ISSN 1982 - 0283
DOCÊNCIA NA
EDUCAÇÃO
INFANTIL
Ano XXIII - Boletim 10 - JUNHO 2013
DOCÊNCIA NA EDUCAÇÃO INFANTIL
SUMÁRIO
Apresentação........................................................................................................................... 3
Rosa Helena Mendonça
Introdução............................................................................................................................... 4
Lívia Fraga Vieira
Texto 1 - A profissão docente na Educação Infantil . ............................................................... 8
Dalila Andrade Oliveira
Texto 2 - O perfil das professoras e educadoras da Educação Infantil no Brasil..................... 16
Lívia Maria Fraga Vieira
Texto 3: Professoras da Educação Infantil: formação, identidade e profissionalização..........28
Isabel de Oliveira e Silva
Apresentação
Docência na Educação Infantil
A publicação Salto para o Futuro comple-
A edição 10 de 2013 traz como tema Docên-
menta as edições televisivas do programa
cia na Educação Infantil e conta com a con-
de mesmo nome da TV Escola (MEC). Este
sultoria de Lívia Fraga Vieira, professora da
aspecto não significa, no entanto, uma sim-
graduação e pós-graduação da Faculdade de
ples dependência entre as duas versões. Ao
Educação da Universidade Federal de Minas
contrário, os leitores e os telespectadores
Gerais - UFMG.
– professores e gestores da Educação Básica, em sua maioria, além de estudantes de
Os textos que integram essa publicação são:
cursos de formação de professores, de Faculdades de Pedagogia e de diferentes licenciaturas – poderão perceber que existe uma
1. A profissão docente na Educação Infantil
interlocução entre textos e programas, preservadas as especificidades dessas formas
distintas de apresentar e debater temáticas
2. O perfil das professoras e educadoras
da Educação Infantil no Brasil
variadas no campo da educação. Na página
eletrônica do programa, encontrarão ainda
3. Professoras da Educação Infantil: for-
outras funcionalidades que compõem uma
mação, identidade e profissionaliza-
rede de conhecimentos e significados que se
ção
efetiva nos diversos usos desses recursos nas
escolas e nas instituições de formação. Os
Boa Leitura!
textos que integram cada edição temática,
além de constituírem material de pesquisa e
estudo para professores, servem também de
base para a produção dos programas.
1
Supervisora Pedagógica do programa Salto para o Futuro (TV Escola/MEC).
Rosa Helena Mendonça1
3
Docência na Educação Infantil
INTRODUÇÃO
Lívia Fraga Vieira 1
A estruturação da força de trabalho na Edu-
dos serviços voltados para as crianças pe-
cação Infantil reflete a estruturação histó-
quenas, baseado em precárias condições de
rica dos serviços voltados para o cuidado e
trabalho e precário profissionalismo (VIEI-
a educação da criança pequena, os quais se
RA, 1999; ROSEMBERG, 1999; 2002).
relacionam com as tradições e as inovações
socioculturais e com os modelos de orga-
Em estudo comparado entre os 30 países2
nização das políticas sociais. Tais modelos
vinculados à Organização para a Cooperação
estabelecem relação com as concepções do
e o Desenvolvimento Econômicos - OCDE,
papel do Estado, da família e da sociedade na
Peter Moss (2006) mostrou que os modelos
provisão de serviços de atenção à infância,
de organização dos serviços e do trabalho,
no âmbito das políticas educacionais e as-
a sua dependência administrativa e as suas
sistenciais. Assim é que o entendimento da
origens históricas acarretam implicações
docência na Educação Infantil requer uma
em relação à formação, aos salários, às con-
abordagem histórica das políticas de aten-
dições de trabalho e ao status profissional
dimento e das legislações concernentes. No
dos trabalhadores envolvidos. O autor ar-
Brasil, as políticas que visaram à expansão
gumenta que a formação dos trabalhadores
da oferta de creches e pré-escolas iniciadas
e a estrutura da força de trabalho na área
no final dos anos 1970, articuladas com as
não estão separadas dos entendimentos,
mudanças sociodemográficas das famílias,
das concepções sobre o trabalho e sobre os
com a crescente inserção das mulheres no
trabalhadores que se ocupam diretamente
mercado de trabalho e com as demandas so-
do cuidado e educação nas instituições de
ciais por atendimento, conformaram deter-
Educação Infantil. Em última instância, isso
minado padrão dominante de organização
também não está separado das concepções
1
Professora da graduação e pós-graduação da Faculdade de Educação da UFMG. Consultora da edição
temática.
2
Austrália, Áustria, Bélgica (comunidade flamenga), Brasil, Bulgária, Coreia, Dinamarca, Eslovênia, Espanha,
Estônia, Hungria, Islândia, Irlanda, Itália, Lituânia, Malásia, Malta, México, Noruega, Polônia, Portugal, República
Eslovaca, Turquia.
4
sobre a pequena infância e sobre as próprias
Colaboram para isso os processos e origens
instituições de Educação Infantil, onde o tra-
históricas das instituições de Educação In-
balho exercido se aproxima do trabalho no
fantil, o legado das políticas de assistência
âmbito privado do domicílio familiar.
social e de educação, a composição nos municípios de instituições públicas e privadas
A descentralização da gestão das políticas
(organizações comunitárias, filantrópicas
educativas no Brasil, por meio da munici-
etc.), a presença, em muitas redes, de uma
palização, enseja enorme diversidade na or-
estrutura dual na composição do corpo do-
ganização dos sistemas e redes municipais
cente – professores pertencentes à carreira
de ensino. Os diferentes arranjos das polí-
do magistério e auxiliares de sala vinculados
ticas municipais observados evidenciam a
aos chamados quadros da carreira civil –,
existência de uma multiplicidade de profis-
além da diversidade de terminologias e de-
sionais com status e formação/qualificação
nominações dos grupos e profissionais que
diferenciados, bem como variadas moda-
atuam na Educação Infantil (VIEIRA & SILVA,
lidades de relações de emprego e trabalho.
2009).
No setor público municipal, é possível verificar a criação de novos postos de trabalho
Estudos baseados em estatísticas produzidas
fora da carreira do magistério público, com
por órgãos oficiais também mostraram que,
salários menores e menores oportunidades
no contexto da educação básica, é na Educa-
de progressão pelas características da carrei-
ção Infantil que estão concentradas as maio-
ra pública (VIEIRA e SOUZA, 2010).
res proporções dos docentes que recebem
os salários mais baixos e os que praticam as
De forma mais acentuada que nas demais
mais extensas jornadas de trabalho sema-
etapas da educação básica, a Educação In-
nais na unidade educacional (BRASIL, 2007;
fantil constitui-se como um locus por exce-
GATTI & BARRETO, 2009; VIEIRA & SOUZA,
lência de diversidade de formas de compo-
2010; OLIVEIRA & VIEIRA, 2010; VIEIRA & OLI-
sição e organização do trabalho docente.
VEIRA, 2011).
TEXTOS DA EDIÇÃO TEMÁTICA DOCÊNCIA NA EDUCAÇÃO INFANTIL3
Esta edição temática tem por objetivo discutir aspectos históricos da constituição do campo profissional da Educação Infantil no Brasil: creches, escolas maternais e jardins de infância; políticas de
3
Os textos desta publicação eletrônica são referenciais para o desenvolvimento dos assuntos abordados na
edição temática Docência na Educação Infantil, com veiculação no programa Salto para o Futuro/TV Escola nos dias
10 e 12 de junho de 2013.
5
assistência social; políticas de educação; legislação e políticas públicas: o dever do Estado, o direito
da criança e o município; os profissionais da Educação Infantil no Brasil: heterogeneidade e desigualdades, perfil sociodemográfico, formação inicial e continuada, ingresso, carreira, remuneração,
emprego e condições de trabalho, participação e organização dos sujeitos; as especificidades da docência na Educação Infantil; características do trabalho docente: cuidar e educar; condição docente
e identidades; principais tensões no campo educacional e perspectivas.
TEXTO 1: A PROFISSÃO DOCENTE NA EDUCAÇÃO INFANTIL
No primeiro texto da edição temática, são apresentados e discutidos os desafios que se colocam para o atendimento à Educação Infantil que deve ser ofertada em creches e pré-escolas,
em especial no que se refere à definição de qual é o profissional que atuará nesta etapa da
educação, qual deve ser a sua formação e em que condições ele deverá trabalhar.
TEXTO 2: O PERFIL DAS PROFESSORAS E EDUCADORAS DA EDUCAÇÃO
INFANTIL NO BRASIL
O segundo texto da edição temática apresenta o perfil e alguns aspectos das condições de trabalho dos sujeitos docentes na Educação Infantil no Brasil, baseados em informações do Censo
Escolar de 2011 e na pesquisa Trabalho Docente na Educação Básica no Brasil – TDEBB.
TEXTO 3: PROFESSORAS DA EDUCAÇÃO INFANTIL: FORMAÇÃO,
IDENTIDADE E PROFISSIONALIZAÇÃO
O terceiro texto da edição temática analisa a formação profissional e a construção das identidades dos professores e professoras da Educação Infantil, que devem ser elementos centrais
das políticas e práticas em Educação Infantil.
REFERÊNCIAS
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Educação e do Desporto. SEF/DPE/COEDI. Por
BRASIL. INEP. Sinopse Estatística do Professor
da Educação Básica. Brasília, 2009. Disponível
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6
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fantil: formação e construção de identida-
GATTI, B. A. (coord.); BARRETO, E. S. Profes-
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SOUZA, Ângelo R.; GOUVEIA, Andréa B.;
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SOUZA, Gizele. Os professores da Educação
MOSS, Peter. Structures, understandings and
discourses: possibilities for re-envisioning
Infantil no Brasil: perfil e demandas. Anais
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the early childhood worker. Contemporary
TARDIF, M. e LESSARD, C. O trabalho docen-
issues in early childhood, v. 7, n. 1, 2006.
te: elementos para uma teoria da docência
OLIVEIRA, Dalila A.; VIEIRA, Lívia M. F. Trabalho docente na educação básica no Brasil.
como profissão. 3ª ed. Petrópolis/RJ: Vozes,
2007.
Belo Horizonte: GESTRADO/UFMG, 2010. 80
VIEIRA, Lívia M. F.; OLIVEIRA, Dalila A. Os su-
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jeitos docentes da educação infantil no Brasil:
<http://www.trabalhodocente.net.br>
formação, carreira e condições de trabalho.
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educação infantil pública em Belo Horizonte.
Belo Horizonte: GESTRADO/UFMG, 2011. 30
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Dissertação (Mestrado). Belo Horizonte: Fa-
VIEIRA, Lívia Fraga e SOUZA, Gizele de. Tra-
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balho e emprego na educação infantil no
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Pesquisa, São Paulo, n. 107, p. 7-40, jul. 1999.
Brasil: segmentações e desigualdades. Educar em Revista. Curitiba/PR, n. especial, p.
119-139, 2010.
7
TEXTO 1
A profissão docente na Educação Infantil
Dalila Andrade Oliveira1
A Educação Infantil, compreendendo o aten-
ção Infantil, abrangendo o atendimento em
dimento às crianças de 0 a 5 anos em cre-
creches e pré-escolas, foi incluída ao siste-
ches e pré-escolas, como parte constitutiva
ma escolar como primeira etapa da Educa-
da educação básica, tem se tornado, cada
ção Básica. Tal inclusão representou uma
vez mais, um desafio a ser enfrentado pelo
mudança radical na compreensão do atendi-
Estado como um todo e pelos gestores mu-
mento à infância, que passou a ser caracteri-
nicipais, especialmente. Com as alterações
zado como educacional, devendo, portanto,
recentes sofridas pela Constituição Federal
seguir as diretrizes e normas da educação.
no seu artigo 208, resultantes da nova re-
Essa mesma Lei estabeleceu o prazo de três
dação dada pela Emenda Constitucional n.
anos, a partir de sua publicação, para que
59/2009, a educação ofertada em creches e
as creches e pré-escolas se integrassem ao
pré-escolas teve sua inclusão entre os deve-
sistema de ensino.
res do Estado, estabelecendo a obrigatoriedade escolar entre 4 e 17 anos. A partir dessa
Dez anos depois, a Emenda Constitucional
mudança, novos desafios se colocam para o
nº 53/2006 e sua consequente regulamenta-
atendimento a essa etapa da educação bási-
ção, por meio da Lei nº 11.494/2007, amplia-
ca, de responsabilidade primeira dos muni-
ram para todas as etapas da Educação Básica
cípios, considerando a ampliação do direito
a sistemática de financiamento, antes restri-
à educação da infância. Dentre esses, a de-
ta ao Ensino Fundamental, criando o Fundo
finição de qual é o profissional que atuará
de Manutenção e Desenvolvimento da Edu-
na Educação Infantil e em que condições ele
cação Básica e de Valorização dos Profissio-
deverá trabalhar e como deve ser formado.
nais da Educação (FUNDEB), que passou a
contemplar essa etapa da educação básica,
Desde a Lei de Diretrizes e Bases da Educa-
portanto, garantindo o financiamento da
ção Nacional (Lei nº 9.394/96) que a Educa-
educação de 0 a 5 anos.
1
Professora do Programa de Pós-Graduação e da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas
Gerais. Coordenadora da Rede Latino-americana de Estudos Sobre Trabalho Docente (RedEstrado). Presidente da
Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação – ANPEd. Pesquisadora do CNPq e da FAPEMIG
(PPM).
8
A ampliação desse direito tem resultado em
pa da educação básica. Contudo, são muitas
maior atenção das políticas educacionais à
as imprecisões que persistem na Educação
Educação Infantil, fato recente na história
Infantil, sob as quais residem desigualdades
do país. Concebida como assistência por
e injustiças que precisam ser corrigidas.
longo período, a Educação Infantil se desenvolveu de forma periférica ao sistema
Recentemente, a Câmara de Educação Bási-
escolar, como lugar de guarda, ou mesmo
ca do Conselho Nacional de Educação ela-
relegada à informalidade, à filantropia, ao
borou o Parecer nº 17/2012, com a finalida-
voluntariado e a arranjos domésticos. Essa
de de “orientar os sistemas de ensino e as
experiência marcou profundamente esta
instituições de Educação Infantil quanto aos
etapa da educação básica, imprimindo de-
aspectos fundamentais para a organização
terminadas identidades a esse trabalho que,
e funcionamento dessa etapa educacional,
ainda hoje, mais de 15 anos depois de essa
entre os quais se destacam: a carga horá-
etapa ser incluída no sistema educacional,
ria, a jornada de atendimento, a organiza-
ainda persistem. A Educação Infantil sofre
ção e enturmação, o material pedagógico, a
de indefinição em relação a importantes
avaliação e a formação dos profissionais da
aspectos de sua organização, de seus obje-
Educação Infantil” (Brasil, 2012).
9
tivos e de suas funções. O debate é complexo, envolvendo concepções de infância e de
É afirmado, no referido parecer: “Alguns sis-
educação que permitem pensar esta etapa
temas de ensino defendem que na creche
da educação básica para além do arremedo
podem trabalhar profissionais não docentes
da forma escolar clássica, do currículo disci-
coordenando os grupos infantis – auxiliares
plinar e da educação como ensino e apren-
de desenvolvimento infantil, técnicos em
dizagem.
desenvolvimento infantil, recreacionistas,
monitores, pajens e outras denominações –,
Muitas têm sido as iniciativas nessa direção.
dado que a função desses profissionais não
As Diretrizes Curriculares Nacionais para a
seria a de ensinar para crianças, mas a de
Educação Infantil e as Diretrizes Curricula-
socializá-las, garantir seu bem-estar”.
res Nacionais Gerais para a Educação Básica
são exemplos de esforços no sentido de se
A pesquisa Trabalho Docente na Educação
definirem os objetivos e a função desta eta-
Básica no Brasil realizou um survey2 entre
2
Pesquisa “Trabalho Docente na Educação Básica no Brasil”, que contou com apoio do Ministério da
Educação – MEC, em projeto institucional de cooperação técnica com a Secretaria de Educação Básica – SEB. O
trabalho foi realizado em conjunto com oito grupos de pesquisa dos sete estados pesquisados, a saber: GESTRADO/
UFMG, GESTRADO/UFPA, GETEPE/UFRN, NEDESC/UFG, NEPE/UFES, NUPE/UFPR, GEDUC/UEM-PR, GEPETO/UFSC.
os anos 2009 e 2010, em sete estados bra-
no conjunto do magistério público, em que
sileiros, sendo eles: Minas Gerais, Espírito
já não são satisfatórias no geral.
Santo, Goiás, Paraná, Santa Catarina, Pará e
Rio Grande do Norte, em que pela primei-
A partir de 8.795 entrevistas com docentes
ra vez se buscou realizar um estudo sobre
em unidades educacionais nos sete men-
a docência na educação básica, compreen-
cionados estados brasileiros, utilizando-se
dendo suas três etapas. Foram considera-
de um questionário com 85 questões e que
dos sujeitos docentes, nessa pesquisa, os
contém 319 variáveis, foi traçado o perfil so-
trabalhadores que realizam atividades que
cioeconômico e cultural dos docentes em
se relacionam diretamente com o processo
exercício na Educação Básica no Brasil. Bus-
de ensino, sendo compreendidos aí os pro-
cou-se conhecer a divisão técnica do traba-
fessores e outros profissionais que exercem
lho nas unidades educacionais, a emergên-
atividade de docência. Por meio desta pes-
cia de postos, cargos e funções derivados de
quisa, buscou-se conhecer uma diversidade
novas exigências e atribuições, bem como
de sujeitos que atuam na educação básica,
as atividades desenvolvidas pelos docentes.
realizando a docência, e que muitas vezes
Procurou-se, ainda, conhecer as condições
não aparecem nas estatísticas educacionais,
de trabalho dos docentes: os meios físicos,
nos planos de cargos e carreira e nas polí-
os equipamentos disponíveis, os recursos
ticas públicas educacionais. Foi encontrada,
pedagógicos, entre outros fatores que inter-
sobretudo na Educação Infantil, uma varia-
ferem diretamente na realização do traba-
da lista de nomenclaturas para designar o
lho docente. Foram coletadas informações
profissional que atua na educação das crian-
sobre a formação inicial e continuada dos
ças pequenas.
docentes, o acesso à literatura específica
das áreas de atuação, às tecnologias e a ou-
O objetivo da pesquisa foi analisar o traba-
tros bens culturais para o desenvolvimento
lho docente nas suas dimensões constituti-
de seu trabalho. As formas de contratação,
vas, identificando seus atores, o que fazem e
as condições salariais e de carreira nas dife-
em que condições é realizado o trabalho nas
rentes redes de ensino foram também obje-
instituições de Educação Básica de redes pú-
to de investigação.
blicas municipais e estaduais e, no caso da
Educação Infantil, em instituições convenia-
Os dados do survey informam que os piores
das com o poder público. Os resultados do
vínculos empregatícios (contratos vulnerá-
survey referentes às condições de realização
veis, falta de estabilidade), os mais baixos
da docência na Educação Infantil permitem
salários e as mais precárias condições de
considerá-las como bastante preocupantes
trabalho encontram-se na Educação Infan-
10
til. Além disso, é também na Educação In-
a finalidade de discriminar as categorias de
fantil que se observa o maior percentual de
trabalhadores que devem ser considerados
profissionais que não detêm habilitação em
profissionais da educação, modifica o referi-
nível superior. Merece destaque, ainda, a
do artigo, estabelecendo:
observação de que tais condições são ainda
menos favoráveis nas instituições educacio-
Art. 1o: O art. 61 da Lei no 9.394, de 20 de
nais conveniadas.
dezembro de 1996, passa a vigorar com a
seguinte redação:
OS DESAFIOS PARA A
PROFISSIONALIZAÇÃO DA
DOCÊNCIA NA EDUCAÇÃO
INFANTIL
Esses dados de realidade evidenciam alguns
desafios presentes para o exercício da docência na Educação Infantil em creches e
pré-escolas públicas ou conveniadas pelo
Art. 61: Consideram-se profissionais da
educação escolar básica os que, nela estando em efetivo exercício e tendo sido
formados em cursos reconhecidos, são:
I – professores habilitados em nível médio ou superior para a docência na educação infantil e nos ensinos fundamental e médio (BRASIL, 2009).
11
poder público que necessitam ser urgentemente enfrentados para que o direito à
Dessa forma, a legislação brasileira passou a
educação de qualidade seja efetivado. A já
considerar que, para atuar na educação bá-
referida Emenda Constitucional n. 53, que
sica, incluindo aí a educação infantil como
incluiu a Educação Infantil como um direi-
sua primeira etapa, pode-se obter formação
to, inserindo-a como etapa da educação bá-
em nível médio, sendo dispensável a forma-
sica com financiamento pelo Fundeb, o que
ção superior. Essa medida reforça o que tem
podemos considerar um avanço, por outro
sido a prática de muitos gestores munici-
lado, resultou em mudanças, no que se refe-
pais: a de optarem por contratarem profis-
re aos profissionais da educação básica, que
sionais de formação de nível médio, com sa-
pouco contribuem na direção de maior pro-
lários inferiores aos que são pleiteados pelos
fissionalização.
profissionais de nível superior. Essa prática
assenta-se, em geral, na justificativa de que
O artigo 61 da LDB no 9.394/96, que na sua
para cuidar de criança pequena não é neces-
primeira redação estabelecia a exigência de
sária a formação de nível superior, contri-
formação em nível superior para atuação
buindo para uma ideia de que a Educação
docente na educação básica, sofreu altera-
Infantil pode ser exercida de forma amado-
ção a partir da Lei no 12.014/2009 que, com
ra, por qualquer pessoa que se disponha a
fazê-lo, sem a necessidade de uma prepara-
ção Infantil e, mesmo na Educação Infantil,
ção específica. Em última instância, não pre-
entre os que trabalham em creches e os que
cisa ser profissional para atuar na educação
atuam na pré-escola.
da infância.
Esta questão nuclear na discussão da proSe a discussão sobre a profissionalização do-
fissão docente, que se refere aos aspectos
cente já é complexa quando se refere à edu-
relativos à identidade desses profissionais,
cação escolar propriamente dita, mais ainda
aparece com maior evidência na Educação
se torna quando se trata da Educação Infan-
Infantil e tem relação com a concepção de
til. É que a noção de profissionalização apli-
infância e de educação vigentes. A identida-
cada à educação sempre foi ambígua, o uso
de docente tem sido amplamente discutida
do termo profissionalização na educação
na atualidade, em razão das mudanças ocor-
sempre esteve vinculado ao quadro concei-
ridas na educação a partir das últimas déca-
tual da sociologia americana das profissões,
das do século XX. São muitos os estudos que
onde a profissionalização supõe não somen-
tratam desse tema em distintas realidades2.
te a prática do ofício em tempo pleno, mas
No Brasil, são muitos os fatores que têm le-
também um estatuto legal que reconhece a
vado à discussão de uma identidade docen-
qualificação dos seus membros como uma
te engendrada pelos recentes processos de
formação específica e a existência de asso-
reforma educacional que trouxeram a des-
ciações profissionais (Savoie, 2009).
centralização administrativa, pedagógica e
financeira para o âmbito escolar. A ênfase
O que constitui o grupo ou corpo profissio-
no trabalho coletivo, a instituição legal da
nal é justamente o sentimento de perten-
gestão democrática nas escolas públicas e a
cimento comum, que começa mesmo an-
flexibilidade curricular foram fatores que re-
tes do ingresso no local de trabalho, já no
sultaram em maior autonomia docente, ao
processo de formação, sendo então a pro-
mesmo tempo em que têm levado à intensi-
fissionalização dependente da formação.
ficação do trabalho e maior responsabiliza-
Esse sentimento de pertencimento comum
ção pelo sucesso e fracasso escolar (Oliveira,
encontra alguns obstáculos no domínio da
2004; Assunção e Oliveira, 2009).
educação, por exemplo, a fisionomia dos docentes do Ensino Médio é bastante distinta
Contudo, é a partir da inclusão da Educação
daquela dos que atuam nos anos iniciais do
Infantil definitivamente como uma etapa da
Ensino Fundamental e mais ainda na Educa-
educação básica, compreendendo inclusive
3
Arroyo (1985); Apple (1995); Costa (1995); Hypolito (1997); Hargreaves (1998); Nóvoa (2000); Contreras (2002);
Tardif e Lessard (2004); Tenti Fanfani (2007), entre outros.
12
as creches, ou seja, a educação das crianças
que, na realidade, apresenta complexidades
de 0 a 3 anos, que a questão da identidade
muitas vezes ignoradas. Conhecer as distin-
docente passa a ser uma discussão de pri-
ções entre esses profissionais, seus saberes
meira ordem e que conduz à luta por maior
e fazeres, seus vínculos e sentimentos de
profissionalização. Tal medida obriga a que
pertencimento institucional, as exigências
se pense o profissional da educação básica
que lhes são postas, as responsabilidades e
em um contexto mais complexo de ativida-
os constrangimentos aos quais estão expos-
des, responsabilidades e competências, que
tos são condições essenciais para se pensar
envolvem desde o cuidado e a atenção no
a adequação curricular da formação, que
processo educativo presentes na Educação
deverá promover a porta de entrada para o
Infantil até a fragmentação da grade disci-
exercício docente. Porém, a formação não
plinar própria do Ensino Médio. O contraste
entre essas duas pontas da educação básica
é tão grande que dificulta pensar a possibilidade de um grupo
homogêneo que possa
constituir-se um corpo
é suficiente para defi-
A formação dos
profissionais que
atuam na Educação
Infantil apresenta-se
como o mais urgente e
polêmico dos desafios a
serem enfrentados.
nir a profissionalização
docente, é necessário
considerar outros fatores que interferem na
identidade profissional
dos que atuam na educação básica.
profissional. Tais difi-
A formação dos profis-
culdades refletem-se na
sionais que atuam na
definição dos currícu-
Educação Infantil apre-
los e diretrizes para a formação de profes-
senta-se como o mais urgente e polêmico
sores. Contudo, se a formação é compreen-
dos desafios a serem enfrentados. As espe-
dida como base do processo constitutivo da
cificidades da Educação Infantil, envolvendo
profissionalização, é necessário considerar
no processo educativo o cuidado e a aten-
esses aspectos na redefinição dos cursos e
ção, conforme já mencionado, acrescidas
projetos de formação docente.
ainda à informalidade e aos arranjos presentes nos processos de trabalho nas creches e
Os desafios para a formação inicial docen-
pré-escolas, fruto do descaso de séculos com
te para atuar na educação básica são mui-
que essa etapa da educação conviveu, obri-
tos e exigentes, o que requer discutir pro-
gam a revisão dos padrões usuais de forma-
fundamente e reconhecer as identidades
ção docente, que têm na figura tradicional
presentes nesse suposto grupo homogêneo
do professor que ministra uma disciplina,
13
com seus conteúdos distribuídos em aulas
trução histórica, que varia com o contexto
de 50 minutos, o modelo de profissional a
socioeconômico e cultural ao qual está sub-
ser perseguido.
metida. Definir os tipos de formação e especialização, de carreira e de remuneração
Como afirma o Parecer nº 17/2012: “Igual-
para um determinado grupo social que vem
mente as instituições incumbidas da forma-
crescendo e consolidando-se, com a entra-
ção inicial e continuada dos professores de
da da Educação Infantil como uma etapa da
Educação Infantil devem rever os currículos
educação básica e um direito conquistado,
dos cursos de preparação para o magistério,
é uma tarefa presente da qual não podemos
para atender aos requisitos colocados pelo
fugir.
ordenamento legal e pela concepção técnica que tem se consolidado a partir de pesquisas sobre o desenvolvimento e a aprendi-
REFERÊNCIAS
zagem de bebês e crianças menores de seis
anos em ambientes de educação coletiva”
(Brasil, 2012).
ASSUNÇÃO, A. A. & OLIVEIRA, D. A. Intensificação do trabalho e saúde dos professores.
Revista Educação & Sociedade, Campinas, CE-
É necessário enfrentar as resistências e conceber a atuação docente distinta da tradicional grade de disciplinas, romper com a
ideia de que para cuidar das crianças pequenas não é necessário ter formação específi-
DES/UNICAMP, v. 30, n.107, maio/ago. 2009.
APPLE, M. W. Trabalho docente e textos: economia política das relações de classe e de
gênero em educação. Porto Alegre: Artes
Médicas, 1995.
ca, sendo algo natural da gênese feminina o
cuidado e a atenção. Não é sem razão que
ARROYO, M. Mestre, educador e trabalhador:
a feminização do magistério é muito mais
organização do trabalho e profissionaliza-
presente na Educação Infantil e que, à me-
ção. Belo Horizonte: FAE/UFMG, 1985. (Tese,
dida que se avança na educação básica, au-
concurso de professor titular).
menta a presença do sexo masculino entre
os profissionais, ou seja, os homens estão
mais presentes na segunda fase do Ensino
Fundamental e no Ensino Médio como professores.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. 18. ed., atualizada e ampliada.
São Paulo: Saraiva, 2012.
BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional. Lei nº 9.394 de 20 dez.1996.
A profissionalização do magistério pode ser
compreendida como um processo de cons-
BRASIL. Lei nº 12.014 de 20 de agosto de 2009.
14
BRASIL. CNE. Parecer nº 17. Junho, 2012.
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15
Texto 2
O perfil das professoras e educadoras da Educação Infantil no Brasil
Lívia Maria Fraga Vieira1
Para o melhor entendimento sobre os desa-
Social, que existiu até 1995. Impulsionados
fios da formação e do trabalho docente na
pelos movimentos sociais por creches que
Educação Infantil, é necessário considerar a
emergiam nos centros urbanos, no contexto
história mais recente da expansão da oferta
das lutas pelas liberdades democráticas em
dessas instituições e seu processo de inte-
um Brasil que ainda vivia sob a égide de um
gração no sistema educacional.
regime político autoritário, esses programas
tinham o propósito de atender às crianças
De modo geral, a expansão da Educação
dos meios populares, cujo acesso à Educa-
Infantil no Brasil, ocorrida a partir do final
ção Infantil era extremamente deficitário.
dos anos 1970, acompanhou as tendências
Ao lado da atuação tradicional das Secreta-
dos grandes municípios brasileiros no pe-
rias de Educação, esses novos programas fo-
ríodo. Ao lado das classes pré-escolares e
ram implantados em espaços improvisados,
de alguns jardins de infância que se mul-
emprestados de igrejas, de obras sociais, de
tiplicaram ao longo da década de 1960 sob
clubes esportivos, ou alugados, e em cre-
responsabilidade das Secretarias de Estado
ches comunitárias. As mulheres que se ocu-
da Educação (Vieira, 2010), outras modali-
pavam da educação dessas crianças quase
dades de oferta de pré-escolas foram sendo
sempre não possuíam formação pedagógi-
criadas a partir de meados dos anos 1970,
ca, e no caso das creches/pré-escolas comu-
por meio de programas apoiados pelo Mi-
nitárias, conveniadas com a LBA ou outros
nistério da Educação1 e pela antiga Legião
órgãos públicos da assistência social das di-
Brasileira de Assistência Social – LBA, órgão
ferentes esferas federativas, apresentavam
do Ministério da Previdência e Assistência
baixa escolaridade, de ensino fundamental
1
Professora da graduação e pós-graduação da Faculdade de Educação da UFMG. Consultora da edição
temática.
2
Criado em 1981, o Programa Nacional de Educação Pré-Escolar, do Ministério da Educação, contou com
a atuação decisiva do antigo Movimento Brasileiro de Alfabetização, o MOBRAL, para a implantação de classes
pré-escolares em parceria com as prefeituras municipais, nas quais trabalhavam as “monitoras”, professoras ou
estagiárias, sem vínculos formais de trabalho.
16
completo ou incompleto. Eram chamadas
vamos um processo de profissionalização
de “monitoras”, “pajens”, “crecheiras”. Os
da Educação Infantil, exigência das socie-
vínculos de trabalho eram precários, prati-
dades contemporâneas, pois cada vez mais
camente inexistentes, e a remuneração era
temos a presença de crianças pequenas que
incerta. Essa realidade foi estudada nas in-
são cuidadas e educadas em espaços não do-
vestigações que começavam a surgir nos pro-
mésticos e que precisam contar com adul-
gramas de pós-graduação na década de 1980,
tos especializados, o que condiciona novos
sobretudo da região do Sudeste brasileiro, e
modos de socialização da infância, trazidos
em alguns estudos empreendidos no âmbito
pelas mudanças na organização das famílias
de algumas administrações municipais.
e nas próprias concepções da criança, como
sujeito de direitos (Dandurand, 1994; Mollo-
A partir de meados da década de 19903,
Bouvier, 2005).
acentua-se o processo de municipalização
da educação pré-escolar, cuja oferta era
Esse campo de trabalho – educar e cuidar de
principalmente organizada pelas Secretarias
crianças pequenas em instituições educa-
de Estado de Educação. Observou-se, desde
cionais coletivas fora do espaço doméstico
então, o crescimento das pré-escolas a car-
– apresenta algumas características que de-
go dos municípios, sendo que a presença
vem ser consideradas no processo de cons-
do atendimento às crianças de 0 a 3 anos
trução da profissão docente na área:
predominava nas creches conveniadas com
o poder público das diferentes instâncias fe-
• é um campo de trabalho de mulheres, onde
derativas. Contávamos, nesse período, com
mais recentemente começamos a observar
informações muito frágeis sobre o perfil, a
a presença de alguns homens ocupando
formação e as condições de trabalho das
funções de professores ou educadores. No
professoras e outros sujeitos que se ocupa-
Brasil, 97% das funções docentes que atu-
vam diretamente da gestão das unidades e
am nessa etapa do ensino são exercidas
da educação das crianças, seja na oferta pú-
por mulheres (Brasil, INEP, 2011). Na cre-
blica, seja na privada.
che, são 98%, e na pré-escola 96%. Já na
educação básica, a presença de mulheres
O quadro histórico brevemente descrito
responde pelo percentual de 81%.
vem sofrendo modificações relevantes nas
duas últimas décadas, com avanços que se
refletem na legislação educacional. Obser-
3
• sofre a influência de fatores econômicoculturais da divisão sexual do trabalho
Na região Nordeste esse processo se inicia nos anos 1980.
17
na esfera pública e privada, que tendem
atuais, que carrega consigo as característi-
a “naturalizar” o trabalho no contexto da
cas sociais e as desigualdades da inserção
Educação Infantil, sobretudo nas creches,
feminina nas atividades econômicas (Brus-
e a emprestar-lhe menor valor no merca-
chini, 2007).
do de empregos, pois a criação, o cuidado e a educação das crianças é histórica e
A legislação brasileira sobre a educação na-
culturalmente tarefa de mulheres, ligada
cional estabeleceu elementos que definem
à reprodução da vida;
algumas características do/a trabalhador/a e
do trabalho na área, que deveriam ser aten-
• alimenta-se do conhecimento e dos discursos relativos à socialização, à educação e ao desenvolvimento infantil que evidenciam, por um lado, a complexidade da
formação requerida e do trabalho na área
e, por outro lado, conflitam com o senso
comum da naturalização, cuja adoção é
conveniente para empregadores públicos
e privados, no sentido de baratear o custo
didas. Ao definir que os docentes na educação básica devem ter formação superior em
cursos de licenciatura, sendo que a formação mínima para os que atuam na Educação
Infantil e nos anos iniciais do Ensino Fundamental é a de nível médio, na modalidade
Normal (art. 62, LDB, 1996), ensejou a interpretação de que o profissional da Educação
Infantil é o docente, o professor.
do trab alho.
Temos que considerar, igualmente, o papel
das instituições de formação de professores/
as, bem como da pesquisa e dos movimentos sociais na construção das identidades
profissionais e na difusão de conhecimentos
sistematizados sobre o cuidado e a educação de crianças pequenas nas instituições
educacionais. A organização social e sindical das trabalhadoras na área é também
elemento que condiciona a construção da
profissão docente na Educação Infantil.
Tais elementos, brevemente citados, concorrem para engendrar um perfil da docência na Educação Infantil brasileira nos dias
A Constituição Federal, ao reconhecer a
autonomia dos municípios para organizar
sistemas próprios de ensino, e ao definir
a prioridade municipal para com a oferta
de Educação Infantil e Ensino Fundamental, instaurou a necessidade de atuação de
Conselhos Municipais de Educação na regulamentação da oferta pública e privada de
Educação Infantil, ao lado dos Conselhos
Estaduais, em consonância com a legislação nacional e as diretrizes normativas do
Conselho Nacional. Com isso, algumas condições e critérios de atendimento foram estabelecidos, visando ao bem-estar das crianças, das famílias e dos profissionais, sob o
18
impulso de parâmetros e indicadores de
de 2011, produzido pelo Instituto de Estu-
qualidade, de padrões mínimos da educação
dos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixei-
básica, bem como de diretrizes curriculares
ra – INEP, do Ministério da Educação, e em
emanadas do Governo Federal (Brasil, PNE,
informações da pesquisa Trabalho Docente
2001; Brasil/MEC, 1995, 2006 e 2009; Brasil/
na Educação Básica no Brasil - TDEBB4 (2010),
CNE, 2009a, 2009b e 2010).
coordenada pelo Grupo de Estudos sobre
Política Educacional e Trabalho Docente -
Mesmo com tais definições, que resulta-
GESTRADO/UFMG.
ram de embates e negociações, envolvendo
governos, conselhos de educação, o Mi-
Um estudo divulgado recentemente sobre
nistério Público, movimentos sociais, or-
professores no Brasil (Gatti e Barreto, 2009)
ganismos internacionais e especialistas, a
mostrou que, no âmbito da educação bási-
realidade nos mostra que estamos diante
ca, a Educação Infantil concentra os profes-
de muitos desafios para a valorização pro-
sores mais jovens, mulheres, não brancas e
fissional na área.
com menor escolaridade. A pesquisa TDEBB
(2010) e as informações sobre professores do
A oferta de Educação Infantil cresceu signi-
INEP (2011) evidenciaram, também, que nes-
ficativamente nos últimos 20 anos no Brasil,
sa etapa da educação básica concentram-se
configurando um locus de trabalho em ex-
as maiores frequências dos que trabalham
pansão, a cargo, principalmente, das secre-
em uma única unidade educacional e que
tarias municipais de educação. O Censo Es-
cumprem mais longas jornadas de trabalho
colar de 2011 informou o total de 6.980.052
diárias em uma mesma unidade. É nela que
matrículas, sendo 2.298.707 em creches
são encontradas as maiores frequências dos
(63,6% municipais) e 4.681.345 em pré-esco-
que auferem remuneração mais baixa, na
las (74,6% municipais).
faixa de 1 a 2 salários mínimos mensais, em
relação aos docentes das outras etapas da
O perfil e alguns aspectos das condições de
educação básica, cruzando-se as variáveis:
trabalho dos sujeitos docentes na Educação
formação, vínculo de trabalho e jornada se-
Infantil no Brasil são apresentados a seguir,
manal.
baseados em informações do Censo Escolar
4
Na amostra de 35 municípios de sete estados brasileiros – Espírito Santo, Goiás, Minas Gerais, Pará, Paraná,
Rio Grande do Norte e Santa Catarina – foram entrevistados, nos meses de setembro, outubro e novembro de 2009,
8.795 sujeitos docentes, sendo 1.838 da educação infantil: 1.544 das redes municipais, 283 das unidades educacionais
conveniadas, 11 da rede estadual. Aos sujeitos docentes foi solicitado que respondessem às perguntas sempre em
referência à unidade educacional em que foram entrevistados, caso trabalhassem em mais de uma unidade.
19
O INEP informou a presença de 408.739 pessoas
docentes e, desse total, 20% encontravam-
ocupando funções docentes5 em creches e pré-
se na Educação Infantil: creches com 163.148
escolas brasileiras em 2011, nas instituições de
funções docentes e pré-escolas com 265.000.
ensino públicas e privadas – particulares, filantrópicas, comunitárias e confessionais.
Na Tabela 1, podemos visualizar a distribuição percentual das funções docentes na
As redes pú­blicas e privadas de educação
Educação Infantil, de acordo com algumas
básica no Brasil somaram 2.045.350 funções
variáveis.
Tabela 1 - Funções docentes na educação básica e na Educação Infantil (creche e pré-escola)
no Brasil e respectiva distribuição percentual segundo sexo, idade, raça/cor e formação, 2011.
20
Fonte: INEP, Sinopse estatística da educação básica, 2011.
*O percentual se refere ao total dos que possuem curso superior.
5
Não estão incluídos os auxiliares de Educação Infantil. O Censo Escolar 2010 apresentou três categorias de função
docente: regência de classe (docente), apoio à Educação Infantil (auxiliar) e responsabilidade por desenvolver atividades
complementares (monitor/a). As/os auxiliares correspondem a 28% do corpo docente da Educação Infantil, sendo 45% da
creche e 13% da pré-escola. Apresentam uma distribuição etária semelhante à das/os docentes, mas concentram um maior
número nas faixas de idade menores: 20% das/os auxiliares têm até 24 anos. Cor/raça é uma característica que exige um
tratamento diferenciado, pois a comparação entre funções é distorcida pelo alto número de ‘não declaração’, todavia,
constatamos que 47% se declararam brancas, 22%, pardas e 25% não declararam. Quase metade (45%) das/os auxiliares
possui apenas o Ensino Médio regular e 31% têm a formação em Ensino Médio Normal/magistério. 13% têm formação
em curso superior, sendo que metade (50%) não é formada na área educacional voltada para as crianças pequenas. Em
instituições de Educação Infantil privadas, são 27% do corpo docente, enquanto que nas instituições municipais são 29%.
Nas comunitárias, confessionais e filantrópicas, o percentual de auxiliares fica em torno dos 35%, percentual maior do que
o das particulares (23%). Nas unidades da zona urbana, formam 30% do conjunto de sujeitos docentes, enquanto que, nas
unidades da zona rural, formam apenas 11%.
Veja-se, conforme a Tabela 1, que em rela-
ra, temos ainda no Brasil percentual elevado
ção à educação básica, na Educação Infan-
de professoras leigas (24%), realidade que
til e, sobretudo, nas creches, temos maior
exige políticas corretivas.
presença de professorado mais jovem, o que
pode indicar também que são profissionais
em início de carreira: 58% com as idades
que variam de 24 a 40 anos.
Mas a formação na Educação Infantil apresentou importantes avanços, quando comparada à situação encontrada dez anos antes. Em 2001, de acordo com o Censo Escolar,
Embora não sejam significativas as dife-
apenas 12,7% das profissionais que atuavam
renças em relação à raça/cor, encontramos
nas creches e 24,7% em pré-escolas possu-
maiores frequências de pessoas que se de-
íam formação superior. Havia percentual
claram pretas/pardas na Educação Infantil,
expressivo nas creches, 18%, com formação
sobretudo na pré-escola. É alto o percentual
em nível de Ensino Fundamental completo
dos que não declararam raça/cor.
ou incompleto.
Quanto à formação, na creche encontramos
Em relação à formação continuada, chama
menor frequência de respondentes com en-
atenção o baixo percentual de respondentes
sino superior (56%), menos 3% em relação
que realizaram algum curso específico para
às respondentes da pré-escola.
trabalhar em creches ou pré-escolas. O Censo Escolar de 2011 solicitou que o/a respon-
É preocupante notar que do percentual
dente informasse somente a realização de
que possui formação superior na Educação
cursos específicos com carga horária míni-
Infantil (57%), 15% possui curso superior
ma de 40 horas.
sem licenciatura. Destaca-se também, nas
creches, a presença significativa (9%) de
As informações coletadas na pesquisa TDE-
profissionais que possuem apenas a forma-
BB agregam outras dimensões que nos per-
ção inicial de nível médio, sem formação
mitem, de forma inédita, conhecer melhor
pedagógica em Magistério, e mais 2% com
o perfil dos sujeitos docentes na Educação
apenas Ensino Fundamental. Isto indica a
Infantil no Brasil, como também comparar
necessidade de que os municípios não recru-
situações de trabalho em creches/pré-esco-
tem, por meio de concursos ou contratos,
las municipais e conveniadas com o poder
pessoas sem formação pedagógica, descum-
público, revelando um quadro de importan-
prindo assim a legislação educacional con-
tes disparidades.
cernente. No cômputo da Educação Infantil,
somando-se a situação das profissionais que
Dos respondentes da Educação Infantil que
possuem formação superior sem licenciatu-
participaram desta pesquisa, em 2009, 98%
21
são mulheres, com idade média de 38 anos.
Ressalte-se que entre todas as respondentes
Metade delas (51%) se considera branca. A
com formação em pós-graduação, mais de
maioria (52%) é casada e 69% possuem fi-
90% realizaram curso de especialização,
lhos, sendo que, entre estas, 44% têm 2
pós-graduação lato sensu, o que se deu pre-
filhos. A média da renda familiar informa-
dominantemente em instituições de ensino
da foi de R$ 2.178,00, sendo que 35% de-
superior privadas. Em relação à formação
clararam ter como renda familiar de 2 a 4
superior inicial, 61% frequentaram institui-
salários mínimos. Nesse período, o salário
ções de ensino particulares.
mínino tinha o valor de R$ 465,00. Entre as
respondentes, 37% declararam ser o princi-
O percentual ainda elevado de docentes na
Educação Infantil que
pal provedor da renda familiar.
Em relação à escolaridade, observam-se
diferenças
acentua-
das entre as docentes
que atuam em instituições de Educação
Infantil conveniadas
com o poder público
municipal e aquelas
O percentual ainda elevado
de docentes na Educação
Infantil que não possuem
formação superior reforça
as desigualdades nas
situações de trabalho
e emprego, pois a
formação agrega valor à
remuneração.
não possuem formação superior reforça
as desigualdades nas
situações de trabalho
e emprego, pois a formação agrega valor à
remuneração.
Os dados da pesquisa
TDEBB demonstram
também
diferenças
expressivas entre as
que trabalham em
instituições públicas municipais. Nessas úl-
condições de trabalho e emprego na rede
timas estão as docentes com níveis de es-
pública municipal e conveniada. Registra-
colaridade mais elevados. Na rede munici-
se, na rede municipal, percentual de 66%
pal, 57% dos sujeitos docentes das creches e
de respondentes que fazem parte do regime
70% da pré-escola possuem curso superior.
estatutário e que ingressaram no trabalho
Em ambas as modalidades, 36% informaram
por meio de concurso público. Nas conve-
ter feito algum curso de pós-graduação. Na
niadas, prevalece o vínculo celetista, como
rede conveniada, o percentual de docentes
mostrado na Tabela 2, onde se visualiza si-
com formação superior é significativamen-
tuação dos docentes conforme vínculo tra-
te menor: 32% e 47%, respectivamente. Nes-
balhista. Observa-se, também, percentual
sa rede, apenas 15% das professoras da pré-
significativo de temporários atuando na
escola possuem curso de pós-graduação.
Educação Infantil.
22
Tabela 2 – Percentual de tipo de vínculo empregatício ou contrato de trabalho dos sujeitos docentes da Educação Infantil, municipal e conveniada, 2009
Tipo de vínculo ou
contrato de trabalho
É preocupante o fato de 50% das pessoas
As condições de trabalho na Educação In-
que trabalham nas redes municipais afirma-
fantil parecem gerar problemas de saúde,
rem não estar contempladas em um plano
pois quase um terço (27%) das respondentes
de cargos e salários, e não pertencer a uma
declararam ter-se afastado das atividades
carreira profissional pública.
docentes por motivo de licença médica nos
últimos 24 meses. Entre os motivos para tal
No que tange à jornada de trabalho, verifi-
destacam-se o estresse (9%) e depressão, an-
ca-se que a maioria das docentes que traba-
siedade e nervosismo (13%).
lham na rede conveniada, 93% em creches
e 89% em pré-escolas, atua em apenas uma
Não é sem razão que, ao serem inquiridas
unidade educacional. Isso se explica em fun-
sobre “o que seria importante para melho-
ção da carga horária semanal de trabalho
rar o trabalho docente”, são três as respos-
mais frequentemente informada, compre-
tas que sobressaíram. Em primeiro lugar,
endida entre 30 e 40 horas. Para essa carga
com a maior frequência, foi a de “receber
horária, o rendimento bruto mensal das res-
melhor remuneração”, tal como os respon-
pondentes é de 1 a 2 salários mínimos (R$
dentes das outras etapas da educação básica
465,01 a R$ 930,00, no período da pesquisa).
participantes da pesquisa TDEBB. Em segui-
Na rede municipal, um número significati-
da, destacam-se “receber mais capacitação
vo de docentes afirma trabalhar em mais
para as atividades que exerce” e “diminuir o
de uma instituição, 21% em creches e 38%
número de alunos/crianças por turma”. Tais
em pré-escolas. A carga horária semanal in-
respostas denotam que a formação inicial é
formada, relativa à unidade educacional em
insuficiente ou inadequada para o trabalho,
que foram entrevistadas, foi de 20 a 25 horas
sobretudo em creches, onde se observou
e o salário mensal referente de até 2 salários
maior frequência dessa resposta. E sugerem
mínimos.
o desejo de vir a desenvolver um trabalho de
23
melhor qualidade com as crianças, em gru-
tamente do cuidado e educação nas insti-
pos menores, o que permitiria uma atenção
tuições de Educação Infantil. Sendo majori-
mais individualizada e melhores condições
tariamente trabalhadoras, as hierarquias de
de trabalho. Tais respostas indicam forte de-
gênero presentes no mercado de trabalho,
manda por formação continuada.
bem como as características e objetivos do
trabalho na Educação Infantil, são elemen-
Um aspecto a ser considerado na constitui-
tos na constituição da posição e do status
ção da profissão e da identidade docente
profissional na área. Nesse sentido, concor-
na Educação Infantil é a participação nas
damos com Emílio Tenti Fanfani (2011), para
associações sindicais. Apurou-se que 38%
quem a profissão docente é uma construção
das respondentes são filiadas a sindicatos,
histórica, depende da sociedade, das con-
e dentre estas 20% afirmaram participar ati-
cepções vigentes sobre a escola e o trabalho
vamente das reuniões, movimentos e even-
docente, do protagonismo dos trabalhado-
tos promovidos pela entidade sindical. A fi-
res da educação.
liação sindical é diferenciada se se trata de
creches/pré-escola conveniada, municipal
No Brasil, nós observamos que existem situ-
ou particular. Vieira e Souza (2010), a par-
ações diversificadas e desiguais de trabalho
tir de pesquisa realizada em Belo Horizonte,
e emprego, em redes municipais e privadas
mostraram que as docentes da rede muni-
de Educação Infantil. As situações são tam-
cipal se reportam ao Sindicato de Trabalha-
bém desiguais se se trata da creche ou da
dores da Educação; na rede conveniada, a
pré-escola. O surgimento de novos sujeitos
relação é com o sindicato que reúne cate-
e de novos cargos/funções, em razão, sobre-
gorias de trabalhadores que atuam na área
tudo, da inserção de crianças de 0 a 3 anos
da assistência social, sendo que os da rede
nas creches, nos sistemas de ensino, contri-
particular se relacionam com sindicato pró-
buem para um quadro de fragmentação, o
prio de professores.
que reitera a precarização e desigualdades.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
As informações da pesquisa TDEBB relativas
ao cargo/função ocupado na unidade educa-
Moss (2006) argumenta que a formação
cional ilustram essa fragmentação. Os car-
das trabalhadoras e a estrutura da força de
gos e funções mais frequentes se referiram
trabalho não estão separadas dos entendi-
a educador infantil e professor, conforme a
mentos, das concepções sobre o trabalho e
Tabela 3.
sobre as trabalhadoras que se ocupam dire-
24
Tabela 3 – Percentual de sujeitos docentes em relação ao cargo/função que ocupam nas creches e pré-escolas, municipais e conveniadas, 2009.
Outros cargos/funções foram citados, tais
tia de uma educação de qualidade, na qual
como: assistente de Educação Infantil, auxi-
deve ser considerada a existência de infra-
liar, babá, cuidador.
estrutura adequada, de proposta pedagógica de acordo com as Diretrizes Curriculares
Estamos, portanto, diante de uma realida-
Nacionais para a Educação Infantil, com a
de fortemente segmentada em relação aos
presença de profissional docente tendo for-
cargos e funções existentes, em relação à
mação inicial e oportunidades de formação
remuneração, às carreiras, aos vínculos tra-
continuada. E na qual a remuneração deve
balhistas e condições de trabalho.
ser o piso nacional salarial profissional (BRASIL, 2008), no âmbito da carreira do magisté-
Por outro lado, deve-se compreender que o
rio público (BRASIL/CNE, 2009b).
campo profissional é dinâmico e nele se assistem a mudanças significativas relativas à
formação dos sujeitos docentes, à organização dos trabalhadores na área, à construção
de novas identidades docentes, em busca de
reconhecimento e valorização.
Diante de políticas municipais que insistem
na criação de novas/os “profissionais” como
as/os auxiliares de Educação Infantil, por
exemplo, recrutados e/ou concursados sem
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que se deve insistir na concepção constitu-
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cional da Educação Infantil, que inclui não
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Regulamenta a alínea “e” do inciso III do ca-
8, de 5 de maio de 2010. Estabelece normas
put do art. 60 do Ato das Disposições Cons-
para a aplicação do inciso IX do artigo 4º da
titucionais Transitórias, para instituir o piso
Lei nº 9.394/96 (LDB), que trata dos padrões
salarial profissional nacional para os profis-
mínimos de qualidade de ensino para a Edu-
sionais do magistério público da educação
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27
Texto 3
Professoras
da
Educação Infantil:
formação,
identidade e profissionalização
Isabel de Oliveira e Silva 1
A implementação das políticas públicas para
assegurar a Educação Infantil em creches
e pré-escolas para a maioria das crianças
O DEBATE SOBRE A
PROFISSIONALIZAÇÃO NA ÁREA
DA EDUCAÇÃO INFANTIL
constitui-se ainda em desafio para toda a
sociedade. No enfrentamento deste desafio,
Os estudos sobre a Educação Infantil, mais
tanto no que se refere às políticas quanto
especificamente aqueles que tratam dos
às práticas dos professores e professoras,
(as) profissionais que atuam ou que virão
as pesquisas têm sido importantes, contri-
a atuar nessa etapa da educação básica,
buindo para um maior entendimento dos
têm ressaltado a especificidade do traba-
diversos aspectos relacionados ao tema.
lho com crianças de zero até seis anos de
Dentre os aspectos mais relevantes para a
idade em instituições educativas. Enfatiza-
implementação de políticas que incorporem
se a necessidade de construir um projeto
os avanços dos conhecimentos científicos
produzidos sobre a criança, a infância e a
Educação Infantil no Brasil e no mundo, está
a questão da formação dos professores(as)
para esta etapa da educação básica. É por
isto que procuraremos refletir a respeito da
formação e identidade profissionais na Educação Infantil, consideradas elementos fundamentais para o desenvolvimento de uma
educação de qualidade.
educativo, entendido como um conjunto de
ações, situações e experiências com e para
as crianças pequenas, que favoreça o seu
desenvolvimento global e sua participação
na cultura. Assim, a brincadeira, a exploração do mundo à sua volta, a interação com
adultos e crianças em um ambiente seguro
e aconchegante configuram um complexo
espaço/lugar-tempo de experiências e relações a serem coordenadas pela professora
ou professor (OLIVEIRA, 1995). Os estudos da
1
Doutora em Educação e professora da Universidade Federal de Minas Gerais.
28
área vêm perseguindo uma maior compre-
etária em instituições educacionais devem
ensão da natureza das ações de cuidado e
seguir um eixo que articule cuidado e edu-
educação de crianças pequenas em institui-
cação como práticas integradas na atuação
ções educacionais, de seus objetivos e das
dos (as) professores (as) e nas experiências
formas de organização e funcionamento
das crianças, onde se enfatizam as intera-
que melhor atendam aos interesses e ne-
ções e as brincadeiras (Brasil, 2009).
cessidades das crianças e de suas famílias.
A definição do(a) professor(a) como o(a)
Tem-se buscado superar a separação que,
profissional adequado(a) para atuar com
historicamente, marcou o atendimento à
bebês e crianças pequenas é uma etapa
criança pequena no Brasil entre, por um
importante no processo de constituição da
lado, a creche, concebida como espaço de
identidade da Educação Infantil, mas não é
cuidados, e, por outro, a pré-escola, vista
suficiente. É preciso dar conteúdo ao que se
como espaço de educação e de preparação
entende por professor ou professora de bebês
para o Ensino Fundamental. Especialmente
e crianças pequenas. As referências a esse
no trabalho com os bebês e crianças até os
respeito estão em construção e estão base-
3 anos de idade e nas instituições de aten-
adas na ideia de que esse trabalho é uma
dimento em período integral, identificava-
atividade educacional. No entanto, o aten-
se a predominância da ideia de que a cre-
dimento à faixa etária de 0 a 3 anos e em
che e suas profissionais exerciam a função
período integral ainda é associado, dentro
de substitutas da família e da mãe. Em boa
e fora dos círculos educacionais, à dimen-
parte dos casos, as pessoas responsáveis
são de assistência, embora, em geral, se
pelas crianças nas creches e também em
reconheça o caráter educativo das relações
pré-escolas não contavam com formação
entre os adultos e as crianças em qualquer
profissional adequada para a função que de-
situação ou contexto.
veriam exercer: cuidar e educar crianças em
espaços coletivos (HADDAD, 1991).
A literatura da área e os instrumentos normativos (BRASIL, 2009) são claros quanto
Os estudos e pesquisas sobre a criança de 0
à necessidade de não haver separação en-
até os 6 anos de idade e sobre a Educação
tre cuidado e educação, mesmo que, ainda
Infantil têm procurado demonstrar a impor-
hoje, permaneçam representações e práti-
tância de se considerar esse período da vida
cas que tratam de forma segmentada essas
como um tempo de vivências e de desen-
ações. Em algumas creches e pré-escolas
volvimento contínuo. Assim, as propostas
encontram-se ainda práticas que atribuem
de atendimento para as crianças dessa faixa
à professora ou professor a função de pla-
29
nejamento e desenvolvimento das ativida-
No processo de constituição da área da Edu-
des pedagógicas e a outro(a) profissional
cação Infantil como um segmento da edu-
– os auxiliares –, na maioria dos casos sem
cação básica, tem-se procurado construir
formação como professor(a), os cuidados fí-
outras referências que indicam a comple-
sicos, como banho e troca de fraldas, dentre
xidade das ações de cuidado onde quer que
outros.
elas aconteçam, na medida em que o desenvolvimento físico, cognitivo, afetivo, social e
Outra forma de tratar separadamente essas
cultural das crianças é percebido como um
dimensões do atendimento às crianças pe-
processo único, marcado por diferentes di-
quenas é a existência, ainda atualmente, de
mensões que acontecem no interior das re-
instituições que não construíram propostas
lações entre os adultos e as crianças e entre
pedagógicas adequadas para as crianças pe-
as crianças. Nessa perspectiva, cuidado pas-
quenas, estruturando as rotinas das crian-
sa a ser considerado como a ajuda à criança
ças a partir das necessidades de cuidados
para que ela possa desenvolver-se como ser hu-
físicos, deixando de oportunizar a elas as
mano (MARANHÃO, 2000), integrando, por-
múltiplas experiências que podem favorecer
tanto, o conjunto de relações das quais as
seu desenvolvimento, bem-estar e vivência
crianças participam, sob a responsabilidade
plena do tempo de infância.
de adultos familiares ou profissionais.
Além disso, encontramos práticas de Educação Infantil – especialmente com as crianças
maiores, entre 4 e 5 anos – que se dedicam
a realizar atividades tidas como preparatórias para o Ensino Fundamental, constituin-
IDENTIDADES PROFISSIONAIS
E FORMAÇÃO DOS(AS)
PROFESSORES (AS) DA EDUCAÇÃO
INFANTIL
do-se, muitas vezes, de situações pouco ou
nada significativas para as crianças. Essas
práticas fundamentam-se em uma visão da
Educação Infantil e do trabalho do professor ou professora restritos às funções de
construção/transmissão de conhecimentos.
Além disso, evidenciam uma concepção de
criança que pouco a considera em seu momento atual, com suas necessidades e capacidades de participação e expressão.
No processo de construção do atendimento
às crianças desde os primeiros meses de vida
até os seis anos de idade como uma prática
educacional, constitui-se não apenas a identidade da própria instituição, mas também a
identidade da criança que a frequüenta e a
dos(as) adultos(as) que dela se ocupam nesse espaço (HADDAD, 1991; SILVA, 2004).
30
A formação profissional e a construção das
são alargada das funções da instituição de
identidades dos professores e professoras
Educação Infantil que compreenda o tempo
da Educação Infantil constituem-se em ele-
da infância como um tempo de participação
mentos centrais das políticas e práticas em
e de produção de cultura e as crianças como
Educação Infantil. Essa questão envolve tan-
capazes de se expressarem por meio de dife-
to a formação e a habilitação profissional
rentes linguagens.
quanto as condições de trabalho e a carreira
profissional nas redes de ensino que ofere-
As identidades profissionais, no en-
cem essa etapa da educação.
tanto, não se alteram de uma hora para
outra. Elas são construídas nas relações so-
Na medida em que
houve uma ampliação das matrículas e
que os debates e os
estudos sobre a Educação Infantil foram
se aprofundando, a
integração entre as
funções de cuidar e
educar consolidouse, no plano teórico
e legal, como o eixo
sobre o qual a prá-
ciais, em um proces-
Os contextos e as relações
dos quais os/as profissionais
da Educação Infantil
participam são dinâmicos
e sofrem transformações
decorrentes de mudanças
sociais, culturais, históricas
e também no plano das
normas que regem as
relações de trabalho.
so de identificação,
de diferenciação e
de reconhecimento
recíproco entre os
diversos segmentos
que atuam na área.
Nessa direção, sobretudo quando se
trata da identidade
coletiva – no caso,
a profissional – as
relações internas e
tica de professores
externas às institui-
e professoras deve
ções em que se tra-
estruturar-se. No entanto, sabemos que, em
balha exercem importante papel na cons-
geral, a profissão professor(a) estruturou-se
trução das formas pelas quais as pessoas
com maior ênfase nos aspectos cognitivos
concebem suas funções, se reconhecem e se
e de construção/transmissão de conheci-
valorizam. Por conseguinte, tais percepções
mentos para crianças a partir dos 7 anos de
se refletem também, em alguma medida, na
idade. Portanto, tem-se procurado pensar a
forma pela qual os (as) profissionais são vis-
formação de um novo perfil profissional que
tos (as) por outros grupos e indivíduos.
incorpore essas novas concepções sobre a
qualidade do atendimento à criança peque-
Assim, não se pode falar em identidades
na (CAMPOS, 1994). Ou seja, uma compreen-
prontas e acabadas. Os contextos e as rela-
31
ções dos quais os/as profissionais da Edu-
Educação Infantil em muito se assemelham
cação Infantil participam são dinâmicos e
àquelas desenvolvidas na família, tornando
sofrem transformações decorrentes de mu-
tênues os limites entre esses dois ambientes
danças sociais, culturais, históricas e tam-
(CERISARA, 1996; SILVA, 2004, 2007).
bém no plano das normas que regem as relações de trabalho. Além disso, os processos
No espaço coletivo, as relações entre pro-
de construção de identidades ocorrem em
fessoras (es) e crianças, embora fortemente
um universo marcado por relações de na-
marcadas por conteúdo afetivo e também
turezas distintas: as relações adulto-criança
orientadas por valores, não expressam rela-
na sociedade como um todo, as relações
ções de parentesco, mas constituem a prá-
adulto-criança na família, as relações adul-
tica profissional dos adultos que cuidam e
to-criança no contexto institucional, as rela-
educam crianças oriundas de diferentes
ções entre profissional da Educação Infantil
contextos familiares.
e as famílias/mães das crianças, as relações
entre profissional da Educação Infantil e
professores e professoras dos demais níveis
de ensino, bem como com o Poder Público.
O FAZER PROFISSIONAL NA
EDUCAÇÃO INFANTIL
O aprofundamento dos estudos sobre as
No desempenho de suas funções, as(os) profissionais que atuam com crianças muito
pequenas, especialmente com os bebês, mobilizam saberes e habilidades pessoais e profissionais para a realização de sua prática.
No entanto, ao longo de nossa história, tais
saberes e práticas não foram reconhecidos
especificidades da condição humana nos
primeiros anos de vida e também sobre a
complexidade das ações que envolvem o cuidado e educação das crianças em ambientes
coletivos indicam a necessidade de melhor
definição sobre o que caracteriza a prática
profissional na Educação Infantil.
como parte de uma prática profissional, o
que torna difícil a delimitação de uma iden-
Por um lado, ser professor ou professora da
tidade profissional. Como fatores que difi-
Educação Infantil significa estar ao lado do
cultam essa delimitação destaca-se o fato de
conjunto dos professores e professoras dos
ser recente na nossa cultura a ideia de que
nossos sistemas de ensino como categoria
é possível compartilhar com instituições
profissional única. Por outro, cada etapa da
educacionais a educação e os cuidados da
educação escolar exigirá de seus profissio-
criança dessa faixa de idade. Além disso, por
nais a mobilização de saberes, competências,
tratar-se de crianças ainda muito pequenas,
habilidades e disponibilidades específicas.
as atividades desenvolvidas na instituição de
As práticas profissionais caracterizam-se
32
pela articulação entre as finalidades sociais
oportunidade de autoconhecimento, seja
da etapa da educação a que se referem com
em relação ao próprio corpo, seja no que se
as necessidades e demandas dos sujeitos –
refere a suas preferências em termos estéti-
crianças, adolescentes ou adultos atendidos.
cos e de conforto e bem-estar. Essas ações
supõem que os professores e professoras
No caso da Educação Infantil, sua finalidade
é o compartilhamento do cuidado e da educação das crianças até os 6 anos de idade
com as famílias e a comunidade. Isso impli-
aprendam a melhor maneira de cuidar do
corpo da criança e, além disso, disponhamse pessoalmente a esse contato próximo e
delicado com bebês, meninos e meninas.
ca o desenvolvimento de ações fundamentadas em conhecimento aprofundado sobre a
Como forma privilegiada de as crianças cria-
criança e seu meio, sobre a sociedade, sobre
rem e participarem da cultura, bem como
o papel das interações entre adultos e crian-
de proporcionar um desenvolvimento so-
ças, entre as crianças e entre estas e o am-
cioafetivo saudável, a brincadeira integra as
biente natural e social, para o seu bem-estar,
experiências na Educação Infantil como um
desenvolvimento e participação na cultura.
eixo estruturante do trabalho de professores
A dimensão de cuidados físicos presentes na
prática com as crianças pequenas demandará dos professores e professoras o desenvolvimento de habilidades para lidar com o
corpo da criança, para assegurar a higiene,
o bem-estar, uma percepção positiva de si
mesma, além de condições adequadas para
a alimentação e a segurança. Com os bem
pequenos, isto implica em trocar fraldas,
dar banho quando este estiver previsto na
rotina da instituição, oferecer e criar condições para a alimentação saudável, cuidar do
espaço físico para que as crianças estejam
em segurança, dentre outros aspectos.
e professoras. É preciso conhecer os fundamentos históricos, psicológicos, sociais
e culturais do brincar e da brincadeira nas
diferentes culturas. Envolver-se nas brincadeiras com as crianças exige dos professores
e professoras uma disponibilidade para colocar-se em interação por meio dessa linguagem, que envolve o próprio corpo, a mobilização de energia e abertura para entrar na
referência das crianças. Como educador ou
educadora, compete a esse (a) profissional
organizar o espaço, o tempo e os recursos
para que a brincadeira aconteça no ambiente da instituição de Educação Infantil.
A realização de tais ações envolve uma in-
O cuidado e a educação das crianças peque-
tensa relação afetiva entre os adultos e as
nas envolvem também a ampliação das ex-
crianças. Nessas interações, professores e
periências e conhecimentos das crianças a
professoras devem proporcionar às crianças
respeito de si mesmas, do seu grupo social,
33
das possibilidades de explicação da realida-
lhem com instituições educacionais o cui-
de próxima e distante, o desenvolvimento do
dado e a educação das crianças desde bem
desejo de aprender, de conhecer, de indagar
pequenas. Ainda prevalece um imaginário
sobre o mundo, das capacidades de criação
de que somente a família e a mãe devem
e apreciação artísticas. Tudo isto envolve
ocupar-se dos cuidados e educação dos be-
conhecimentos gerais e específicos, habili-
bês e crianças nos primeiros anos de vida.
dades e disponibilidades para aprender tam-
Essa forma de entender os papéis dos pais
bém por parte dos professores e professoras
e, especialmente das mães, costuma gerar
ao longo de sua vida profissional.
conflitos internos à família e, não raro, desta em relação à instituição e às/aos profis-
Outro importante elemento da prática pro-
sionais da Educação Infantil.
fissional na Educação Infantil refere-se à
relação entre as instituições de Educação
É importante que os professores e professo-
Infantil e as famílias das crianças. No plano
ras sejam capazes de mediar essa passagem
legal e da produção teórica, não há dúvidas
da criança de uma vivência exclusiva no
sobre o reconhecimento de que a Educação
ambiente familiar, para um espaço coletivo.
Infantil é direito da criança e deve se orga-
Essa mediação deve ocupar-se tanto dos sig-
nizar como um atendimento educacional.
nificados dessa ampliação de experiências
Essa concepção, no entanto, não deixa de
para as crianças quanto para as famílias, es-
considerar o benefício que o atendimento
pecialmente as mães, que costumam sentir-
em creches significa para as famílias, espe-
se culpadas por não dedicarem atenção em
cialmente para as mães, que podem com-
tempo integral aos filhos e filhas pequenos.
partilhar o cuidado e educação dos filhos
Os professores e professoras que cotidiana-
pequenos com a instituição educacional
mente estarão em contato com as crianças
(CAMPOS et al., 1995). Esta observação é
e com seus responsáveis podem contribuir
importante porque é frequente a oposição
para que essa vivência torne-se um momen-
entre direito da criança e necessidades da
to positivo na vida da criança, o que inclui
família. As famílias – pais, mães e outros
ajudar seus responsáveis a construírem re-
responsáveis pelas crianças – fazem parte
ferências positivas a respeito da instituição
do universo de relações dos professores e
de Educação Infantil e das experiências que
professoras, na medida em que cada um(a)
as crianças vivenciarão nesse espaço.
assume responsabilidades específicas que
devem ser complementares.
Além disso, o cuidado e a educação crianças nos primeiros anos de vida envolvem
É recente em nossa cultura o entendimento
ações fortemente enraizadas nas práti-
de que é legítimo que as famílias comparti-
cas culturais das famílias – e também dos
34
professores e professoras – orientadas por
CAMPOS, M. M., ROSEMBERG, F. e FERREIRA,
valores que definem o que é melhor para a
I. M. Creches e pré-escolas no Brasil. São Pau-
criança, tanto em termos de cuidados físicos
lo: Cortez/Fundação Carlos Chagas, 1995 (2ª
quanto no que se refere aos comportamen-
edição).
tos, ao acesso a informações, dentre outros
aspectos. Essa diversidade de formas de agir
CERISARA, A. B. A construção da identidade
se fará presente no cotidiano da Educação
das profissionais da educação infantil: entre
Infantil. Reconhecer, respeitar as diferenças
o feminino e o profissional, São Paulo: USP/
e encontrar soluções compartilhadas com
Faculdade de Educação, 1996 (Tese de Dou-
as famílias fazem parte das atribuições dos
torado).
professores e das professoras que trabalham
com bebês e crianças pequenas.
HADDAD, L.. A creche em busca de identidade.
São Paulo: Loyola, 1991.
Finalmente, é importante destacar a disponibilidade requerida do(a) profissional da
MARANHÃO, D. G. O cuidado como elo entre
Educação Infantil em colocar-se nesse am-
saúde e educação. Cadernos de Pesquisa, São
biente também como sujeito de aprendiza-
Paulo, n. 111, dez. 2000.
35
gens. Cumpre desenvolver aguçado senso
de observação e capacidade de escuta das
OLIVEIRA, Z. M. R. (org.). Educação Infantil:
crianças, cujo conhecimento é condição sem
muitos olhares. São Paulo: Cortez, 1995.
a qual não será possível atender aos interesses, necessidades e capacidades dos bebês,
SILVA, I. O. Profissionais de creche no coração
dos meninos e das meninas que cotidiana-
da cidade: a luta pelo reconhecimento pro-
mente se encontram na instituição de Edu-
fissional em Belo Horizonte. Belo Horizonte:
cação Infantil.
Faculdade de Educação da UFMG, 2004 (Tese
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Anais da 30ª Reunião Anual da Anped, 2007.
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Presidência da República
Ministério da Educação
Secretaria de Educação Básica
TV ESCOLA/ SALTO PARA O FUTURO
Supervisão Pedagógica
Rosa Helena Mendonça
Acompanhamento pedagógico
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Coordenação de Utilização e Avaliação
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Junho 2013
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