1 Memória e campo semântico / Maria Irma Hadler Coudry Caro Aluno: Essa atividade pós-exibição é a primeira, de um conjunto de 7 propostas, que têm por base o terceiro episódio do programa de vídeo Viagem ao cérebro. As atividades pós-exibição são compostas por textos que retomam os programas e encaminham sugestões de atividades a serem realizadas por vocês. Recomendamos que elas sejam feitas após a exibição em sala de aula desse episódio. No Portal do Professor você encontrará um jogo interativo correspondente a esse mesmo episódio e que trata dos mesmos temas das atividades. 2 Memória e campo semântico / Maria Irma Hadler Coudry Atividade Memória e campo semântico Episódio Viagem ao Cérebro Programa Viagem ao cérebro Dente do Cisne Você já passou por uma situação em que precisou se lembrar de algo, mas não conseguiu? Ou ainda precisava memorizar algo muito extenso e ficou na dúvida se conseguiria? Como nos lembra Luria (1979), a maior parte de nossos conhecimentos envolve situações em que somos colocados diante de uma tarefa de memorizar algo, gravá-lo na memória e posteriormente retomá-lo. Essa atividade, chamada pelo autor de atividade mnésica, tem caráter seletivo: para memorizar é preciso distinguir o que será registrado de todas as impressões secundárias, que devem ser descartadas; e ao retomar o que foi registrado focar nisso, mesmo que outras associações ocorram. Podemos memorizar algo de forma consciente ou não. Imagine a seguinte situação: você está caminhando pela rua, com pressa de chegar à escola; você passa ao lado de operários que estão construindo um novo shopping, ao lado de bancas de jornal, padarias, vitrines de lojas. E do que você se lembra quando chega à escola? Os estudos mostram que a maior parte das pessoas não consegue recordar nenhum dos detalhes descritos; mas se você estava atrasado para chegar à aula, porque haveria prova naquele dia, e para economizar tempo você resolveu fazer um caminho alternativo, e por engano entrou em uma rua sem saída, você certamente recordará bem desse detalhe. Luria nos explica porque isso acontece: “(...) o homem memoriza antes de tudo aquilo que está relacionado com a finalidade de sua atividade, aquilo que contribui para atingir o objetivo ou serve de obstáculo. Aquilo que está relacionado com o objetivo ou com o objetivo da atividade motiva a reação orientada, torna-se dominante e é memorizado, não se observando nem se conservando na memória os detalhes secundários que não têm relação com o objetivo principal da atividade. É por isso que uma pessoa que participa de uma discussão recorda cada pronunciamento de seus participantes, a posição de cada um, o caráter das objeções; mas ela pode não se lembrar absolutamente se as janelas do auditório estavam abertas ou fechadas, em que lugar estava o armário, se havia jornais nas mesas, etc.” (1979, p. 78) 3 Memória e campo semântico / Maria Irma Hadler Coudry O fato de memorizarmos algo mesmo quando não estamos concentrados para fazê-lo conscientemente é chamado de memorização imediata ou memorização involuntária. Mas, e quando queremos memorizar algo, por exemplo, o número do telefone de alguém; como fazemos isso? A memorização ocorre de diversas maneiras, porém, organizar os elementos que queremos memorizar em estruturas semânticas (lógicas) integrais amplia substancialmente as possibilidades da memória e torna incomparavelmente mais estáveis os vestígios da memória (LURIA, 1979, p. 75). Então, se quisermos guardar o número do telefone de um amigo, fica mais fácil memorizá-lo quando unificamos os números em pares ou trios. Assim, ao invés de termos 8 unidades para memorizar, ficamos com apenas 4 ou 3 unidades. Outra forma rápida de se lembrar de um número é associá-lo com datas que marcam nossas vidas (nascimentos, aniversários, casamento, namoro, uma viagem marcante etc.), mesmo que logo depois você as esqueça, porque deixam de ser necessárias. Da mesma forma, se quisermos memorizar de uma só vez 10 palavras isoladas, na seqüência dada, como cachorro-casa-maçã-irmã-música-vizinha-vassoura-passarinhobola-ouro, basta organizá-las em um sistema semântico para que a tarefa se torne mais fácil: Meu cachorro fugiu de casa. Quando fui pegar uma maçã na cozinha percebi o que havia acontecido. Chamei minha irmã que não me ouviu porque estava escutando música. Saí procurando meu cachorro e levei o maior susto quando o encontrei: minha vizinha tentava bater nele com uma vassoura porque ele havia pegado seu passarinho. Meu cachorro só soltou o passarinho depois que joguei uma bola para ele brincar. Agora, a vizinha não quer nos ver nem pintados de ouro! Por que isso ajuda? Porque colocamos os elementos que queremos memorizar em uma cadeia associativa, na qual a participação da linguagem é fundamental. Luria considera a palavra o elemento fundamental da linguagem, uma vez que é ela que designa as coisas, individualiza suas características, designa ações, relações, e que reúne objetos em determinados sistemas. A palavra evoca todo um complexo sistema de relações, transformando-se no centro de toda uma complexa rede semântica; uma rede potencial 4 Memória e campo semântico / Maria Irma Hadler Coudry de enlaces multidimensionais que podem ter um caráter sonoro, visual, perceptivo, situacional ou conceitual (LURIA, 1986). Dito de outra maneira: a palavra ouvida ou lida involuntariamente evoca uma rede de imagens e palavras a ela relacionadas e que devem ser inibidas para que seja selecionado o sentido que tem a ver com a situação em questão. A palavra mesa pode evocar diferentes imagens (escola, casamento, aniversário, cirurgia etc.) e uma série de palavras que por alguma razão se associam a ela (cadeira, toalha, prato etc.). Além disso, a palavra não somente designa uma coisa como a inclui em uma categoria, o que torna possível a generalização e a abstração. É isso que possibilita construir o pensamento e transmiti-lo para outros através da experiência acumulada na história social, relacionada com as funções desse objeto. Sempre que uma pessoa fica fora da possibilidade de entrar na rede de conhecimentos social e histórico que se associam a uma palavra, maior será a dificuldade dessa pessoa em atribuir sentido e refletir sobre o que ouve, lê, escreve, vive. Autores: Maria Irma Hadler Coudry (coordenadora) Sonia Maria Sellin Bordin Michelli Alessandra Silva Giovana Dragone Rosseto Antonio Ana Laura Gonçalves Nakazoni Exercício 1 Você já viveu situações em que ouviu de orelhada um ditado ou letra de música, alterando o sentido da frase? Por exemplo, a passagem da letra da música Noite do Prazer, de Claudio Zoli, Na madrugada, vitrola rolando um Blues, tocando B.B. King sem parar: É ouvida por algumas pessoas como: Na madrugada, vitrola rolando um Blues, trocando de biquíni sem parar. Isso acontece por várias razões: a pessoa nunca ouviu falar a palavra B.B. King e a pessoa tem mais familiaridade com a palavra biquíni. O que motiva essa substituição é a 5 Memória e campo semântico / Maria Irma Hadler Coudry proximidade sonora entre as duas palavras. É interessante observar que a pessoa que canta biquíni no lugar de B. B. King não se dá conta do quanto é bizarro imaginar a cena de uma pessoa trocando de biquíni a noite inteira, enquanto a vitrola toca blues. O mesmo acontece no episódio I do vídeo Viagem ao cérebro, quando Pedro, que não conhece a palavra Kremlin escuta Gremlins. Veja, no entanto, que Pedro não faz essa associação apenas porque não conhece a palavra Kremlin, mas porque é muito parecida sonoramente com uma palavra que conhece (Gremlins), e que está relacionada com outra cadeia associativa evocada pelo contexto do que dizia naquele momento: Pedro falava do futuro (naves, robôs, carro voando) o que trouxe palavras que se associam com essa ideia: gremlins, zords, alienígenas, cyborgs. Pensando nisso tudo, ou seja, que somos movidos pela busca de sentido, no caso, muito mais pelo aspecto sonoro do que semântico (significado), tente explicar o que acontece nas seguintes situações: 1. A mãe pede à filha que vá até a farmácia comprar o laxante lactopurga. A criança chega à farmácia e pede um lactopulga. O farmacêutico ironicamente diz a ela que remédio para pulga só se encontra em casa agropecuária. 2. Uma pessoa canta um trecho da música de Roberto e Erasmo Carlos “Mesmo que seja eu” da seguinte forma: “Um homem pra chamar Dirceu mesmo que seja eu”, no lugar de “Um homem pra chamar de seu mesmo que seja eu”. 3. Uma pessoa canta “Por você vou roubar os anéis e usar tudo”, em vez de “Por você vou roubar os anéis de Saturno”, música de Rita Lee.