CÂMARA DOS DEPUTADOS DEPARTAMENTO DE TAQUIGRAFIA, REVISÃO E REDAÇÃO NÚCLEO DE REDAÇÃO FINAL EM COMISSÕES TEXTO COM REDAÇÃO FINAL CPI - TRÁFICO DE ORGÃOS HUMANOS EVENTO: Audiência Pública N°: 0456/04 DATA: 4/5/2004 INÍCIO: 15h02min TÉRMINO: 16h53min DURAÇÃO: 01h50min TEMPO DE GRAVAÇÃO: 01h51min PÁGINAS: 59 QUARTOS: 23 DEPOENTE/CONVIDADO - QUALIFICAÇÃO CONCEIÇÃO DE MARIA JANSEN DE OLIVEIRA - Advogada de Defesa de transplantados que efetivaram a venda de seus órgãos WILSON SALLES DAMÁZIO - Superintendente da Polícia Federal em Pernambuco SUMÁRIO: Tomada de depoimentos. OBSERVAÇÕES Há intervenção inaudível. Há orador não identificado. Há termos ininteligíveis. Há falha na gravação. CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Nome: CPI - Tráfico de Orgãos Humanos CPI - Tráfico de Orgãos Humanos Número: 0456/04 COM REDAÇÃO FINAL Data: 4/5/2004 O SR. PRESIDENTE (Deputado Neucimar Fraga) - Havendo número regimental, declaro abertos os trabalhos da 6ª reunião ordinária da Comissão Parlamentar de Inquérito destinada a investigar a atuação de organizações atuantes no tráfico de órgãos humanos no País, CPI do Tráfico de Órgãos. Esta reunião foi convocada para realizar audiência pública para a tomada de depoimento da Sra. Conceição de Maria Jansen de Oliveira, advogada de defesa de 14 transplantados, que efetivaram a venda dos seus órgãos, e também do Sr. Wilson Salles Damázio, Superintendente da Polícia Federal em Pernambuco. Convido neste momento a Sra. Conceição de Maria Jansen de Oliveira para tomar assento à Mesa. Antes de passar a palavra à depoente, peço a atenção aos senhores presentes para as normas estabelecidas no Regimento Interno da Casa. O tempo concedido aos depoentes será de até 20 minutos, prorrogáveis a juízo da Comissão, não podendo, neste período, os depoentes serem aparteados. Os Deputados interessados em interpelálos deverão se inscrever previamente junto à Secretaria da Comissão. Cada Deputado inscrito terá o prazo de até 3 minutos para fazer suas indagações dispondo o depoente de igual tempo para a resposta, facultada a réplica e a tréplica pelo mesmo prazo. Por se tratar de oitiva de testemunha, solicito a Sra. Conceição de Maria Jansen de Oliveira que preste juramento, conforme art. 203 do Código de Processo Penal. A SRA. CONCEIÇÃO DE MARIA JANSEN DE OLIVEIRA - Faço, sob a palavra de honra, a promessa de dizer a verdade do que souber e me for perguntado. O SR. PRESIDENTE (Deputado Neucimar Fraga) - Em conformidade com o art. 210 do Código de Processo Penal, advirto a depoente das penas cominadas ao 1 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Nome: CPI - Tráfico de Orgãos Humanos CPI - Tráfico de Orgãos Humanos Número: 0456/04 COM REDAÇÃO FINAL Data: 4/5/2004 crime de falso testemunho, assim descritos no Código Penal, art. 342: “Fazer afirmação falsa, ou negar ou calar a verdade como testemunha, perito, contador, tradutor ou intérprete em processo judicial, ou administrativo, inquérito policial, ou em juízo arbitral.” Com a palavra, então, a Sra. Maria de Conceição Jansen de Oliveira, que vai fazer uma explanação durante alguns minutos sobre a atuação dessa quadrilha no Estado de Pernambuco e como ela entrou no processo, de que forma e como anda hoje o acompanhamento que ela tem dado a essas pessoas, que, na verdade, foram praticamente vítimas dessa quadrilha no Estado de Pernambuco. A SRA. CONCEIÇÃO DE MARIA JANSEN DE OLIVEIRA - Boa-tarde. Bem, eu tomei conhecimento, como a maioria dos senhores, através dos jornais. No dia em que saiu a matéria sobre o tráfico e que a Polícia Federal tinha descoberto, fui procurada por uma média de 20 pessoas que foram indicadas através de... Na realidade, atualmente, eu sou advogada de cinco pessoas que venderam o rim. E uma foi chamando a outra. Agora, a grande maioria é analfabeta ou semi-analfabeta. Essas pessoas não tinham o mínimo conhecimento de que vender um rim era crime. Para a grande maioria, crime, para elas, é matar, roubar ou estuprar. E, na realidade, quando você diz o significado de ser indiciado em inquérito, que você cometeu um crime, a maioria delas se evadiram. Não tenho como dizer aos senhores quem são, só os que constam do processo, e responderei pelos meus clientes. O SR. PRESIDENTE (Deputado Neucimar Fraga) - Agradecemos a palavra da D. Conceição. A senhora tem a relação do nome das pessoas para as quais a senhora foi constituída advogada de defesa? 2 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Nome: CPI - Tráfico de Orgãos Humanos CPI - Tráfico de Orgãos Humanos Número: 0456/04 COM REDAÇÃO FINAL Data: 4/5/2004 A SRA. CONCEIÇÃO DE MARIA JANSEN DE OLIVEIRA - Tenho. O SR. PRESIDENTE (Deputado Neucimar Fraga) - Pode citar para nós? A SRA. CONCEIÇÃO DE MARIA JANSEN DE OLIVEIRA - Sou advogada de Leonardo Silvio Gomes, José Carlos da Conceição da Silva, Leandro Silvino Gomes, Hernani Gomes da Silva e Márcio Cézar do Nascimento. O SR. PRESIDENTE (Deputado Neucimar Fraga) - Qual o crime que esses acusados estão respondendo hoje? A SRA. CONCEIÇÃO DE MARIA JANSEN DE OLIVEIRA - Por terem vendido o rim. O SR. PRESIDENTE (Deputado Neucimar Fraga) - A procura pela advogada de defesa foi feita por eles mesmos ou por algum intermediário? A SRA. CONCEIÇÃO DE MARIA JANSEN DE OLIVEIRA - Dois deles são irmãos, o Leonardo e o Leandro. Prestei serviços a uma firma em Recife e um deles trabalhava lá. Quando o pai deles descobriu que havia acontecido isso, porque, até então, um irmão não sabia do outro, ele lembrou de mim, lembrou que eu trabalhei com o filho dele — o filho dele, na época, era ajudante de serviços gerais na empresa. A empresa inclusive hoje fechou, faliu. E ele ligou para mim. Eu estava no Fórum Estadual do Recife e ele ligou, veio até a porta do Fórum, não pôde entrar porque não estava trajado adequadamente, e chorando, aos prantos, disse a mim o que tinha acontecido, que o filho tinha ido para a África e tinha vendido um rim. O SR. PRESIDENTE (Deputado Neucimar Fraga) - E como o filho dele ficou sabendo da atuação dessa quadrilha? De que forma a quadrilha fez o contato com o filho? 3 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Nome: CPI - Tráfico de Orgãos Humanos CPI - Tráfico de Orgãos Humanos Número: 0456/04 COM REDAÇÃO FINAL Data: 4/5/2004 A SRA. CONCEIÇÃO DE MARIA JANSEN DE OLIVEIRA - Bem, segundo todos eles, eles são unânimes em dizer tanto na Polícia Federal quanto à frente do Poder Judiciário, que foram procurados pelo capitão Ivan, com exceção de Márcio, que disse que era tão público e notório, até as crianças do bairro sabiam, ali, no Jardim São Paulo, na Estância, todo mundo sabia, ele procurava assim pessoas simples, pessoas que limpam o vidro do carro, que estão vendendo refrigerante nos sinais, nos semáforos. E sob a alegação de que eram empregos na África do Sul, que eles precisariam fazer um exame e quem tivesse o sangue “O” positivo iria para a África. O SR. PRESIDENTE (Deputado Neucimar Fraga) - Passava no exame. A SRA. CONCEIÇÃO DE MARIA JANSEN DE OLIVEIRA - Passava no exame. O SR. PRESIDENTE (Deputado Neucimar Fraga) - Então, eles foram seduzidos com a proposta primeiro de emprego? A SRA. CONCEIÇÃO DE MARIA JANSEN DE OLIVEIRA - Justamente, o emprego. A maioria das pessoas que vivem nos arrabaldes de Recife ou não têm emprego ou vivem em subempregos. O SR. PRESIDENTE (Deputado Neucimar Fraga) - E eles eram levados para a África do Sul conscientes de que lá esse emprego seria doar o rim ou eles tinham a expectativa de que realmente fossem trabalhar de carteira assinada, em alguma empresa? A SRA. CONCEIÇÃO DE MARIA JANSEN DE OLIVEIRA - Não. Após o primeiro contato, segundo meus clientes, o Capitão Ivan explicava da seguinte maneira. Depois que conversava com a pessoa — ele procurava conversar 4 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Nome: CPI - Tráfico de Orgãos Humanos CPI - Tráfico de Orgãos Humanos Número: 0456/04 COM REDAÇÃO FINAL Data: 4/5/2004 geralmente em bares —, ele dizia que, na realidade, você iria prestar um favor, salvar uma vida, mas que você não estaria cometendo um crime. Agora, que, quando chegasse lá, e que realmente acontecesse o transplante, ele seria gratificado e, como o dinheiro era moeda estrangeira, a Polícia Federal poderia tomar. Então, não era possível dizer à família, tinha que ser uma coisa muito sigilosa. Ele cativou dessa maneira. É uma pessoa que era pública ali nas imediações de Jardim São Paulo, já tinha inclusive residido ali no bairro, segundo os meus clientes. Ele é uma pessoa que é muito carismática. O SR. PRESIDENTE (Deputado Neucimar Fraga) - E quanto cada cliente desse recebia pelo órgão. A SRA. CONCEIÇÃO DE MARIA JANSEN DE OLIVEIRA - Ora, inicialmente, segundo relato deles próprios, 10 mil dólares, 5, 6, 7 mil dólares. Variava. O SR. PRESIDENTE (Deputado Neucimar Fraga) - E ele só tinha interesse pelo rim ou já receberam outras propostas também e não aceitaram? A SRA. CONCEIÇÃO DE MARIA JANSEN DE OLIVEIRA - Receberam propostas lá, na África do Sul, receberam. O SR. PRESIDENTE (Deputado Neucimar Fraga) - Para doar outros órgãos? A SRA. CONCEIÇÃO DE MARIA JANSEN DE OLIVEIRA - Outros órgãos, a córnea. O SR. PRESIDENTE (Deputado Neucimar Fraga) - Então, receberam propostas para doar outros órgãos? A SRA. CONCEIÇÃO DE MARIA JANSEN DE OLIVEIRA - A córnea, o líquido da medula. 5 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Nome: CPI - Tráfico de Orgãos Humanos CPI - Tráfico de Orgãos Humanos Número: 0456/04 COM REDAÇÃO FINAL Data: 4/5/2004 O SR. PRESIDENTE (Deputado Neucimar Fraga) - E algum deles aceitou a proposta? A SRA. CONCEIÇÃO DE MARIA JANSEN DE OLIVEIRA - Não. O SR. PRESIDENTE (Deputado Neucimar Fraga) - Todos os que a senhora defende? A SRA. CONCEIÇÃO DE MARIA JANSEN DE OLIVEIRA - Até porque é a pressão. Alguns tentaram desistir, aí demoraram mais para fazer a cirurgia. Eram levados a passear em shoppings, em praias da África do Sul. O SR. PRESIDENTE (Deputado Neucimar Fraga) - E o hospital que os atendia na África do Sul era hospital particular ou hospital público, a senhora tem informação? A SRA. CONCEIÇÃO DE MARIA JANSEN DE OLIVEIRA - Segundo consta, particular. O SR. PRESIDENTE (Deputado Neucimar Fraga) - Particular? A SRA. CONCEIÇÃO DE MARIA JANSEN DE OLIVEIRA - Particular. O SR. PRESIDENTE (Deputado Neucimar Fraga) - E eram atendidos por médicos. A SRA. CONCEIÇÃO DE MARIA JANSEN DE OLIVEIRA - Médicos. Eles sequer falam português decentemente, não tinham nem como... inclusive eles assinavam uma documentação lá de que estavam doando e não vendendo. O SR. PRESIDENTE (Deputado Neucimar Fraga) - E eram atendidos por médicos desse hospital particular? A SRA. CONCEIÇÃO DE MARIA JANSEN DE OLIVEIRA - Médicos e enfermeiras. Agora, tinham 2 tradutores. 6 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Nome: CPI - Tráfico de Orgãos Humanos CPI - Tráfico de Orgãos Humanos Número: 0456/04 COM REDAÇÃO FINAL Data: 4/5/2004 O SR. PRESIDENTE (Deputado Neucimar Fraga) - A senhora tem informação se esses médicos eram médicos transplantistas mesmo? A SRA. CONCEIÇÃO DE MARIA JANSEN DE OLIVEIRA - Não, não tenho informações, até porque eles não falavam português e o tradutor, que foi contratado para trabalhar junto às pessoas que fizeram transplante, só dizia, na realidade, o que interessava, só o básico, nada que... O SR. PRESIDENTE (Deputado Neucimar Fraga) - Além do Capitão Ivan, a senhora sabe o nome de alguma outra pessoa envolvida na quadrilha lá, que tentou aliciar algum dos seus clientes? A SRA. CONCEIÇÃO DE MARIA JANSEN DE OLIVEIRA - Um deles, o José Carlos, foi aliciado por uma moça chamada Fernanda. O SR. PRESIDENTE (Deputado Neucimar Fraga) - Fernanda? A SRA. CONCEIÇÃO DE MARIA JANSEN DE OLIVEIRA - Fernanda. O SR. PRESIDENTE (Deputado Neucimar Fraga) - Você tem o sobrenome dela? A SRA. CONCEIÇÃO DE MARIA JANSEN DE OLIVEIRA - Fernanda Gabriela Martins Calado. O SR. PRESIDENTE (Deputado Neucimar Fraga) - Fernanda Gabriela Martins Calado foi uma das aliciadoras de um cliente da senhora. A SRA. CONCEIÇÃO DE MARIA JANSEN DE OLIVEIRA - É. No caso ela era uma espécie de assessora do Gedalya. O SR. PRESIDENTE (Deputado Neucimar Fraga) - Gedalya. A SRA. CONCEIÇÃO DE MARIA JANSEN DE OLIVEIRA - O israelense. 7 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Nome: CPI - Tráfico de Orgãos Humanos CPI - Tráfico de Orgãos Humanos Número: 0456/04 COM REDAÇÃO FINAL Data: 4/5/2004 O SR. PRESIDENTE (Deputado Neucimar Fraga) - Gedalya é o israelense que, segundo denúncias, montou, que estava montando essa base, essa quadrilha aqui em Pernambuco. A SRA. CONCEIÇÃO DE MARIA JANSEN DE OLIVEIRA - É, inclusive eu tenho cópia aqui do depoimento dele. Ele inicialmente alega que estava sendo patrocinado pelo governo israelense, depois ele nega. O SR. PRESIDENTE (Deputado Neucimar Fraga) - A senhora tem informação sobre a possibilidade de alguns desses pernambucanos terem ido e não ter voltado ao Brasil? A SRA. CONCEIÇÃO DE MARIA JANSEN DE OLIVEIRA - De ouvir falar, sim. O SR. PRESIDENTE (Deputado Neucimar Fraga) - Não tem? A SRA. CONCEIÇÃO DE MARIA JANSEN DE OLIVEIRA - Não, não tenho. Eu recebi essa informação por uma pessoa que chegou a ser chamada, mas não foi por conta de problemas particulares e, em conversa comigo, extra-oficialmente, ele me contou que existem famílias nos bairros que dizem que os filhos desapareceram e não voltaram. E não prestaram queixa com medo. O SR. PRESIDENTE (Deputado Neucimar Fraga) - Foram e não voltaram. A SRA. CONCEIÇÃO DE MARIA JANSEN DE OLIVEIRA - E não voltaram. O SR. PRESIDENTE (Deputado Neucimar Fraga) - Esses não voltaram nem com dinheiro e nem para dar uma satisfação. A SRA. CONCEIÇÃO DE MARIA JANSEN DE OLIVEIRA - Não tenho como dizer ao senhor nem aos senhores aqui nomes, até porque a pessoa não tem ou não quer me dizer ou não quis me dizer. Eu não tenho nem como dizer essa informação. 8 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Nome: CPI - Tráfico de Orgãos Humanos CPI - Tráfico de Orgãos Humanos Número: 0456/04 COM REDAÇÃO FINAL Data: 4/5/2004 O SR. PRESIDENTE (Deputado Neucimar Fraga) - Além da Fernanda, a senhora conhece mais alguma pessoa envolvida nesse esquema de tráfico de órgãos em Pernambuco? A SRA. CONCEIÇÃO DE MARIA JANSEN DE OLIVEIRA - Conhecer, não conheço. A Fernanda... O SR. PRESIDENTE (Deputado Neucimar Fraga) - Seus clientes denunciaram ou envolveram mais alguém? A SRA. CONCEIÇÃO DE MARIA JANSEN DE OLIVEIRA - Não. Assim, basicamente, todos conheceram o Capitão Ivan e não tiveram contato com a Fernanda. Só o José Carlos foi que teve contato com a Fernanda. O SR. PRESIDENTE (Deputado Neucimar Fraga) - A senhora sabe o nome do hospital lá em Pernambuco ou da clínica onde eles faziam esse exame para ver se eles seriam aprovados no emprego na África ou não? A SRA. CONCEIÇÃO DE MARIA JANSEN DE OLIVEIRA - É a Clínica Cidrin. Se não me engano, não tenho bem certeza, fica no Bairro do Derby, não tenho bem certeza, agora, no momento, não me vem à memória. O SR. PRESIDENTE (Deputado Neucimar Fraga) - E os exames eram solicitados por quem? A SRA. CONCEIÇÃO DE MARIA JANSEN DE OLIVEIRA - Particularmente, todo brasileiro tem um médico amigo da família e o Dr. Sílvio Boudox, o médico envolvido na história, quero crer que ele não tenha envolvimento na situação, no todo, por conta de que um profissional, na minha área mesmo, eu não cobro consulta. Então, se eu fosse cobrar uma consulta, vamos supor, é só uma questão de exemplo, 50 reais, então, um amigo muito íntimo, chega, como era o caso do 9 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Nome: CPI - Tráfico de Orgãos Humanos CPI - Tráfico de Orgãos Humanos Número: 0456/04 COM REDAÇÃO FINAL Data: 4/5/2004 Capitão Ivan, a relação dele com o Dr. Silvio Boudox mais ou menos era essa — eu tenho essa informação através de familiares —, ofereceu, eram 100 dólares por cada exame, sob a alegação de que estava levando pessoas para a África para trabalhar com carteira assinada e precisaria dos exames. O SR. PRESIDENTE (Deputado Neucimar Fraga) - Todos os seus clientes, os cinco que a senhora ainda defende tiveram a autorização de exame dada pelo mesmo médico? A SRA. CONCEIÇÃO DE MARIA JANSEN DE OLIVEIRA - Não chegaram a conhecer nenhum médico. O SR. PRESIDENTE (Deputado Neucimar Fraga) - Não, mas todos eles... a requisição dos exames foi feita pelo Dr. Boudox? A SRA. CONCEIÇÃO DE MARIA JANSEN DE OLIVEIRA - Não, eles chegavam, porque, é prática normal, se você chegar em um laboratório, independente de você ter um plano de saúde ou não — pelo menos em Pernambuco é assim —, se você chegar e disser que fazer um exame, uma ultra-sonografia, um exame de sangue, você não precisa dizer para que é, se você está pagando, você faz o exame. O SR. PRESIDENTE (Deputado Neucimar Fraga) - Mas tem que ter uma autorização médica? A SRA. CONCEIÇÃO DE MARIA JANSEN DE OLIVEIRA - Não. O SR. PRESIDENTE (Deputado Neucimar Fraga) - Uma requisição? A SRA. CONCEIÇÃO DE MARIA JANSEN DE OLIVEIRA - A maioria dos exames, não. 10 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Nome: CPI - Tráfico de Orgãos Humanos CPI - Tráfico de Orgãos Humanos Número: 0456/04 COM REDAÇÃO FINAL Data: 4/5/2004 O SR. PRESIDENTE (Deputado Neucimar Fraga) - Então, qualquer cidadão lá em Pernambuco chega no laboratório, pede para fazer um exame sem uma requisição médica? A SRA. CONCEIÇÃO DE MARIA JANSEN DE OLIVEIRA - Se você chegar em um laboratório e disser: quero fazer tal e tal exame, não tenho requisição, é particular, estou pagando. O SR. PRESIDENTE (Deputado Neucimar Fraga) - E no hospital público? A SRA. CONCEIÇÃO DE MARIA JANSEN DE OLIVEIRA - Não, no hospital público logicamente necessita. O SR. PRESIDENTE (Deputado Neucimar Fraga) - Mas algum dos seus clientes fez o exame com a requisição feita pelo Dr. Boudox. A SRA. CONCEIÇÃO DE MARIA JANSEN DE OLIVEIRA - Não tenho como lhe dar essa informação, porque eles são categóricos em dizer que ninguém, nenhum dos meus clientes conhecem o Dr. Sílvio. Não chegaram a ver o Dr. Sílvio. Chegavam no laboratório, acompanhados geralmente do Capitão, com exceção do José Carlos, e foram fazer o exame tal. Fizeram o exame, esperaram e receberam o exame. O SR. PRESIDENTE (Deputado Neucimar Fraga) - Esses exames foram solicitados ou foram feitos todos no horário normal do expediente do laboratório? A SRA. CONCEIÇÃO DE MARIA JANSEN DE OLIVEIRA - Horário normal de expediente. O SR. PRESIDENTE (Deputado Neucimar Fraga) - Todos eles chegaram ao laboratório no horário normal de expediente? 11 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Nome: CPI - Tráfico de Orgãos Humanos CPI - Tráfico de Orgãos Humanos Número: 0456/04 COM REDAÇÃO FINAL Data: 4/5/2004 A SRA. CONCEIÇÃO DE MARIA JANSEN DE OLIVEIRA - No horário normal do expediente, 10 horas da manhã, 9 horas da manhã, 11 horas da manhã, à tarde. O SR. PRESIDENTE (Deputado Neucimar Fraga) - A senhora já conhecia o Capitão Ivan antes. A SRA. CONCEIÇÃO DE MARIA JANSEN DE OLIVEIRA - Não, nunca conheci o Capitão Ivan. Conheci no dia em que ele foi depor, porque presenciei o depoimento dele. O SR. PRESIDENTE (Deputado Neucimar Fraga) - Algum hospital de Pernambuco deu assistência a algum dos seus clientes após a chegada deles da África do Sul? A SRA. CONCEIÇÃO DE MARIA JANSEN DE OLIVEIRA - Não, nenhum. O SR. PRESIDENTE (Deputado Neucimar Fraga) - Você sabe se algum dos que fizeram o transplante na África do Sul através dessa atuação tiveram algum problema de saúde após a chegada ao Brasil? A SRA. CONCEIÇÃO DE MARIA JANSEN DE OLIVEIRA - Não. Eles reclamam que ficaram debilitados, não têm mais a força física que tinham. Mas, de se hospitalizar, não. O SR. PRESIDENTE (Deputado Neucimar Fraga) - Então, nenhum deles teve problemas de saúde após a chegada, ficou internado, foi atendido por algum médico? A SRA. CONCEIÇÃO DE MARIA JANSEN DE OLIVEIRA - Um deles teve um problema lá. Teve, não sei como vou dizer, ele sofreu uma cirurgia, porque ele teve uma embolia pulmonar. 12 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Nome: CPI - Tráfico de Orgãos Humanos CPI - Tráfico de Orgãos Humanos Número: 0456/04 COM REDAÇÃO FINAL Data: 4/5/2004 O SR. PRESIDENTE (Deputado Neucimar Fraga) - Após o transplante? A SRA. CONCEIÇÃO DE MARIA JANSEN DE OLIVEIRA - Na hora do transplante. O SR. PRESIDENTE (Deputado Neucimar Fraga) - Foi submetido a outra cirurgia? A SRA. CONCEIÇÃO DE MARIA JANSEN DE OLIVEIRA - Foi submetido a outra cirurgia. Ele é pedreiro. O SR. PRESIDENTE (Deputado Neucimar Fraga) - E lá na África do Sul eles ficavam hospedados no próprio hospital? A SRA. CONCEIÇÃO DE MARIA JANSEN DE OLIVEIRA - Não. Eles contam que era uma espécie de flat ou uma casa alugada, alguma coisa assim, e que ficavam lá. Geralmente quando vinham 3, 4; estavam partindo 3, 4. E eram orientados a não conversar uns com os outros. O SR. PRESIDENTE (Deputado Neucimar Fraga) - E eles saíam daqui do Brasil já em grupo ou saíam individualmente? A SRA. CONCEIÇÃO DE MARIA JANSEN DE OLIVEIRA - Individualmente. Geralmente com 1 ou 2, no máximo duas pessoas. O SR. PRESIDENTE (Deputado Neucimar Fraga) - Que se conheciam? A SRA. CONCEIÇÃO DE MARIA JANSEN DE OLIVEIRA - Não, não se conheciam. Na hora em que estavam embarcando é que o Capitão, que era geralmente o Capitão que levava, quer dizer, no caso dos meus clientes foi o Capitão que levou. O SR. PRESIDENTE (Deputado Neucimar Fraga) - Levou no aeroporto? 13 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Nome: CPI - Tráfico de Orgãos Humanos CPI - Tráfico de Orgãos Humanos Número: 0456/04 COM REDAÇÃO FINAL Data: 4/5/2004 A SRA. CONCEIÇÃO DE MARIA JANSEN DE OLIVEIRA - Levou ao aeroporto e conhecia na hora: “Este aqui é o fulano e vai com você”. O SR. PRESIDENTE (Deputado Neucimar Fraga) - E a chegada na África do Sul? Esses clientes da senhora, como é que eles encontravam esse flat? A SRA. CONCEIÇÃO DE MARIA JANSEN DE OLIVEIRA - Tinha uma pessoa para recepcioná-los, um tradutor que os levava a... O SR. PRESIDENTE (Deputado Neucimar Fraga) - Então, ele falava português, o que recebia lá? A SRA. CONCEIÇÃO DE MARIA JANSEN DE OLIVEIRA - Justamente, ele falava português. Se não me engano foram 2, um rapaz e uma moça, de origem portuguesa, que levavam as pessoas para esse flat, que era nas proximidades. O SR. PRESIDENTE (Deputado Neucimar Fraga) - E essas duas pessoas foram identificadas? A SRA. CONCEIÇÃO DE MARIA JANSEN DE OLIVEIRA - Foram identificadas. Só não me lembro agora o nome. (Pausa.) É Rody. O SR. PRESIDENTE (Deputado Neucimar Fraga) - Rody? A SRA. CONCEIÇÃO DE MARIA JANSEN DE OLIVEIRA - Rody. Era o tradutor. Depois, foi substituído por uma moça, ou vice-versa: ou ela o substituiu ou ele a substituiu. A moça, não me lembro o nome. O SR. PRESIDENTE (Deputado Neucimar Fraga) - Mas está nos processos, está nos autos? A SRA. CONCEIÇÃO DE MARIA JANSEN DE OLIVEIRA - Constam nos processos. Não todos. A maioria foi com o Rody. Só um, salvo engano, é que teve contato com essa outra tradutora portuguesa. 14 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Nome: CPI - Tráfico de Orgãos Humanos CPI - Tráfico de Orgãos Humanos Número: 0456/04 COM REDAÇÃO FINAL Data: 4/5/2004 O SR. PRESIDENTE (Deputado Neucimar Fraga) - A senhora tem informação se algum desses envolvidos lá de Pernambuco, algum de seus clientes recebeu uma proposta para realizar transplante como este aqui no Brasil ou em algum outro Estado? A SRA. CONCEIÇÃO DE MARIA JANSEN DE OLIVEIRA - Não. Eles não falam, não comentavam detalhes da operação com os transplantados. O SR. PRESIDENTE (Deputado Neucimar Fraga) - E ao chegarem no Brasil e, quando estourou esse escândalo envolvendo um Capitão, envolvendo um coronel reformado, envolvendo um agente da polícia israelense, algum dos seus clientes sofreu algum tipo de ameaça, assim? A SRA. CONCEIÇÃO DE MARIA JANSEN DE OLIVEIRA - Sofreram por parte das pessoas que foram, e, quando voltaram, começaram a aliciar. O SR. PRESIDENTE (Deputado Neucimar Fraga) - Então, as pessoas iam como as pessoas a oferecer um transplante, sendo transplantados, e voltavam já como aliciadores de novos clientes? A SRA. CONCEIÇÃO DE MARIA JANSEN DE OLIVEIRA - É. Alguns deles voltaram como aliciadores. O SR. PRESIDENTE (Deputado Neucimar Fraga) - Eles ganhavam quanto por isso? A SRA. CONCEIÇÃO DE MARIA JANSEN DE OLIVEIRA - Mil dólares por cada pessoa aliciada. O SR. PRESIDENTE (Deputado Neucimar Fraga) - Cada pessoa indicada recebia mil dólares? A SRA. CONCEIÇÃO DE MARIA JANSEN DE OLIVEIRA - Mil dólares. 15 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Nome: CPI - Tráfico de Orgãos Humanos CPI - Tráfico de Orgãos Humanos Número: 0456/04 COM REDAÇÃO FINAL Data: 4/5/2004 O SR. PRESIDENTE (Deputado Neucimar Fraga) - A senhora sabe se esse mercado cresceu muito dentro de Pernambuco? Sabe quantos cada um conseguiu aliciar, ou não? A SRA. CONCEIÇÃO DE MARIA JANSEN DE OLIVEIRA - De ouvir dizer, pelos meus clientes, só no bairro de Jardim São Paulo foi numa base de 50 pessoas. O SR. PRESIDENTE (Deputado Neucimar Fraga) - Só em um bairro? A SRA. CONCEIÇÃO DE MARIA JANSEN DE OLIVEIRA - Só em um bairro. O SR. PRESIDENTE (Deputado Neucimar Fraga) - Que foram aliciados? A SRA. CONCEIÇÃO DE MARIA JANSEN DE OLIVEIRA - Tiveram pessoas do interior, tiveram pessoas de bairros, assim, bem mais afastados, de outros Municípios. O SR. PRESIDENTE (Deputado Neucimar Fraga) - Só em um bairro foram 50 aliciados? A SRA. CONCEIÇÃO DE MARIA JANSEN DE OLIVEIRA - É. Mais ou menos uma faixa de 50 pessoas. O SR. PRESIDENTE (Deputado Neucimar Fraga) - E todos os 50 fizeram transplante? A SRA. CONCEIÇÃO DE MARIA JANSEN DE OLIVEIRA - Eu não tenho como lhe dar essa informação. Não tenho. Muitos se evadiram, com medo. O SR. PRESIDENTE (Deputado Neucimar Fraga) - E eles tinham critério para questão de idade, tinham escolha por idade, por sexo, por porte físico? A SRA. CONCEIÇÃO DE MARIA JANSEN DE OLIVEIRA - Não. A idade, assim, numa faixa de 20, 21 a 30 anos, gozando de boa saúde, e o principal: o sangue. 16 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Nome: CPI - Tráfico de Orgãos Humanos CPI - Tráfico de Orgãos Humanos Número: 0456/04 COM REDAÇÃO FINAL Data: 4/5/2004 O SR. PRESIDENTE (Deputado Neucimar Fraga) - Certo. O SR. DEPUTADO PASTOR PEDRO RIBEIRO - “O” Positivo? A SRA. CONCEIÇÃO DE MARIA JANSEN DE OLIVEIRA - “O” Positivo. O SR. PRESIDENTE (Deputado Neucimar Fraga) - Mais algum membro da Comissão quer fazer uso da palavra? O SR. DEPUTADO PASTOR PEDRO RIBEIRO - Dra. Conceição... A SRA. CONCEIÇÃO DE MARIA JANSEN DE OLIVEIRA - Pois não. O SR. PRESIDENTE (Deputado Neucimar Fraga) - Pastor Pedro Ribeiro, Relator, Deputado do Ceará. O SR. DEPUTADO PASTOR PEDRO RIBEIRO - Eu ouvia, desde o início, a inquirição que o Sr. Presidente lhe fazia, e a senhora respondia muito claramente. Ouvi a citação do Márcio, da Fernanda Gabriela, do Capitão Ivan, desse Gedalya, de Israel, e eu estava realmente querendo chegar ao momento em que se descobrisse — se tivesse da sua parte a citação — das pessoas que moravam na África do Sul, quem fazia a ponte e quem acolhia. A senhora nos explicou sobre o Rody, que traduzia, que recebia no aeroporto, e que depois uma tradutora portuguesa deram ou deu para estes pernambucanos que estiveram lá, que passaram por esse processo, lhe passaram dados consistentes acerca de uma organização estabelecida? Eles puderam identificar uma organização por trás disso, aí? A SRA. CONCEIÇÃO DE MARIA JANSEN DE OLIVEIRA - Um dos meus clientes você consegue conversar melhor com ele. Ele tem, digamos, um português bem melhor, ele é muito inteligente. Ele comentou comigo a esse respeito. “Eles são muito organizados, doutora. É uma coisa impressionante”. 17 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Nome: CPI - Tráfico de Orgãos Humanos CPI - Tráfico de Orgãos Humanos Número: 0456/04 COM REDAÇÃO FINAL Data: 4/5/2004 O SR. DEPUTADO PASTOR PEDRO RIBEIRO - Mas ele não tem, assim, dados palpáveis de como se poderia chegar a estes organizadores? A SRA. CONCEIÇÃO DE MARIA JANSEN DE OLIVEIRA - Não. Até porque ele não fala nenhuma outra língua a não ser o nosso português. O SR. DEPUTADO PASTOR PEDRO RIBEIRO - Por essas pessoas aliciadas, em torno de 50 em um só bairro, a senhora disse que não tem uma resposta de resultado de quem foi, quem voltou, mas quem conduzia os aliciados, a senhora sabe dizer? Porque tinha o Capitão que fazia o contato. Depois, aqueles que foram.... A SRA. CONCEIÇÃO DE MARIA JANSEN DE OLIVEIRA - Ele fazia o contato, ele levava para fazer os exames, ele levava para tirar o passaporte... O SR. DEPUTADO PASTOR PEDRO RIBEIRO - E depois, esses aliciadores... A SRA. CONCEIÇÃO DE MARIA JANSEN DE OLIVEIRA - ...e levava ao aeroporto. O SR. DEPUTADO PASTOR PEDRO RIBEIRO - Era ele que encaminhava? Continuou sendo ele, o Capitão? A SRA. CONCEIÇÃO DE MARIA JANSEN DE OLIVEIRA - Alguns deles, quando voltaram, talvez até... Eu não tenho como lhe dizer, estou apenas presumindo que, até em contato com... porque um dos meus clientes ficou perdido na África... O SR. DEPUTADO PASTOR PEDRO RIBEIRO - Sei. A SRA. CONCEIÇÃO DE MARIA JANSEN DE OLIVEIRA - ...e ligou... Porque ele tinha... o telefone celular dele ficava ligado 24 horas para que, se 18 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Nome: CPI - Tráfico de Orgãos Humanos CPI - Tráfico de Orgãos Humanos Número: 0456/04 COM REDAÇÃO FINAL Data: 4/5/2004 acontecesse alguma coisa, ele ligasse. Aí, esse meu cliente, se não me engano foi o Márcio, ele ficou perdido e ligou para o Capitão, e ele deu o telefone. É porque, geralmente, a pessoa estava lá com a placa, com o nome da pessoa que... O SR. DEPUTADO PASTOR PEDRO RIBEIRO - Sei. No aeroporto. A SRA. CONCEIÇÃO DE MARIA JANSEN DE OLIVEIRA - ...estava esperando para levar para o flat. O SR. DEPUTADO PASTOR PEDRO RIBEIRO - Certo. A SRA. CONCEIÇÃO DE MARIA JANSEN DE OLIVEIRA - Mas assim, em matéria de organização, eles falam que eram muito organizados. Agora, no flat ou na casa onde eles ficavam eles mesmos cozinhavam para eles próprios, não tinha uma pessoa que ficasse. Era só assim para passear, para relaxar, para não desistirem do transplante. O SR. DEPUTADO PASTOR PEDRO RIBEIRO - Mas, na verdade, nenhum foi encaminhado para um trabalho fixo? A SRA. CONCEIÇÃO DE MARIA JANSEN DE OLIVEIRA - Não. Nenhum. Não. O SR. DEPUTADO PASTOR PEDRO RIBEIRO - Eles foram levados exclusivamente para essa doação? Impressionante. Tem notícia, doutora, se alguma vez o Capitão Ivan viajou também para a África do Sul, para acompanhar alguém ou tratar de alguma outra ação? A SRA. CONCEIÇÃO DE MARIA JANSEN DE OLIVEIRA - Não. Eu soube que ele viajou. Agora, soube através da própria imprensa e através da advogada dele. 19 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Nome: CPI - Tráfico de Orgãos Humanos CPI - Tráfico de Orgãos Humanos Número: 0456/04 COM REDAÇÃO FINAL Data: 4/5/2004 O SR. DEPUTADO PASTOR PEDRO RIBEIRO - Esses nomes citados, como o caso do Gedalya e do Capitão, tem alguém que já está sofrendo alguma pena ou está processado? Porque eu não conheço. Sei que há um negócio já bem profundo, mas eu não sei. A senhora pode precisar se já tem alguém pagando alguma pena? A SRA. CONCEIÇÃO DE MARIA JANSEN DE OLIVEIRA - Os 2 israelenses, a Dra. Terezinha e a Fernanda estão presos. O SR. DEPUTADO PASTOR PEDRO RIBEIRO - Aqui? A SRA. CONCEIÇÃO DE MARIA JANSEN DE OLIVEIRA - Eles estão... O Capitão está recolhido... O SR. DEPUTADO PASTOR PEDRO RIBEIRO - No quartel? A SRA. CONCEIÇÃO DE MARIA JANSEN DE OLIVEIRA - ...nas dependências do quartel. Salvo engano, os 2 israelenses encontram-se no Presídio Professor Aníbal Bruno; a Fernanda e a Terezinha estão no Presídio Bom Pastor, que é o presídio feminino de Pernambuco. O SR. DEPUTADO PASTOR PEDRO RIBEIRO - E os processos estão andando, para ver o final. A SRA. CONCEIÇÃO DE MARIA JANSEN DE OLIVEIRA - Estão andando. Eles vão ser ouvidos. Os processos foram desmembrados. Ficam duas categorias: simples vendedores e aliciadores; tem também com a formação de quadrilha, e tudo o mais. O SR. DEPUTADO PASTOR PEDRO RIBEIRO - Isso. A SRA. CONCEIÇÃO DE MARIA JANSEN DE OLIVEIRA - Vão começar a ser ouvidas as testemunhas de acusação. 20 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Nome: CPI - Tráfico de Orgãos Humanos CPI - Tráfico de Orgãos Humanos Número: 0456/04 COM REDAÇÃO FINAL Data: 4/5/2004 O SR. DEPUTADO PASTOR PEDRO RIBEIRO - Certo. Porque é fundamental que se tenha, de fato, a história, principalmente dos israelenses, que certamente são os braços fortes da organização no exterior, para que se descubra quem está lá, quem está por trás de tudo isso. E já existe um processo formal. Já foi trazida alguma coisa para cá? A senhora trouxe alguma coisa em mãos em torno disso, ou são só os seus clientes? A SRA. CONCEIÇÃO DE MARIA JANSEN DE OLIVEIRA - Eu tenho aqui a denúncia do Ministério Público. O SR. DEPUTADO PASTOR PEDRO RIBEIRO - Arrolando a todos eles? A SRA. CONCEIÇÃO DE MARIA JANSEN DE OLIVEIRA - Arrolando a todos eles, certo? É que todas as pessoas que estão envolvidas receberam. E tem o depoimento, no caso, da quadrilha, os principais. O SR. DEPUTADO PASTOR PEDRO RIBEIRO - A CPI já tem esse material? A SRA. CONCEIÇÃO DE MARIA JANSEN DE OLIVEIRA - Tem. A CPI estadual tem. O SR. DEPUTADO PASTOR PEDRO RIBEIRO - Nós, aqui, não temos ainda? A SRA. CONCEIÇÃO DE MARIA JANSEN DE OLIVEIRA - Não sei. Não me foi passada essa informação. O SR. DEPUTADO PASTOR PEDRO RIBEIRO - Certamente, se não temos ainda, requereremos para que a tenhamos. A SRA. CONCEIÇÃO DE MARIA JANSEN DE OLIVEIRA - Dois dos meus clientes depuseram na CPI estadual. 21 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Nome: CPI - Tráfico de Orgãos Humanos CPI - Tráfico de Orgãos Humanos Número: 0456/04 COM REDAÇÃO FINAL Data: 4/5/2004 O SR. DEPUTADO PASTOR PEDRO RIBEIRO - Satisfeito, por enquanto, Sr. Presidente. Obrigada, doutora. SR. PRESIDENTE (Deputado Neucimar Fraga) - Nós vamos conceder a palavra à nobre Deputada Perpétua Almeida. Antes, porém, Deputada Perpétua Almeida, queria só esclarecer com a Dra. Conceição: no início da explanação, a senhora nos relatou que foi procurada por 14 pessoas para se constituir como advogada de defesa. Atualmente, a senhora é advogada de 5. Os outros que a procuraram, por que desistiram? Ou, se trocaram de advogado, porque trocaram? Desistiram ou não quiseram levar o processo à frente? Como é que está a situação deles? A SRA. CONCEIÇÃO DE MARIA JANSEN DE OLIVEIRA - A maioria me procurou por telefone. Os pais, quando procuravam saber quais as conseqüências e que eu passava: você quer vir ao meu escritório, você quer conversar comigo? “Não”. E, depois desse contato, eu não tive mais contato. Sequer lembro dos nomes: João, Antônio, Fernando, qualquer coisa desse tipo. Só os que permaneceram comigo é que eu tenho condições de responder. SR. PRESIDENTE (Deputado Neucimar Fraga) - Então, na verdade, nem todos que foram aliciados e fizeram o transplante, depois foram identificados, então, pela polícia, e nem respondem inquérito? Têm muitos ainda desconhecidos? A SRA. CONCEIÇÃO DE MARIA JANSEN DE OLIVEIRA - Desconhecidos, porque os que os Capitão não levou para fazer exame, ou parte da quadrilha não levou para fazer exame, eles mesmos faziam os exames. Você vai numa clínica qualquer de bairro. Tem clínicas de bairro em Recife — eu não sei se aqui tem desse tipo de clínica —, são clínicas que dão acesso à população mais pobre. Você 22 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Nome: CPI - Tráfico de Orgãos Humanos CPI - Tráfico de Orgãos Humanos Número: 0456/04 COM REDAÇÃO FINAL Data: 4/5/2004 faz uma consulta por 15, 20 reais. Então, nesse tipo de clínica, também se faz exames. Então, você vai lá e faz o exame para saber se, pelo menos, você tem o sangue “O” Positivo. SR. PRESIDENTE (Deputado Neucimar Fraga) - Então, o número pode ser bem maior do que o divulgado? A SRA. CONCEIÇÃO DE MARIA JANSEN DE OLIVEIRA - Bem maior do que o divulgado. SR. PRESIDENTE (Deputado Neucimar Fraga) - E estão divulgando na faixa de 30. A SRA. CONCEIÇÃO DE MARIA JANSEN DE OLIVEIRA - Segundo um dos meus clientes, essa história já rola há mais de 3 anos. SR. PRESIDENTE (Deputado Neucimar Fraga) - Obrigada. Concedo a palavra à nobre Deputada Perpétua Almeida. A SRA. DEPUTADA PERPÉTUA ALMEIDA - Muito obrigada, Sr. Presidente. Eu queria cumprimentar a Advogada Conceição. Aliás, já risquei uma porção de perguntas aqui, porque já foram feitas pelo Presidente e pelo nosso Relator. Mas eu tenho algumas dúvidas, e vou perguntar, e se a senhora puder já responder em seguida, é até mais fácil para mim e para a senhora. Eu queria que ficasse mais claro como é que foi o relato dos seus clientes com relação à chegada deles na África. Quem mandava as passagens? De quem eles recebiam essas passagens? Quando eles chegavam lá, eram brasileiros ou eram africanos que os recebiam? Nos hospitais, quem fazia o acompanhamento na estadia deles? E como era feito o pagamento? 23 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Nome: CPI - Tráfico de Orgãos Humanos CPI - Tráfico de Orgãos Humanos Número: 0456/04 COM REDAÇÃO FINAL Data: 4/5/2004 A SRA. CONCEIÇÃO DE MARIA JANSEN DE OLIVEIRA - O Leonardo, o Leandro, o Hernani e o Márcio foram aliciados pelo Capitão Ivan. Ele os levou para fazer o exame; ele os levou para tirar o passaporte, e, conseqüentemente, entregou as passagens, certo? Só o José Carlos é que foi tudo foi realizado pela Fernanda. Lá, eles eram recepcionados pelo intérprete Rody. Não sei qual a nacionalidade dele. Sei que ele fala português e era o tradutor. Ele recebia, levava para o flat; levava para o hospital; levava para passear em shoppings centeres... A SRA. DEPUTADA PERPÉTUA ALMEIDA - E o pagamento, como era feito? A SRA. CONCEIÇÃO DE MARIA JANSEN DE OLIVEIRA - Inicialmente, eles recebiam uma faixa de 500 dólares, 300 dólares para despesas. A SRA. DEPUTADA PERPÉTUA ALMEIDA - De quem? A SRA. CONCEIÇÃO DE MARIA JANSEN DE OLIVEIRA - Do Capitão Ivan. Da mão do Capitão Ivan. Todos são unânimes que recebiam das... A SRA. DEPUTADA PERPÉTUA ALMEIDA - E recebiam no Brasil ou lá? A SRA. CONCEIÇÃO DE MARIA JANSEN DE OLIVEIRA - Aqui. Aqui no Brasil. A SRA. DEPUTADA PERPÉTUA ALMEIDA - E o pagamento, como era feito? A SRA. CONCEIÇÃO DE MARIA JANSEN DE OLIVEIRA - Alguns receberam aqui, quando desceram, quando desembarcaram, e outros receberam lá. A SRA. DEPUTADA PERPÉTUA ALMEIDA - Certo. A senhora teve oportunidade de tomar conhecimento se esse processo de aliciamento de atos 24 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Nome: CPI - Tráfico de Orgãos Humanos CPI - Tráfico de Orgãos Humanos Número: 0456/04 COM REDAÇÃO FINAL Data: 4/5/2004 ilegais envolvia apenas alguns espertalhões na África do Sul, ou dá para a senhora tirar conclusões de que o próprio Estado estaria oficialmente envolvido no processo? A SRA. CONCEIÇÃO DE MARIA JANSEN DE OLIVEIRA - Na minha opinião, tanto o Estado de Israel como o da África do Sul têm responsabilidade, estavam sabendo de tudo. A SRA. DEPUTADA PERPÉTUA ALMEIDA - Certo. A senhora, como advogada, sabe, inclusive, qual a sua obrigação. Eu, como Parlamentar, também sei qual a minha obrigação num processo como esse. A senhora tomou alguma iniciativa, alguma ação, como advogada, de denunciar o caso? Existe registro de atitude sua, como cidadã, denunciando os atos ilícitos, ou apenas como advogada no processo? A SRA. CONCEIÇÃO DE MARIA JANSEN DE OLIVEIRA - Desde o início, a mídia ficou muito em cima. E eu procurei, acho, cumprir a minha obrigação de cidadã, até porque faço parte da Comissão de Cidadania da Ordem dos Advogados de Pernambuco. E, atualmente, nós estamos com um programa levando ao conhecimento das pessoas sobre transplante, sobre doação. Porque até os próprios juízes, poucos conhecem a lei que regulamenta o transplante. A SRA. DEPUTADA PERPÉTUA ALMEIDA - Em termos de denúncia, existe alguma feita nesse sentido, oficializando registros? A SRA. CONCEIÇÃO DE MARIA JANSEN DE OLIVEIRA - Não. Oficializando, não, porque ela já estava, assim, praticamente oficializada, por conta de a Polícia Federal ter descoberto. Agora, nós, hoje em dia, até porque, não falo só em Pernambuco, mas a população brasileira, o pobre brasileiro necessita de um empenho maior. Não digo que nós vamos salvar o Brasil, mas, de maneira geral, a 25 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Nome: CPI - Tráfico de Orgãos Humanos CPI - Tráfico de Orgãos Humanos Número: 0456/04 COM REDAÇÃO FINAL Data: 4/5/2004 denúncia de que uma pessoa chega na sua porta, como acontece em muitos casos: “Me dê o numero do seu CPF, me dê o seu cartão, o cartão do benefício...” . Muitas pessoas são lesadas dessa maneira. Então, há uma necessidade. E nós estamos procurando denunciar, para que não haja mais esse tipo de coisa aqui no Brasil. A SRA. DEPUTADA PERPÉTUA ALMEIDA - Certo. Presidente, eu só queria sugerir, então, à Mesa — apesar de que eu vou fazer isso oficialmente amanhã — que nós fizéssemos uma visita, esta CPI, aos embaixadores, inclusive, no caso, para que pudéssemos ter mais informações. Outra sugestão é que uma comissão desta CPI pudesse visitar diretamente os hospitais da África do Sul, citados ou envolvidos no processo, para que possamos ter mais informações. Eu acho que é importante também que esta CPI também tire uma comissão para visitas em Pernambuco a algumas instituições, tanto as de saúde como as policiais, para que possamos ter mais informações do processo. Acho que devíamos pedir também da corporação a que pertence o Capital Ivan o roteiro de todas as viagens que ele tenha feito nos últimos 4 anos, para que possamos ter conhecimento de como era a freqüência da saída dele da corporação e para onde ele ia, para que a gente possa pegar o fio da meada. Outro requerimento que acho importante fazer também é no sentido de fazer um levantamento junto à Polícia Federal de Pernambuco: quem foram os cidadãos que deram entrada em pedidos de passaporte com carimbo para a África do Sul, também, nos últimos 4 anos? Porque pode ser que assim a gente chegue mais rápido na lista de pessoas que tenham sido aliciadas. Eu vou oficializar esses requerimentos amanhã, mas já para a gente ir se programando e pensando na possibilidade de garantirmos a realização dos mesmos. Muito obrigada. 26 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Nome: CPI - Tráfico de Orgãos Humanos CPI - Tráfico de Orgãos Humanos Número: 0456/04 COM REDAÇÃO FINAL Data: 4/5/2004 O SR. PRESIDENTE (Deputado Neucimar Fraga) - Obrigado, Deputada Perpétua Almeida. Esses requerimentos citados por V.Exa., com certeza, apresentados à Mesa, entrarão em pauta. Inclusive, esta Comissão já tem autorização para convocar o Capitão Ivan e os outros membros dessa quadrilha. Mas fomos solicitados, por ofício, pela juíza que comanda o caso — juíza federal, no caso de Pernambuco —, para que nós não ouvíssemos agora os indiciados, porque eles estão presos. Pediu a possibilidade de esta CPI, em vez de ouvi-los aqui, ouvilos no Estado de Pernambuco. Amanhã, já vai estar em votação o requerimento solicitando autorização da CPI para que a Comissão possa, então, em diligência, ir ao Estado de Pernambuco ouvir os depoimentos dos demais envolvidos. Sra. Conceição, a senhora tem informação de quem pagava a passagem desses brasileiros que iam para a África do Sul, supostamente para trabalhar? A SRA. CONCEIÇÃO DE MARIA JANSEN DE OLIVEIRA - Bem, a passagem era paga pelo israelense, através do Capitão Ivan. O SR. PRESIDENTE (Deputado Neucimar Fraga) - As passagens, então, eram pagas pelo Capitão Ivan? A SRA. CONCEIÇÃO DE MARIA JANSEN DE OLIVEIRA - Pelo menos, o que consta é que o dinheiro vinha do israelense, e o israelense repassava o dinheiro para o Capitão para que ele providenciasse todo o aparato: tiragem dos passaportes, os exames e as passagens. O SR. PRESIDENTE (Deputado Neucimar Fraga) - E eram sempre pela mesma agência? A SRA. CONCEIÇÃO DE MARIA JANSEN DE OLIVEIRA - Sempre pela mesma agência. 27 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Nome: CPI - Tráfico de Orgãos Humanos CPI - Tráfico de Orgãos Humanos Número: 0456/04 COM REDAÇÃO FINAL Data: 4/5/2004 O SR. PRESIDENTE (Deputado Neucimar Fraga) - Agência de viagem? A SRA. CONCEIÇÃO DE MARIA JANSEN DE OLIVEIRA - Agência de viagem. O SR. PRESIDENTE (Deputado Neucimar Fraga) - Então, o Capitão pagava, comprava as passagens sempre pela mesma agência de viagem? A SRA. CONCEIÇÃO DE MARIA JANSEN DE OLIVEIRA - Os transplantados não chegavam a ir até a agência de viagem, eles já recebiam a passagem. O SR. PRESIDENTE (Deputado Neucimar Fraga) - A passagem? Já recebiam a passagem com o check in de embarque, com certeza. A senhora tem informação se essa quadrilha tinha intenção de, além de alimentar o mercado externo, alimentar o mercado interno, no Brasil, com essa prática criminosa? A SRA. CONCEIÇÃO DE MARIA JANSEN DE OLIVEIRA - Não. Eu não tenho essa informação. E acredito que era só o mercado externo mesmo. O SR. PRESIDENTE (Deputado Neucimar Fraga) - A senhora tem informação sobre o porquê de eles virem para o Brasil? E justamente o Estado de Pernambuco? Por que o Estado de Pernambuco foi o Estado escolhido? A SRA. CONCEIÇÃO DE MARIA JANSEN DE OLIVEIRA - Posso ser sincera? O SR. PRESIDENTE (Deputado Neucimar Fraga) - É para ser sincera. A SRA. CONCEIÇÃO DE MARIA JANSEN DE OLIVEIRA - Eu acredito que nós não somos muito respeitados lá fora. E o Nordeste é uma região, digamos, abandonada. Eu acho que mais de 60% da população brasileira nordestina não tem emprego. Vou dar um exemplo para vocês: o Márcio não tem uma das visões, ele 28 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Nome: CPI - Tráfico de Orgãos Humanos CPI - Tráfico de Orgãos Humanos Número: 0456/04 COM REDAÇÃO FINAL Data: 4/5/2004 nasceu assim. Ele vende água mineral de porta em porta, na bicicleta. O rendimento dele era de 30 a 50 centavos por garrafão. E ele disse ao juiz, disse à delegada: “Eu procurei o Capitão Ivan, eu pedi a ele para ir. Ele me deu o dinheiro, eu fiz o exame, eu tinha o sangue e eu fui”. E o porquê de ele ter ido? Extremo estado de necessidade, fome. Quando a gente diz, assim “estou com fome”, é porque a gente esqueceu de comer ou não teve tempo de comer. Mas ele passava, às vezes, 3, 4 dias sem comer, com 4 filhos dormindo no mesmo colchão. Um homem que sequer tinha uma geladeira. Aí, você pergunta: o que ele comprou? Ele comprou uma casa num bairro pobre de Recife, que não é o mesmo bairro onde ele morava, ele comprou geladeira, ele comprou fogão. Ele procurou proporcionar alguma coisa aos filhos, que ele nunca teve oportunidade. Ele sequer conhecia um shopping center, uma pizzaria, gente. Então, foi isso que ele fez. Ele usou o dinheiro para comer. O SR. PRESIDENTE (Deputado Neucimar Fraga) - Certo. Nós agradecemos a participação. Não sei se o Deputado Zico Bronzeado quer usar a palavra, ou o Relator, Pastor Pedro Ribeiro. O SR. DEPUTADO PASTOR PEDRO RIBEIRO - Sr. Presidente, certamente, a gente sabe da resposta, mas eu gostaria de ter ao certo se a senhora teve acesso, ou sabe se arrolado ao processo estão as leis concernentes a transplantes, essa tramitação ou esse trabalho com órgãos humanos de Durban, lá da África? A SRA. CONCEIÇÃO DE MARIA JANSEN DE OLIVEIRA - Não, não. O SR. DEPUTADO PASTOR PEDRO RIBEIRO - Se a visão, se as leis são as mesmas ou parecem... A SRA. CONCEIÇÃO DE MARIA JANSEN DE OLIVEIRA - Não. Não são as mesmas. 29 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Nome: CPI - Tráfico de Orgãos Humanos CPI - Tráfico de Orgãos Humanos Número: 0456/04 COM REDAÇÃO FINAL Data: 4/5/2004 O SR. PRESIDENTE (Deputado Neucimar Fraga) - Se incorrem em... A SRA. CONCEIÇÃO DE MARIA JANSEN DE OLIVEIRA - Não são as mesmas. O SR. DEPUTADO PASTOR PEDRO RIBEIRO - Eu sugiro que vejamos isso, para que possamos aquilatar a seriedade, porque eles tinham consciência que estavam realizando crimes na nossa Pátria. A SRA. CONCEIÇÃO DE MARIA JANSEN DE OLIVEIRA - Inclusive, é matéria de estudo de alguns colegas, porque a nossa intenção, se for comprovada realmente a participação do Estado de Israel e da África do Sul, nós vamos entrar com processo indenizatório. O SR. DEPUTADO PASTOR PEDRO RIBEIRO - Com toda certeza. Obrigado. O SR. PRESIDENTE (Deputado Neucimar Fraga) - E nós agradecemos, então, a advogada Conceição, dizendo da importância desse depoimento, para que os colegas tenham noção do que acontece pelo Brasil afora, principalmente no Estado de Pernambuco. E nós sabemos que durante muito tempo o tráfico de órgãos humanos foi tratado como lenda, como lenda urbana. Alguns defendiam que era lenda de Internet, mas, através de depoimento prestado pela senhora, nós estamos percebendo que as vítimas existem, estão aí. Os acusados existem, alguns estão presos. O hospital era a base para o transplante. Porque nada é impossível na modalidade criminosa no Brasil e no mundo. Muito obrigado pela participação da senhora aqui conosco. Dando prosseguimento aos trabalhos, eu quero convidar o Sr. Wilson Salles Damázio, Superintendente da Polícia Federal do Estado de Pernambuco, para tomar assento à Mesa. O Sr. Wilson Salles Damázio é 30 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Nome: CPI - Tráfico de Orgãos Humanos CPI - Tráfico de Orgãos Humanos Número: 0456/04 COM REDAÇÃO FINAL Data: 4/5/2004 Superintendente da Polícia Federal do Estado de Pernambuco. Por ocasião da nossa visita ao Estado, fomos muito bem recebidos pelo Superintendente da Polícia. Coincidentemente, naquela época, se não me engano, estava se iniciando uma greve lá na Polícia de Pernambuco, não é, Sr. Wilson? E ele mesmo foi nos receber no aeroporto. O SR. WILSON SALLES DAMÁZIO - É verdade. Se bem que, naquela época, a greve foi bem mais curta, não é? O SR. PRESIDENTE (Deputado Neucimar Fraga) - É. O SR. WILSON SALLES DAMÁZIO - Hoje, já estamos com quase 60 dias. O SR. PRESIDENTE (Deputado Neucimar Fraga) - A greve continua e os problemas do Brasil também continuam. E é por isso que nós estamos aqui recebendo o Superintendente, o Sr. Wilson Salles Damázio, que nos recebeu, que, na época, fez uma explanação, juntamente com um grupo de Deputados de Pernambuco, que depois acabou criando a CPI Estadual do Tráfico de Órgãos, lá no Estado de Pernambuco, comandado pelo Deputado Raimundo Pimentel, do PSDB, e outros Parlamentares que se interessaram em investigar e esclarecer para a população a forma de atuação daquela quadrilha que lesou tantas vidas e com perdas que, com o tempo, vamos perceber que são irreparáveis. As pessoas, muitas vezes, por inocência, entende que, como têm 2, podem doar 1. Mas nós sabemos que Deus não fez nada por engano no nosso organismo, tudo tem o seu objetivo. E muitos entendem que não é crime, porque eles prontamente venderam, mas ninguém garante que essas pessoas, daqui a um tempo, não vão estar na fila do SUS aguardando pelo transplante de órgãos ou, quem sabe, internados, fazendo hemodiálise nos hospitais públicos do Brasil. 31 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Nome: CPI - Tráfico de Orgãos Humanos CPI - Tráfico de Orgãos Humanos Número: 0456/04 COM REDAÇÃO FINAL Data: 4/5/2004 (Intervenção inaudível.) O SR. PRESIDENTE (Deputado Neucimar Fraga) - É. Neste momento, vamos passar a palavra ao Sr. Wilson Salles Damázio, que vai fazer uma explanação pelo tempo de 20 minutos, prorrogável por mais um tempo, se assim for definido pela Comissão, para fazer uma explanação para a Comissão sobre como atuava essa quadrilha; como eles chegaram ao Brasil; de que forma eles atuavam; quantos eram os integrantes. Com a palavra, então, o Superintendente Wilson Salles Damázio. SR. WILSON SALLES DAMÁZIO - Muito obrigado, Sr. Presidente. Gostaria de dizer que é uma satisfação muito grande estar aqui neste plenário para poder contribuir de alguma forma para que esse crime não volte a acontecer no País, principalmente da forma como aconteceu em Pernambuco. O nosso trabalho, o trabalho da Polícia Federal no Estado de Pernambuco foi iniciado em meados do ano passado por ocasião de um e-mail que recebemos de um policial civil que estava em Nantes, na França, fazendo um curso. E lá ele recebeu uma proposta para fazer recrutamento de pessoas, aqui no Brasil, notadamente em Pernambuco, para doação de rim. E aquela pessoa que o contactou — me permita aqui consultar o próprio e-mail, Sr. Presidente — a pessoa que o consultou, chamado Tamir Cohen, ele disse que em Pernambuco já havia um israelense de nome Gady Barak que estava fazendo esse tipo de tráfico com pessoas no Estado de Pernambuco. E ele, por conhecer alguns colegas policiais federais, passou esse e-mail fazendo essa denúncia, e nós passamos a investigar esse crime. Paralelamente a isso, logo em seguida, recebemos também um documento da Procuradoria da República, no Estado de Pernambuco, documento encaminhado pelo Procurador Samuel Miranda Arruda, onde ele solicitava a instauração de inquérito no sentido de apurar essas 32 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Nome: CPI - Tráfico de Orgãos Humanos CPI - Tráfico de Orgãos Humanos Número: 0456/04 COM REDAÇÃO FINAL Data: 4/5/2004 denúncias de tráfico de órgãos humanos e juntava a esse ofício uma carta, ou um ofício, do Centro de Tráfico de Seres Humanos. Essa foi uma entidade criada, inicialmente, pelo Ministério da Justiça, lá em Pernambuco, e que tinha como Coordenadora a Dra. Anália Beliza Ribeiro. E ele encaminhou, também... o ex-Procurador da República encaminhou esse ofício. O ofício foi para o Procurador da República, ele abriu lá um processo administrativo criminal. Em seguida, vendo que não havia elemento suficiente para elaborar uma denúncia, encaminhou para que a Polícia Federal complementasse. E esse ofício desse Centro, que hoje está sendo gerido pela Secretaria de Defesa Social, veio juntar-se àquilo que nós já tínhamos, ou seja, uma investigação já iniciada com base naquele e-mail que recebemos da França. E esse caso foi direcionado para a Delegacia de Imigração nossa, a DELEMIG, que trabalhou em conjunto com o Núcleo de Inteligência Policial. Durante os trabalhos, já tínhamos alguns nomes que vieram nesses documentos, passamos a fazer uma investigação, e chegamos à pessoa de Rubens Farias dos Santos Filho. Rubens Farias dos Santos Filho é uma pessoa que foi recrutada para “doar” — entre aspas —, vender o seu rim, mas que por problemas de saúde, acho que um pico de pressão, na hora da cirurgia, a cirurgia não foi feita. Tem o depoimento desse cidadão, as declarações dele, que são muito elucidativas, até mesmo para toda a investigação que foi feita. Eu não vou lê-lo, porque são 4 laudas, mas é muito elucidativo. A partir daí, trabalhando-se já com o inquérito instaurado, quebrado o sigilo telefônico de alguns integrantes da organização criminosa, chegamos à conclusão de que o principal integrante da organização criminosa era... até então, tínhamos o nome de Gady Barak, mas o nome dele não era Gady Barak, era Gedalya Tauber, que é um israelense, um polonês naturalizado israelense e que 33 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Nome: CPI - Tráfico de Orgãos Humanos CPI - Tráfico de Orgãos Humanos Número: 0456/04 COM REDAÇÃO FINAL Data: 4/5/2004 foi chefe da polícia de Israel, hoje está aposentado, uma pessoa que domina artes marciais, essas artes de mobilização, e dá muitos cursos. Inclusive, tinha outros contatos no País com esses cursos, na área de segurança pública. Logo abaixo dele, descobrimos também que havia um Capitão reformado da Polícia Militar de Pernambuco, Capitão Ivan Bonifácio, e que ele agia em comum acordo, em parceria com a sua esposa, cujo nome nós temos aqui na denúncia — são muitos nomes, não dá para a gente gravar todos —, Eldenia, a esposa do Capitão. A partir daí, fomos levantando. Descobrimos que havia 2 grupos — um trabalhava com a Fernanda Gabriela, o outro com o Capitão Ivan — e que, inicialmente, no início desses trabalhos, desses recrutamentos, eles ofereciam 10 mil dólares pelo rim da pessoa, e pagavam, como já disse aqui a Dra. Conceição, eles pagavam toda a despesa, adquiriam as passagens aéreas, procuravam facilitar a aquisição de passaportes. Ou seja, levava a pessoa até a Polícia Federal. Porque quando vai-se tirar um passaporte você, necessariamente, não vai dizer para onde vai. Você pode dizer que vai para os Estados Unidos e vai para a Europa. Isso aí não... Não fica nada ali registrado dizendo, efetivamente, para que você quer aquele passaporte. Mas é um documento expedido para todo brasileiro que não tenha problema de antecedentes criminais nem esteja impedido de sair do País. Então, eles levavam as pessoas, tiravam esses passaportes, compravam as passagens aéreas. Há uma conivência de um representante da empresa de turismo, de passagens aéreas, que foi preso. E essas pessoas iam para a África do Sul, onde eram recebidos por intérpretes. Lembro bem do nome de uma portuguesa chamada Dalila, que recebia essas pessoas e fazia todo o acompanhamento. Eles, apesar de já terem feito exames no País, exames junto ao Laboratório Gilson Cidrin, que é um laboratório de 34 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Nome: CPI - Tráfico de Orgãos Humanos CPI - Tráfico de Orgãos Humanos Número: 0456/04 COM REDAÇÃO FINAL Data: 4/5/2004 Pernambuco muito conceituado e conhecido, e que há um movimento diário muito grande de exames. Não conseguimos, durante as investigações, verificar se havia a conivência do laboratório. Não foi possível detectarmos isso — nem nós e nem a Procuradoria da República. Mas havia um médico, um Coronel da PM, médico, que fazia essas requisições dos exames, e um outro israelense, também denunciado e preso, o Eliezer Ramon, que seria um bioquímico, um biomédico, amicíssimo de Gedalya, que também assessorava Gedalya nessa problemática dos exames. E quando chegavam na África do Sul, em Durban, eles apresentavam toda a documentação, mas novos exames eram feitos, e a cirurgia era marcada no Hospital Saint Augustine, alguma coisa assim. Feita essa cirurgia, vinha o período de convalescência e, logo em seguida, quando a pessoa já estava em condições, retornava ao Brasil e recebia aquela quantia em dinheiro que lhe fora prometido, que sempre variava em torno de 6 a 10 mil dólares. No início, 10 mil dólares. Já no final, quando a Polícia Federal já chegou, o preço já tinha abaixado, segundo os integrantes da organização criminosa, por conta da procura, que era muito grande. Já estava havendo uma inversão: os traficantes não procuravam mais as pessoas, as pessoas já os estavam procurando. Durante esse trabalho, chegamos a indiciar... prendemos, inicialmente, 11 pessoas, através de mandados de prisão preventiva, busca domiciliares em vários estabelecimentos e o cumprimento dos mandados de prisão. Aliás, inicialmente, prisão temporária, salvo engano. Posteriormente, essa prisão temporária foi transformada em preventiva. Na fase do inquérito, foram indiciadas 28 pessoas, todas, ou pelo menos a maior parte, por infração ao Código Penal — art. 288: formação de quadrilha —, os líderes e também o art. 15 dessa lei dos transplantes, que regula... O número está aqui, tenho uma cópia da lei aqui. 35 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Nome: CPI - Tráfico de Orgãos Humanos CPI - Tráfico de Orgãos Humanos Número: 0456/04 COM REDAÇÃO FINAL Data: 4/5/2004 Inicialmente, colocamos no art. 14 da Lei, que trata de remoção de tecido, da reclusão de 2 a 6 meses. Mas o forte mesmo foi o art. 15: “comprar ou vender tecidos, órgãos ou partes do corpo humano. Pena: reclusão de 3 a 8 anos, e multa, de 200 a 360 dias-multas”. Aí vem também: “Parágrafo único — incorre na mesma pena quem promove, intermedeia, facilita ou aufere qualquer vantagem com a transação”. É por isso que a denúncia, muito bem elaborada pelos membros do Ministério Público, em Pernambuco, eles trazem... Foram, se não me engano, 8 procuradores que subscreveram a denúncia. Aliás, 5 procuradores subscreverem a denúncia. E ele traz aqui a tipificação legal para cada integrante da organização criminosa, inclusive enquadrando bem os verbos, amoldando-os à conduta de cada traficante. De sorte que as pessoas ficaram presas por um bom tempo. Aos poucos, dependendo do envolvimento de cada um — isso sem querer dizer que não havia provas contra ela, nada disso —, a juíza do pleito passou a ir liberando algumas delas. Eu creio que, neste momento, deve ter 4 pessoas presas que são os top de linha da quadrilha. E o processo está, creio, em fase final, já. Eu acho que dentro em breve teremos a denuncia. Paralelamente a esse trabalho que a Polícia Federal, o Ministério Público e a Justiça Federal fizerem em parceria, ou pelo menos logo após as prisões, a Assembléia Legislativa instalou a CPI dos Órgãos — inclusive tive a felicidade de ser visitado pelo ilustre Deputado, Presidente desta sessão, e alguns membros da Assembléia Legislativa de Pernambuco. Naquela época, tivemos alguma dificuldade em passarmos tudo o que tínhamos, por conta do sigilo que se revestia a investigação, o inquérito. A Justiça tinha decretado sigilo e nós não podíamos passar todas as informações de que dispúnhamos. Neste momento, eu peço até desculpas ao Deputado se não foi a seu contento aquele encontro que 36 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Nome: CPI - Tráfico de Orgãos Humanos CPI - Tráfico de Orgãos Humanos Número: 0456/04 COM REDAÇÃO FINAL Data: 4/5/2004 tivemos, principalmente com relação ao pessoal da... aos Deputados estaduais também. Mas eu creio que o trabalho que os Deputados Estaduais estão fazendo está muito bom. Inclusive, avançaram bastante na investigação, porque a polícia, após a prisão, tem um tempo muito curto para continuar o seu trabalho. Via de regra, 15 dias para concluir a investigação depois que os réus estão presos, prorrogáveis por mais 15. Isso, na Justiça Federal. Então, fica muito difícil você avançar mais. Durante os trabalhos, ficou certo que, pelo menos, 30 pessoas haviam vendido o seu rim. Isso de acordo com documentos que encontramos durante as buscas, documentos apreendidos nas casas revistadas, escritórios, tudo. Então, mais ou menos, 30 pessoas. Sabemos hoje que o número pode ser maior e que algumas pessoas que fizeram o transplante não chegaram a ser identificadas, as pessoas que venderam. Agora, acreditamos que a parte do Brasil que integra essa quadrilha foi toda identificada e presa. Os que trabalhavam no Brasil, independente da sua nacionalidade. Eu tive o cuidado de chamar o adido da África do Sul, o Sr. José de Pinho, que trabalha aqui em Brasília, na Embaixada da África do Sul, para nos auxiliar nessa investigação. Mesmo porque o dia D da nossa operação foi antecipado por conta de 1 ou 2 prisões que ocorreram na África do Sul. Prisões que não chegavam a ser um caso investigado como o nosso. Mas foram prisões que aconteceram naturalmente lá e a quadrilha aqui ficou pavorosa e nós não estávamos com a operação 100% pronta. Mas tivemos que deflagrá-la por conta dessa prisão na África do Sul. Eu chamei esse adido para conversarmos lá, em Recife, passar o que eu tinha, saber o que a África do Sul tinha também, mas ele também teve dificuldade, porque lá, quando eles começaram a puxar o fio da meada, viram que a coisa era muito grande; e eles também não tinham tudo. Então, ficou difícil, porque 37 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Nome: CPI - Tráfico de Orgãos Humanos CPI - Tráfico de Orgãos Humanos Número: 0456/04 COM REDAÇÃO FINAL Data: 4/5/2004 nem eu tinha tudo, nem eles também. Então, eu não podia ir para lá para dar o que eu tinha, porque não tinha 100%, nem eles também. Mas o adido me mandou um documento da África do Sul informando sobre algumas prisões. Isso foi muito importante também em nossa investigação. Mas creio que hoje, talvez, se o adido da África do Sul for convidado aqui, ele poderá dar até maiores esclarecimentos. O Sr. José de Pinho é o adido policial da África do Sul. E hoje o trabalho continua no Judiciário. Tivemos dificuldade em dar continuidade a essa investigação por conta daquela primeira greve, que foi, justamente, durante o trabalho, mas a greve encerrou. Veio o final de ano, o início, carnaval, aquela coisa toda, e agora essa bendita greve, aí, novamente. São os agentes, escrivães, datiloscopistas que estão em greve, a maior parte deles, alguns estão trabalhando, os peritos e delegados estão trabalhando também, mas face o avançado do processo na fase judicial, fica difícil para a Polícia Federal continuar essa investigação. A não ser que fatos novos surjam e que possibilite uma nova intervenção da Polícia Federal. Pelo que ficamos sabemos durante o trabalho, a quadrilha fez uma visita a clínicas do Ceará, e também visitaram um hospital de renome em Pernambuco, cuja intenção seria montar a base dos transplantes aqui no Nordeste, talvez em Pernambuco ou no Ceará. Eu acredito que isso seja até porque tanto Recife, como Fortaleza têm ligação com a Europa através de vôo regulares, vôos internacionais. Também havia possibilidade de a quadrilha passar a trabalhar com outros órgãos do corpo humano também, como: córnea, como já foi dito aqui pela doutora, outros órgãos que eles pudessem transplantar. Não tenho registro de uso da violência por parte dos integrantes da quadrilha ou de forçar alguém, por uma razão ou por outra, a vender ou a doar o seu rim. Pelo que tenho conhecimento, as pessoas sempre recebiam 38 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Nome: CPI - Tráfico de Orgãos Humanos CPI - Tráfico de Orgãos Humanos Número: 0456/04 COM REDAÇÃO FINAL Data: 4/5/2004 pelo “rim” — entre aspas — doado. Em rápidas pinceladas, foi isso que aconteceu. Eu me coloco à disposição dos Srs. Deputados para eventuais perguntas. O SR. PRESIDENTE (Deputado Neucimar Fraga) - Agradecemos a explanação do Sr. Wilson Salles Damázio, Superintendente da Polícia Federal do Estado de Pernambuco, pela participação. Queremos também parabenizá-lo pela forma como conduziu o processo de investigação do Estado de Pernambuco, pela colaboração que, com certeza, deu à CPI Estadual do Tráfico de Órgãos e pela colaboração que, tenho certeza, vai estar dando também à CPI federal do Tráfico de Órgãos Humanos. Concedo a palavra agora ao Deputado Zico Bronzeado. O SR. DEPUTADO ZICO BRONZEADO - Sr. Presidente, Sr. Relator, público presente, Dr. Wilson Salles, inicialmente, agradeço a V.Sa. a valiosa presença nesta Comissão, que, na verdade, fará todo o apanhado de informações. Primeiro, desejo saber do Dr. Wilson se dentro das investigações da Policia Federal do seu Estado foram descobertas algumas ramificações dessa quadrilha em outros Estados envolvendo as mesmas pessoas. Segundo — não sei se o Presidente poderia também ajudar —, se no seu Estado há hospitais credenciados dentro desse contexto de transplante, se foi descoberto alguma irregularidade dentro do próprio Estado, venda de órgãos, mais ou menos nesse sentido. O SR. WILSON SALLES DAMÁZIO - Todo o processo dessa venda de órgãos se deu no Estado de Pernambuco. As pessoas recrutadas e pessoas que venderam, toda base da quadrilha estava montada em Pernambuco. Agora, eles já estavam estudando a possibilidade de ramificar ou até mesmo de trazer a Central de Transplante para o Nordeste. É por isso que eles visitaram o Ceará. Agora, eu não tenho notícia de que foram recrutadas pessoas de outros Estados. Pelo menos, 39 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Nome: CPI - Tráfico de Orgãos Humanos CPI - Tráfico de Orgãos Humanos Número: 0456/04 COM REDAÇÃO FINAL Data: 4/5/2004 durante a nossa investigação, não. A CPI estadual avançou muito. Inclusive, eu tenho aqui matérias jornalísticas envolvendo...trouxeram até uma especialista nesse assunto para depor, a senhora....ela é PHD em antropologia, a norte-americana Nancy Scheper-Hughes. Ela fez uma palestra lá, disse que o Brasil é modelo para nações no combate ao tráfico. Elogiou muito o nosso trabalho, o trabalho do Brasil, e disse que o grupo já realizou, pelo menos, 300 cirurgias no mundo. E dá como base da quadrilha Turquia, Israel, África do Sul. Agora, durante o nosso trabalho, o único Estado que apareceu foi o Estado do Ceará por conta da ida, naquele Estado...Acho que o Gedalya foi; o Ramon, que o acompanhava, o outro, que foi preso... (Não identificado) - Eliezer. O SR. WILSON SALLES DAMÁZIO - Eliezer Ramon, que foi preso também. Ele foi, e, salvo engano, o Capitão Ivan foi também visitar esse hospital. E lá em Pernambuco eles estavam também de olho em outro hospital, um hospital grande, lá, o Hospital Português, para... A intenção deles era... Eles estavam tomando, assim, procurando saber como era o processo para realização de transplante dentro do nosso País, especialmente, lá, em Pernambuco e no Ceará. Eu acredito, a Presidência do inquérito e o Ministério Público também que a idéia deles era montar uma base no Brasil para minimizar os custos com transporte, hospedagem, essa coisa toda, passagem aérea e facilitar mais, porque a pessoa fazer uma cirurgia ao lado dos seus familiares é uma coisa e fazer no exterior é outra. O SR. DEPUTADO ZICO BRONZEADO - Doutor, há transplante no Estado de Pernambuco? 40 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Nome: CPI - Tráfico de Orgãos Humanos CPI - Tráfico de Orgãos Humanos Número: 0456/04 COM REDAÇÃO FINAL Data: 4/5/2004 O SR. WILSON SALLES DAMÁZIO - Não. Que eu tenha conhecimento, não. Transplantes legais. O SR. DEPUTADO ZICO BRONZEADO - Legais? O SR. WILSON SALLES DAMÁZIO - Veja bem, eu não sou um especialista nesse assunto. Inclusive, houve uma certa crítica da Central de Transplantes de Pernambuco. Ela até mandou um documento informando como se procedia o transplante de órgãos no Estado. Essa Central de Transplante que o Governo Federal tem e que é uma coisa que eu reputo muito séria e bem administrada. Não tem nada a ver com essa quadrilha que foi desbaratada pela Polícia Federal. Transplantes legais devem haver no Estado, com certeza, mesmo porque a gente tem um pólo de medicina muito avançado. Agora, ligações de transplantes feitos no Estado com essa quadrilha, não tenho conhecimento. O SR. DEPUTADO ZICO BRONZEADO - Não houve nenhum indício? O SR. WILSON SALLES DAMÁZIO - Não tenho conhecimento. O SR. DEPUTADO ZICO BRONZEADO - Era mais ou menos isso que gostaria de saber. Esta CPI — é bom que se deixe claro, e o Presidente sempre vai estar informando à imprensa e ao próprio Ministério da Saúde —, na verdade, quer regularizar, fazer com que os mais humildes tenham condições também de fazer o transplante. Nós temos depoimentos — e vamos ter muitos depoimentos — de pessoas que estão na fila de transplante há muitos anos e que não conseguiram ainda. E que vamos ter depoimentos também de pessoas aqui que conseguiram fazer transplante comprando a vaga dentro do próprio País, ou, quem sabe, até comprando o próprio órgão que estava precisando. O mais importante, na verdade, é vermos, realmente, se descobrimos se há essa ramificação dessas quadrilhas dentro 41 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Nome: CPI - Tráfico de Orgãos Humanos CPI - Tráfico de Orgãos Humanos Número: 0456/04 COM REDAÇÃO FINAL Data: 4/5/2004 do País, porque sabemos que esses brasileiros que foram para a África do Sul estão sendo processados. Observei a advogada defendendo esses cidadãos, até pelo estado de pobreza, de desemprego que há no País, que chegaram a esse ponto de vender, mesmo alegando desconhecer a lei, desconhecer a lei. Nós não vamos acreditar nisso. Todo mundo sabe que tem de obedecer aquilo que, realmente, é... O SR. WILSON SALLES DAMÁZIO - Ordenamento Jurídico. O SR. DEPUTADO ZICO BRONZEADO - Exatamente. Queria saber mais ou menos se há notícia de que essa mesma quadrilha estava atuando aqui, internamente, dentro dos hospitais públicos ou privados, porque, na verdade, esse é o nosso objetivo. O SR. WILSON SALLES DAMÁZIO - Que tivesse agido, não. Mas que tinha intenção de agir, isso, aí, eu não tenho a menor dúvida. A idéia deles era se infiltrar nos hospitais daqui ou do Ceará para, de alguma forma... Primeiro, eles estavam estudando uma forma legal de fazer o transplante. Mas eu creio que, em razão da rigidez da nossa legislação e também da rigidez dessa lista dos SUS, do Ministério da Saúde...A gente sabe que em todo lugar existem as falcatruas, essa coisa toda, mas eu acredito muito nesse programa do Governo Federal no tocante a transplantes e acredito que o trabalho da Polícia Federal trouxe à tona esse tema e serviu também para esclarecer a população. Porque muita gente achava, como a Dra. Conceição disse, que o órgão era dele, ele podia doar a quem quisesse, podia vender, podia dispor do seu órgão. Isso não é verdade. Eu li aqui o art. 15 da lei de tecidos e órgãos que fala que isso aí é crime. Então, eu acho que trouxe à tona. Essa Central de Transplante em Pernambuco achou, a princípio, que o assunto foi tratado com sensacionalismo pela Polícia Federal. Isso não é verdade. Eu tive a 42 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Nome: CPI - Tráfico de Orgãos Humanos CPI - Tráfico de Orgãos Humanos Número: 0456/04 COM REDAÇÃO FINAL Data: 4/5/2004 maior dificuldade para repassar essa notícia. Os profissionais da imprensa, lá, chegaram na Polícia Federal. Quando nós cumprimos o último mandado, já tinham uns 20 a 30 repórteres querendo saber. Eu não podia passar nada por conta do sigilo. Então, tivemos o maior cuidado. Agora, cada veículo de comunicação dá a matéria como ele acha que deve. Agora, eu acho que o trabalho da polícia foi bom nesse sentido também, de trazer o tema à discussão e fazer um esclarecimento público de que como se deve ou não fazer o transplante. O SR. DEPUTADO ZICO BRONZEADO - Muito obrigado, doutor. Sr. Presidente, se realmente V.Exa. não tem essa informação, solicito o relatório final da Assembléia Legislativa de Pernambuco, para tomarmos conhecimento detalhado das investigações que aquela Casa fez junto a todos esses problemas. O SR. PRESIDENTE (Deputado Neucimar Fraga) - V.Exa. pode apresentar o requerimento para a Comissão. O mesmo vai entrar em pauta de votação e V.Exa. vai ser atendido na solicitação. Sr. Wilson, o senhor mesmo expôs para esta Comissão que, mesmo diante de fatos concretos — aí já não é mais uma lenda urbana nem lenda da Internet —, uma quadrilha foi presa, os envolvidos foram investigados, ficou comprovada a participação deles no tráfico internacional de órgãos, mais de 30 pessoas foram identificadas como pessoas que venderam o seu rim para essa quadrilha. Essas pessoas foram mostradas na televisão com cortes que variavam de 10 a 25 centímetros na região lombar — tive oportunidade de ver. Mesmo com todos esses fatos bem colocados, investigação séria — inclusive, estive na cidade de Pernambuco —, V.Sa. colocou para mim a dificuldade de passar alguma investigação, até porque não tinha autorização, porque o processo corria sob segredo de justiça. Todos os cuidados foram tomados. O que veio à tona não 43 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Nome: CPI - Tráfico de Orgãos Humanos CPI - Tráfico de Orgãos Humanos Número: 0456/04 COM REDAÇÃO FINAL Data: 4/5/2004 deu para esconder mesmo da população. Mas V.Sa. disse que A Central de Transplante de Pernambuco chegou a dizer que vocês agiram de forma sensacionalista ao divulgar os fatos. Isso é verdade? O SR. WILSON SALLES DAMÁZIO - Não. Houve realmente... Acho que saiu uma matéria sobre isso, uma crítica, um artigo, alguma coisa assim. Mas eu acho o seguinte: isso não é verdade, não houve sensacionalismo por parte da Polícia Federal. E acredito, ainda, no seguinte: que essa notícia tinha que ser divulgada, de uma forma ou de outra, até para alertar outras pessoas que estavam sendo aliciadas ou que já estavam até com passagens marcadas. E também para que as autoridades dos outros Estados não ficassem naquela de achar que esse tipo de crime é lenda, porque nada impede que outras quadrilhas estejam agindo em outros Estados. Essa quadrilha, eu acredito que não. Nós pegamos toda a ramificação dela. Mas pode ser que exista outra fazendo esse mesmo tipo de crime. Então, eu acho que essa divulgação, apesar de ter sido feita com bastante cuidado, sem declarar nomes, nem a forma como a polícia atuou e tal, mas foi bom para alertar até aquelas pessoas, tanto as que haviam sido transplantadas, para alertá-las que cometeram crimes, como também aquelas que estavam sendo recrutadas. E ainda alertar os outros dos Estados. O SR. PRESIDENTE (Deputado Neucimar Fraga) - Até a Polícia Federal foi acusada de ser sensacionalista por alguns críticos por causa da divulgação dos fatos. O SR. WILSON SALLES DAMÁZIO - Foi acho que um arquivo que saiu na imprensa por parte de pessoas ligadas a esse Centro de Transplantes. 44 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Nome: CPI - Tráfico de Orgãos Humanos CPI - Tráfico de Orgãos Humanos Número: 0456/04 COM REDAÇÃO FINAL Data: 4/5/2004 O SR. PRESIDENTE (Deputado Neucimar Fraga) - Na época da investigação, na época da exposição dos fatos na mídia, o senhor ouviu, mesmo que seja informal, algumas conversas que essas denúncias iriam atrapalhar as doações de órgãos no País, a forma como estavam sendo apresentadas? O SR. WILSON SALLES DAMÁZIO - Ouvi. Eles disseram que podia atrapalhar o andamento desse programa de transplante, o aparecimento de doadores, de pessoas para doarem os seus órgãos para pessoas que estão doentes. Mas eu discordo disso, viu, Sr. Presidente. A coisa foi feita com muita responsabilidade tanto da nossa parte como do Ministério Público também, que divulgou. No dia em que eles fizeram a denúncia, houve uma divulgação, eles chamaram a imprensa, mas sempre alertando para a conduta criminosa, que uma grande quadrilha foi presa, e divulgando também certas posturas com relação a isso é crime. E que a forma correta é através dos órgãos públicos competentes fazer a sua doação. O SR. PRESIDENTE (Deputado Neucimar Fraga) - Não ficou bem claro. Queria que o senhor só repetisse para nós qual foi a data da primeira denúncia que chegou à Polícia Federal, que levou a polícia a investigar essa quadrilha. O dia e o mês. Parece que chegou um e-mail para vocês. O SR. WILSON SALLES DAMÁZIO - Bom, nós tínhamos... O SR. PRESIDENTE (Deputado Neucimar Fraga) - Parece que chegou e-mail para vocês e tal... Uma coisa assim. O SR. WILSON SALLES DAMÁZIO - Esse e-mail chegou para nós no dia 9 de julho de 2003. 45 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Nome: CPI - Tráfico de Orgãos Humanos CPI - Tráfico de Orgãos Humanos Número: 0456/04 COM REDAÇÃO FINAL Data: 4/5/2004 O SR. PRESIDENTE (Deputado Neucimar Fraga) - Então, em 9 de julho de 2003, chegou um e-mail? O SR. WILSON SALLES DAMÁZIO - É. O SR. PRESIDENTE (Deputado Neucimar Fraga) - Da França? O SR. WILSON SALLES DAMÁZIO - Da França. Mas esse centro de tráfico de seres humanos, que agora está com a defesa social, tinha encaminhado um ofício para o Ministério Público em 9 de junho; portanto, um mês antes. Só que... O SR. PRESIDENTE (Deputado Neucimar Fraga) - Então, praticamente na mesma época. O SR. WILSON SALLES DAMÁZIO - É, mais ou menos tudo no mesma época. E o Ministério Público encaminhou para a gente também em julho. Então, tudo veio a se juntar... O SR. PRESIDENTE (Deputado Neucimar Fraga) - E esse centro de tráfico de seres humanos enviou essa denúncia praticamente um mês antes? O SR. WILSON SALLES DAMÁZIO - É. Para o Ministério Público. O SR. PRESIDENTE (Deputado Neucimar Fraga) - E eles se basearam em que informação para apresentar essa denúncia ao Ministério Público? O SR. WILSON SALLES DAMÁZIO - Se o senhor me permite, eu posso ler? O SR. PRESIDENTE (Deputado Neucimar Fraga) - Pode. O SR. WILSON SALLES DAMÁZIO - Ofício nº 065. TSH, Pernambuco, 9 de julho de 2003. Ao Exmo. Dr. Antonio Carlos Barreto Campelo, Ministério Público Federal. Exmo. Senhor, vimos através deste informá-lo sobre denúncia recebida no dia 9 de junho deste ano, a saber: (abre aspas) “O tráfico de órgãos existe em Pernambuco. Há uma clínica na Conde da Boa Vista — que é uma avenida nossa — 46 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Nome: CPI - Tráfico de Orgãos Humanos CPI - Tráfico de Orgãos Humanos Número: 0456/04 COM REDAÇÃO FINAL Data: 4/5/2004 que faz os exames preliminares na vítima. Quem coordena os aliciadores é uma mulher; entre parênteses (a mesma circular nessa cidade de carro blindado e seguranças). Esposa de um capitão chamado Ivan, que não soube nominar se do Exército ou militar, que é irmão de um delegado federal. O agenciador recebe 8 mil reais por vítima. O esquema é o seguinte: a pessoa deve ser obrigatoriamente indicada por alguém que prestou-se à comercialização de órgãos. O candidato é encaminhado a uma clínica na Conde da Boa Vista, onde faz os exames preliminares. Estando apto a comercializar o órgão desejado, embarca para Marrocos. Há 2 pólos: Marrocos ou África do Sul. O dinheiro só é depositado quando a pessoa chega na cidade onde será retirado o órgão. O dinheiro é depositado na conta de uma pessoa indicada pela vítima. Logo que iniciou-se essa comercialização, há aproximadamente um ano, o valor era 150 mil dólares. Hoje, devido a procura estar bem maior, o preço caiu. Um dos envolvidos aqui no Brasil é natural de Israel, e a mãe é de família de banqueiros. Na África do Sul, as cirurgias são realizadas num flat, numa cidade chamada Durban. Os 2 veículos, cujos dados se encontram em xerox anexa, foram adquiridos por pessoas que retornaram dos países mencionados e que participaram do esquema. O informante nominou algumas pessoas aqui em Recife que já realizaram essa cirurgia: a) Pedro Gervásio, conhecido por Preto; Marconi, dono do caminhão, tornou-se agenciador; Telinho, tornou-se aliciador. Há mais uma pessoa de nome Rubinho, que estava apto a embarcar, mas em conversa com um amigo, este fez refletir melhor, considerando que havia risco de vida. Após repassar sua dúvida para o agenciador, Rubinho, sem qualquer explicação, não mais conseguiu embarcar para realizar a cirurgia, ou seja, retornar à lista. Lista porque o esquema funciona como uma corrente. Segundo o 47 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Nome: CPI - Tráfico de Orgãos Humanos CPI - Tráfico de Orgãos Humanos Número: 0456/04 COM REDAÇÃO FINAL Data: 4/5/2004 mesmo, talvez o agenciador temesse uma denúncia. Sendo assim, solicitamos que V.Exa. tome as providências necessárias ao esclarecimento do fato. Assina Dra. Anália Belisa Ribeiro” — não foi ela quem assinou, tem um pê, deve ser um substituto dela. Dra. Anália, hoje, ela integra o gabinete civil do Governo do Estado, e essa Coordenadoria Nacional do Sistema de Prevenção e Enfrentamento ao Tráfico é um órgão hoje da Secretaria de Defesa Social, com quem trabalhamos em parceria e alguns outros casos sobre tráfico de seres humanos... Não de tráfico de órgãos, mas tráfico de seres humanos: prostituição... Essas coisas, não é? Eles têm nos passado, e a gente tem investigado. O SR. PRESIDENTE (Deputado Neucimar Fraga) - Então, praticamente, eles já tinham todas as informações quando mandaram essas denúncias para a Polícia? O SR. WILSON SALLES DAMÁZIO - Isso daqui, Sr. Presidente, deve ter sido uma das pessoas que participou do esquema e que repassou tudo para a central, para essa (ininteligível). O SR. PRESIDENTE (Deputado Neucimar Fraga) - Vocês identificaram quando que essa quadrilha começou a agir em Pernambuco ou não deu pra identificar o início, a quanto tempo eles já agiam? O SR. WILSON SALLES DAMÁZIO - Olha, mais ou menos 1 ano. Eles tinham pelo menos 1 ano trabalhando lá no Estado. Agora, como bem disse a doutora, e também tem outras notícias aqui, disse que a quadrilha age no mundo há mais de 3 anos. No mundo. Mas em Pernambuco mesmo, pelo que a gente conseguiu, acho que nós não conseguimos nem um exame, nem uma cirurgia feita com mais de um ano da data que nós prendemos a organização criminosa. 48 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Nome: CPI - Tráfico de Orgãos Humanos CPI - Tráfico de Orgãos Humanos Número: 0456/04 COM REDAÇÃO FINAL Data: 4/5/2004 O SR. PRESIDENTE (Deputado Neucimar Fraga) - Um dos denunciados é o capitão Ivan. Aí se fala quanto as pessoas que ofereciam rim recebiam pelo serviço? Vocês chegaram a obter quanto que o capitão Ivan recebia da quadrilha para aliciar essas pessoas? O SR. WILSON SALLES DAMÁZIO - Olha, Excelência, a princípio se falava em 150 mil dólares, por cirurgia, que a quadrilha recebia. Porque isso tem um destinatário final que é justamente o receptor, a pessoa que recebe. Então, dependendo da... Se for pago pelo Governo de Israel, como se falou nas investigações da CPI, me parece que era até 80 mil dólares, 90. Mas se for um milionário que estiver recebendo, ele pode aumentar o valor. E isso daí, o lucro da quadrilha vai depender. Agora, o certo é que o “doador” — entre aspas —, nós não temos notícia de que tem recebido mais de 10 mil dólares. Até 10 mil dólares. O SR. PRESIDENTE (Deputado Neucimar Fraga) - É de conhecimento, por exemplo, da polícia, ou esse grupo que denunciou, se existe alguma pessoa que foi aliciada, foi para a África e não retornou? O SR. WILSON SALLES DAMÁZIO - No depoimento aqui do Sr. Rubens Farias dos Santos ele fala aqui sobre uma pessoa que teria viajado, e teria ficado lá internado porque teria contraído bactéria. Acho que é no depoimento aqui do... Porque ele diz aqui: “...que Tiago é muito amigo... — esse Tiago teria sido um dos doadores — ... que Tiago é muito amigo de João, e teria sido indicado por este para doação do rim. Que durante um jogo de futebol, vinha um indivíduo de alcunha Xuxa interpelar João a respeito do paradeiro de Juquinha, que havia saído de Recife para Durban, a fim de doar o rim, e que faz mais de 2 meses que o citado indivíduo embarcou e não retornou até a presente data. Que Xuxa lhe informou que Juquinha 49 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Nome: CPI - Tráfico de Orgãos Humanos CPI - Tráfico de Orgãos Humanos Número: 0456/04 COM REDAÇÃO FINAL Data: 4/5/2004 tinha entrado em contato com a família, dizendo que contraiu uma bactéria. E depois disso não deu qualquer notícia”. O SR. PRESIDENTE (Deputado Neucimar Fraga) - A polícia identificou a família? O SR. WILSON SALLES DAMÁZIO - Eu não tenho conhecimento sobre a identificação dessa família. Mesmo porque, como os senhores sabem eu sou superintendente... O SR. PRESIDENTE (Deputado Neucimar Fraga) - Correto. O SR. WILSON SALLES DAMÁZIO - ... e essa identificação ficou a cargo de 2 delegados. O delegado Daniel Granjeiro, que iniciou o inquérito, e a Dra. Carla, quem concluiu. Eu não tenho nesse momento essa informação, se foi identificada essa família do Juquinha. Mas isso, dependendo até de uma provocação ou independente disso, eu posso informar-lhe, até através de ofício ou e-mail, caso essa família foi contactada. O SR. PRESIDENTE (Deputado Neucimar Fraga) - Foi pedida a quebra de sigilo bancário do capitão Ivan? O SR. WILSON SALLES DAMÁZIO - Acho que durante a investigação não, por causa desse tempo que eu lhe disse do prazo. Muito curto para... (falha na gravação) ... estadual, eu tenho certeza que pediu o sigilo bancário. O SR. PRESIDENTE (Deputado Neucimar Fraga) - Sabe se foram concedidas as informações solicitadas? O SR. WILSON SALLES DAMÁZIO - Pelas notícias, eu creio que sim. O SR. PRESIDENTE (Deputado Neucimar Fraga) - O Estado de Pernambuco, segundo a Nancy Scheper, ela que tem uma ONG, que faz a rota internacional do 50 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Nome: CPI - Tráfico de Orgãos Humanos CPI - Tráfico de Orgãos Humanos Número: 0456/04 COM REDAÇÃO FINAL Data: 4/5/2004 tráfico de órgãos, ela já denunciava o Estado de Pernambuco, há alguns anos, sobre a possibilidade de estar alimentando o mercado internacional de tráfico de órgãos através do processo de adoção de crianças no Estado. A Polícia Federal abriu alguma linha de investigação? Existe alguma pessoa na cidade, no Estado que foi denunciada, que foi presa, por essa possibilidade de estar facilitando a ida de pessoas para serem adotadas por casais estrangeiros? E algumas dessas crianças que possivelmente teriam sido adotadas foram vítimas de tráfico de órgãos que agiu no Leste europeu? O SR. WILSON SALLES DAMÁZIO - Aproximadamente 10 anos atrás, essas denúncias chegaram muito forte na Polícia Federal, até através daquele órgão também do Tribunal de Justiça que trata dessas adoções, e nós investigamos alguns inquéritos que foram instaurados. Ficou evidenciado que havia uma quadrilha especializada em adoções fraudulentas. Inclusive, uma Vereadora, salvo engano de Timbaúba, que é uma cidade da Mata Norte, onde havia um foco disso aí... O SR. PRESIDENTE (Deputado Neucimar Fraga) - Ana Maria de Almeida Freitas. O SR. WILSON SALLES DAMÁZIO - Ana Maria. Ela foi condenada pela Justiça, chegou a ser presa. Mas houve um recurso, e ela está respondendo ao recurso em liberdade. Acho que o Tribunal Regional Federal mandou soltá-la para que respondesse em liberdade, a exemplo de outros que haviam sido condenados nessa quadrilha. Nós fizemos contatos com alguma crianças que foram adotadas, através de adidos policiais acreditados aqui no País, como também de fora. E todas essas crianças foram localizadas e estariam passando bem, vivendo com os pais 51 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Nome: CPI - Tráfico de Orgãos Humanos CPI - Tráfico de Orgãos Humanos Número: 0456/04 COM REDAÇÃO FINAL Data: 4/5/2004 que as adotaram. Não houve nenhuma confirmação de adoção fraudulenta de crianças para retirada de órgãos. O SR. PRESIDENTE (Deputado Neucimar Fraga) - Adotada via Vereadora? O SR. WILSON SALLES DAMÁZIO - Via Vereadora, via Judiciário, via Ministério Público. Alguns... O SR. PRESIDENTE (Deputado Neucimar Fraga) - Todas as crianças, então, que foram adotadas... O SR. WILSON SALLES DAMÁZIO - É uma situação meio... Havia 2 advogados também que, pelas provas... que é muito difícil. O advogado que intermedeia isso, você não sabe até onde vai a conivência dele com adoção fraudulenta, ou se aquilo é... se o dinheiro que ele recebe é por conta dos seus honorários. Daí, fica bastante difícil você indiciar a pessoa do advogado. A mesma coisa o juiz, a mesma coisa o promotor. Mas o certo é que o Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco se preocupou muito com isso, e adotou critérios rígidos com relação a essas adoções. E hoje, atualmente, nós não temos assim notícias de que isso continue a acontecer. Essa quadrilha foi reprimida, mesmo porque o auge dessas adoções foi há pouco mais de 10 anos. O SR. PRESIDENTE (Deputado Neucimar Fraga) - No Estado de Pernambuco, em 2001, foi morto um empresário mineiro, empresário da área de comunicação, e segundo notícia do jornal de Pernambuco, daquela época, ele foi assassinado, e existia suspeita da participação (ininteligível) daquela região. A Polícia chegou a fazer alguma investigação disso aí? O SR. WILSON SALLES DAMÁZIO - Quem foi morto, Excelência? 52 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Nome: CPI - Tráfico de Orgãos Humanos CPI - Tráfico de Orgãos Humanos Número: 0456/04 COM REDAÇÃO FINAL Data: 4/5/2004 O SR. PRESIDENTE (Deputado Neucimar Fraga) - Foi um empresário mineiro da cidade de Ipatinga. Ele foi morto na estrada que liga Porto de Galinhas. E o jornal de Pernambuco, o Diário do Comércio, noticiou... O SR. WILSON SALLES DAMÁZIO - Veja bem, por conta de ser uma investigação afeta à Secretaria de Segurança Pública, porque, a princípio, teria sido homicídio, eu não tenho dados sobre isso. Mas também... O SR. PRESIDENTE (Deputado Neucimar Fraga) - Não foi feita nenhuma ligação...? O SR. WILSON SALLES DAMÁZIO - Não, acredito que não. Devo dizer-lhe também que... O SR. PRESIDENTE (Deputado Neucimar Fraga) - Desse fato com a quadrilha que foi presa em Pernambuco por tráfico...? O SR. WILSON SALLES DAMÁZIO - Não. Devo dizer-lhe também que passei algum tempo fora do Estado. Nesses últimos 10 anos eu fui Superintendente em Rondônia durante 2 anos e 8 meses; fui Vice-Diretor da Polícia Federal, aqui em Brasília, durante 2 anos... Então, estive algum tempo fora do Estado. Talvez tenha acontecido justamente no momento em que eu estivesse fora. Daí por que, não tenho dados concretos para lhe passar. O SR. PRESIDENTE (Deputado Neucimar Fraga) - Existem alguns processos sendo também investigados pela Polícia Federal em algumas regiões do Brasil sobre denúncias, envolvimento de pessoas, com retirada ilegal de órgãos, com tráfico de órgãos, com desrespeito à fila do transplante, pessoas especializadas em fraudar o SUS a partir do Sistema Nacional de Transplante. Ou seja, retirada de órgãos ilegal; aceleração de morte de paciente para retirada de órgãos, existe denúncia; compra 53 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Nome: CPI - Tráfico de Orgãos Humanos CPI - Tráfico de Orgãos Humanos Número: 0456/04 COM REDAÇÃO FINAL Data: 4/5/2004 de órgãos, também desrespeitando a Lei nº 9.474. A Polícia Federal de Pernambuco, durante o processo de investigação sobre essa quadrilha, trocou alguma informação com o Departamento de Polícia Federal de todo o Brasil para saber sobre os outros processos em andamento nessa cidade sobre irregularidades também cometidas dentro do sistema, não só a partir da possibilidade de pertencer a uma rede internacional, mas até de redes, de ações criminosas em algumas regiões do Brasil? O SR. WILSON SALLES DAMÁZIO - Pelo modus operandi da quadrilha, a forma como eles faziam, não há vínculos com essa Central de Transplantes, com esse processo dos transplantes. Mas, mesmo assim, nós fizemos questão de divulgar, e a imprensa também se encarregou disso. Recebemos algumas ligações, de alguns colegas, sobre o fato, mas em nenhum caso havia ligação com as quadrilhas de Pernambuco. Casos investigados no Brasil com efetiva ligação com essa quadrilha não tivemos. O SR. PRESIDENTE (Deputado Neucimar Fraga) - Com a prisão da quadrilha, que foi feita em dezembro, se não me engano, já se passaram 5 meses. Já se ouviu alguma coisa sobre a possibilidade de ainda continuar esse processo, mesmo que seja em um Estado vizinho, alguns remanescentes da quadrilha? A Polícia entende que estancou mesmo, que prendeu toda a quadrilha? O SR. WILSON SALLES DAMÁZIO - Pelo menos a parte de Pernambuco, que agia dentro do Brasil, eu acho que a paulada foi na cabeça da cobra mesmo. Nós conseguimos atingir o núcleo, o cérebro da organização criminosa no Brasil. Agora, como eu já disse, havia pessoas fora que davam suporte à quadrilha e que necessitariam ser investigadas. Isso foi repassado para os países interessados, para 54 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Nome: CPI - Tráfico de Orgãos Humanos CPI - Tráfico de Orgãos Humanos Número: 0456/04 COM REDAÇÃO FINAL Data: 4/5/2004 que fizessem no âmbito de cada país. E eu acredito que, na África do Sul, foi feita uma investigação muito boa também sobre isso. O SR. PRESIDENTE (Deputado Neucimar Fraga) - Vocês têm conhecimento sobre se esse processo lá na África do Sul também andou, se desencadeou alguma prisão, se o hospital foi punido? Os médicos que faziam o transplante no hospital foram identificados, eram todos médicos sul-africanos mesmo ou tinha algum brasileiro, algum americano, algum português? O SR. WILSON SALLES DAMÁZIO - Acompanhei pela Internet alguma coisa, que haviam sido identificadas pessoas de outros países que agiam lá também, até fazendo transplantes e essa coisa toda. Agora, como já disse, por se tratar de outro país, com legislação também diferente, eu não tenho maiores detalhes sobre isso. Mas, por alguma coisa que eu vi pela Internet, me parece que sim, que houve efetivas investigações nesses países e que, inclusive, as embaixadas da África do Sul e de Israel foram contactadas, principalmente pela CPI de Pernambuco sobre esse caso. O SR. PRESIDENTE (Deputado Neucimar Fraga) - Inicialmente o senhor disse que houve, se não me engano, 11 prisões? O SR. WILSON SALLES DAMÁZIO - É, exatamente. O SR. PRESIDENTE (Deputado Neucimar Fraga) - Quantos estão presos atualmente? O SR. WILSON SALLES DAMÁZIO - Neste momento, eu acho que 4. Mas isso não quer dizer que os que foram soltos é porque não existam provas contra eles. Não. É aquela história: a pessoa só pode ser mantida no cárcere após ser condenada e essa coisa toda. Com relação aos principais envolvidos da quadrilha, 55 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Nome: CPI - Tráfico de Orgãos Humanos CPI - Tráfico de Orgãos Humanos Número: 0456/04 COM REDAÇÃO FINAL Data: 4/5/2004 os líderes, a juíza houve por bem mantê-los no cárcere. Mas, pelo pouco que conheço de Direito, tenho certeza de que pelo menos 90% dos que foram indiciados e denunciados devem ser condenados. O SR. PRESIDENTE (Deputado Neucimar Fraga) - O senhor teve conhecimento se alguma dessas pessoas que foram à África fazer a doação e voltaram, se, ao ser deflagrada a prisão das pessoas envolvidas, algumas dessas pessoas sofreram ou seus familiares sofreram algum tipo de represália ou de ameaça por parte dessa quadrilha? O SR. WILSON SALLES DAMÁZIO - Eu não tenho o nome da pessoa aqui, mas teve uma dessas pessoas que estaria recebendo pressões para não falar. Acho que nós mandamos uma equipe lá. Procuramos motivá-la a dizer o que sabia e não houve problemas maiores. Agora, é certo que uma ou outra pessoa que fez o transplante não chegou a depor na Polícia Federal. O SR. PRESIDENTE (Deputado Neucimar Fraga) - Sr. Superintendente, agradecemos a V.Sa. a presença e parabenizamos a Polícia de Pernambuco. Tive a oportunidade de participar de um debate com a Rádio da União Européia, de Portugal, onde o Brasil foi elogiado pela iniciativa de investigar o tráfico de órgãos humanos. Parabenizou a Assembléia Legislativa do Estado de Pernambuco, parabenizou a Câmara Federal. O problema do tráfico de órgãos humanos há muito tempo está sendo discutido na Europa e, agora, com a unificação da União Européia, o Leste europeu, que era a parte mais atrasada da Europa, e, de acordo com os pesquisadores da área e aqueles que têm conhecimento de causa era onde existia uma rede instalada de tráfico de órgãos humanos. E, segundo informações, inclusive de pessoas da Comunidade Européia, essas quadrilhas que agiam 56 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Nome: CPI - Tráfico de Orgãos Humanos CPI - Tráfico de Orgãos Humanos Número: 0456/04 COM REDAÇÃO FINAL Data: 4/5/2004 livremente no Leste Europeu, levando crianças do Brasil, da América Latina, inclusive do Leste europeu e também da África para serem usadas como vítimas pela quadrilha internacional de tráfico de órgãos humanos, com o aperto da legislação européia em cima dessas facções criminosas, eles, então, se deslocavam, estavam se deslocando principalmente para a América Latina e escolhiam o Brasil como base para alimentar, a partir daqui, o tráfico de órgãos humanos. Informações essas que, segundo a polícia, e o senhor nos passou, foram checadas e existia a possibilidade até de eles instalarem uma base, e que eles já estavam visitando alguns hospitais de Pernambuco e do Ceará. O SR. WILSON SALLES DAMÁZIO - É, essa quadrilha que foi... O SR. PRESIDENTE (Deputado Neucimar Fraga) - Essa quadrilha que tinha membros brasileiros e israelenses, portugueses, africanos. Então, realmente era uma quadrilha internacional, que tentava montar uma base no Brasil para alimentar o tráfico internacional de órgãos, tendo em vista que os valores pagos realmente são cifras bem mais significativas do que talvez os preços que eles encontrassem no País. Agradecemos ao senhor a participação. Sabemos que a polícia tem trabalhado com muita seriedade nesse caso, trouxe à tona, mesmo contra as críticas desses que sempre tentam se opor a quem denuncia o tráfico de órgãos, dizendo que isso vai reduzir a oferta de doadores, que pessoas vão continuar morrendo nas filas, porque os transplantes vão ser insuficientes para atender aqueles que estão na fila há muitos anos. Mesmo com essa atuação da polícia, o ano de 2003 foi considerado o ano em que houve o maior número de denúncias sobre o tráfico de órgãos no Brasil. Estamos há 9 meses investigando denúncias de diversos Estados nesta Casa e nesse período fomos também chamados de sensacionalistas, que isso é lenda 57 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Nome: CPI - Tráfico de Orgãos Humanos CPI - Tráfico de Orgãos Humanos Número: 0456/04 COM REDAÇÃO FINAL Data: 4/5/2004 urbana, que isso não existe, que queríamos aparecer com esta CPI, porque tráfico de órgãos humanos é coisa da cabeça de quem não tem o que fazer. Eles sempre usam táticas semelhantes, sempre tentam jogar a opinião pública contra quem denuncia, dizendo que vamos ser responsáveis pela morte dos que vão ficar na fila sem receber um transplante. Mesmo com todo esse aparato de informações tentando iludir a opinião pública, não sei se o senhor sabe, o Brasil, no ano passado, bateu o recorde no número de doações, que aumentou 14%. E, nesse primeiro semestre, o Brasil está batendo o recorde do número de doações de órgãos. Ou seja, está ficando claro que, quanto mais seriedade o povo perceber no sistema e que as pessoas envolvidas e denunciadas estão sendo investigadas e punidas, o povo vai acreditar. Durante a CPI vamos mostrar que no Brasil não faltam doadores de órgãos, mas falta realmente um sistema eficiente para aproveitar e gerenciar todos os órgãos disponíveis no Brasil. Inclusive algumas irregularidades que foram denunciadas estão sendo comprovadas, como diz respeito à fila do transplante, compra de órgãos. Temos denúncias que vão ser apresentadas nesta CPI — e já está autorizada a convocação —, de um jornalista que diz claramente, em um programa de televisão, que um médico de um hospital famoso de São Paulo ofereceu a ele um rim por 100 mil dólares, e ele negociou e conseguiu por 50, que ele vendeu sua BMW, que desembargador fulano de tal emprestou xis, que advogado fulano de tal, que ele cita o nome também, deu ipsilon para ele comprar esse rim. Inclusive o médico desse hospital dizia para ele: “Olha, não esquenta a cabeça. Você está precisando de um rim, você perdeu o seu rim. Não esquenta a cabeça porque, no Brasil rico não fica na fila de transplante. Quando precisa, um fazendeiro pega um peão dele lá na fazenda e doa o rim e dá um jeito. Nós vamos 58 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Nome: CPI - Tráfico de Orgãos Humanos CPI - Tráfico de Orgãos Humanos Número: 0456/04 COM REDAÇÃO FINAL Data: 4/5/2004 resolver o seu problema”. Nós temos o depoimento gravado, fita de vídeo e já o convocamos, vamos marcar a data para ele depor, para ele dizer o nome do médico, porque o nome do hospital ele já disse, e o valor que ele cobrou ele já disse; só falta dizer o nome do médico. Queremos contribuir dessa forma, para que a política de transplantes no Brasil funcione de forma eficiente, transparente e segura. Não é comum um país como o Brasil ser o segundo país transplantista do mundo e ter tantas pessoas morrendo na fila de transplante, há 10,15 anos, enquanto pessoas estão vendendo órgãos e enquanto quem pode pagar consegue um órgão na frente. Queremos, com esta CPI, propor legislação mais rígida, queremos investigar. As denúncias não podem ficar escondidas sob o mesmo pretexto de sempre, de que vai atrapalhar a política de doação de órgãos. Todos sabemos que quando um político também é denunciado pagamos na rua, porque somos taxados e, muitas vezes, recebemos o mesmo conceito daquele que cometeu a irregularidade. A Justiça, quando um juiz é denunciado, faz a pesquisa e cai a credibilidade da Justiça; quando um promotor é denunciado, cai a credibilidade também dele perante a opinião pública. Agora, alguns setores acham que são intocáveis e que eles não podem ser investigados e nem denunciados porque, senão, vai cair o conceito da opinião pública sobre eles. Estamos trabalhando nesta CPI para, primeiro, tornarmos o sistema de transplantes eficiente e transparente, darmos oportunidade a todos os que estão na fila, não apenas a quem tem condições de pagar, e fazer com que esse sistema funcione para todos e os envolvidos, denunciados, investigados e indiciados possam ser realmente punidos e pagar pelos seus crimes, assim como qualquer cidadão brasileiro paga. Por isso, parabenizamos a Polícia Federal, parabenizamos o trabalho desenvolvido pelo senhor e pela sua equipe no Estado de 59 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Nome: CPI - Tráfico de Orgãos Humanos CPI - Tráfico de Orgãos Humanos Número: 0456/04 COM REDAÇÃO FINAL Data: 4/5/2004 Pernambuco. Com certeza, as informações prestadas de forma oficial deixam bem claro para os membros desta CPI que tráfico de órgãos humanos não é mais lenda no Brasil nem no mundo, nem aqueles que se dispõem a investigar as denúncias são sensacionalistas — queremos apenas cumprir nosso compromisso e nossa prerrogativa de Parlamentar de poder legislar e fiscalizar. Vamos fazer isso, doa a quem doer, porque queremos que o sistema funcione para que todos os brasileiros tenham oportunidade realmente de serem beneficiados com o que diz a lei em relação à Lei 9.434 e à Lei 10.211, que regem a lei de transplantes no Brasil. Muito obrigado. Que Deus possa abençoar o senhor. Somos gratos à Polícia Federal pelo trabalho realizado no Estado de Pernambuco. Passo a palavra ao Sr. Wilson para suas considerações finais. O SR. WILSON SALLES DAMÁZIO - Agradeço os elogios. Quero dividir os louros por esse trabalho principalmente com aquele policial civil que, lá de Nantes, na França, onde estava, mandou um e-mail para a Polícia Federal; com o Centro de Combate ao Tráfico de Seres Humanos lá de Pernambuco que, via Procuradoria da República, também nos abasteceu com informações; a colaboração ímpar do Ministério Público Federal de Pernambuco e da Justiça Federal, que proporcionaram meios legais para a Polícia Federal fazer essa investigação. E posso lhe dizer que a Polícia Federal no Estado de Pernambuco estará, como sempre esteve, à disposição de todas as entidades, de todos os órgãos públicos que trabalham nessa área, especialmente esta CPI. E aproveito a oportunidade para colocar à disposição da CPI o nosso auditório, em Pernambuco, na Superintendência, para, caso V.Exa. queira, e em estando lá em Pernambuco a CPI, fazer as oitivas lá na própria Polícia Federal, já que muitos, ou pelo menos os principais envolvidos, estão presos e serão 60 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Nome: CPI - Tráfico de Orgãos Humanos CPI - Tráfico de Orgãos Humanos Número: 0456/04 COM REDAÇÃO FINAL Data: 4/5/2004 ouvidos; para que possam ter maior facilidade lá, a própria CPI, para inquiri-los, em razão da proximidade lá do nosso núcleo de custódia. Muito obrigado. Para mim, foi uma honra muito grande estar aqui com os senhores. O SR. PRESIDENTE (Deputado Neucimar Fraga) - Nós é que agradecemos pela explanação, pelo depoimento prestado aqui a esta Comissão Parlamentar de Inquérito. Agradecemos antecipadamente pelo espaço cedido, porque vamos realmente precisar, tendo em vista que alguns depoimentos que vão ser tomados por esta Comissão vão ser realizados lá no Estado de Pernambuco. Não havendo mais quem queira fazer uso da palavra, convoco reunião para amanhã, 5 de maio, às 14h, para eleição do 2º e 3º Vice-Presidentes desta Comissão e deliberação de requerimentos cuja pauta será enviada aos gabinetes de V.Exas. Informo também que estamos em processo de votação nominal; segundo o Regimento da Casa, fica impedido qualquer processo de votação nas Comissões durante o período do expediente normal da Casa com deliberação. Nada mais havendo a tratar, declaro encerrada a presente reunião da Comissão Parlamentar de Inquérito. Está encerrada a reunião. 61