e arquitetura [...]” Neste entendimento, a produção do espaço social adquire características que expressam, simultaneamente, formas subjetivas e objetivas. Ou seja, o imaginário e o simbolismo que abarcam todo o conteúdo da preservação do Patrimônio Cultural são, na maioria das vezes, moldados e expressos a partir da necessidade de potencializar a eficácia econômica capitalista através da manipulação cultural e não pela real necessidade de preservação da cultura em si. 2.1. SENTIMENTO DE PERTENÇA A participação ativa dos sujeitos no processo de preservação do Patrimônio Cultural gera o sentimento de pertença ao espaço. À medida que tornam-se mais partícipes e 14 presentes na perpetuação do passado coletivo e à medida que o grau de envolvimento para com o espaço e com o Patrimônio Cultural se eleva, o sujeito recria em ambos os elementos uma compreensão contemplativa destes na construção de novos significados à realidade ao redor de si. Nesta óptica, o processo de ressignificação do Patrimônio Cultural amplia a dimensão simbólica presente em cada sujeito quando esta é compreendida como herança de um povo e de um passado em comum. A continuidade da tradição de um grupo social se dá através da transferência do patrimônio a partir das práticas sociais atribuídas a ele. Esta apropriação coletiva e / ou individual do patrimônio alimenta os sentimentos de identificação e de atribuição de valor ao bem. Neste sentido, o patrimônio em sua forma física representa um acervo acumulado, reelaborado e intransferível das experiências vivenciadas pelas diversas gerações antepassadas. Para compreendemos melhor a importância do Patrimônio Cultural na formação social e valorização do sentimento de pertença do sujeito, faz-se necessário analisar as origens da discussão acerca do patrimônio no Brasil. O processo de preservação do Patrimônio Cultural no Brasil surge por volta de 1934 com a iniciativa de intelectuais engajados no movimento modernista e do então Ministro da Educação e da Saúde, Gustavo Capanema que possuíam como motivação o desejo de mudança literária e artística, além da criação de um plano geral que visava a conservação dos patrimônios nacionais. Mario de Andrade, ícone deste movimento e “diretor do Departamento de Cultura e Recreação de São Paulo” (Cabral, 2004, p. 134), foi um dos precursores deste projeto de cunho preservacionista do Patrimônio Cultural, criando em 1936 o “Anteprojeto do Serviço do Patrimônio Artístico Nacional (Span)”. Em 1937 o decreto-lei nº. 25 de 30 de novembro de 1937, Artigo 1º constituiu o SPHAN2, a partir da base proposta pelo Anteprojeto, como órgão responsável pela preservação patrimonial da União, com o intuito de preservar, através do 2 SPHAN (Serviço de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional). 15 tombamento, alguns monumentos e prédios a fim de recriar um passado para a nação brasileira. Tal decreto definia o patrimônio histórico e artístico nacional como "[...] o conjunto de bens móveis e imóveis existentes no país e cuja conservação seja do interesse público quer por sua vinculação a fatos memoráveis da História do Brasil, quer por seu excepcional valor arqueológico ou etnográfico, bibliográfico ou artístico". Com a elaboração da Carta de Veneza3 as práticas de preservação do patrimônio histórico-cultural expandem-se mundialmente. Posteriormente, em 1970, o SPHAN é elevado a Instituto, denominado de IPHAN4, existente até os dias atuais e que trabalha em parceria com a comunidade para proteger, preservar e gerir o patrimônio histórico e artístico brasileiro. Sendo assim, o IPHAN define o Patrimônio Cultural “[...] a partir de suas formas de expressão; de seus modos de criar, fazer e viver; das criações científicas, artísticas e tecnológicas; das obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais; e dos conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico.” Em 1985, na gestão do Presidente Collor, é criado o Ministério da Cultura. Em 1990, é criada a Secretaria da Cultura, com a extinção do Ministério da Cultura, e atrelada 3 Carta internacional elaborada pela UNESCO (Organização das Nações Unidas) em 1964, com o intuito de promover a preservação, conservação e restauração de monumentos e sítios históricoculturais. 4 IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) 16 à Presidência da República assumindo temporariamente a condição de Instituto Brasileiro do Patrimônio Cultural (IBPC). Em 1994 o IBPC volta à condição de Iphan. Outro sustentáculo no qual se arquiteta a identidade é o pertencimento, reforçado através da manutenção do relevante papel dos símbolos em sua construção. O grau de particularidade e de desenvolvimento na produção simbólica e material baseia-se na estruturação do sentimento de pertença elaborado por um sujeito inserido em sua realidade social coletiva e individual. Neste sentido, os espaços considerados como Patrimônios Culturais impelem à prática do reconhecimento dos símbolos, das vivências e da memória experimentadas pela sociedade como um todo, ao fortalecer o sentimento de pertença e a necessidade de manutenção coletiva deste. Neste aspecto, a apropriação apresenta-se como foco principal no processo de elaboração do sentimento de pertença e preservação do patrimônio cultural. Neste desenvolvimento, o sujeito e o entorno interagem simultaneamente e de forma dialética, proporcionando-lhes uma transformação recíproca. Estas ações são amparadas pelo desejo de fortalecer subjetivamente os laços que aproximam a história pessoal deste indivíduo com sua realidade vivenciada. Sua necessidade de sentir a posse e o domínio sobre o local onde vive permite a construção de sua identidade a partir da reestruturação simbólica e material deste espaço. 2.2. TERRITÓRIO A questão do patrimônio cultural também nos remete à questão do território e do seu papel no processo de identidade e pertencimento do sujeito. O território abrange uma estrutura muito mais ampla do que a representada pelo material. Nele estão relacionados as redes sociais e demais relacionamentos 17 estabelecidos de interação social, cultural e econômico, que são construídos a partir da história do sujeito e do contexto diferenciado de cada estrutura trabalhada. De acordo com Albagli (2004, p. 26) a noção de território é distinto da noção de espaço, trabalhado anteriormente, considerando o território como sendo “[...] o espaço apropriado por um ator, sendo definido e delimitado por e a partir de relações de poder, em suas múltiplas dimensões. Cada território é produto da intervenção e do trabalho de um ou mais atores sobre determinado espaço. O território não se reduz então à sua dimensão material ou concreta; ele é, também, “um campo de forças, uma teia ou rede de relações sociais” que se projetam no espaço.” A dinamicidade do território consiste a partir da interação de vários fatores, tais como fatores econômicos, físicos, sociopolíticos, culturais e simbólicos que, ao serem combinadas, irão proporcionar a formação do espaço. Ainda de acordo com Albagli (2004, p. 39), o território estrutura a construção da identidade do sujeito, como também da identidade coletiva. “O território é suporte e produto da formação de identidades individuais e coletivas, despertando sentimentos de pertencimento e de especificidade. As representações sociais, imagens, símbolos e mitos projetam-se e materializam-se no espaço, transformandose em símbolos geográficos, fornecendo referências e modelos comuns aos atores sociais e cristalizando uma identidade territorial. [...] Ao se formar uma identidade coletiva vinculada a um território, definem-se as relações com os outros [...]. Essa faceta simbólica do território pode expressar-se também em reinvidicações territoriais da comunidade ou grupo social.” 18 3. SUJEITO SOCIAL Na totalidade do processo de preservação é possível compreender o amplo universo dos símbolos e significações que envolvem o espaço, palco onde são estabelecidas as relações ― individuais e coletivas ― entre o lugar e o sujeito. Sob esta óptica, é impossível analisar o processo de preservação patrimonial sem compreender a formação da identidade social. Contudo, faz-se necessário apresentar a definição de homem que, segundo Fromm (1985), é o “[...] animal que pode dizer ‘eu’, que pode ter consciência de si mesmo como entidade independente. [...] O homem, afastado da natureza, dotado de razão e de imaginação. Necessita formar um conceito de si mesmo, necessita de dizer e sentir: ‘Eu sou eu’. [...] e tem que ser capaz de sentir a si mesmo como sujeito de suas ações [...].” (FROMM, 1985, p.63-64) O sentimento de identidade do sujeito se constitui a partir da necessidade oriunda de diversos impulsos, onde o homem busca compreender o mundo externo como algo separado e independente de si enquanto indivíduo. Assim, somente desta forma consegue adquirir consciência de si e de seu papel no mundo. Contudo, este grau de tomada de consciência de si como ser independente está diretamente ligado aos moldes do processo de individuação deste sujeito. De acordo com Fromm (1985, p. 64), “o sentimento de identidade do homem se desenvolve no processo de sair dos ‘vínculos primários’ que o ligam à mãe e à natureza”. O surgimento de uma nova ordem social, pautada na hegemonia do capitalismo, imprimiu uma profunda influência na constituição do ser social e nas formas como 19 este sujeito se relaciona consigo e constrói a realidade na qual está inserido. Este processo de socialização é moldado nas sucessivas trocas simbólicas presentes nas relações existentes entre o indivíduo e as instituições sociais, tendo este indivíduo, portanto, uma participação efetiva na edificação da realidade à qual pertence e que, por conseqüência, modifica a composição do mundo coletivo. O homem está inserido em um mundo social onde as relações sociais conduzem o seu desenvolvimento. Todavia, este mundo é estranho ao eu do sujeito porque exige que este se adapte a ele à medida em que se insere nas relações sociais e de trabalho do mundo externo. De acordo com Bock et al. (2002) “[...] a noção de eu e a individualização nascem e se desenvolvem com a história do capitalismo. A idéia de um mundo ‘interno’ aos sujeitos, da existência de componentes existenciais, singulares, pessoais, privados toma força, permitindo que se desenvolva um sentimento de eu [...]”. (BOCK et al., 2002, p. 19) Entretanto, constantemente o sujeito busca substituir seu verdadeiro sentimento de identidade por outro sentimento valorativo, tais como a ocupação profissional, a religião exercida e a classe social em que se enquadra, como formas de promovê-lo a um status que o identificará como sujeito único. Dessa forma, o sujeito, compreendido como ser social, detém uma maior autonomia no que tange os aspectos da liberdade de reflexão. A capacidade que o sujeito possui de questionar a realidade ao seu redor proporciona a ampliação de sua habilidade de escolher o universo ao qual promoverá suas relações sociais, bem como de dialogar acerca dos valores que compõem tal universo. Todo este desenvolvimento produz como resultado final a construção da identidade social. 20 Agier (2001, p.9) afirma que “[...] na cidade, mais que em outra parte, desenvolvemse, na prática, os relacionamentos entre identidades, e na teoria, a dimensão relacional da identidade. Por sua vez, esses relacionamentos "trabalham", alterando ou modificando, os referentes dos pertencimentos originais (étnicos, regionais, faccionais etc.). Essa transformação atinge os códigos de conduta, as regras da vida social, os valores morais, até mesmo as línguas, a educação e outras formas culturais que orientam a existência de cada um no mundo. Dito de outra forma, o processo identitário, enquanto dependente da relação com os outros (sob a forma de encontros, conflitos, alianças etc.), é o que torna problemática a cultura e, no final das contas, a transforma”. (AGIER, 2001, p.9) Nesta perspectiva, o local, representado pela cidade, apresenta-se como o principal sustentáculo para abrigar as relações sociais, pois o entorno físico e social vivenciado pelo sujeito representa um artefato essencial para a formação de sua identidade coletiva. As identidades sociais / coletivas promovem o princípio da integração social ao passo que “[...] a identidade [...] costura [...] o sujeito à estrutura. Estabiliza tanto os sujeitos quanto os mundos culturais que eles habitam, tornando ambos reciprocamente mais unificados e predizíveis” (Hall apud Freire, 2006, p. 58). Sendo assim, o homem constitui sua identidade social através da percepção de seu pertencimento a um grupo social ao mesmo tempo em que busca os valores do significado emocional anexo a este pertencimento. A identidade apresenta-se como um fenômeno sociocultural que envolve a percepção de cidadania do indivíduo local. Neste contexto, as estruturas fomentadoras da identidade social, dentre elas o sentimento de pertença e a subjetividade coletiva, resultam na capacidade de superar interesses particulares em favor do bem comum. 21 A identidade cultural, assim como a identidade do lugar, é um dos aspectos relevantes na análise sobre a identidade social. No primeiro, percebe-se que a partir da crescente complexidade das realidades locais, ou seja, das cidades, faz-se necessário abordar o percurso entre a cultura e a identidade, pois este se apresenta de forma diversa e intrínseca no contexto social. Neste sentido podemos considerar “[...] a cultura seria um ‘vasto celeiro de significações’ construído pelas pessoas ao longo do tempo e do qual se utilizam de acordo com as seleções situacionais, o que pode tornar os componentes do celeiro cultural diversos e mesmo contraditórios.” (MITCHELL apud AGIER, 2001, p. 13) Ainda nesta linha de raciocínio pode-se elucidar a importância da cidade neste processo de socialização da identidade, pois “[...] as cidades são o seu lugar por excelência. Elas vêem nascer novas etnicidades, para as quais o espetáculo da diferença cultural se torna não somente um objeto identitário, mas também um recurso político ou econômico para indivíduos e redes à procura de um lugar na modernidade” (AGIER, 2001, p.22 ). A identidade do lugar também se apresenta como relevante no estudo da identidade social, conforme mencionado acima. Os lugares / cidades são constituídos de relações internas díspares e conflitantes que transformam consequentemente modificam o tecido social e físico da mesma. o espaço e 22 Em contrapartida, este processo apresenta-se como o respaldo à valorização de símbolos do passado e a uma ativa participação na vida cotidiana e na realidade local. As mutações do espaço físico motivam a produção de novas dinâmicas na gênese das inter-relações individuais e sociais. Neste ponto da reflexão, e sem fechá-la, permite-se afirmar que os processos oriundos das múltiplas relações existentes entre os indivíduos e os caminhos estabelecidos por eles para a compreensão de si próprios e das identidades coletivas são o ponto de partida para a construção e a permanência da identidade deste sujeito. Neste contexto, a idéia de memória está amplamente associada ao conceito de identidade, ao passo que propicia o sentido de permanência e continuidade daquilo que é lembrado. Abandonando a idéia de sua formulação unicamente individual, a memória passou a fazer parte de uma perspectiva social ao se tornar um elemento indispensável na produção de identidades coletivas. Todo sujeito, apresentado nesta análise como o ser social ativo no processo de preservação do patrimônio e na construção da identidade coletiva, possui como referência de sua personificação social a identidade. Esta, por sua vez, surge como uma das principais ferramentas referenciais no que tange os aspectos de progresso e desenvolvimento social. Para complementar o entendimento na construção do sujeito social, faz-se necessário acrescentar a noção de auto-estima enquanto fomentadora de tal processo. A auto-estima representa um significante papel no desenvolvimento social porque está diretamente associado ao processo relacional existente entre o indivíduo e a realidade ao qual este está inserido. Pode-se definir a auto-estima pessoal como 23 "[...] a avaliação que o indivíduo faz, e que habitualmente mantém, em relação a si mesmo. Expressa uma atitude de aprovação ou desaprovação e indica o grau em que o indivíduo se considera capaz, importante e valioso. Em suma, a auto-estima é um juízo de valor que se expressa mediante as atitudes que o indivíduo mantém em face de si mesmo. É uma experiência subjetiva que o indivíduo expõe aos outros por relatos verbais e expressões públicas de comportamentos". (COOPERSMITH apud GOBITTA & GUZZO, 2002, p. 144) Entretanto, para Souza e Ferreira (2005, p.21) a auto-estima coletiva refere-se “[...] à identidade social, isto é, à avaliação dos atributos característicos dos grupos aos quais o sujeito pertence e com os quais se identifica”. Ainda de acordo com a abordagem de Gobbitta & Guzzo (2002) o indivíduo com uma alta auto-estima possui uma maior capacidade de participar ativamente de grupos sociais. "[...] uma pessoa com auto-estima alta mantém uma imagem bastante constante das suas capacidades e da sua distinção como pessoa, e que pessoas criativas têm alto grau de auto-estima. Estas pessoas com autoestima alta também têm maior probabilidade para assumir papéis ativos em grupos sociais e efetivamente expressam as suas visões. Menos preocupados por medos e ambivalências, aparentemente se orientam mais diretivamente e realisticamente às suas metas pessoais." (COOPERSMITH apud GOBITTA & GUZZO, 2002, p. 144) Sendo assim, ao mesclarmos a análise da preservação patrimonial e sua influência na auto-estima social do sujeito, podemos aferir que à medida que se prioriza a preservação dos bens do patrimônio cultural local e a manutenção da identidade coletiva ― a partir do resgate da memória local e do sentimento de pertença do indivíduo ― maior será a capacidade que este terá em sentir-se bem aceito em seu 24 local de residência, bem como sua referência ao local passará a possuir outros valores e significados. Conectado ao espaço físico local, o sentimento de pertença e a afetividade oriundos do processo de preservação, apresentam-se como um grupo de característica emocional pertinente àqueles que residem na localidade, pois parte-se do pressuposto que somente através da convivência e da percepção real do patrimônio cultural é que se faz presente a necessidade de restaurar e proteger o bem que representa a identidade e a memória do sujeito em questão. 25 4. REPRESENTAÇÃO SOCIAL Enquanto teoria sociológica da Psicologia Social, desenvolvida por Serge Moscovici (1961), a Teoria da Representação Social se introduz também como uma teoria interdisciplinar, pois busca uma forma de interligar duas correntes científicas de estudo do ser humano e de suas relações, tendo em vista os fenômenos culturais e sociais que o cerca, sendo elas a psicológica e a social. Contudo, seu conceito origina-se da sociologia e da antropologia. Entretanto, sua melhor identificação se dá com a ocorrência dos diálogos desenvolvidos entre os sujeitos, pois a partir deles é que surgem e são elaborados o senso comum e os saberes populares que irão circular e se fortalecer no meio social. A melhor definição para o termo representação social é dada pelo próprio autor desta Teoria, definindo-o como “[...] um sistema de valores, idéias e práticas, com uma dupla função: primeiro, estabelecer uma ordem que possibilitará às pessoas orientar-se em seu mundo material e social e controla-lo; e, em segundo lugar, possibilitar que a comunicação seja possível entre os membros de uma comunidade, fornecendo-lhes um código para nomear e classificar, sem ambigüidade, os vários aspectos de seu mundo e da sua história individual e social [...]” (MOSCOVICI, 2004, p. 21) Assim, percebe-se que esta Teoria traz um novo conceito em relação à aplicabilidade do pensamento social, a partir do momento que admite a existência de diversos meios de comunicação e de conhecimento que, por intermédio de diferentes objetivos, irão orientar o sujeito. Baseando-se nas idéias de representações coletivas de Durkheim, bem como na teoria da linguagem de Saussure, na teoria das representações infantis de Piaget e, 26 também, na teoria do desenvolvimento cultural de Vigotsky, Moscovici reorganiza a Teoria das Representações Sociais e eleva seu estudo ao nível social. Contudo, a Teoria das Representações Sociais é aprofundada por Denise Jodelet. Segundo Sêga (2000), a representação social desenvolvida por Jodelet possui cinco características específicas, são elas: “[...] a) é sempre representação de um objeto; b) tem sempre um caráter imagético e a propriedade de deixar intercambiáveis a sensação e a idéia, a percepção e o conceito; c) tem um caráter simbólico e significante; d) tem um caráter construtivo; e) tem um caráter autônomo e criativo.” (SÊGA, 2000, p. 129) Os fenômenos que permeiam o domínio do simbólico assumem maior grau de importância e interesse no aprofundamento dos estudos acerca deste tema a partir dos anos 60, com o aumento da preocupação em explicá-los. Para tanto, os estudiosos do assunto recorreram aos conceitos de imaginário e de consciência a fim de alcançar tais necessidades. Contudo, a partir da década de 80 os conceitos de memória social e representação também são incorporados a esta iniciativa. De acordo com Farr (2000, p. 45), Moscovici “estava modernizando a ciência social, ao substituir representações coletivas por representações sociais, a fim de tornar a ciência social mais adequada ao mundo moderno”. Ainda de acordo com Guareschi & Jovchelovitch (2000) as Representações Sociais envolvem aspectos que tangem os conceitos de afetividade, sociedade e cognição, culminando conjuntamente na produção dos saberes populares anteriormente citados. “[...] o caráter simbólico e imaginativo desses saberes traz à tona a dimensão dos afetos, porque quando 27 sujeitos sociais empenham-se em entender e dar sentido ao mundo, eles também o fazem com emoção, com sentimento e com paixão. A construção da significação simbólica é, simultaneamente um ato de conhecimento e um ato afetivo. Tanto a cognição e os afetos que estão presentes nas representações sociais encontram sua base na realidade social. [...] É quando as pessoas se encontram para falar, argumentar, discutir o cotidiano, ou quando elas estão expostas às instituições, aos meios de comunicação, aos mitos e à herança histórica cultural de suas sociedades, que as representações sociais são formadas [...]” (GUARESCHI & JOVCHELOVITCH, 2000, p.20) Tais autores afirmam que a Teoria da Representação Social traz novas perspectivas com relação ao estudo das relações sociais, pois foca sua visão na interação entre o sujeito e o objeto. Sendo assim, os autores citados afirmam que há uma recuperação do sujeito na medida em que “[...] através de sua atividade e relação com o objeto-mundo, constrói tanto o mundo como a si próprio [...]” (Guareschi & Jovchelovitch, 2000, p.19). A partir desta visão, podem-se associar as representações sociais à formação da sociedade, bem como da vida coletiva e da construção das representações simbólicas produzidas pelo sujeito. “[...] Não há dúvidas de que a Teoria das Representações Sociais se constrói sobre uma teoria dos símbolos. Elas são consideradas [...] formas de conhecimento social que implicam duas faces [...] o figurativo, ou lado imaginante, e o lado simbólico.” (MOSCOVICI, 1981 apud JOVCHELOVITCH, 2000, p.71) Seguindo esta perspectiva, Spink (2000) afirma que as representações sociais seguem duas fontes, onde a primeira estaria relacionada à sua utilidade prática a fim de possibilitar melhores formas de comunicação e expansão do homem no mundo. 28 A segunda relaciona-se ao sujeito social e sua participação direta na elaboração valorativa das representações sociais que surgem e são formadas diante dele. Neste sentido, as representações sociais devem ser priorizadas a partir do valor e da função que esta possui e exerce perante o sujeito. De modo que “[...] as representações sociais, enquanto formas de conhecimento, são estruturas cognitivo-afetivas e, desta monta, não podem ser reduzidas apenas ao seu conteúdo cognitivo. Precisam ser entendidas assim, a partir do contexto que as engendram e a partir de sua funcionalidade nas interações sociais do cotidiano [...]” (SPINK, 2000, p. 118) Jodelet (1984) apud Spink (2000) afirma que o sujeito aqui representado é um sujeito social mediante as intervenções que este produz a partir das representações sociais nas quais está interagindo, porque ele é “[...] um indivíduo adulto, inscrito em uma situação social e cultural definida, tendo uma história pessoal e social. Não é um indivíduo isolado que é tomado em consideração mas sim as respostas individuais enquanto manifestações de tendências do grupo de pertença ou de afiliação na qual os indivíduos participam [...] (JODELET, 1984 apud SPINK, 2000, p. 120) De acordo com a conceituação de sujeito elaborada por Jodelet, percebe-se que a Teoria da Representação Social deve ser analisada e praticada a partir do momento que se articula as noções dos elementos sociais, afetivos e mentais ao passo em que estes são agregados a outros elementos, tais como a comunicação, a linguagem e as relações sociais, pois todos estes elementos intervirão na realidade social, material e simbólica do sujeito. 29 Desta forma, pode-se compreender que as reapresentações sociais retratam a exteriorização do afeto que o sujeito possui daquilo que o cerca, bem como das possibilidades de transformação da realidade em que vive, assim como da forma em que elas são apresentadas por ele. 30 5. CONCLUSÃO Como reprodução dos movimentos sociais, as cidades representam o fenômeno da concepção e desenvolvimento urbano. Suas transformações e adaptações à realidade vigente são inerentes à sua condição social, independentemente de sua importância regional e econômica. Cada vez mais, o homem desenvolve a capacidade de perceber-se como sociedade detentora de uma identidade única, aprimorando cada vez mais sua capacidade de colocar em prática o “pensar global e agir local”. Originalmente visto como um meio de representar e recriar a história da cidade o patrimônio cultural transforma-se em objeto que vai muito além desta interpretação simplória. Desta forma, o patrimônio reflete a sociedade que o produz e isto nos leva a concluir que todo o processo de produção e preservação do patrimônio cultural se dá através da interferência direta ou indireta do homem no meio ao qual está inserido. Tal interferência, em nível simbólico ou mesmo material, representa conjuntamente a transformação cultural e a ressignificação da realidade e do momento vivenciado pelo sujeito justificados pela representação social que exercem para estes. Na tentativa de reinventar os significados e os valores inerentes ao passado local, o patrimônio cultural aproxima-se do sujeito tornando-o parte integrante de todo o processo de preservação. Em contrapartida, a inserção dos simbolismos ocorre de forma peculiar e subjetiva, pois cada sujeito possui uma relação e um olhar diferenciado para com o patrimônio, bem como uma representatividade social específica para si. Ao promover a integração social o patrimônio apropria-se do sujeito local enquanto detentor de uma identidade capaz de interligar-se a outros sujeitos formando uma rede social composta de uma identidade coletiva. Neste aspecto, o elo fundamental entre a identidade e o patrimônio cultural é a representatividade social 31 proporcionada por este no sujeito ao sentir-se possuidor de uma memória e de um passado representado materialmente por um elemento histórico. Surge então o sentimento de pertença e a afetividade entre os dois elementos que legitima, por conseqüência, a manutenção e preservação do patrimônio. É inegável a necessidade de recriar o espaço / cidade de modo socialmente responsável buscando minimizar as intervenções negativas e valorizar ao máximo a conservação da “alma” do lugar. A preservação deve primar pela manutenção do sentimento de pertença da população local, resgatando seu passado e sua importância enquanto ator social na construção da memória. O resgate cultural reflete a necessidade de se perpetuar a história que cada cidade possui, pois somos enquanto sujeitos, fortemente ligados e representados por esta memória. Finalmente, a conclusão sobre o objetivo central desta monografia, ou seja, o patrimônio cultural enquanto objeto possuidor de representação social para a formação do sentimento de pertença do sujeito, nos faz considerar que a preservação do patrimônio cultural representa um papel significativo no processo de elaboração e consolidação deste sentimento à medida que influencia diretamente a percepção do indivíduo neste espaço, ampliando o desenvolvimento do grau de pertencimento do mesmo, além de permitir uma representação valorativa e funcional do patrimônio cultural a partir de sua representatividade social. Afinal, não há preservação do patrimônio cultural sem a participação direta da comunidade e, por sua vez, esta não pode amar aquilo que não conhece. 32 6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AGIER, Michel. Distúrbios identitários em tempos de globalização. Mana, Rio de Janeiro, v. 7, n. 2, p. 7 – 33, Oct. 2001. 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