ESCOLHA DE “ANOS- PADRÃO” PARA O ESTUDO DO CONFORTO TÉRMICO EM FORTALEZA, CE: VERIFICAÇÃO DE CRITÉRIOS. ESCOLHA DE “ANOS- PADRÃO” PARA O ESTUDO DO CONFORTO TÉRMICO EM FORTALEZA, CE: VERIFICAÇÃO DE CRITÉRIOS. Marcelo de Oliveira Moura Departamento de Geociências/UFPB [email protected] Maria Elisa Zanella Departamento de Geografia/UFC [email protected] CLIMATOLOGIA: APORTES TEÓRICOS, METODOLÓGICOS E TÉCNICOS. RESUMO O trabalho propõe verificar critérios de escolha de anos- padrão que melhor represente a habitualidade e excepcionalidade dos eventos de conforto e desconforto térmico em Fortaleza. A eleição de anospadrão é um procedimento necessário no emprego da técnica da análise rítmica, ferramenta metodológica de investigação dos tipos de tempo em sua sucessão habitual e extrema, condição que estabelece o ritmo climático, paradigma da climatologia geográfica proposto por Monteiro (1969, 1971). Três critérios de escolha de anos-padrão foram avaliados: 1) critério convencional, isto é, via avaliação da pluviosidade; 2) critério proposto por Funari (2006) que considera o comportamento da temperatura do ar e 3) critério proposto com base em valores gerados por um índice de conforto térmico (índice Te). A avaliação dos critérios revelou que a eleição de anos-padrão pode acontecer tanto pelo comportamento das chuvas como por meio das variações do índice Te. Já o critério de Funari (2006) só é válido para escolha do ano padrão habitual. Palavras - chave: Anos-Padrão, Conforto Térmico, Fortaleza. ABSTRACT The present study aims to verify criteria for selection of standard-years that better represent the habituality and exceptionality of thermal comfort and discomfort events in Fortaleza. Election of standard-years is a procedure required when rhythmic analysis technique is employed. This is a methodological tool used for the investigation of weather types in their habitual and extreme succession, condition that establishes the climatic rhythm, which is a geographical climatology paradigm proposed by Monteiro (1969, 1971).Three criteria for selecting standard-years were assessed: 1) conventional criterion, i.e. via for assessing pluviosity; 2) criterion proposed by Funari (2006) which considers the air temperature behavior; and 3) criterion proposed based on values created by a thermal comfort index (Te index).The evaluation of the criteria revealed that the election of standard-years may occur both by rain behavior and by Te-index variations.The Funari’s criterion (2006) has been only valid to select the habitual standard year. 547 REVISTA GEONORTE, Edição Especial 2, V.1, N.5, p.547 – 560, 2012 ESCOLHA DE “ANOS- PADRÃO” PARA O ESTUDO DO CONFORTO TÉRMICO EM FORTALEZA, CE: VERIFICAÇÃO DE CRITÉRIOS. Key-words: Standard-years, Thermal Comfort, Fortaleza. 1.INTRODUÇÃO A escolha de períodos padrão é um procedimento adotado no emprego da análise rítmica, técnica proposta por Monteiro (1969, 1971, 2000). A análise rítmica é o subsídio metodológico e técnico na investigação geográfica dos tipos de tempo em sua sucessão habitual e extrema, condição que configura o ritmo climático. A insatisfação no tratamento climatológico através dos métodos separativos da climatologia clássica fez Monteiro (1969, 1971, 1976) buscar no conceito de clima proposto por Sorre (1951) a noção de ritmo climático. Tal paradigma se define como “o encadeamento, sucessivo e contínuo, dos estados atmosféricos e suas articulações no sentido de retorno dos mesmos estados” (MONTEIRO, 1976: 30). Um roteiro de procedimentos a serem adotados na análise rítmica é ofertado por Monteiro (1969, 1971, 2000) e um deles inclui a escolha de períodos “padrão” (anual, estacional, mensal ou episódico), que expressem um quadro dinâmico das situações concretas, demonstrando a amplitude de ocorrência dos tipos de tempo habituais, ao lado daqueles afetados por irregularidades na circulação com capacidade de produzir situações adversas (excepcional). Considera-se que com o emprego da análise rítmica a gênese dos atributos climáticos formadores dos eventos de conforto/desconforto térmico em Fortaleza possa ser revelada, condição que permitirá estabelecer os padrões climáticos e sinóticos limitantes na produção dos mesmos. Além disso, o uso da técnica em associação com outros elementos de natureza socioambiental e epidemiológica (sobretudo aqueles ligados as enfermidades cardíacas e respiratórias) possibilitará as futuras pesquisas uma melhor compreensão dos eventos de desconforto térmico como fator de agravo ao estado de saúde- doença da população. Com o propósito de estudar o ritmo climático na perspectiva do conforto térmico em Fortaleza, sob o recorte anual, a presente pesquisa propõe verificar critérios de escolha de anos-padrão que melhor represente a habitualidade e excepcionalidade dos eventos de conforto e desconforto térmico. Após estabelecer essa meta, logo emergem os seguintes questionamentos: é possível escolher anos- padrão para o estudo rítmico do conforto térmico? Que variável climática empregar nessa eleição? A pluviosidade é a variável mais adequada para a escolha dos anos-padrão do conforto? Os questionamentos supracitados afloram por conta da grande parcela dos trabalhos empregarem a pluviosidade como único critério de avaliação para escolha dos anos-padrão. Tal escolha não poderia ser diferente, visto que, a pluviosidade foi uma das variáveis climáticas mais estudadas pela climatologia geográfica brasileira sob o enfoque do ritmo climático em diferentes abordagens investigativas, conforme demonstrou Zavattini (2004) em um inventário sobre o paradigma no Brasil. Assim, grande parte das pesquisas se utiliza de análises qualitativas e/ou quantitativas de precipitação como critério de escolha de períodos padrão anual. Apesar da escolha dos anos-padrão sempre ocorrer via precipitação trabalhos como de Gallego (1972) e Malagutti (1993) citados por Zavattini (2004) e a pesquisa de Funari (2006) utilizaram outras 548 REVISTA GEONORTE, Edição Especial 2, V.1, N.5, p.547 – 560, 2012 ESCOLHA DE “ANOS- PADRÃO” PARA O ESTUDO DO CONFORTO TÉRMICO EM FORTALEZA, CE: VERIFICAÇÃO DE CRITÉRIOS. variáveis climáticas para escolha de períodos padrão. Este último trabalho revelou a possibilidade de eleger anos-padrão por meio do comportamento da temperatura do ar. Nas seções seguintes ocorrerá a verificação de três critérios de escolha de “anos-padrão” para o estudo do conforto térmico. São eles: 1) critério convencional; 2) critério proposto por Funari (2006) e 3) critério proposto com base em valores gerados por um índice de conforto térmico. 2. ELEIÇÃO DOS ANOS-PADRÃO. 2.1 - Critério Convencional Neste trabalho denomina-se de critério convencional os procedimentos de escolha de períodos padrão (habituais e excepcionais) em escala anual, estacional, mensal ou episódica por meio do tratamento quantitativo e/ou qualitativo da pluviosidade. São muitos os trabalhos que se utilizaram desse critério no Brasil para o estudo do ritmo do clima em diferentes abordagens, entre eles cabe mencionar as obras de Monteiro (1969 e 2000), Sant’Anna Neto (1990), Souza (1998), Barros (2003), Sousa (2003), Baldo (2006), Zavattini (2009). A pouca expressão do gradiente térmico na cidade de Fortaleza em termos de amplitude anual quando comparado com a pluviosidade, fato explicado por sua posição latitudinal, justifica aplicar o critério de eleição de anos-padrão via precipitação. A consideração de Xavier (2001) reforça a justificativa: “[...] na nossa região o elemento climático mais importante é a pluviometria, porquanto as variações de temperatura, umidade, etc., ou são de menor monta ou, simplesmente, são moduladas pela chuva” (XAVIER, 2001:114). Para a eleição dos anos-padrão em Fortaleza foi considerado os totais anuais e sazonais da série pluviométrica 1966-2009 da Estação Meteorológica do Campus do PICI /UFC (03º 44’ LAT S e 38º 33’ LONG W; altitude: 19,5 m). Para o tratamento das variáveis seguiu-se as orientações técnicas de Sant’Anna Neto (1990), Souza (1998) e Silva et al (2005). Das etapas do tratamento: 1) coleta e tabulação dos dados pluviais em base anual e mensal, 2) cálculo dos totais anuais e sazonais e obtenção dos seus valores normais e 3) análise da variabilidade anual e sazonal da precipitação pela verificação da dispersão (desvio padrão e coeficiente de variação). Após o tratamento e a caracterização das variáveis pluviais iniciou-se a etapa de classificação e análise dos períodos estacionais padrão e dos anos-padrão. Foi tomado como referência para a classificação o parâmetro sugerido por Sant’Anna Neto (1990), o qual estabelece o uso do coeficiente de variação como critério de escolha dos anos-padrão. Do parâmetro proposto: • Ano Chuvoso: ano com pluviosidade elevada, com índices superiores a 25% da média normal; • Ano Tendente a Chuvoso: ano com pluviosidade ligeiramente elevada, próxima à média normal, com desvio entre +12,5% a 25%; • Ano Habitual: ano com pluviosidade normal, cujo total pluvial situa-se dentro dos desvios médios padrão, com variação de -12,5% a +12,5%; 549 REVISTA GEONORTE, Edição Especial 2, V.1, N.5, p.547 – 560, 2012 ESCOLHA DE “ANOS- PADRÃO” PARA O ESTUDO DO CONFORTO TÉRMICO EM FORTALEZA, CE: VERIFICAÇÃO DE CRITÉRIOS. • Ano Tendente a Seco: ano com pluviosidade ligeiramente reduzida, próxima à média normal, com desvio entre -25% a -12,5%; • Ano Seco: ano com pluviosidade reduzida, com índices inferiores a -25% da média normal. A figura 1 mostra a síntese da distribuição temporal dos desvios percentuais e identifica os períodos padrão da precipitação. Dessa maneira, os padrões da pluviosidade anual apresentam as seguintes características: • Ano Chuvoso: nessa categoria foram identificados nove anos (1971, 1973, 1974, 1985, 1986, 1994, 1995, 2003 e 2009) quantitativo que corresponde a 20,4% da série; • Ano Tendente a Chuvoso: é a categoria com menor participação de anos, com número de quatro (1967, 1977, 1984 e 2004) cuja representação equivale a 9,0% do total; • Ano Habitual: foram identificados doze anos com pluviosidade regular (1969, 1975, 1978, 1988, 1989, 1991, 1996, 2000, 2001, 2002, 2006 e 2008), esse valor representa 27,3% de participação da série; • Ano Tendente a Seco: sete anos apresentaram pluviosidade ligeiramente reduzida (1966, 1968, 1972, 1976, 1987, 1999 e 2007) esse quantitativo representa 16,0% do recorte temporal; • Ano Seco: se enquadra nessa categoria doze anos (1970, 1979, 1980, 1981, 1982, 1983, 1990, 1992, 1993, 1997, 1998 e 2005) montante esse equivalente a 27,3% da série. 550 REVISTA GEONORTE, Edição Especial 2, V.1, N.5, p.547 – 560, 2012 ESCOLHA DE “ANOS- PADRÃO” PARA O ESTUDO DO CONFORTO TÉRMICO EM FORTALEZA, CE: VERIFICAÇÃO DE CRITÉRIOS. Quanto à distribuição sazonal das categorias padrão da pluviosidade a figura 1 indica que o padrão Seco é o mais freqüente seguido do Chuvoso e Habitual. A seguir uma síntese das características da variabilidade dos padrões sazonais: • Verão: nesse período foi constatado que a categoria Habitual apresenta o maior número de eventos com quinze ocorrências representando 34% dos registros. Com onze eventos a categoria Seco representa 25% dos padrões seguido das categorias Chuvoso (dez eventos; 22,7%), Tendente a Chuvoso (cinco eventos; 11,4%) e Tendente a Seco ( três eventos; 6,8%); • Outono: da mesma forma que no verão os eventos indicam que a categoria Habitual é a maior em freqüência com treze episódios, o que corresponde a 29,5% dos registros. Esse mesmo quantitativo também é presente para o padrão Seco. O padrão Chuvoso aparece em seguida com doze eventos (27,3%), já as categorias Tendente a Chuvoso e Tendente a Seco exibem a mesma distribuição, ou seja, com três eventos equivalente a 6,8% dos registros. • Inverno: para essa realidade estacional o padrão Seco exibe a maior quantidade de eventos com um montante de vinte e dois episódios, o que representa 50% dos registros. Cabe destacar que esse número é o maior quantitativo entre os períodos sazonais. Assim como no outono o padrão Chuvoso aparece em seguida com quinze eventos (34%) sucedido do padrão Habitual (quatro eventos; 9,1%), Tendente a Seco (dois eventos; 4,5%) e Tendente a Chuvoso (um evento; 2,3%) • Primavera: A ordem dos padrões nessa estação é mesma encontrada para o período do inverno. Desse modo, o padrão Seco apresenta o maior número de eventos com dezenove registros, valor este equivalente a 43,2% dos episódios seguido do padrão Chuvoso (onze eventos; 25%), Habitual (seis eventos; 13,6%), Tendente a Seco (cinco eventos; 11,4%) e Tendente a Chuvoso (três eventos; 6,8%). Com base na distribuição e comportamento dos padrões da pluviosidade anual e estacional apontam-se três anos-padrão representativos da excepcionalidade e da regularidade pluvial em Fortaleza: • Ano padrão excepcionalmente chuvoso: 1985, ano com pluviosidade muito elevada (2900,1mm). Destaca-se que o padrão Chuvoso é presente para todas as sazonalidades do ano 1985. Os anos de 1973, 1974, 1986 e 2009 também poderiam ser representativos dessa tipologia, todavia, indicam um período sazonal sem a presença da categoria Chuvoso. • Ano padrão habitual: 2002, ano com pluviosidade próximo da média histórica (1734,9mm). A escolha do ano se justifica em função de ser o único da série a exibir somente uma categoria fora do Habitual para os recortes estacionais. • Ano padrão excepcionalmente seco: 1979, ano com pluviosidade muito reduzida (987,5mm) e que exibiu todos os padrões sazonais na categoria Seco. Outros anos, como 1980, 1983, 1992, 1993, 1998 e 2005 apresentam pluviosidade muito irregular e poderiam se enquadrar nessa classificação, porém, apresentam pelo menos um período estacional sem a categoria Seco. 551 REVISTA GEONORTE, Edição Especial 2, V.1, N.5, p.547 – 560, 2012 ESCOLHA DE “ANOS- PADRÃO” PARA O ESTUDO DO CONFORTO TÉRMICO EM FORTALEZA, CE: VERIFICAÇÃO DE CRITÉRIOS. 2.2 - Critério Funari. Busca-se neste item verificar um critério de escolha de anos-padrão via avaliação do comportamento da temperatura do ar. O critério a ser avaliado foi proposto por Funari (2006) e aplicado para a análise rítmica episódica (mensal e horária) do conforto térmico na cidade de São Paulo. A proposta emprega a escolha do ano padrão habitual por meio do valor estatístico bidimensional (coeficiente de correlação de Pearson e regressão simples) mais elevado de um ano de uma série temporal, quando comparado com a média normal de um determinado período. A partir dessas orientações foi eleita a série média mensal da temperatura do ar de 1966-2009 da Estação Meteorológica do Pici-UFC (03º 44’ LAT S e 38º 33’ LONG W; altitude: 19,5 m). Dos procedimentos: 1) coleta e tabulação da temperatura do ar em base mensal, 2) cálculo dos valores normais mensais e 3) cálculo do coeficiente de correlação de Pearson e de regressão simples para cada ano da série. A tabela 1 exibe as médias mensais e os coeficientes de correlação de Pearson e regressão simples para o período 1966-2009 e revela que o ano 1971 apresentou os maiores valores de tendência da série com R= 0,968 e R2 = 0,937. Tais atributos elegem 1971 como ano padrão habitual para o estudo rítmico do conforto térmico em Fortaleza. 552 REVISTA GEONORTE, Edição Especial 2, V.1, N.5, p.547 – 560, 2012 ESCOLHA DE “ANOS- PADRÃO” PARA O ESTUDO DO CONFORTO TÉRMICO EM FORTALEZA, CE: VERIFICAÇÃO DE CRITÉRIOS. Embora o critério aponte o ano de 1971 como habitual, acredita-se que outros anos da série poderiam se enquadrar na categoria de ano padrão habitual, visto que, apresentam valores de correlação e regressão bem próximos das médias mensais históricas. São eles com seus respectivos registros de tendência: 1977 (R= 0,952 e R2 = 0,907), 1982 (R= 0,940 e R2 = 0,884) 1994 (R= 0,937 e R2 = 0,878) e 2006 (R= 0,937 e R2 = 0,878). Apesar da legitimidade e do pioneirismo o critério de Funari (2006) deixa lacunas no que diz respeito à eleição dos anos- padrões excepcionais, uma vez que, só trata da escolha do ano-padrão habitual. Todavia, Funari (2006: 89) sugere, de modo implícito, a possibilidade de estabelecer anos extremos com seu critério. 553 REVISTA GEONORTE, Edição Especial 2, V.1, N.5, p.547 – 560, 2012 ESCOLHA DE “ANOS- PADRÃO” PARA O ESTUDO DO CONFORTO TÉRMICO EM FORTALEZA, CE: VERIFICAÇÃO DE CRITÉRIOS. Sobre a escolha dos anos-padrão extremos, supõe-se que a análise de correlação seja insuficiente para classificar um ano como extremamente quente ou frio, visto que, se trata de uma técnica de associação e relação entre duas variáveis (FONSECA, MARTINS & TOLEDO, 1982; TRIOLA, 1999; VIEIRA, 2012). Assim, não se pode indicar utilizando somente esse recurso que um ano que apresentou correlação muito baixa ou nula seja considerado excepcionalmente quente ou frio. O uso de medidas de dispersão (desvio padrão e coeficiente de variação) aplicadas à série dos valores médios mensais da temperatura do ar, talvez seja o meio mais adequado para o estabelecimento dos anos extremos, isso considerando a persistência e a magnitude dos desvios. Considera-se que o uso desses critérios possa servir de complemento à proposta de Funari (2006) na identificação de anos-padrão térmicos extremos. 2.3 - Critério proposto. A melhor forma de identificar anos representativos para o estudo rítmico de um elemento ou fenômeno/evento climático é por meio da análise de variação do próprio elemento, mesmo que esse seja derivado de outros atributos meteorológicos como é caso do conforto térmico. Nesse sentido, o presente item do trabalho sugere uma proposta de identificação de anos-padrão utilizando medidas de variabilidade e frequência de um índice. A escala de conforto térmico adotada na proposta se refere ao índice da Temperatura Efetiva (Te), também denominado de índice de desconforto ou índice de temperatura-umidade, é classificada como fisiológica e determina o alcance de zonas de conforto e desconforto térmico. Foi desenvolvida por Thom no final da década de 1950 (AYOADE, 2010: 65) sendo obtida pela equação: Te = 0,4 x (Td + Tw) +4,8 onde, Td e Tw são as temperaturas do bulbo seco e do bulbo úmido medidos em ºC, respectivamente. A faixa de conforto dessa escala está no intervalo de 18,9ºC e 25,6ºC, sendo que os valores abaixo de 18,9ºC e acima de 25,6ºC são considerados, de modo respectivo, faixas de estresse ao frio e ao calor. Apesar de estabelecida essa faixa de conforto, a pesquisa considerou a zona de Malhotra (AYOADE, 2010: 66), onde a Te varia de 21ºC a 26ºC, modificação essa aplicada na Índia. Muito embora o índice Te não considere variáveis importantes para a compreensão do conforto térmico da população como, variáveis de natureza pessoal (vestimenta e metabolismo) e psicológica (percepção e sensação térmica) acredita-se que o estudo temporal do índice numa associação contínua e simultânea com os atributos fundamentais do clima, da circulação atmosférica regional e com outras variáveis importantes para a compreensão do estado de saúde-doença da população como, condições de vulnerabilidade socioambiental e perfil epidemiológico de morbimortalidade das doenças do aparelho circulatório e respiratório possa indicar informações que auxiliem os serviços de saúde local e de modo geral ao planejamento urbano de Fortaleza. 554 REVISTA GEONORTE, Edição Especial 2, V.1, N.5, p.547 – 560, 2012 ESCOLHA DE “ANOS- PADRÃO” PARA O ESTUDO DO CONFORTO TÉRMICO EM FORTALEZA, CE: VERIFICAÇÃO DE CRITÉRIOS. Para aplicação do critério houve a necessidade da criação da série histórica do conforto térmico (índice Te) para Fortaleza1. Para esse fim foram utilizados os valores horários da temperatura do bulbo seco e úmido da série 1974-20092 da Estação Meteorológica do Campus do Pici-UFC (03º 44’ LAT S e 38º 33’ LONG W; altitude: 19,5 m) aplicados a equação do índice Te. Dos procedimentos e recursos utilizados na proposta: • Geração e tratamento dos valores mensais e anuais por meio de recursos da estatística descritiva: medidas de tendência central e de dispersão; • Uso dos valores anuais de dispersão percentual da série do índice Te; • Agrupamento dos desvios percentuais em intervalos de classes. O número de intervalo de classes foi obtido por meio da aplicação da equação sugerida por Vieira (2012): k = 1+3,3 [log ( )] onde, k é o número de classes e o número total de observações da série. Para a série em questão o valor de é igual a 36; • Determinação da freqüência do número de meses em que a média mensal do índice Te se apresentou acima do limite da zona de conforto, ou seja, inserida numa situação de desconforto com valor superior a 26,0ºC. A equação do número de classes revelou seis intervalos de agrupamento para a série de 19742009 onde foram ordenados em duas categorias: Zona de Conforto e Zona de Desconforto Térmico. Na Zona de Conforto Térmico estão inseridas as classes correspondentes aos anos que apresentaram desvios percentuais entre -2,5% a +1,5%, índices esses que marcam, respectivamente, o limite extremo negativo da série e o limite superior da zona de conforto. Na Zona de Desconforto Térmico se inserem as classes cujos desvios encontram-se entre +1,5% a > +2,5%, taxas essas que correspondem de modo respectivo, o limite inferior da zona de desconforto e o limite extremo positivo da série do índice Te. Abaixo a descrição dos intervalos de classes: Zona de Conforto Térmico: • Classe 1: ano com dispersão percentual negativa elevada, com índices entre -2,25% a -1,5% abaixo da média normal; 1 A série histórica 1974-2009 foi gerada no ambiente do Microsoft Excel 2010 (Microsoft Corporation) no formato de planilhas eletrônicas. A entrada dos valores horários padrões (9, 15 e 21 horas) da temperatura do bulbo seco e úmido no software e, por conseguinte a aplicação da equação do índice Te possibilitou a geração dos valores horários, diários, mensais, sazonais e anuais do índice. 2 O ano de implantação da Estação é 1966, no entanto os dados diários só foram disponibilizados a partir do ano de 1974, isso por conta da série diária 1966-1973 ter sido extraviada. Logo, a Estação só dispõe dos valores mensais para esse período. Apesar disso, a série 1974-2009 é completa e de boa qualidade, no sentido de não possuir falhas em seus registros. 555 REVISTA GEONORTE, Edição Especial 2, V.1, N.5, p.547 – 560, 2012 ESCOLHA DE “ANOS- PADRÃO” PARA O ESTUDO DO CONFORTO TÉRMICO EM FORTALEZA, CE: VERIFICAÇÃO DE CRITÉRIOS. • Classe 2: ano com dispersão percentual negativa moderada, com variação de -1,5% a -0,75%; • Classe 3: ano com desvios percentuais situados próximo da média normal do conforto, com índices entre -0,75% a +0,75%; • Classe 4: ano de limite superior da zona de conforto com dispersão percentual positiva entre +0,75% a +1,5%; Zona de Desconforto Térmico: • Classe 5: ano de limite inferior da zona de desconforto com desvio percentual positivo entre +1,5 % a +2,5%; • Classe 6: ano com desvio percentual positivo elevado, com índices superiores a +2,5% da média normal. A frequência de meses com médias mensais inseridas na zona de desconforto é também utilizada como critério na proposta de eleição de anos- padrão. Acredita-se que a inserção desse artifício complementa de forma qualitativa o critério quantitativo de variação percentual dos valores anuais do índice T.e. Com base nos parâmetros apresentados e considerando o agrupamento em intervalos de categorias e classes os anos da série do índice Te foram classificados. A classificação presente no quadro 1 mostra a distribuição dos anos em intervalos extremos e limiares da zona de conforto e permite visualizar quais são os anos representativos da habitualidade e excepcionalidade do índice Te em Fortaleza. No quadro 1 a classe 3, representativa do ano habitual do conforto térmico, agrupou o maior montante de anos da série (63,9%), seguido da classe 4 (19,4%) e 3 (11,1%). Todas essas classes estão inseridas na categoria da Zona de Conforto Térmico. Não houve registro de agrupamento para a classe de ano 5, classe que define o limite inferior da zona de desconforto, isso por que somente um ano da série apresentou média acima de 26,0ºC. Os anos de 1974 e 1998, são os únicos que se enquadraram nos parâmetros que definem as condições extremas para a série 1974-2009, dessa forma se elege 1974 como sendo o Ano Extremo do Conforto e 1998 como Ano Extremo de Desconforto Térmico. Como representativo do Ano Habitual se elege o ano de 2006, tal eleição se justifica pelo fato do ano de 2006 também se enquadrar nos limites padrões habituais dos critérios Convencional e de Funari (2006). 556 REVISTA GEONORTE, Edição Especial 2, V.1, N.5, p.547 – 560, 2012 ESCOLHA DE “ANOS- PADRÃO” PARA O ESTUDO DO CONFORTO TÉRMICO EM FORTALEZA, CE: VERIFICAÇÃO DE CRITÉRIOS. Quadro 1- Identificação dos anos-padrão da temperatura do conforto para Fortaleza. INTERVALOS Categoria Classe PARÂMETROS Dispersão Percentual (Ano) Nº meses com Quantitativos e identificação médias > 26ºC 1 Ano com dispersão Ano negativa elevada Ano sem 1 ano : 2,8% da série Extremo -2,25% a -1,5% registros de (1974) médias mensais Negativo Ano com dispersão 2 Zona Conforto Térmico CLASSIFICAÇÃO > 26ºC. negativa moderada 4 anos: 11,1% da série (1985, 1986, 1989, 1992) -1,5% a -0,75% Ano com dispersão Ano com 1 a 4 23 anos: 63,9% da série 3 próximo da média meses de médias (1975,1976,1977,1980,1981*,1982*19 Ano normal mensais 84,1988,1990,1991,1993,1994, Habitual -0,75% a +0,75% > 26ºC 1995,1997,1999,2000,2001,2002, 2003,2006,2007,2008,2009) Ano com dispersão 7 anos: 19,4% da série positiva 4 +0,75% a +1,5% (1978,1979,1983,1987,1996,2004 (limite superior da zona 2005). de conforto). Ano com 4 a 6 Zona Desconforto Térmico meses de médias Ano com dispersão mensais > 26ºC. positiva 5 +1,5 % a +2,5% Nenhum registro (limite inferior da zona de desconforto). 6 Ano com dispersão Ano positiva elevada 1 ano: 2,8% da série Extremo > +2,5%. (1998). Positivo *Os anos de 1981 e 1982 não apresentam nenhum mês com média mensal >26ºC, entretanto, seus desvios anuais se enquadram na classe 3. 3. CONCLUSÕES O quadro 2 apresenta os anos-padrão eleitos pelos parâmetros empregados nos critérios investigados e com base nesses indicativos conclusões são apresentadas para o estudo do conforto térmico sob o enfoque da análise rítmica: • A identificação de anos-padrão pelo comportamento da pluviosidade, critério Convencional, é uma proposta eficaz que provavelmente poderá ser utilizada em outras cidades de baixa latitude de clima tropical equatorial, em virtude da temperatura do ar apresentar variabilidade 557 REVISTA GEONORTE, Edição Especial 2, V.1, N.5, p.547 – 560, 2012 ESCOLHA DE “ANOS- PADRÃO” PARA O ESTUDO DO CONFORTO TÉRMICO EM FORTALEZA, CE: VERIFICAÇÃO DE CRITÉRIOS. anual reduzida nessas cidades e a chuva se configurar como elemento climático de maior variação inter-anual, além de ser um atributo determinante no comportamento temporal das demais variáveis climáticas; • A eleição de anos-padrão pelo comportamento médio mensal da temperatura do ar, critério proposto por Funari (2006), é válida, mas limitante, haja vista, que somente pela análise estatística bidimensional dos valores médios mensais da temperatura do ar só é possível eleger anos que apresentam comportamento próximo da normal histórica, ou seja, anos habituais; • A escolha de anos-padrão pela análise do comportamento do índice Te é eficiente, contudo, exige a criação da série histórica do índice, além do estabelecimento de limiares específicos para a série. Apesar dessas limitações, acredita-se que esse critério é adequado para indicar anos representativos para o estudo rítmico do conforto térmico; • Para Fortaleza a eleição de anos-padrão para a análise rítmica do conforto térmico pode acontecer tanto pelo comportamento das chuvas como por meio das variações anuais e mensais do índice Te. Quadro 2- Síntese dos critérios investigados na eleição dos anos-padrão. Características Extremo CRITÉRIOS Funari Proposto Uso da variação anual e sazonal da precipitação (desvio padrão e coeficiente de variação). Uso do coeficiente de correlação e regressão simples mais elevado de um ano da série da temperatura do ar. Uso da variação anual do índice Te (desvio percentual) e frequência de médias mensais. Série: 1966-2009. Série: 1966-2009. Série: 1974-2009. Chuvoso: 1971, 1973, 1974, 1985, 1986, 1994, 1995, 2003 e 2009. Seco: 1970, 1979, 1980, 1981, 1982, 1983, 1990, 1992, 1993, 1997, 1998 e 2005. Conforto: 1974. Não determinado. Desconforto: 1998. 1975,1976,1977,1980,1981,1982 Habitual ANOS-PADRÃO Parâmetros Convencional 1969, 1975, 1978, 1988, 1989, 1991, 1996, 2000, 2001, 2002, 2006 e 2008. 1971, 1977, 1982, 1994 e 2006. 1984,1988,1990,1991,1993,1994, 1995,1997,1999,2000,2001,2002, 2003,2006,2007, 2008 e 2009. Por limitações não foi possível englobar nos critérios investigados outros parâmetros fundamentais para a compreensão do conforto térmico como, elementos que representassem o agravo dos eventos térmicos no estado de saúde-doença da população a exemplo das variáveis epidemiológicas como, o número absoluto mensal e diário de internações hospitalares e óbitos por doenças cardiovasculares e respiratórias de pacientes residentes em Fortaleza. A inserção dessas variáveis poderia complementar a escolha dos anos-padrão. 558 REVISTA GEONORTE, Edição Especial 2, V.1, N.5, p.547 – 560, 2012 ESCOLHA DE “ANOS- PADRÃO” PARA O ESTUDO DO CONFORTO TÉRMICO EM FORTALEZA, CE: VERIFICAÇÃO DE CRITÉRIOS. 4. 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