UNIVERSIDADE VALE DO RIO DOCE – UNIVALE
NÚCLEO DE ESTUDOS HISTÓRICOS E TERRITORIAIS – NEHT
MARINA SOARES LEÃO
A REPRESENTAÇÃO SOCIAL DO PATRIMÔNIO CULTURAL PARA A
FORMAÇÃO DO SENTIMENTO DE PERTENÇA DO SUJEITO SOCIAL
GOVERNADOR VALADARES
2009
2
MARINA SOARES LEÃO
A REPRESENTAÇÃO SOCIAL DO PATRIMÔNIO CULTURAL PARA A
FORMAÇÃO DO SENTIMENTO DE PERTENÇA DO SUJEITO SOCIAL
Monografia para obtenção do título de Especialista em
Gestão do Território e do Patrimônio Cultural
apresentada ao Curso Euro-Brasileiro de Pós-graduação
em Gestão do Território e do Patrimônio Cultural da
Universidade Vale do Rio Doce.
Orientadora: Professora Doutora Sueli Siqueira
GOVERNADOR VALADARES
2009
3
AGRADECIMENTO
Agradeço a Deus por mais uma conquista alcançada.
À minha orientadora Profa. Dra. Sueli Siqueira pela dedicação, paciência e boa
vontade para comigo.
Aos meus pais, José Carlos e Andréa e irmãos, Igor, Isabela e André que muito me
incentivam na busca de meus objetivos e por serem o alicerce de minha formação.
Ao Robson por ser a paz e a serenidade que tanto necessito para driblar as
dificuldades que a vida nos impõe. A você, o meu mais profundo e sincero amor,
carinho e companheirismo.
4
SUMÁRIO
1. Introdução
05
2. Patrimônio Cultural e sua função social
08
2.1. Sentimento de pertença
13
2.2. Território
16
3. Sujeito social
18
4. Representação social
25
5. Conclusão
30
6. Referências bibliográficas
32
5
1. INTRODUÇÃO
A preservação patrimonial tornou-se uma questão amplamente discutida por
estudiosos do assunto e dos habitantes das cidades que vêem nesta uma riqueza de
memória, valores e sentimentos.
Nostalgia, sentimento de que a cidade e o patrimônio não são mais os mesmos,
permeia a fala dos residentes que expressam através deste discurso o
distanciamento existente entre o legado patrimonial construído ao longo da formação
da cidade na qual este reside. As rápidas mudanças ocorridas na estrutura urbana
das cidades, refletidas profundamente na cultura das mesmas, também respaldam
tais discursos.
A revitalização e preservação apresentam-se como uma perspectiva de ressignificar
os usos e percepções dos espaços históricos das cidades através de uma relação
mais próxima e realista entre presente e passado. Tal processo surge como
ferramenta essencial de intervenção e de recomposição das perdas oriundas dos
atos de violência e degradação sofridos por estes expressivos bens culturais
coletivos.
Como um todo, a preservação e revitalização dos espaços e bens que compõem o
patrimônio histórico-cultural de uma cidade advêm da necessidade de recuperar, por
excelência, o digno passado da mesma.
Ao pensar o sujeito enquanto ator social atuante no processo de preservação do
patrimônio deve-se analisar também o espaço ocupado pela cidade, pois a mesma
apresenta-se como um aglomerado de significações e imaginários que sustentam
as práticas e representações atribuídas ao uso deste patrimônio.
É através da troca propiciada entre as transformações e intervenções ocorridas nas
formas urbanas das cidades e do imaginário surgido a partir desta relação que se
encontra a interlocução entre passado e presente. As paisagens urbanas
emolduradas pelo patrimônio cultural remetem à tentativa de recuperar uma
“herança” perdida onde prima a intenção e a necessidade de preservar o eu.
6
Desta forma, surge a necessidade de recriar o patrimônio a partir da representação
social que este tem para o sujeito que compõe o espaço em que ambos pertencem,
pois enquanto teoria, a representação social traduz uma gama de significações e
simbolismos oriundos das relações de afeto e de práticas sociais articuladas entre o
sujeito e o patrimônio histórico-cultural.
Ao reajustar o passado às novas percepções da realidade urbana permite-se, através
dos processos de revitalização e preservação patrimonial, a probabilidade de
estabelecer novos elos temporais constituídos de inúmeras significações, pois tais
sentimentos afloram do imaginário daqueles que convivem e possuem algum tipo de
ligação para com o patrimônio em questão e reconhecem nele seu próprio passado.
Neste ínterim, permite-se refletir sobre a memória da cidade como aspecto
fundamental para compreender a importância da preservação do patrimônio cultural.
Dotada de inúmeros significados, a memória da cidade remete-nos à valorização e
ao uso dos espaços constituídos como espaços de preservação patrimonial. Estes,
por sua vez, no interior das disputas de diferentes atores sociais, sofrem com o
processo de tentativa de serem classificados e ordenados quanto às prioridades das
representações simbólicas enquanto objeto de preservação. De acordo com Barreira
(2003, p. 315) “[...] o que preservar, como mudar ou o que mudar são questões que
vêm à tona atualmente com mais evidência, alimentando o plano das representações
sobre a cidade, que orientam diferentes discursos”.
Sob este aspecto compreende-se que a cidade torna-se mutável de acordo com os
acontecimentos que nela ocorrem e que, por sua vez, são refletidos na variação de
seus significados. Ou seja, a cidade reinventa-se e reconstrói-se ao longo do tempo
e traduz, por excelência, as memórias individuais e coletivas.
A partir deste entendimento, retoma-se o diálogo da preservação enfocando a
consolidação de políticas públicas de incentivo à cultura, iniciada na década de
1980. A Lei Rouanet, Lei nº 8.313/ 91, criada pelo Ministério da Cultura como Lei
Federal de Incentivo à Cultura, focou a isenção fiscal e a abertura de linhas de
financiamento à iniciativa privada que, por sua vez, utiliza do “marketing cultural”
7
para expandir-se, com relevante alcance comunitário, no mercado comercial ao
associar sua marca aos espetáculos culturais criados nos cenários públicos.
Sendo assim, a restauração, preservação e manutenção do patrimônio cultural nas
cidades estão combinadas aos investimentos financeiros e materiais, sendo este
último acompanhado de uma grande carga de simbolismos, individual e coletivo, que
permeiam o crescimento urbano das mesmas ao serem representadas socialmente
pelos sujeitos que participam deste processo.
8
2. PATRIMÔNIO CULTURAL E SUA FUNÇÃO SOCIAL
A noção de patrimônio é muito abrangente e vasta, podendo ser compreendida, de
um modo geral e simplista, como sendo um conjunto de bens materiais e imateriais
pertencentes a um indivíduo e abastecido de algum valor, seja ele econômico ou
sentimental. Tal valoração passa a ter algum significado a partir da legitimidade
conferida pelo universo social que cerca o patrimônio, ou seja, é o valor atribuído ao
patrimônio que irá caracterizá-lo como sendo um bem cultural ou não.
No que tange às características de bem material ou imaterial, Rodrigues (2007) as
diferencia a partir de uma subclassificação trabalhando-as no contexto
“[...] dos bens culturais e, também, para imposição de
providências referentes à sua preservação. Assim, a um
bem cultural imaterial caberá a imposição de regras de
preservação que se diferenciem daquelas de coisas
materiais. As materiais impõem, a princípio, ao
proprietário uma obrigação de não fazer, de conservar,
de oferecer ao Estado o direito de preempção na
hipótese de alienação, dentre outros. Já na preservação
de bens culturais imateriais [...], não se pode, a princípio,
impor ao cidadão um dever concreto de preservação.
Nesse caso, a preservação dos valores, fator de
caracterização dos bens culturais, ficaria a cargo do
Estado, com a colaboração do particular, e efetivada por
meio de regras de proteção do patrimônio imaterial [...]”
(RODRIGUES, 2007, p. 53)
Deste modo, pode-se perceber que o patrimônio cultural definitivamente exerce uma
função que abarca os contextos culturais e sociais onde o valor conferido ao
patrimônio ocorre a partir do “interesse que esse valor desperta na sociedade
desejosa da tutela daquele valor” (Giancarlo Rolla apud Rodrigues, 2007, p. 54)
atribuindo-lhe sentido.
De acordo com Hewinson, apud Harvey (1992, p. 85)
9
“[...] o impulso de preservar o passado é parte do
impulso de preservar o eu. Sem saber onde estivemos,
é difícil saber para onde estamos indo. O passado é o
fundamento da identidade individual e coletiva; objetos
do passado são a fonte da significação como símbolos
culturais. A continuidade entre passado e presente cria
um sentido de seqüência para o caos aleatório e, como
a mudança é inevitável, um sistema estável de sentidos
organizados nos permite lidar com a inovação e a
decadência. O impulso nostálgico é um importante
agente do ajuste à crise, é o seu emoliente social,
reforçando a identidade nacional quando a confiança se
enfraquece ou é ameaçada [...]”
De acordo com Peralta (2003), o patrimônio pode ser compreendido a partir da
definição elaborada por Llorenç Prats (2003) que
“[...] considera-o, antes de mais nada, uma construção
social (1997, p. 19), porque para que determinados
elementos se constituam como patrimônio têm de ser
resgatados de um corpus cultural mais ou menos difuso
e sujeitos a uma engenharia social que lhes confere
valor e significado. A conversão de objetos e fenômenos
culturais em patrimônio não é espontânea nem natural.
Nem sequer é um fenômeno cultural universal. O
patrimônio constrói-se [...] "ativa-se" (1997, p. 31). O que
quer dizer que toda a operação de construção ou
ativação patrimonial comporta em si mesma um
propósito ou uma finalidade. Existe uma dimensão
utilitária inerente a todo o processo de construção
patrimonial. [...] Sendo uma idealização construída por
uma sociedade sobre quais são os seus próprios valores
culturais, o patrimônio serve, antes de mais nada, a fins
de identificação coletiva, veiculando uma consciência e
um sentimento de grupo, para os próprios e para os
demais,
erigindo,
nesse
processo,
fronteiras
diferenciadoras que permitem manter e preservar a
identidade coletiva.” (PRATS apud PERALTA, 2003, p.
85)
10
A Carta Magna brasileira de 1988 também define a preservação do patrimônio
cultural como um direito fundamental à pessoa humana, pois deste se produz
também a preservação da identidade cultural do sujeito.
O artigo 216 da Constituição Federal brasileira vigente dispõe o seguinte sobre o
patrimônio cultural nacional:
“Art. 216 – Constituem patrimônio cultural brasileiro os
bens de natureza material e imaterial, tomados
individualmente ou em conjunto, portadores de referência
à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos
formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem:
I – As formas de expressão;
II – Os modos de criar, fazer e viver;
III – As criações científicas, artísticas e tecnológicas;
IV – As obras, objetos, documentos, edificações e demais
espaços destinados às manifestações artísticos-culturais;
V – Os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico,
paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico,
ecológico e cientifico.”
O patrimônio é fundamentado no processo de identificação coletiva onde a fusão
simbólica entre passado e presente se dá a partir de elementos sociais, culturais,
ideológicos e psicológicos do grupo nos quais são significativos para a formação de
sua identidade. Esta utilização do patrimônio como fomentador da identidade social é
um dos principais aspectos de legitimação de sua preservação.
Neste sentido, Guattari & Rolnik (1986) constroem a noção da identidade que
permeia o sujeito mediante o seu processo de significação enquanto sujeito social
definindo-a a partir de
“[...] um conceito de referenciação, de circunscrição da
realidade a quadros de referência, quadros esses que
podem se imaginários [e, por conseguinte, idealizados].
[...] Em outras palavras, a identidade é aquilo que faz
passar a singularidade de diferentes maneiras de existir
por um só e mesmo quadro de referência identificável [...]”
(GUATTARI & ROLNIK, 1986, p. 68)
11
Neste contexto, o conceito de patrimônio cultural apresenta-se de forma complexa.
Embora tal conceituação englobe conjuntamente os conceitos de patrimônio histórico
e artístico, sua compreensão é muito mais ampla do que imagina o senso comum.
Conforme Lemos (2004) o Patrimônio Cultural
“[...] pode ser subdividido em três categorias: os
elementos pertencentes à natureza, que são os recursos
naturais que tornam o sítio habitável; os elementos não
tangíveis, que são a capacidade de sobrevivência do
homem no seu meio ambiente (conhecimentos,
técnicas, saber e saber fazer); e os bens culturais, que
são coisas, objetos e construções, enfim, artefatos,
obtidos a partir do meio ambiente e do saber fazer.”
(LEMOS, 2004, p. 135)
Ao moldar-se às novas percepções do presente, o patrimônio expressa a tentativa
de recriar o passado com o intuito de reinventar seus significados e valores. Esta
ressignificação permite aplicar uma nova forma de uso a este patrimônio que, por
sua vez, adota uma nova função social.
Ao representarem uma memória individual e coletiva, o patrimônio e a sua
preservação passam a ser respostas e conseqüências diretas da percepção do
sujeito no espaço ao qual está inserido e do valor que este patrimônio expressa na
realidade deste sujeito.
Em contrapartida, ao assumir o papel de representação da identidade, da memória e
da reflexão do sujeito local o patrimônio ainda enfrenta problemas com relação ao
entendimento deste sujeito em relação à sua própria memória, pois este se sente
discriminado quanto à sua efetiva participação em diversos momentos do processo
de preservação patrimonial sendo induzidos ao descaso de sua própria memória.
Entretanto, no decorrer do processo de preservação do patrimônio cultural
compreende-se o quanto é importante a participação ativa e efetiva do sujeito que,
ao perceber-se como sujeito social produz o resgate de sua memória coletiva e
12
possibilita assim a compreensão da complexidade e dinamicidade dos significados
presentes em tal processo.
Segundo Sánchez (2001) o espaço 1 é a reprodução de um “ato de poder simbólico”
que está em freqüente disputa pelas representações dominantes, onde
“[...] entendimentos particulares de certos conceitos e
noções
tornam-se
apropriados
em
momentos
específicos do espaço-tempo e a partir de perspectivas
políticas particulares. Nesses momentos, as formas de
representar o espaço são ativamente mobilizadas.
Diante dessa mobilização, há também maneiras de
defender formas particulares de pensar e entender o
espaço, como recusa às armadilhas de formulações
hegemônicas prévias, abrindo terreno para novas
questões que politicamente precisam ser apresentadas.
Segundo Massey, essa recusa às formas dominantes de
representar e pensar o espaço estaria contribuindo
também para construções mais abertas de futuro
(MASSEY apud SÁNCHEZ, 2001, p. 38)”.
Como referência para a ação de recriar o espaço, é preciso compreender como este
adquire o valor simbólico que lhe é atribuído. Sua valoração é dada a partir das
atividades de representação e ressignificação do patrimônio local e do resgate da
memória coletiva para com o sujeito que se constitui como produto e produtor deste
espaço. Nesta perspectiva, ainda de acordo com Sánchez (2001) podemos perceber
que
“[...] ao produzir um objeto material na cidade, uma
praça, um monumento, um edifício, produz-se também a
maneira como será consumido, através das práticas
ideológicas que produzem o objeto sob a forma de
discurso e imagem. Assim, a reelaboração simbólica
que um discurso efetiva é parte integral da realidade
1
O termo “espaço” é tomado aqui como a cidade ou o local de ocorrência da preservação do
Patrimônio Cultural.
13
social e, por essa razão, tal realidade é também
constituída ou determinada pela própria atividade de
simbolização.” (SÁNCHEZ , 2001, p. 35)
Segundo Raban, apud Harvey (1992, p. 17)
“[...] as cidades, ao contrário dos povoados e pequenos
municípios são plásticas por natureza. Moldâmo-las à
nossa imagem: elas, por sua vez nos moldam por meio da
resistência que aparece quando tentamos impor-lhes
nossa própria forma pessoal. Nesse sentido, parece-me
que viver numa cidade é uma arte, e precisamos do
vocabulário da arte, do estilo, para descrever a relação
peculiar entre homem e material que existe na contínua
interação criativa da vida urbana. A cidade tal como a
imaginamos, a suave cidade da ilusão, do mito, da
aspiração do pesadelo, é tão real, e talvez mais real,
quanto a cidade dura que podemos localizar nos mapas e
estatísticas, nas monografias de sociologia urbana, de
demografia e arquitetura [...]”
Neste entendimento, a produção do espaço social adquire características que
expressam, simultaneamente, formas subjetivas e objetivas. Ou seja, o imaginário e o
simbolismo que abarcam todo o conteúdo da preservação do Patrimônio Cultural são,
na maioria das vezes, moldados e expressos a partir da necessidade de potencializar
a eficácia econômica capitalista através da manipulação cultural e não pela real
necessidade de preservação da cultura em si.
2.1. SENTIMENTO DE PERTENÇA
A participação ativa dos sujeitos no processo de preservação do Patrimônio Cultural
gera o sentimento de pertença ao espaço. À medida que tornam-se mais partícipes e
14
presentes na perpetuação do passado coletivo e à medida que o grau de
envolvimento para com o espaço e com o Patrimônio Cultural se eleva, o sujeito recria
em ambos os elementos uma compreensão contemplativa destes na construção de
novos significados à realidade ao redor de si.
Nesta óptica, o processo de ressignificação do Patrimônio Cultural amplia a
dimensão simbólica presente em cada sujeito quando esta é compreendida como
herança de um povo e de um passado em comum.
A continuidade da tradição de um grupo social se dá através da transferência do
patrimônio a partir das práticas sociais atribuídas a ele. Esta apropriação coletiva e /
ou individual do patrimônio alimenta os sentimentos de identificação e de atribuição
de valor ao bem. Neste sentido, o patrimônio em sua forma física representa um
acervo acumulado, reelaborado e intransferível das experiências vivenciadas pelas
diversas gerações antepassadas.
Para compreendemos melhor a importância do Patrimônio Cultural na formação
social e valorização do sentimento de pertença do sujeito, faz-se necessário analisar
as origens da discussão acerca do patrimônio no Brasil.
O processo de preservação do Patrimônio Cultural no Brasil surge por volta de 1934
com a iniciativa de intelectuais engajados no movimento modernista e do então
Ministro da Educação e da Saúde, Gustavo Capanema que possuíam como
motivação o desejo de mudança literária e artística, além da criação de um plano
geral que visava a conservação dos patrimônios nacionais. Mario de Andrade, ícone
deste movimento e “diretor do Departamento de Cultura e Recreação de São Paulo”
(Cabral, 2004, p. 134), foi um dos precursores deste projeto de cunho
preservacionista do Patrimônio Cultural, criando em 1936 o “Anteprojeto do Serviço
do Patrimônio Artístico Nacional (Span)”.
Em 1937 o decreto-lei nº. 25 de 30 de novembro de 1937, Artigo 1º constituiu o
SPHAN2, a partir da base proposta pelo Anteprojeto, como órgão responsável pela
preservação patrimonial da União, com o intuito de preservar, através do
2
SPHAN (Serviço de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional).
15
tombamento, alguns monumentos e prédios a fim de recriar um passado para a
nação brasileira. Tal decreto definia o patrimônio histórico e artístico nacional como
"[...] o conjunto de bens móveis e imóveis existentes no
país e cuja conservação seja do interesse público quer
por sua vinculação a fatos memoráveis da História do
Brasil, quer por seu excepcional valor arqueológico ou
etnográfico, bibliográfico ou artístico".
Com a elaboração da Carta de Veneza3 as práticas de preservação do patrimônio
histórico-cultural expandem-se mundialmente.
Posteriormente, em 1970, o SPHAN é elevado a Instituto, denominado de IPHAN4,
existente até os dias atuais e que trabalha em parceria com a comunidade para
proteger, preservar e gerir o patrimônio histórico e artístico brasileiro. Sendo assim, o
IPHAN define o Patrimônio Cultural
“[...] a partir de suas formas de expressão; de seus
modos de criar, fazer e viver; das criações científicas,
artísticas e tecnológicas; das obras, objetos,
documentos, edificações e demais espaços destinados
às manifestações artístico-culturais; e dos conjuntos
urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico,
arqueológico, paleontológico, ecológico e científico.”
Em 1985, na gestão do Presidente Collor, é criado o Ministério da Cultura. Em 1990,
é criada a Secretaria da Cultura, com a extinção do Ministério da Cultura, e atrelada
3
Carta internacional elaborada pela UNESCO (Organização das Nações Unidas) em 1964, com o
intuito de promover a preservação, conservação e restauração de monumentos e sítios históricoculturais.
4
IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional)
16
à Presidência da República assumindo temporariamente a condição de Instituto
Brasileiro do Patrimônio Cultural (IBPC). Em 1994 o IBPC volta à condição de Iphan.
Outro sustentáculo no qual se arquiteta a identidade é o pertencimento, reforçado
através da manutenção do relevante papel dos símbolos em sua construção.
O grau de particularidade e de desenvolvimento na produção simbólica e material
baseia-se na estruturação do sentimento de pertença elaborado por um sujeito
inserido em sua realidade social coletiva e individual.
Neste sentido, os espaços considerados como Patrimônios Culturais impelem à
prática
do
reconhecimento
dos
símbolos,
das
vivências
e
da
memória
experimentadas pela sociedade como um todo, ao fortalecer o sentimento de
pertença e a necessidade de manutenção coletiva deste.
Neste aspecto, a apropriação apresenta-se como foco principal no processo de
elaboração do sentimento de pertença e preservação do patrimônio cultural. Neste
desenvolvimento, o sujeito e o entorno interagem simultaneamente e de forma
dialética, proporcionando-lhes uma transformação recíproca.
Estas ações são amparadas pelo desejo de fortalecer subjetivamente os laços que
aproximam a história pessoal deste indivíduo com sua realidade vivenciada. Sua
necessidade de sentir a posse e o domínio sobre o local onde vive permite a
construção de sua identidade a partir da reestruturação simbólica e material deste
espaço.
2.2. TERRITÓRIO
A questão do patrimônio cultural também nos remete à questão do território e do seu
papel no processo de identidade e pertencimento do sujeito.
O território abrange uma estrutura muito mais ampla do que a representada pelo
material. Nele estão relacionados as redes sociais e demais relacionamentos
17
estabelecidos de interação social, cultural e econômico, que são construídos a partir
da história do sujeito e do contexto diferenciado de cada estrutura trabalhada.
De acordo com Albagli (2004, p. 26) a noção de território é distinto da noção de
espaço, trabalhado anteriormente, considerando o território como sendo
“[...] o espaço apropriado por um ator, sendo definido e
delimitado por e a partir de relações de poder, em suas
múltiplas dimensões. Cada território é produto da
intervenção e do trabalho de um ou mais atores sobre
determinado espaço. O território não se reduz então à
sua dimensão material ou concreta; ele é, também, “um
campo de forças, uma teia ou rede de relações sociais”
que se projetam no espaço.”
A dinamicidade do território consiste a partir da interação de vários fatores, tais
como fatores econômicos, físicos, sociopolíticos, culturais e simbólicos que, ao
serem combinadas, irão proporcionar a formação do espaço.
Ainda de acordo com Albagli (2004, p. 39), o território estrutura a construção da
identidade do sujeito, como também da identidade coletiva.
“O território é suporte e produto da formação de
identidades individuais e coletivas, despertando
sentimentos de pertencimento e de especificidade. As
representações sociais, imagens, símbolos e mitos
projetam-se e materializam-se no espaço, transformandose em símbolos geográficos, fornecendo referências e
modelos comuns aos atores sociais e cristalizando uma
identidade territorial. [...] Ao se formar uma identidade
coletiva vinculada a um território, definem-se as relações
com os outros [...]. Essa faceta simbólica do território
pode expressar-se também em reinvidicações territoriais
da comunidade ou grupo social.”
18
3. SUJEITO SOCIAL
Na totalidade do processo de preservação é possível compreender o amplo universo
dos símbolos e significações que envolvem o espaço, palco onde são estabelecidas
as relações ― individuais e coletivas ― entre o lugar e o sujeito.
Sob esta óptica, é impossível analisar o processo de preservação patrimonial sem
compreender a formação da identidade social.
Contudo, faz-se necessário apresentar a definição de homem que, segundo Fromm
(1985), é o
“[...] animal que pode dizer ‘eu’, que pode ter consciência
de si mesmo como entidade independente. [...] O
homem, afastado da natureza, dotado de razão e de
imaginação. Necessita formar um conceito de si mesmo,
necessita de dizer e sentir: ‘Eu sou eu’. [...] e tem que ser
capaz de sentir a si mesmo como sujeito de suas ações
[...].” (FROMM, 1985, p.63-64)
O sentimento de identidade do sujeito se constitui a partir da necessidade oriunda de
diversos impulsos, onde o homem busca compreender o mundo externo como algo
separado e independente de si enquanto indivíduo. Assim, somente desta forma
consegue adquirir consciência de si e de seu papel no mundo. Contudo, este grau
de tomada de consciência de si como ser independente está diretamente ligado aos
moldes do processo de individuação deste sujeito.
De acordo com Fromm (1985, p. 64), “o sentimento de identidade do homem se
desenvolve no processo de sair dos ‘vínculos primários’ que o ligam à mãe e à
natureza”.
O surgimento de uma nova ordem social, pautada na hegemonia do capitalismo,
imprimiu uma profunda influência na constituição do ser social e nas formas como
19
este sujeito se relaciona consigo e constrói a realidade na qual está inserido. Este
processo de socialização é moldado nas sucessivas trocas simbólicas presentes nas
relações existentes entre o indivíduo e as instituições sociais, tendo este indivíduo,
portanto, uma participação efetiva na edificação da realidade à qual pertence e que,
por conseqüência, modifica a composição do mundo coletivo.
O homem está inserido em um mundo social onde as relações sociais conduzem o
seu desenvolvimento. Todavia, este mundo é estranho ao eu do sujeito porque exige
que este se adapte a ele à medida em que se insere nas relações sociais e de
trabalho do mundo externo.
De acordo com Bock et al. (2002)
“[...] a noção de eu e a individualização nascem e se
desenvolvem com a história do capitalismo. A idéia de
um mundo ‘interno’ aos sujeitos, da existência de
componentes existenciais, singulares, pessoais, privados
toma força, permitindo que se desenvolva um sentimento
de eu [...]”. (BOCK et al., 2002, p. 19)
Entretanto, constantemente o sujeito busca substituir seu verdadeiro sentimento de
identidade por outro sentimento valorativo, tais como a ocupação profissional, a
religião exercida e a classe social em que se enquadra, como formas de promovê-lo
a um status que o identificará como sujeito único.
Dessa forma, o sujeito, compreendido como ser social, detém uma maior autonomia
no que tange os aspectos da liberdade de reflexão.
A capacidade que o sujeito possui de questionar a realidade ao seu redor
proporciona a ampliação de sua habilidade de escolher o universo ao qual
promoverá suas relações sociais, bem como de dialogar acerca dos valores que
compõem tal universo. Todo este desenvolvimento produz como resultado final a
construção da identidade social.
20
Agier (2001, p.9) afirma que
“[...] na cidade, mais que em outra parte, desenvolvemse, na prática, os relacionamentos entre identidades, e
na teoria, a dimensão relacional da identidade. Por sua
vez, esses relacionamentos "trabalham", alterando ou
modificando, os referentes dos pertencimentos originais
(étnicos, regionais, faccionais etc.). Essa transformação
atinge os códigos de conduta, as regras da vida social,
os valores morais, até mesmo as línguas, a educação e
outras formas culturais que orientam a existência de
cada um no mundo. Dito de outra forma, o processo
identitário, enquanto dependente da relação com os
outros (sob a forma de encontros, conflitos, alianças
etc.), é o que torna problemática a cultura e, no final das
contas, a transforma”. (AGIER, 2001, p.9)
Nesta perspectiva, o local, representado pela cidade, apresenta-se como o principal
sustentáculo para abrigar as relações sociais, pois o entorno físico e social
vivenciado pelo sujeito representa um artefato essencial para a formação de sua
identidade coletiva.
As identidades sociais / coletivas promovem o princípio da integração social ao
passo que “[...] a identidade [...] costura [...] o sujeito à estrutura. Estabiliza tanto os
sujeitos quanto os mundos culturais que eles
habitam, tornando ambos
reciprocamente mais unificados e predizíveis” (Hall apud Freire, 2006, p. 58).
Sendo assim, o homem constitui sua identidade social através da percepção de seu
pertencimento a um grupo social ao mesmo tempo em que busca os valores do
significado emocional anexo a este pertencimento.
A identidade apresenta-se como um fenômeno sociocultural que envolve a
percepção de cidadania do indivíduo local.
Neste contexto, as estruturas fomentadoras da identidade social, dentre elas o
sentimento de pertença e a subjetividade coletiva, resultam na capacidade de
superar interesses particulares em favor do bem comum.
21
A identidade cultural, assim como a identidade do lugar, é um dos aspectos
relevantes na análise sobre a identidade social.
No primeiro, percebe-se que a partir da crescente complexidade das realidades
locais, ou seja, das cidades, faz-se necessário abordar o percurso entre a cultura e a
identidade, pois este se apresenta de forma diversa e intrínseca no contexto social.
Neste sentido podemos considerar
“[...] a cultura seria um ‘vasto celeiro de significações’
construído pelas pessoas ao longo do tempo e do qual se
utilizam de acordo com as seleções situacionais, o que
pode tornar os componentes do celeiro cultural diversos e
mesmo contraditórios.” (MITCHELL apud AGIER, 2001,
p. 13)
Ainda nesta linha de raciocínio pode-se elucidar a importância da cidade neste
processo de socialização da identidade, pois
“[...] as cidades são o seu lugar por excelência. Elas vêem
nascer novas etnicidades, para as quais o espetáculo da
diferença cultural se torna não somente um objeto
identitário, mas também um recurso político ou econômico
para indivíduos e redes à procura de um lugar na
modernidade” (AGIER, 2001, p.22 ).
A identidade do lugar também se apresenta como relevante no estudo da identidade
social, conforme mencionado acima. Os lugares / cidades são constituídos de
relações
internas
díspares
e
conflitantes
que
transformam
consequentemente modificam o tecido social e físico da mesma.
o
espaço
e
22
Em contrapartida, este processo apresenta-se como o respaldo à valorização de
símbolos do passado e a uma ativa participação na vida cotidiana e na realidade
local. As mutações do espaço físico motivam a produção de novas dinâmicas na
gênese das inter-relações individuais e sociais.
Neste ponto da reflexão, e sem fechá-la, permite-se afirmar que os processos
oriundos das múltiplas relações existentes entre os indivíduos e os caminhos
estabelecidos por eles para a compreensão de si próprios e das identidades coletivas
são o ponto de partida para a construção e a permanência da identidade deste
sujeito.
Neste contexto, a idéia de memória está amplamente associada ao conceito de
identidade, ao passo que propicia o sentido de permanência e continuidade daquilo
que é lembrado.
Abandonando a idéia de sua formulação unicamente individual, a memória passou a
fazer parte de uma perspectiva social ao se tornar um elemento indispensável na
produção de identidades coletivas.
Todo sujeito, apresentado nesta análise como o ser social ativo no processo de
preservação do patrimônio e na construção da identidade coletiva, possui como
referência de sua personificação social a identidade. Esta, por sua vez, surge como
uma das principais ferramentas referenciais no que tange os aspectos de progresso
e desenvolvimento social.
Para complementar o entendimento na construção do sujeito social, faz-se
necessário acrescentar a noção de auto-estima enquanto fomentadora de tal
processo.
A auto-estima representa um significante papel no desenvolvimento social porque
está diretamente associado ao processo relacional existente entre o indivíduo e a
realidade ao qual este está inserido.
Pode-se definir a auto-estima pessoal como
23
"[...] a avaliação que o indivíduo faz, e que
habitualmente mantém, em relação a si mesmo.
Expressa uma atitude de aprovação ou desaprovação e
indica o grau em que o indivíduo se considera capaz,
importante e valioso. Em suma, a auto-estima é um juízo
de valor que se expressa mediante as atitudes que o
indivíduo mantém em face de si mesmo. É uma
experiência subjetiva que o indivíduo expõe aos outros
por relatos verbais e expressões públicas de
comportamentos". (COOPERSMITH apud GOBITTA &
GUZZO, 2002, p. 144)
Entretanto, para Souza e Ferreira (2005, p.21) a auto-estima coletiva refere-se “[...] à
identidade social, isto é, à avaliação dos atributos característicos dos grupos aos
quais o sujeito pertence e com os quais se identifica”.
Ainda de acordo com a abordagem de Gobbitta & Guzzo (2002) o indivíduo com uma
alta auto-estima possui uma maior capacidade de participar ativamente de grupos
sociais.
"[...] uma pessoa com auto-estima alta mantém uma
imagem bastante constante das suas capacidades e da
sua distinção como pessoa, e que pessoas criativas têm
alto grau de auto-estima. Estas pessoas com autoestima alta também têm maior probabilidade para
assumir papéis ativos em grupos sociais e efetivamente
expressam as suas visões. Menos preocupados por
medos e ambivalências, aparentemente se orientam
mais diretivamente e realisticamente às suas metas
pessoais." (COOPERSMITH apud GOBITTA & GUZZO,
2002, p. 144)
Sendo assim, ao mesclarmos a análise da preservação patrimonial e sua influência
na auto-estima social do sujeito, podemos aferir que à medida que se prioriza a
preservação dos bens do patrimônio cultural local e a manutenção da identidade
coletiva ― a partir do resgate da memória local e do sentimento de pertença do
indivíduo ― maior será a capacidade que este terá em sentir-se bem aceito em seu
24
local de residência, bem como sua referência ao local passará a possuir outros
valores e significados.
Conectado ao espaço físico local, o sentimento de pertença e a afetividade oriundos
do processo de preservação, apresentam-se como um grupo de característica
emocional pertinente àqueles que residem na localidade, pois parte-se do
pressuposto que somente através da convivência e da percepção real do patrimônio
cultural é que se faz presente a necessidade de restaurar e proteger o bem que
representa a identidade e a memória do sujeito em questão.
25
4. REPRESENTAÇÃO SOCIAL
Enquanto teoria sociológica da Psicologia Social, desenvolvida por Serge Moscovici
(1961), a Teoria da Representação Social se introduz também como uma teoria
interdisciplinar, pois busca uma forma de interligar duas correntes científicas de
estudo do ser humano e de suas relações, tendo em vista os fenômenos culturais e
sociais que o cerca, sendo elas a psicológica e a social.
Contudo, seu conceito origina-se da sociologia e da antropologia. Entretanto, sua
melhor identificação se dá com a ocorrência dos diálogos desenvolvidos entre os
sujeitos, pois a partir deles é que surgem e são elaborados o senso comum e os
saberes populares que irão circular e se fortalecer no meio social.
A melhor definição para o termo representação social é dada pelo próprio autor
desta Teoria, definindo-o como
“[...] um sistema de valores, idéias e práticas, com uma
dupla função: primeiro, estabelecer uma ordem que
possibilitará às pessoas orientar-se em seu mundo
material e social e controla-lo; e, em segundo lugar,
possibilitar que a comunicação seja possível entre os
membros de uma comunidade, fornecendo-lhes um
código para nomear e classificar, sem ambigüidade, os
vários aspectos de seu mundo e da sua história individual
e social [...]” (MOSCOVICI, 2004, p. 21)
Assim, percebe-se que esta Teoria traz um novo conceito em relação à
aplicabilidade do pensamento social, a partir do momento que admite a existência de
diversos meios de comunicação e de conhecimento que, por intermédio de
diferentes objetivos, irão orientar o sujeito.
Baseando-se nas idéias de representações coletivas de Durkheim, bem como na
teoria da linguagem de Saussure, na teoria das representações infantis de Piaget e,
26
também, na teoria do desenvolvimento cultural de Vigotsky, Moscovici reorganiza a
Teoria das Representações Sociais e eleva seu estudo ao nível social. Contudo, a
Teoria das Representações Sociais é aprofundada por Denise Jodelet.
Segundo Sêga (2000), a representação social desenvolvida por Jodelet possui cinco
características específicas, são elas:
“[...] a) é sempre representação de um objeto; b) tem
sempre um caráter imagético e a propriedade de deixar
intercambiáveis a sensação e a idéia, a percepção e o
conceito; c) tem um caráter simbólico e significante; d)
tem um caráter construtivo; e) tem um caráter autônomo
e criativo.” (SÊGA, 2000, p. 129)
Os fenômenos que permeiam o domínio do simbólico assumem maior grau de
importância e interesse no aprofundamento dos estudos acerca deste tema a partir
dos anos 60, com o aumento da preocupação em explicá-los. Para tanto, os
estudiosos do assunto recorreram aos conceitos de imaginário e de consciência a
fim de alcançar tais necessidades. Contudo, a partir da década de 80 os conceitos
de memória social e representação também são incorporados a esta iniciativa.
De acordo com Farr (2000, p. 45), Moscovici “estava modernizando a ciência social,
ao substituir representações coletivas por representações sociais, a fim de tornar a
ciência social mais adequada ao mundo moderno”.
Ainda de acordo com Guareschi & Jovchelovitch (2000) as Representações Sociais
envolvem aspectos que tangem os conceitos de afetividade, sociedade e cognição,
culminando conjuntamente na produção dos saberes populares anteriormente
citados.
“[...] o caráter simbólico e imaginativo desses saberes
traz à tona a dimensão dos afetos, porque quando
27
sujeitos sociais empenham-se em entender e dar sentido
ao mundo, eles também o fazem com emoção, com
sentimento e com paixão. A construção da significação
simbólica é, simultaneamente um ato de conhecimento e
um ato afetivo. Tanto a cognição e os afetos que estão
presentes nas representações sociais encontram sua
base na realidade social. [...] É quando as pessoas se
encontram para falar, argumentar, discutir o cotidiano, ou
quando elas estão expostas às instituições, aos meios de
comunicação, aos mitos e à herança histórica cultural de
suas sociedades, que as representações sociais são
formadas [...]” (GUARESCHI & JOVCHELOVITCH, 2000,
p.20)
Tais autores afirmam que a Teoria da Representação Social traz novas perspectivas
com relação ao estudo das relações sociais, pois foca sua visão na interação entre o
sujeito e o objeto. Sendo assim, os autores citados afirmam que há uma
recuperação do sujeito na medida em que “[...] através de sua atividade e relação
com o objeto-mundo, constrói tanto o mundo como a si próprio [...]” (Guareschi &
Jovchelovitch, 2000, p.19).
A partir desta visão, podem-se associar as representações sociais à formação da
sociedade, bem como da vida coletiva e da construção das representações
simbólicas produzidas pelo sujeito.
“[...] Não há dúvidas de que a Teoria das Representações
Sociais se constrói sobre uma teoria dos símbolos. Elas
são consideradas [...] formas de conhecimento social que
implicam duas faces [...] o figurativo, ou lado imaginante,
e o lado simbólico.” (MOSCOVICI, 1981 apud
JOVCHELOVITCH, 2000, p.71)
Seguindo esta perspectiva, Spink (2000) afirma que as representações sociais
seguem duas fontes, onde a primeira estaria relacionada à sua utilidade prática a fim
de possibilitar melhores formas de comunicação e expansão do homem no mundo.
28
A segunda relaciona-se ao sujeito social e sua participação direta na elaboração
valorativa das representações sociais que surgem e são formadas diante dele.
Neste sentido, as representações sociais devem ser priorizadas a partir do valor e
da função que esta possui e exerce perante o sujeito. De modo que
“[...] as representações sociais, enquanto formas de
conhecimento, são estruturas cognitivo-afetivas e, desta
monta, não podem ser reduzidas apenas ao seu
conteúdo cognitivo. Precisam ser entendidas assim, a
partir do contexto que as engendram e a partir de sua
funcionalidade nas interações sociais do cotidiano [...]”
(SPINK, 2000, p. 118)
Jodelet (1984) apud Spink (2000) afirma que o sujeito aqui representado é um
sujeito social mediante as intervenções que este produz a partir das representações
sociais nas quais está interagindo, porque ele é
“[...] um indivíduo adulto, inscrito em uma situação social
e cultural definida, tendo uma história pessoal e social.
Não é um indivíduo isolado que é tomado em
consideração mas sim as respostas individuais enquanto
manifestações de tendências do grupo de pertença ou de
afiliação na qual os indivíduos participam [...] (JODELET,
1984 apud SPINK, 2000, p. 120)
De acordo com a conceituação de sujeito elaborada por Jodelet, percebe-se que a
Teoria da Representação Social deve ser analisada e praticada a partir do momento
que se articula as noções dos elementos sociais, afetivos e mentais ao passo em
que estes são agregados a outros elementos, tais como a comunicação, a
linguagem e as relações sociais, pois todos estes elementos intervirão na realidade
social, material e simbólica do sujeito.
29
Desta forma, pode-se compreender que as reapresentações sociais retratam a
exteriorização do afeto que o sujeito possui daquilo que o cerca, bem como das
possibilidades de transformação da realidade em que vive, assim como da forma em
que elas são apresentadas por ele.
30
5. CONCLUSÃO
Como reprodução dos movimentos sociais, as cidades representam o fenômeno da
concepção e desenvolvimento urbano. Suas transformações e adaptações à
realidade vigente são inerentes à sua condição social, independentemente de sua
importância regional e econômica.
Cada vez mais, o homem desenvolve a capacidade de perceber-se como sociedade
detentora de uma identidade única, aprimorando cada vez mais sua capacidade de
colocar em prática o “pensar global e agir local”.
Originalmente visto como um meio de representar e recriar a história da cidade o
patrimônio cultural transforma-se em objeto que vai muito além desta interpretação
simplória.
Desta forma, o patrimônio reflete a sociedade que o produz e isto nos leva a concluir
que todo o processo de produção e preservação do patrimônio cultural se dá através
da interferência direta ou indireta do homem no meio ao qual está inserido. Tal
interferência, em nível simbólico ou mesmo material, representa conjuntamente a
transformação cultural e a ressignificação da realidade e do momento vivenciado pelo
sujeito justificados pela representação social que exercem para estes.
Na tentativa de reinventar os significados e os valores inerentes ao passado local, o
patrimônio cultural aproxima-se do sujeito tornando-o parte integrante de todo o
processo de preservação. Em contrapartida, a inserção dos simbolismos ocorre de
forma peculiar e subjetiva, pois cada sujeito possui uma relação e um olhar
diferenciado para com o patrimônio, bem como uma representatividade social
específica para si.
Ao promover a integração social o patrimônio apropria-se do sujeito local enquanto
detentor de uma identidade capaz de interligar-se a outros sujeitos formando uma
rede social composta de uma identidade coletiva. Neste aspecto, o elo fundamental
entre a identidade e o patrimônio cultural é a representatividade social
31
proporcionada por este no sujeito ao sentir-se possuidor de uma memória e de um
passado representado materialmente por um elemento histórico. Surge então o
sentimento de pertença e a afetividade entre os dois elementos que legitima, por
conseqüência, a manutenção e preservação do patrimônio.
É inegável a necessidade de recriar o espaço / cidade de modo socialmente
responsável buscando minimizar as intervenções negativas e valorizar ao máximo a
conservação da “alma” do lugar. A preservação deve primar pela manutenção do
sentimento de pertença da população local, resgatando seu passado e sua
importância enquanto ator social na construção da memória. O resgate cultural reflete
a necessidade de se perpetuar a história que cada cidade possui, pois somos
enquanto sujeitos, fortemente ligados e representados por esta memória.
Finalmente, a conclusão sobre o objetivo central desta monografia, ou seja, o
patrimônio cultural enquanto objeto possuidor de representação social para a
formação do sentimento de pertença do sujeito, nos faz considerar que a
preservação do patrimônio cultural representa um papel significativo no processo de
elaboração e consolidação deste sentimento à medida que influencia diretamente a
percepção do indivíduo neste espaço, ampliando o desenvolvimento do grau de
pertencimento do mesmo, além de permitir uma representação valorativa e funcional
do patrimônio cultural a partir de sua representatividade social.
Afinal, não há preservação do patrimônio cultural sem a participação direta da
comunidade e, por sua vez, esta não pode amar aquilo que não conhece.
32
6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
AGIER, Michel. Distúrbios identitários em tempos de globalização. Mana, Rio de
Janeiro, v. 7, n. 2, p. 7 – 33, Oct. 2001. Disponível em: <http://www.scielo.br
/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-3132001000200001&lng=en&nrm=iso>.
Acesso em: 21 dez. 2008.
ALBAGLI, Sarita. Território e Territorialidade. In: LAGES, Vinícios; BRAGA,
Christiano; MORELLI, Gustavo (org.). Territórios em movimento: cultura e
identidade como estratégia de inserção competitiva. Brasília, DF: Relume Dumare,
2004. p. 24 - 69.
BARREIRA, Irlys Alencar F.. A cidade no fluxo do tempo: invenção do passado e
patrimônio. Sociologias, Porto Alegre, n. 9, p. 314 – 339, Jan. 2003 . Disponível
em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1517- 452220030 0010
0011&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 30 nov. 2008.
BOCK, Ana Mercês Bahia; GONÇALVES, Maria da Graça Marchina; Furtado, Odair
(orgs.). Psicologia sócio-histórica: uma perspectiva crítica em psicologia. 2 ed.
São Paulo: Cortez, 2002.
BRASIL. Constituição (1988) Constituição da República Federativa do Brasil.
Artigo 216. Brasília: Senado, 1988.
BRASIL. Decreto Lei nº 25, de 30 de novembro de 1937. Dispõe sobre a proteção
e a organização do patrimônio histórico e artístico nacional. Disponível em: <
http://www.mp.pa.gov.br/caoconstitucional/docs/declei-00025-1937.pdf>. Acesso em:
10 dez. 2008.
BRASIL. Decreto Lei nº 8.313, de 23 de dezembro de 1991. Dispõe sobre a
instituição do Programa Nacional de Apoio a Cultura - PRONAC e dá outras
providências. Disponível em: < http://www.cultura.gov.br/legislacao/leis/ind
ex.php?p=25&more=1&c=1&tb=1 &pb=1> . Acesso em: 11 dez. 2008.
BRASIL. Ministério da Cultura. Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional.
A Instituição. Brasília: IPHAN. Disponível em: < http://portal.iphan.gov.br
/portal/montarPaginaSecao.do?id=11175&retorno=pagina Iphan>. Acesso em: 10
nov. 2008.
CABRAL, Fabrícia Guimarães Sobral. Patrimônio cultural e desenvolvimento nacional: O
potencial dos bens de natureza imaterial. In: LAGES, Vinícios; BRAGA, Christiano;
MORELLI, Gustavo (org.). Territórios em movimento: cultura e identidade como
estratégia de inserção competitiva. Brasília, DF: Relume Dumare, 2004. p. 132 - 156.
FARR, Robert M.. Representações Sociais: A teoria e sua história. In: GUARESCHI,
Pedrinho A.; JOVCHELOVITCH, Sandra (org.). Textos em Representações
Sociais. 6 ed. Petrópolis: Vozes, 2000. p. 31 – 55.
33
FREIRE, Isa Maria. Acesso à informação e identidade cultural: entre o global e o
local. Ci. Inf., Brasília, v. 35, n. 2, p. 58 – 67, Aug. 2006 . Disponível em:
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0100-19652006000200007&
lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 12 dez. 2008.
FROMM, Erich. Psicanálise da Sociedade Contemporânea. São Paulo: Círculo do
Livro, 1985.
GUARESCHI, Pedrinho A.; JOVCHELOVITCH, Sandra
Representações Sociais. 6 ed. Petrópolis: Vozes, 2000.
(org.).
Textos
em
GUATTARI, Félix; ROLNIK, Suely. Micropolítica: cartografias do desejo. Petrópolis:
Vozes, 1986.
GOBITTA, Mônica; GUZZO, Raquel Souza Lobo. Estudo inicial do inventário de
Auto-Estima (SEI): Forma A. Psicol. Reflex. Crit., Porto Alegre, v. 15, n. 1, p. 143
– 150, 2002 . Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script =sci_arttext
&pid=S0102-79722002000100016&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 22 nov. 2008.
HARVEY, David. A condição pós moderna: uma pesquisa sobre as origens da
mudança cultural. São Paulo: Loyola, 1992.
JOVCHELOVITCH, Sandra. Vivendo a vida com os outros: Intersubjetividade, espaço
público e representações sociais. In: GUARESCHI, Pedrinho A.; JOVCHELOVITCH,
Sandra (org.). Textos em Representações Sociais. 6 ed. Petrópolis: Vozes, 2000.
p. 63 – 83.
LEMOS, Carlos A. C. O que é patrimônio histórico. 5 ed. São Paulo: Brasiliense,
2004.
MOSCOVICI, Serge. Representações sociais: investigações em psicologia social. 2
ed. Petrópolis: Vozes, 2004.
PERALTA, Elsa. O mar por tradição: o patrimônio e a construção das imagens do
turismo. Horiz. Antropol., Porto Alegre, v. 9, n. 20, 2003. Disponível em: <
http://www.scielo.br/pdf/ha/v9n20/v9n20a04.pdf> Acesso em: 20 nov. 2008
RODRIGUES, Francisco Luciano Lima. O Direito ao patrimônio cultural
preservado: um direito e uma garantia fundamental. Pensar, Fortaleza, Ed.
Especial, p.52–61, abr. 2007. Disponível em: < http://www.un ifor.br/ notitia /file/1614
.pdf>. Acesso em: 12 dez. 2008.
SANCHEZ, Fernanda. A reinvenção das cidades na virada do século: agentes,
estratégias e escalas de ação política. Revista Sociologia Política, Curitiba, n. 16, p.
31 – 49, jun. 2001. Disponível em: < http://www.scielo.br/pdf/rsocp/n16/a03n16.pdf>.
Acesso em: 03 jan. 2009.
SÊGA, Rafael Augustus. O conceito de representação social nas obras de
Denise Jodelet e Serge Moscovici. Anos 90, Porto Alegre, n. 13, julho de 2000, p.
34
128 a 133. disponível em : http://www.ufrgs.br/ppghist/anos90/13/13art8.pdf.
Acesso em: 02 jan. 2009.
SOUZA, Daniela Borges Lima de; FERREIRA, Maria Cristina. Auto-estima pessoal
e coletiva em mães e não-mães. Psicol. estud., Maringá, v. 10, n. 1, p. 19 – 25,
Abr. 2005 . Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script= sci_arttext&pid
=S1413-73722005000100004&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 16 dez. 2008.
SPINK, Mary Jane. Desvendando as teorias implícitas: uma metodologia de análise
das representações sociais. In: GUARESCHI, Pedrinho A.; JOVCHELOVITCH,
Sandra (org.). Textos em Representações Sociais. 6 ed. Petrópolis: Vozes, 2000.
p. 117 – 143.
Download

a representação social do patrimônio cultural para a