JOSÉ
SARAMAGO
Prémio Nobel
Os Poemas Possíveis
Poesia
6.a edição
Título: Os Poemas Possíveis
Autor: José Saramago
© José Saramago e Editorial Caminho, 1997
Capa: Rui Garrido
Fonte utilizada na capa: Mrs. Eaves
ISBN 9789722122146
Editorial Caminho, SA
Uma editora do grupo Leya
Rua Cidade de Córdova, n.o 2
2610-038 Alfragide – Portugal
www.editorial-caminho.pt
www.leya.com
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ÍNDICE
Nota da 2.a edição ........................................... 13
ATÉ
AO SABUGO
Até ao sabugo ..................................................
Arte poética.....................................................
Processo...........................................................
Programa .........................................................
«Se não tenho outra voz...»..............................
Balança ............................................................
«Recorto a minha sombra...» ...........................
Acidente de viação ..........................................
Taxidermia, ou poeticamente hipócrita ............
Signo do Escorpião .........................................
No coração, talvez ...........................................
Dia não ...........................................................
Destino............................................................
Ritual ..............................................................
Epitáfio para Luís de Camões ..........................
Jogo das forças .................................................
Vertigem ..........................................................
Lugar-comum do quadragenário .....................
Outro lugar-comum ........................................
Passado, presente, futuro ...................................
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Passeio .............................................................
Psicanálise ........................................................
Mais psicanálise ...............................................
«Não diremos mortais palavras...» ....................
Poema seco......................................................
Do como e do quando ....................................
Fábula do grifo ................................................
Meias-solas ......................................................
Um zumbido, apenas .......................................
Ciclo ...............................................................
Circo ...............................................................
Obstinação ......................................................
«Há-de haver...» ...............................................
Sala de baile ....................................................
Oceanografia ...................................................
Hibernação ......................................................
«As palavras são novas...» ..................................
Questão de palavras .........................................
Pequeno cosmos ..............................................
«De mim à estrela...» .......................................
Retrato do poeta quando jovem ......................
O tanque .........................................................
Science-fiction I ..............................................
Science-fiction II .............................................
Carta de José a José .........................................
Aniversário ......................................................
Testamento romântico .....................................
Premonição .....................................................
POEMA
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A BOCA FECHADA
Poema a boca fechada ..................................... 75
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Os inquiridores................................................
Mãos limpas ....................................................
Salmo 136 .......................................................
Ouvindo Beethoven ........................................
Demissão .........................................................
Fraternidade ....................................................
Fala do Velho do Restelo ao Astronauta ...........
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MITOLOGIA
Mitologia.........................................................
Natal ...............................................................
Aprendamos o rito ..........................................
Criação............................................................
Quando os homens morrerem .........................
Aos deuses sem fiéis ........................................
«Não das águas do mar...» ................................
A um Cristo velho ..........................................
Judas ................................................................
Sé Velha de Coimbra .......................................
Nave................................................................
«Barro direis que sou...»...................................
Invenção de Marte ..........................................
«Não há mais horizonte...» ..............................
O
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AMOR DOS OUTROS
Orgulho de D. João no inferno .......................
Lamento de D. João no inferno .......................
Sarcasmo de D. João no inferno.......................
Até ao fim do mundo .....................................
Dulcineia .........................................................
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D. Quixote ......................................................
Sancho ............................................................
Julieta a Romeu ..............................................
Romeu a Julieta ..............................................
West Side Story ...............................................
NESTA
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ESQUINA DO TEMPO
Contracanto ....................................................
Fuzil e pederneira............................................
Enigma ............................................................
Negócio ..........................................................
Virgindade.......................................................
Regra ..............................................................
Outono ...........................................................
Adivinha ..........................................................
Receita ............................................................
«Não me peçam razões...»................................
«Nesta secreta guerra...» ...................................
Craveira ...........................................................
«A ti regresso, mar...» .......................................
«Água que à água torna...» ...............................
Medusas...........................................................
História antiga .................................................
«Não escrevas poemas de amor».......................
«Nesta esquina do tempo...».............................
«De violetas se cobre...» ...................................
Labirinto .........................................................
Espaço curvo e finito ......................................
Pesadelo ...........................................................
Afrodite ...........................................................
Estudo de nu ...................................................
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De paz e de guerra ..........................................
Em violino fado ..............................................
No silêncio dos olhos ......................................
Compensação ..................................................
Declaração .......................................................
«Uma só prece...» ............................................
Química ..........................................................
Física ...............................................................
Intimidade .......................................................
Inventário ........................................................
Praia ................................................................
Arte de amar ...................................................
Aspa ................................................................
Corpo-mundo .................................................
Balada ..............................................................
Jogo do lenço ..................................................
Lembrança de João Roiz de Castel’Branco ......
Prestidigitação..................................................
Analogia ..........................................................
Soneto atrasado ...............................................
Exercício militar ..............................................
Opção .............................................................
Baralho ............................................................
Exílio ..............................................................
Cantiga de sapo ...............................................
Outra vez frutos, rosas outra vez ......................
Re-iniciação ....................................................
Fim e recomeço ..............................................
Metáfora ..........................................................
Amanhecer ......................................................
Aproximação ...................................................
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Poente .............................................................
Integral ............................................................
Eloquência.......................................................
«Aprendamos, amor...» .....................................
Diz tu por mim, silêncio .................................
«Num repente, não ando...» .............................
Corpo .............................................................
Caminho .........................................................
«Ergo uma rosa...» ...........................................
«Pois o tempo não pára...» ...............................
Ainda que seja .................................................
Canção ............................................................
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NOTA
DA
2.A
EDIÇÃO
Aparece esta edição de Os Poemas Possíveis
dezasseis anos depois da primeira. Não é assim
tanto, comparando com os dezasseis séculos que
sinto ter juntado à minha idade de então. Pode-se perguntar se estes versos (palavra hoje pouco
usada, mas competente para o caso) merecem
segunda oportunidade, ou se a não ficaram devendo a porventura mais cabais demonstrações do
autor no território da ficção. Se, enfim, estaremos
observando um simples e nada raro fenómeno de
aproveitamento editorial, mera estratégia daquilo a
que costuma chamar-se política de autores, ou se,
pelo contrário, foi a constante poética do trabalho
deste que legitimou a ressuscitação do livro, porque
nele teriam começado a definir-se nexos, temas
e obsessões que viriam a ser a coluna vertebral,
estruturalmente invariável, de um corpo literário
em mudança. Aceitemos a última hipótese, única
que poderá tornar plausível, primeiro, e justificar,
depois, este regresso poético.
Poesia datada? Sem dúvida. Toda a criação
cultural há-de ter logo a sua data, a que lhe é
imposta pelo tempo que a produz. Mas outras
datas leva sempre também, anteriores, as dos materiais herdados — quantas vezes importunamente
dominantes —, e, de longe em longe, aquela impalpável data ainda pode vir, aquele sentir, aquele
ver e experimentar só futuro ainda. Porém, essas
entrevisões são coisa apenas para génios, e, obviamente, não é deles que se trata aqui.
Poesia do dia passado, da hora tarda, poesia
não futurante. E contra isto não haveria remédio.
Salvo tentar trazê-la até ao seu autor, hoje, por
cima de dezasseis anos e dezasseis séculos. Assim
foi feito, e esta edição aparece não só revista, mas
emendada também. Quase tudo nela é dito de
maneira diferente, diferente é muito do que por
outra maneira se diz, e não faltaram ocasiões para
contrariar radicalmente o que antes fora escrito.
Mas nenhum poema foi retirado, nenhum acrescentado. É então outro OLYUR"eDLQGDRPHVPR"
(XGLULDHFRPHVWHUHPDWHPHGRXSRUH[SOLFDGR
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JOSÉ SARAMAGO
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Demos tiempo al tiempo:
para que ele vaso rebose
hay que elenarlo primero.
ANTÓNIO MACHADO
ATÉ
AO SABUGO
ATÉ
AO SABUGO
Dirão outros, em verso, outras razões,
Quem sabe se mais úteis, mais urgentes.
Deste, cá, não mudou a natureza,
Suspensa entre duas negações.
Agora, inventar arte e maneira
De juntar o acaso e a certeza,
Leve nisso, ou não leve, a vida inteira.
Assim como quem rói as unhas rentes.
ARTE
POÉTICA
Vem de quê o poema? De quanto serve
A traçar a esquadria da semente:
Flor ou erva, floresta e fruto.
Mas avançar um pé não é fazer jornada,
Nem pintura será a cor que não se inscreve
Em acerto rigoroso e harmonia.
Amor, se o há, com pouco se conforma
Se, por lazeres de alma acompanhada,
Do corpo lhe bastar a presciência.
Não se esquece o poema, não se adia,
Se o corpo da palavra for moldado
Em ritmo, segurança e consciência.
PROCESSO
As palavras mais simples, mais comuns,
As de trazer por casa e dar de troco,
Em língua doutro mundo se convertem:
Basta que, de sol, os olhos do poeta,
Rasando, as iluminem.
PROGRAMA
No esforço do nascer está o final,
Na raiva de crescer se continua,
Na prova de viver azeda o sal,
Na cava do amor sua e tressua.
Remédio, só morrendo: bom sinal.
«SE
NÃO TENHO OUTRA VOZ...»
Se não tenho outra voz que me desdobre
Em ecos doutros sons este silêncio,
É falar, ir falando, até que sobre
A palavra escondida do que penso.
É dizê-la, quebrado, entre desvios
De flecha que a si mesma se envenena,
Ou mar alto coalhado de navios
Onde o braço afogado nos acena.
É forçar para o fundo uma raiz
Quando a pedra cabal corta caminho
É lançar para cima quanto diz
Que mais árvore é o tronco mais sozinho.
Ela dirá, palavra descoberta,
Os ditos do costume de viver:
Esta hora que aperta e desaperta,
O não ver, o não ter, o quase ser.
BALANÇA
Com pesos duvidosos me sujeito
À balança até hoje recusada.
É tempo de saber o que mais vale:
Se julgar, assistir, ou ser julgado.
Ponho no prato raso quanto sou,
Matérias, outras não, que me fizeram,
O sonho fugidiço, o desespero
De prender violento ou descuidar
A sombra que me vai medindo os dias;
Ponho a vida tão pouca, o ruim corpo,
Traições naturais e relutâncias,
Ponho o que há de amor, a sua urgência,
O gosto de passar entre as estrelas,
A certeza de ser que só teria
Se viesses pesar-me, poesia.
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