Fluxos migratórios: trajetórias e desafios contemporâneos Dentre os inúmeros fluxos que atravessam o palco global, os deslocamentos humanos ganham destaque como fenômeno importante das relações internacionais contemporâneas. Como fenômeno social, a migração de seres humanos em busca de melhores condições de vida não é algo novo. Porém, as estatísticas, as motivações e as trajetórias dos fluxos migratórios registram mudanças importantes que podem ser associadas às transformações da economia global nas últimas décadas. De acordo com relatório da ONU sobre migrações, em 2005 havia mais de 190 milhões de migrantes1 no mundo (ONU, 2006), quantia 2,5 vezes maior que em 1965. As ações, coordenadas no âmbito nacional e internacional, orientadas para o assunto devem, portanto, absorver tal complexidade, pela multiplicidade de atores políticos mobilizados, pelo potencial econômico em questão e pelas contradições sociais decorrentes. Assim, os conceitos tradicionais sobre o tema da migração e a própria formulação de políticas são repensados à luz de um cenário onde os países são, simultaneamente, emissores e receptores de fluxos migratórios (contrariando o cenário pós-Segunda Guerra, no qual os “países de origem” e “países de destino” eram diferenciados com maior clareza). As trajetórias percorridas por esses fluxos também remodelam-se, incluindo padrões de permanência e deslocamento diferentes, sendo observados, por exemplo, itinerários migratórios que combinam diferentes etapas, com características distintas, reorientadas ao ponto de origem. Do ponto de vista econômico, dada a interconectividade dos processos globais, os impactos da crise econômica mundial já são sentidos em países que possuem grande dependência de remessas enviadas por imigrantes. A Bolívia é caso paradigmático de tal condição, dado que sua terceira maior fonte de recursos é composta justamente pelas remessas de cidadãos bolivianos que migraram para outros países. A importância desses recursos pode ser medida observando-se que, atualmente, o valor equivale quase a 10% do PIB boliviano. Como muitos imigrantes estão empregados no setor de construção civil, um dos mais afetados pela crise, uma das primeiras reações ao impacto negativo da crise é a redução do envio de remessas aos familiares que não migraram (pais, filhos, irmãos, que em mui- Geraldo Adriano godoy de campos Professor de Sociologia das Relações Internacionais da ESPM e Coordenador de Convergência Multidisciplinar do curso de Relações Internacionais da mesma instituição. tos casos possuem em tais recursos sua fonte única de renda). Os números do segundo semestre de 2008 já apontam uma diminuição do envio de recursos financeiros aos países de origem, com claras consequências para as dinâmicas econômicas locais. Além disso, com o retorno de diversos migrantes aos seus países de origem, diante das dificuldades da economia global e das restrições de permanência, verificam-se processos que por um lado apontam para a injeção de recursos no nível local (com empreendimentos executados com capital acumulado fora do país), por outro lado anunciam pressões laborais em mercados de trabalho que já se encontram desaquecidos. É crescente o entendimento entre organismos internacionais, blocos regionais, organizações da sociedade civil e governos, sobre a importância de abordar o tema a partir do reconhecimento das contribuições De acordo com que os fluxos mirelatório da ONU gratórios podem sobre migrações, em fornecer em uma 2005 havia mais economia globade 190 milhões de lizada. Malgrado tal constatação, migrantes no mundo. nota-se o reforço de diversas formas de barreiras por parte de alguns países e a persistência de múltiplas formas de violências direcionadas às pessoas que vivenciam a experiência do deslocamento. O posicionamento do trabalhador imigrante, em redes sociais urbanas, no papel do “outro”, do “estrangeiro”, do “clandestino”, segue reconstituindo formas de alteridade marcadas pela expressão contemporânea de estigmas sociais. As crescentes dificuldades econômicas relacionadas à crise econômica em 2008, somadas às características cada vez mais restritivas das políticas migratórias fazem F com que entremos em 2009 atentos ao tema. Fontes: IOM. International Organization for Migration. World Migration Report 2008. ONU. Organização das Nações Unidas. International Migration 2006. United Nations Publications. Sales No E.06.XIII.6. October, 2006. Nota: 1. O termo refere-se a qualquer pessoa que resida fora do país de nascimento por 12 meses ou mais, independente da situação de regularidade ou irregularidade.