ATUALIZAÇÃO EM ORTOPEDIA E TRAUMATOLOGIA DO ESPORTE As lesões do ligamento cruzado anterior do joelho Dr. Cristiano Frota de Souza Laurino Mestre pelo Departamento de Ortopedia e Traumatologia da Unifesp. Especialista em Cirurgia do Joelho e Artroscopia. Diretor Científico do Comitê de Traumatologia Desportiva da SBOT. Diretor Médico da Confederação Brasileira de Atletismo e Médico do Clube de Atletismo BM&F/Bovespa. CRM-SP 77341. 2 As lesões do ligamento cruzado anterior do joelho Apoio ATUALIZAÇÃO EM ORTOPEDIA E TRAUMATOLOGIA DO ESPORTE 3 As lesões do ligamento cruzado anterior do joelho Dr. Cristiano Frota de Souza Laurino Mestre pelo Departamento de Ortopedia e Traumatologia da Unifesp. Especialista em Cirurgia do Joelho e Artroscopia. Diretor Científico do Comitê de Traumatologia Desportiva da SBOT. Diretor Médico da Confederação Brasileira de Atletismo e Médico do Clube de Atletismo BM&F/Bovespa. CRM-SP 77341. A crescente tendência à prática esportiva, aliada à maior complexidade dos gestos esportivos, vem provocando o surgimento crescente de lesões articulares do joelho. O ligamento cruzado anterior figura entre os mais frequentemente acometidos e uma das estruturas lesionadas mais debilitantes para o retorno à prática esportiva. A instabilidade clínica do joelho, associada à lesão do ligamento cruzado anterior (LCA), foi primeiramente descrita por Amandee Bonnet em 1845. O conhecimento da biomecânica do joelho, aliado aos avanços das técnicas cirúrgicas de reconstrução do ligamento cruzado anterior, vieram minimizar as consequências da instabilidade gerada em decorrência da lesão. A função dos ligamentos cruzados é assegurar um movimento normal entre as superfícies articulares femorotibiais. O LCA é o restritor primário da translação anterior da tíbia, limita a hiperextensão, atua como um restritor secundário da rotação tibial medial, dos movimentos de adução e abdução com o joelho na extensão máxima e funciona como um tutor do movimento rotacional de “screw home” no final da extensão do joelho. 4 As lesões do ligamento cruzado anterior do joelho O LCA nativo possui uma rigidez entre 80-240 N/mm e uma taxa de estiramento de 20% antes da ruptura. Os maiores valores de rigidez são encontrados nos joelhos jovens e maduros, enquanto os valores menores são encontrados nos pacientes com idade superior a 60 anos. A carga máxima suportada pelo LCA de um paciente jovem (idade entre 22 e 35 anos) é de 2200 N, diminuindo a 1/3 nos pacientes idosos. O conhecimento das cargas suportadas pelo LCA durante as atividades de vida diária e durante a reabilitação é fundamental para a elaboração de protocolos de reabilitação pós-operatórios. O ligamento cruzado anterior é formado por duas bandas, uma ânteromedial (AM) e outra póstero-lateral (PL) (fig. 1). Observa-se a distinção anatômica das bandas durante o desenvolvimento fetal, e aparentemente permanecem como duas bandas distintas durante toda a vida, embora haja um alto nível de variabilidade individual nos tamanhos de cada banda. Estudos em cadáver demonstram que a banda AM possui um comprimento 1,5 a 2 vezes maior do que a banda PL. O comprimento médio da banda AM é de 33 mm, e da banda PL, 18 mm. A banda AM apresenta tensão máxima aos 45 graus de flexão do joelho, enquanto a banda PL possui tensão máxima na extensão total e torna-se relativamente frouxa durante a flexão do joelho. A B Figura 1. Corte anatômico do LCA com joelho flexionado a 90º ATUALIZAÇÃO EM ORTOPEDIA E TRAUMATOLOGIA DO ESPORTE 5 Durante a extensão do joelho, as duas bandas ficam dispostas paralelamente, enquanto na flexão, a banda PL cruza a origem femoral da banda AM. Aos 90o de flexão do joelho, a banda PL torna-se difícil de ser identificada, por estar frouxa e apenas sua inserção femoral posiciona-se anteriormente à banda AM e próxima à cartilagem articular. As forças que agem sobre um LCA intacto variam de 100 N durante a extensão passiva do joelho a aproximadamente 400 N durante uma caminhada e até 1700 N durante atividades com movimentos rotacionais e mudanças bruscas de direção. O teste de salto unipodálico (“hop test”) e a hiperflexão do joelho sem contato são exemplos de movimentos capazes de gerar tensões muito superiores às encontradas durante os testes da gaveta anterior. Pouco ainda é conhecido a respeito da forças e dos padrões de carregamento, que agem sobre o LCA durante as atividades esportivas. MECANISMOS DE LESÃO As lesões do ligamento cruzado anterior (LCA) são comuns e aproximadamente 70% destas lesões ocorrem no esporte. Entre 70% e 90% das lesões de LCA são geradas nas situações sem contato, onde não há contato direto contra o joelho. As lesões do LCA estão frequentemente associadas a lesões de outras estruturas, já que as lesões isoladas são raras. As lesões associadas (meniscos, ligamentos e cartilagem) dependem de fatores associados, como: a posição do joelho no momento do trauma ou torção e as características das forças atuantes, como direção e intensidade. A incidência de lesões do LCA é relativamente alta nos esportes como basquetebol, futebol, voleibol, handebol, esqui aquático, esqui alpino e wakeboard, onde há frequência elevada de aterrissagens, desacelerações e mudanças rápidas de direção. A maioria das lesões de LCA é secundária a uma ou mais das seguintes 6 As lesões do ligamento cruzado anterior do joelho manobras: o pé apoiado no solo e o joelho próximo da extensão máxima, aterrissagem, desaceleração e mudança brusca de direção. A aterrissagem uni ou bipodálica, associada à semiflexão, estresse em valgo e rotação externa-interna do joelho, caracteriza o movimento com maior prevalência de lesão do LCA. A desaceleração gerada durante uma aterrissagem ou mudança de direção envolve a geração de uma força excêntrica pelo músculo quadríceps, que possui intensidade máxima entre 10o e 30o graus de flexão do joelho. O músculo quadríceps ativado, com o joelho próximo da extensão máxima, provoca uma força de estiramento sobre o LCA, que pode ser proporcional à velocidade de contração muscular durante o movimento e muito superior aos movimentos normais do joelho. FATORES DE RISCO Os fatores de risco potenciais às lesões de LCA sem contato podem ser classificados em: ambientais (equipamento, interações calçado/solo), anatômicos (ângulo do joelho, ângulo do quadril, frouxidão ligamentar, dimensão do sulco intercondilar), hormonais e biomecânicos (força muscular, movimento corporal, controle neuromuscular). 1. Fatores ambientais Órteses de joelho • Durante os anos 70, as órteses de joelho foram introduzidas profilaticamente na proteção dos ligamentos colaterais.!Posteriormente, alguns estudos apresentaram um aumento no número de lesões do joelho em atletas que utilizavam órteses. • Em 1984, a American Academy of Orthopedic Surgeons (AAOS) publicou não haver evidência definitiva de que as órteses profiláticas podem reduzir a prevalência das lesões do joelho. Apesar das evidências, alguns esportistas continuam utilizando órteses profiláticas, ATUALIZAÇÃO EM ORTOPEDIA E TRAUMATOLOGIA DO ESPORTE 7 justificando o aspecto psicológico e os benefícios proprioceptivos, ainda não comprovados. Interação calçado/superfície • Estudos recentes, abordando a influência das superfícies nas lesões do LCA, apresentam limitações de controle adequado das variáveis (dureza, coeficiente de atrito, cargas axiais e condições ambientais) e tipos de calçado. • Os calçados com coeficientes de atrito elevados e a interação com alguns pisos esportivos têm sido identificados como fatores de risco às lesões de LCA sem contato em alguns esportes (handebol, futebol). • Grandes coeficientes de atrito entre calçados e superfície são associados a melhor performance e alto risco de lesões. • Pisos secos também têm sido relacionados às lesões do LCA sem contato. 2. Fatores anatômicos Há diferenças anatômicas entre o alinhamento dos membros inferiores, frouxidão ligamentar e desenvolvimento muscular entre os sexos. O sexo feminino apresenta geralmente aumento da anteversão femoral, aumento do angulo Q, torção tibial aumentada e aumento da pronação do pé, entretanto, a influência destas variáveis nos padrões dos movimentos ainda não foi totalmente elucidada. Frouxidão ligamentar: • A frouxidão (combinação de hipermobilidade e flexibilidade musculotendínea) é mais prevalente entre mulheres do que em homens. • A hipermobilidade articular parece ser herdada geneticamente, embora a flexibilidade musculotendínea possa ser alterada através do condicionamento físico. Alguns estudos avaliaram as relações entre a hipermobilidade e frouxidão ligamentar e as lesões de LCA, porém apresentaram resultados conflitantes e as respostas permanecem indefinidas. 8 As lesões do ligamento cruzado anterior do joelho Sulco intercondilar • A!largura do sulco intercondilar nos pacientes com lesões bilaterais de LCA é menor do que nos pacientes com lesão unilateral. • Há uma relação entre a largura total dos côndilos e a distancia do sulco intercondilar. Quanto menor o fêmur, menor é a largura do sulco intercondilar. • A média de medidas do sulco intercondilar no sexo feminino é menor do que no sexo masculino. • Na média, o índice do sulco intercondilar (razão entre a largura do côndilo e o sulco intercondilar) no sexo feminino é menor do que no sexo masculino. • Há muita variabilidade de técnicas de medida publicadas com o objetivo de estabelecer uma relação definitiva entre o tamanho do LCA dentro do sulco intercondilar. 3. Fatores hormonais • Embora alguns estudos apresentem resultados apontando relações entre as concentrações dos hormônios femininos e as modificações no LCA, há falta de consenso entre a relação das fases do ciclo menstrual e a incidência de lesões do LCA. • A intervenção hormonal na prevenção das lesões de LCA não se justifica. • Não há evidência em se recomendar modificação na atividade ou restringir atividades esportivas no sexo feminino durante os ciclos menstruais. 4. Fatores de risco biomecânicos Os papéis da propriocepção e do controle neuromuscular na estabilidade articular têm sido amplamente estudados na prevenção e tratamento das lesões do LCA. O termo “estabilidade funcional da articulação” refere-se à estabilidade ATUALIZAÇÃO EM ORTOPEDIA E TRAUMATOLOGIA DO ESPORTE 9 da articulação necessária para realizar uma atividade funcional. Esta estabilidade é gerada tanto pelos estabilizadores estáticos, como os dinâmicos, nos diversos graus de movimento durante uma atividade. A contribuição dos estabilizadores dinâmicos depende da ação precisa do controle neuromotor dos músculos, que atravessam a articulação. A ativação muscular esquelética pode ser consciente (controle voluntário) ou inconsciente (iniciado automaticamente como parte de um programa motor ou resposta de um estímulo sensorial). O termo “controle neuromuscular” significa uma ativação inconsciente dos restritores dinâmicos ao redor da articulação em resposta a um estímulo sensorial. Em 1906, Sherrington descreveu pela primeira vez o termo “propriocepção”, como uma informação aferente a partir da periferia, relacionada à regulação do equilíbrio postural, estabilização articular e muitas sensações periféricas. A propriocepção é a melhor fonte sensorial para fornecer informação necessária na mediação do controle neuromuscular, incrementando a estabilidade funcional da articulação. As fontes de informação proprioceptiva incluem mecanoceptores localizados nos músculos, articulação e no tecido cutâneo. Estes mecanoceptores são responsáveis pela tradução dos eventos mecânicos em sinais neurais. A propriocepção possui um papel importante na manutenção da estabilidade articular. Tais adaptações apropriadas para a ativação muscular, mediadas por sinais proprioceptivos, podem promover o melhor mecanismo de proteção do LCA contra forças extremas e reduzir a incidência de lesões. A incidência das lesões sem contato do LCA no sexo feminino tem sido descrita como 6 a 8 vezes maior que nos homens, competindo nos mesmos esportes. As diferenças entre os sexos têm sido descritas na literatura com relação aos padrões de movimento, posições e forças geradas a partir do quadril, tronco e joelho. Kibler e colaboradores observaram que no sexo feminino, as investigações dos padrões de aterrissagem têm demonstrado haver menor ativação dos músculos glúteo médio e isquiotibiais durante a aterrissagem, quando 10 As lesões do ligamento cruzado anterior do joelho comparados ao sexo masculino. Do mesmo modo, o sexo feminino apresenta uma menor duração da ativação do músculo glúteo médio durante a fase de apoio nas manobras de mudança de direção, o que resulta em cargas maiores por unidade de peso nas direções ântero-posterior e varo-valgo. As diferenças dos fatores de risco biomecânicos entre os sexos ainda geram dúvidas quando à real interferência nas lesões de LCA. Entretanto, os programas de fortalecimento e propriocepção, que estimulam a ação muscular isquiotibial e glútea durante as aterrissagens e mudanças de direção, foram introduzidos recentemente nos treinamentos de algumas modalidades esportivas e têm se mostrado promissores na prevenção de lesões do LCA. Em resumo, os fatores biomecânicos podem ser assim apresentados: • O joelho é apenas uma das partes de uma cadeia cinética, que envolve tronco, quadril, tornozelo e pé, certamente envolvidas na geração de lesões do LCA. • A biomecânica da aterrissagem desempenha um papel importante não apenas na geração de lesão, como também na prevenção. • A desaceleração é uma das situações mais envolvidas nas lesões sem contato do LCA durante os movimentos esportivos. • A ativação intensa da musculatura do quadríceps durante as contrações excêntricas é considerada um dos principais fatores de risco nas lesões do LCA. • Os fatores neuromusculares são importantes fontes de risco e diferenciação entre os sexos durante as lesões do LCA. QUADRO CLÍNICO O paciente refere dor imediata após o evento provocador da lesão do LCA, apresentando uma sensação de estalido ou som audível. O inchaço secundário à hemartrose é observado algumas horas após o momento da lesão, provocando piora dos sintomas dolorosos e limitação funcional. ATUALIZAÇÃO EM ORTOPEDIA E TRAUMATOLOGIA DO ESPORTE 11 Alguns estudos têm mostrado que as lesões de LCA estão associadas a 75% dos casos de hemartrose aguda. Hemartroses volumosas podem provocar dores intensas neste primeiro momento e culminar na necessidade de artrocentese para esvaziamento do sangramento e alívio dos sintomas. As sensações de instabilidade, caracterizadas pelos falseios, são comuns durante as tentativas de retorno ao esporte, podendo se manifestar até nas atividades de vida diária. A integridade das estruturas consideradas restritoras secundárias da translação anterior e rotação tibial (ligamentos colaterais, corno posterior do menisco medial e cápsula articular) modificará o grau de frouxidão ligamentar resultante e, consequentemente, a magnitude da instabilidade funcional do joelho. O diagnóstico clínico é feito através da história e exame físico. Alguns testes especiais podem ser utilizados no diagnóstico da insuficiência do LCA. A primeira publicação referente a um teste de exame físico para a instabilidade rotatória do joelho é creditada a Slocum e Larson. Este teste estático se caracterizava pela aplicação de uma força de “gaveta anterior” com ou sem rotação externa da perna. O teste era considerado positivo quando a translação da tíbia aumentava com 15 o de rotação externa da perna. Os autores descreveram a instabilidade ântero-medial como consequência de uma lesão predominantemente capsular e indicaram a transferência da “pata de ganso” para o controle da instabilidade. Por outro lado, Galway e colaboradores acreditavam que a lesão do LCA seria a principal causa da instabilidade funcional do joelho. No ano de 1972, estes autores criaram o termo “pivot shift”, um teste que simulava os sintomas subjetivos de falseio do joelho, e descreveram a primeira derivação deste teste utilizado até hoje. Uma das dificuldades na avaliação do teste de “pivot shift” na instabilidade do joelho é a grande variedade de técnicas empregadas por diversos cirurgiões. Os movimentos patológicos do teste são divididos em três graus, enquanto um achado normal é considerado grau 0. Alguns indivíduos apresentam testes de pivot grau 1, ou raramente grau 2, mesmo na 12 As lesões do ligamento cruzado anterior do joelho ausência de trauma, devido à frouxidão ligamentar, o que pode caracterizar um teste falso-positivo. Não apenas a graduação do teste é subjetiva, mas também as forças aplicadas (valgo, posição do quadril e rotação da perna) durante a manobra, apresentam variações entre examinadores. As variáveis como a geometria das superfícies tibiais e femorais, a integridade do trato iliotibial, a presença de lesões complexas (póstero-medial ou póstero-lateral) e a tolerância à realização do teste pelos pacientes podem alterar os resultados. A realização do teste de pivot shift deve ser realizada com prévia abdução do quadril para relaxar o trato iliotibial e permitir a rotação da tíbia. A manobra pode ser iniciada a partir da extensão ou da flexão do joelho e com a mão esquerda o examinador aplica uma força em valgo na região proximal da perna, enquanto a mão direita segura o tornozelo, inicialmente em rotação externa, permitindo que a perna rode internamente assim que o joelho estende. Um ressalto é notado em aproximadamente 10o a 20o de flexão. Os achados podem ser graduados em 0 a III. O teste de Lachman representa a manobra mais sensível e reprodutível no diagnóstico clínico das lesões de LCA. A manobra, nomeada por John W. Lachman, da Universidade de Temple, é realizada com o paciente em posição supina, uma das mãos do examinador segura firmemente a coxa distal, enquanto a mão oposta segura a região proximal da perna, com o polegar apoiado sobre a linha articular anterior e os dedos em torno da região posterior. O joelho em 15o de flexão e discreta rotação lateral da perna, a perna é tracionada anteriormente. O examinador avalia a translação anterior palpando-se a linha articular com o polegar. A translação anterior com um “ponto final” indefinido ou suave era considerada positiva pelos autores. Outros autores apresentaram uma graduação da translação anterior e a presença ou ausência de um “ponto final”. A manobra de Lachman pode ser medida de forma padronizada, através da avaliação artrométrica do KT-1000, que permite a quantificação absoluta e comparativa da magnitude da excursão anterior da tíbia dos joelhos ATUALIZAÇÃO EM ORTOPEDIA E TRAUMATOLOGIA DO ESPORTE 13 examinados (fig. 2). Diferenças entre os joelhos do mesmo indivíduo superiores a 3 mm são altamente sugestivas de lesão do LCA. DIAGNÓSTICO POR IMAGEM As radiografias são utilizadas para avaliar avulsões ósseas, embora o exame de ressonância nuclear magnética seja o método de diagnóstico por imagem de melhor sensibilidade e especificidade (fig. 3). Traumas torsionais de alta energia promoFigura 2. Artrômetro KT-1000. vem a formação de imagens caracterizadas por edema ósseo, frequentemente associadas a lesões meniscais periféricas ou osteocondrais. TRATAMENTO A avaliação clínica e os exames subsidiários determinam o perfil das lesões existentes, embora a decisão quanto à forma de abordagem terapêutica deva ser ponderada a partir da análise de algumas Figura 3. Imagem de ressonância magnética do joelho com destaque variáveis como: a idade do paciente, o para a rotura do LCA. nível de atividade (sedentário, esportista recreacional, atleta competitivo, profissional), o grau de instabilidade, as lesões associadas, a disposição em participar de um programa de reabilitação pós-operatório e as expectativas futuras. O nível de atividade física do paciente constitui o fator isolado mais importante na decisão terapêutica da lesão do LCA. 14 As lesões do ligamento cruzado anterior do joelho Pacientes sedentários, sem anseios de prática desportiva, poderão ser eleitos para um tratamento conservador, onde a fisioterapia apresenta suma importância no tratamento dos sintomas inflamatórios (dor e inchaço), restauração completa do arco de movimento, recuperação da hipotrofia muscular e retorno às condições funcionais satisfatórias nas atividades de vida diária. O ligamento cruzado anterior e sua importância para a estabilização do joelho têm sido amplamente estudados. Diversos autores afirmam que a maioria dos pacientes portadores de lesões do LCA, tratados por métodos não cirúrgicos, não consegue retornar ao nível funcional pregresso à lesão, além de correr o risco de sofrer lesões meniscais, disfunção progressiva e degeneração articular precoce. O quadro de instabilidade articular pode ser modificado através da reconstrução do ligamento lesado. As indicações para o tratamento cirúrgico das lesões de LCA são os pacientes com instabilidade sintomática para as atividades de vida diária e esportiva, desejosos de manter a atividade esportiva, além da falha do tratamento conservador. Os indivíduos com lesão total do LCA submetidos a meniscorrafia ou meniscectomia parcial, que pretendam retornar ao esporte também são indicados à reconstrução cirúrgica. A reconstrução do LCA é o 6o procedimento cirúrgico ortopédico mais realizado nos EUA, com cerca de 200.000/ano, onde 85% dos cirurgiões realizam < 10/ano. Os objetivos do tratamento cirúrgico são: permitir uma mobilização precoce do joelho, reproduzir a anatomia do LCA nativo, recuperar a cinemática normal do joelho, restabelecer a estabilidade e prevenir lesões secundárias dos estabilizadores secundários e dos tecidos articulares. A literatura atual não possui dados que comprovem a tese de que a reconstrução do LCA previne o surgimento da osteoartrite degenerativa. Diversas técnicas cirúrgicas têm sido desenvolvidas para o tratamento das lesões do LCA, embora os resultados finais dependam não só da técnica empregada, como também da reabilitação pós-operatória. ATUALIZAÇÃO EM ORTOPEDIA E TRAUMATOLOGIA DO ESPORTE 15 Para atingir os objetivos da cirurgia de reconstrução do LCA, a literatura discute a individualização da técnica cirúrgica, a fim de reproduzir a anatomia individual, reproduzir as zonas de inserção (posição e tamanho) e os padrões nativos de tensão do enxerto. As variáveis importantes a serem consideradas na reconstrução de LCA incluem: a seleção do enxerto, o posicionamento dos túneis, a fixação do enxerto e a reabilitação funcional. O momento ideal da realização do procedimento cirúrgico deve respeitar alguns pontos importantes: redução do quadro inflamatório, geralmente > 3 semanas, reabilitação pré-operatória, orientação do paciente sobre os procedimentos intra e pós-operatório. A escolha do enxerto é fonte de muita discussão na literatura, em função de não haver um “padrão ouro”, o que significa não haver uma técnica cirúrgica ou enxerto padronizados para a cirurgia de reconstrução de LCA. Cada enxerto apresenta vantagens e desvantagens e sua escolha depende da preferência e experiência do cirurgião, da disponibilidade do enxerto, das comorbidades, das cirurgias pregressas e do prévio consentimento do paciente. O enxerto ideal deve seguir os seguintes requisitos: • Reproduzir a histologia, anatomia e a biomecânica original do LCA nativo • Possuir comprimento e diâmetro suficiente para permitir a cirurgia • Demonstrar rápida e completa incorporação dentro dos túneis ósseos • Possuir meios de fixação inicial forte • Baixa morbidade da zona doadora • Baixo risco de reação imunológica • Baixo risco de transmissão de doenças • Custo efetivo baixo • Disponibilidade alta Com a evolução das técnicas cirúrgicas de reconstrução de LCA e os avanços da tecnologia, há hoje maior variabilidade de escolhas do enxerto 16 As lesões do ligamento cruzado anterior do joelho (tabela 1). Devido ao fato de não haver um padrão ouro, é importante entender as vantagens e desvantagens inerentes à utilização de cada enxerto, assim como a identificar das necessidades individualizadas de cada paciente. Determinados cenários podem ditar certos enxertos, tais como: estilo de vida, esporte praticado, idade, morbidades pré-existentes (lesões pregressas dos tendões isquiotibiais, condropatia patelar, osteoartrite, traumatismo pregresso patelo-femoral, osteocondrite de Osgood-Schlatter). As propriedades biomecânicas do LCA nativo e os enxertos utilizados durante a reconstrução são apresentados na tabela 2. Os enxertos de tendão patelar (osso-tendão-osso) possuem o maior número de publicações referentes ao seguimento pós-operatório e constituise no enxerto mais largamente empregado nas reconstruções de LCA no mundo. A literatura cita algumas vantagens relativas dos enxertos de tendão patelar nos pacientes de alta demanda esportiva, que participam de movimentos frequentes de mudanças bruscas de direção, rotação e saltos, além daqueles que desejam retornar mais rapidamente aos esportes. Por Tabela 1. Opções de escolhas do enxerto de LCA Autoenxerto Aloenxerto Enxerto sintético Tendão patelar (osso) Semitendinoso/grácil Tendão quadricipital Tibial anterior/posterior Tendão patelar Semitendinoso/grácil Tendão de Aquiles Tendão quadricipital Gore-Texâ, Polyflexâ, Dacronâ, polipropileno e poliéster Tabela 2. Propriedades biomecânicas do LCA nativo e dos enxertos de LCA Tensão máxima (N) Rigidez (N/mm) Secção transversa Área (mm2) LCA intacto 2160 242 44 Tendão patelar (osso-tendão-osso) 10 mm 2977 620 35 Tendões flexores (quádruplo) 4090 776 53 Tendão quadríceps 10 mm 2352 463 62 Tecido West RV, Harner CD, MD. Graft selection in anterior cruciate ligament reconstruction. J Am Acad Orthop Surg 2005;13:197-207 ATUALIZAÇÃO EM ORTOPEDIA E TRAUMATOLOGIA DO ESPORTE 17 outro lado, pacientes que apresentem dor anterior joelho pré-existente ou necessidades de ajoelhar com contato do joelho no solo, com frequência durante atividades (esportivas, religiosas ou de trabalho), apresentam uma contraindicação relativa deste tipo de enxerto. Os enxertos de tendão quadricipital são menos frequentemente utilizados nas cirurgias de reconstrução primária do LCA, muito embora apresentem excelentes resultados com baixa taxa de morbidade. Os tendões flexores cresceram em popularidade nos últimos anos, como fonte de enxerto nas reconstruções de LCA, primeiramente devido a sua resistência e propriedades mecânicas, além dos avanços das técnicas de fixação, baixa morbidade da região doadora e satisfação do paciente, quanto a menor intensidade e duração da dor e escores de desempe- Figura 4. Técnica de retirada dos enxertos de tendões flexores nho (fig. 4). A disposição do enxerto (semitendineo e grácil). “quádruplo” é preferível nos atletas recreacionais, jovens ou com fise aberta e naqueles com preocupações estéticas de cicatriz. As contraindicações relativas são os pacientes com frouxidão ligamentar generalizada, velocistas competitivos ou lesões isquiotibiais pregressas, embora haja ainda controvérsias nestas afirmações, com resultados satisfatórios. O prognóstico da escolha do enxerto apresenta limitações de comparação na atualidade. Até o ano de 2009 nenhum estudo nível 1 foi publicado na literatura, comparando o seguimento das reconstruções de LCA com aloenxertos e autoenxertos (tabela 3). Os estudos publicados apresentam resultados similares nos seguimentos de médio e longo prazo entre os autoenxertos e aloenxertos de osso-tendão-osso patelar, autoenxertos de osso-tendão-osso patelar e aloenxertos de tendão calcâneo. Os estudos 18 As lesões do ligamento cruzado anterior do joelho Tabela 3. Critérios de comparação dos enxertos de LCA Biomecânica do LCA normal e do enxerto de LCA Todos os auto/aloenxertos possuem força maior do que o LCA nativo Biologia da integração do enxerto • Autoenxerto integra-se mais rapidamente do que o aloenxerto • Autoenxerto de ligamento patelar integra-se mais rapidamente – 6 semanas • Autoenxerto de tendões flexores integra-se mais lentamente – 12 semanas • Aloenxerto integra-se em 6 a 9 meses Facilidade de retirada do enxerto • Cirurgião-dependente • Tempo de cirurgia: autoenxerto de ligamento patelar semelhante aos tendões flexores. • Há uma curva de aprendizado para as técnicas de extração de todos os tipos de enxerto Retorno ao esporte • Dependente do cirurgião/protocolo • Poucas evidências objetivas nos critérios de decisão de retorno às atividades esportivas • Aloenxertos apresentam tempo maior de integração, portanto devem retornar às atividades esportivas mais tardiamente do que nas reconstruções com autoenxerto Morbidade da zona doadora • Autoenxerto osso-tendão-osso patelar > autoenxerto de tendão quadricipital > autoenxerto de tendões flexores > aloenxerto • Dor anterior do joelho • Complicações da zona doadora Custo da cirurgia • Diferenças nos tempos de internação entre aloenxertos e autoenxertos de seguimento de longo prazo comparando autoenxertos e aloenxertos de tendões flexores vs. enxertos de osso-tendão-osso patelar apresentaram 85% a 90% de resultados bons e excelentes para os três tipos de enxertos, baseados nos escores objetivos e subjetivos do IKDC. As técnicas de fixação e as vantagens e desvantagens dos autoenxertos de tendões flexores do joelho podem ser vistas nas tabelas 4 e 5, respectivamente. A fixação do enxerto na reconstrução de LCA é de fundamental importância nas primeiras 6 a 12 semanas e pode interferir de forma significativa na integração do enxerto. O enxerto e sua fixação devem ser suficientemente ATUALIZAÇÃO EM ORTOPEDIA E TRAUMATOLOGIA DO ESPORTE 19 capazes de suportar uma reabilitação precoce, o que consiste em forças ao redor de 500 N. Uma fixação insuficiente pode permitir o deslizamento do enxerto e até mesmo provocar a falência do conjunto enxerto/fixação, resultando em um joelho instável. Os estágios de incorporação do enxerto são descritos na tabela 6. ESTABILIDADE A estabilidade é comparada objetivamente através de testes especiais, como Lachman e KT1000 (Medmetrics). O IKDC caracteriza as diferenças lado a lado de 0 a 2 mm como normais e maiores do que 5 mm como anorTabela 4. Vantagens e desvantagens dos autoenxertos de tendões flexores do joelho Vantagens • Morbidade mínima da zona doadora • Menor dor anterior do joelho • Menor dor ao ajoelhar • Mecânica similar ao LCA nativo • Risco mínimo de fratura patelar Desvantagens • Cicatrização de tecidos moles dentro dos túneis ósseos • Retorno do atleta aos esportes de contato • Frouxidão ligamentar generalizada • Fraqueza transitória dos músculos isquiotibiais • Diferenças nos resultados do KT-1000 quando comparados ao autoenxerto osso-tendão-osso patelar Tabela 5. Técnicas de fixação dos autoenxertos de tendões flexores Fêmur • “Cross-pin” • Parafusos de interferência • Transfixação com pinos • Parafuso e arruela • Endobotonâ • Exobotonâ Tíbia • Parafusos de interferência • Parafuso e arruela • Agrafe • Intrafixâ • Washer-locâ 20 As lesões do ligamento cruzado anterior do joelho Tabela 6. Estágios de incorporação do enxerto Fase de reparação precoce (0-4 sem) • Necrose principalmente central • O enxerto nunca é totalmente necrótico, exceto o aloenxerto • Citocinas medeiam a síntese de matriz e neovascularização • Substituição das células originais entre 2 e 4 semanas • Estrutura original do colágeno / padrão de “enrugamento” e suas propriedades biomecânicas preservadas • Carregamento mecânico é importante, embora seja desconhecida a magnitude da carga ideal Fase proliferativa (4-12 sem) • Atividade celular máxima e alteração da matriz • Células-tronco na periferia do enxerto • Liberação de fatores de crescimento em picos entre 4-6 semanas, completa em 12 semanas • Máxima revascularização em 4 a 8 semanas, correlacionada ao enfraquecimento do enxerto em 6 a 8 semanas Fase de ligamentização (> 12 sem) • Celularidade normal em 3 a 6 meses • Distribuição vascular normal em 6 a 12 meses • Arquitetura do colágeno normal em 6 a 12 meses mais. Enxertos com mais de 5 mm de frouxidão são considerados como “falência do enxerto”. A magnitude da força aplicada deve ser a “máxima manual”, ou pelo menos uma força de 30 libras. A aplicação de 20 libras de força, considerada um padrão no passado, poderá limitar a avaliação real da estabilidade e apresentar resultados incorretos. Dados obtidos por metanálise demonstram que aloenxertos apresentam estabilidade significantemente inferior aos autoenxertos de tendões. Os aloenxertos possuem uma taxa de falência três vexes maior do que os autoenxertos. BIOMECÂNICA DA BANDA ÚNICA E DA DUPLA-BANDA NAS RECONSTRUÇÕES DE LCA No ano de 1994, Radford e colaboradores afirmaram que as reconstruções do LCA com única banda são “uma grande simplificação da complexidade estrutural de um ligamento” e que “seria surpreendente que tal reconstrução fosse capaz de recriar todos as propriedades de um ligamento normal”. ATUALIZAÇÃO EM ORTOPEDIA E TRAUMATOLOGIA DO ESPORTE 21 Apesar dos avanços nas técnicas de reconstrução do LCA com banda única, uma revisão da literatura demonstra que entre 10% e 30% dos pacientes referem instabilidade persistente. O advento de novos métodos de avaliação biomecânica resultaram numa melhor apreciação da cinemática do joelho secundária à reconstrução do LCA. A utilização de sistemas robóticos permitiu aos pesquisadores avaliar a cinemática do joelho nos modelos em cadáver, com múltiplos graus de movimento. Woo e colaboradores demonstraram in vitro que a banda única convencional nas reconstruções de LCA é relativamente eficiente na limitação da translação anterior da tíbia em resposta ao carregamento ântero-posterior, mas ineficiente na restrição de carregamentos rotatórios. Estes investigadores acreditam que as técnicas de banda única posicionem o enxerto muito próximo do eixo central do joelho, limitando a habilidade do enxerto resistir ao carregamento rotatório. Alguns estudos biomecânicos foram publicados documentando a superioridade das técnicas de dupla-banda não somente na limitação da translação anterior, mas também na combinação com movimentos rotatórios (figs. 5 A e B). A B Figura 5. Túneis duplos confeccionados: A. Zonas de origem femoral (AM) ântero-medial, (PL): póstero-lateral, B. Zona de inserção tibial do LCA nativo. 22 As lesões do ligamento cruzado anterior do joelho Mae e colaboradores demonstraram que a dupla-banda de LCA utilizando tendões flexores e dois túneis femorais promove maior estabilidade do que as técnicas com bandas simples. Os dados biomecânicos obtidos de investigações em cadáveres sugerem que as reconstruções de LCA em banda única podem não restaurar totalmente a biomecânica normal da articulação do joelho, independentemente da posição do túnel femoral. A dupla-banda parece promover uma melhor estabilidade anterior e rotatória da articulação do joelho. Alguns autores apontam as indicações de reconstrução do LCA com banda única baseadas nos seguintes critérios: zonas de inserção nativas pequenas (< 12 mm na tíbia e < 14 mm no fêmur), fise de crescimento aberta (crianças e adolescentes), sulco intercondilar estreito, contusão óssea intensa no côndilo femoral lateral, lesões multiligamentares, ruptura de uma única banda (outra intacta) (figs. 6 A e B). A “RECONSTRUÇÃO ANATÔMICA” DO LCA A busca de novas técnicas de “reconstrução anatômica”, que posicionassem o enxerto de LCA nas zonas de origem e inserção anatômicas femorais e tibiais, permitiu a reavaliação de alguns conceitos consagrados A B Figura 6. Túneis únicos confeccionados: A. Zona de origem femoral, B. Zona de inserção (tibial) do LCA nativo. ATUALIZAÇÃO EM ORTOPEDIA E TRAUMATOLOGIA DO ESPORTE 23 na literatura, tais como a perfuração do túnel femoral através da técnica transtibial, utilizando guias. Tal técnica dificulta ou mesmo impossibilita que a posição anatômica de origem do LCA seja alcançada, tornando o ponto de origem mais superior e vertical do que o desejado. Dentre as soluções propostas para melhorar a acurácia na reconstrução anatômica do LCA, há propostas de abordagem do côndilo femoral lateral através de um portal ântero-medial (AM), com uma flexão do joelho em torno de 120o a 140o. Estudos recentes, abordando as distâncias médias entre o bordo anterior do ligamento cruzado posterior (LCP) e o centro de inserção tibial das bandas AM e PL, apresentou variações de resultados, entre 7,0 mm e 21,8 mm, o que contraria a padronização de muitos guias de perfuração tibial utilizados atualmente. Dentre outras razões, as técnicas de perfuração tibial também passaram a incorporar os conceitos anatômicos de localização individualizados, valorizando o posicionamento dos cotos insercionais tibiais na orientação da perfuração óssea, independentemente da técnica com uma ou dupla-banda. A literatura apresenta, até o momento, estudos clínicos randomizados prospectivos níveis 1 e 2 com melhores resultados clínicos das cirurgias com dupla-banda, quando comparadas à banda única. Por outro lado, outros estudos revelam resultados inconclusivos sobre a real vantagem clínica objetiva e subjetiva das técnicas de reconstrução do LCA com dupla-banda comparada à banda única. Serão necessárias mais evidências advindas de ensaios clínicos randomizados, abordando técnicas anatômicas de reconstrução com banda única e dupla, para se concluir as vantagens (biomecânicas, clínicas, preventivas e subjetivas) e desvantagens (dificuldades técnicas, morbidade, complicações, custo) em estudos de longo prazo. Também se discute nova padronização de avaliação nos métodos de mensuração, além da atualização de conceitos nos protocolos em uso atualmente. Em resumo, as razões para o desenvolvimento e realização de técnicas de reconstrução anatômica do LCA seguem a seguir: 24 As lesões do ligamento cruzado anterior do joelho • A anatomia é a base da cirurgia ortopédica e os objetivos da reconstrução anatômica são restaurar 80 a 90% da anatomia do LCA nativo e manter a saúde da articulação por longo prazo. • As técnicas tradicionais de reconstrução do LCA têm sido satisfatórias em retornar os pacientes às atividades esportivas. Entretanto, evidências radiográficas de modificações degenerativas têm sido observadas em mais de 90% dos pacientes em estudos de seguimento de médio e longo prazo. • A revisão crítica da literatura dos últimos 10 anos revela que entre 10% e 30% de pacientes apresentam queixas de dor e instabilidade residual através das técnicas de reconstrução originais do LCA. • Estudos de metanálise demonstram que não mais de 60% dos pacientes terão a recuperação completa após a cirurgia de reconstrução do LCA. • Numerosos estudos clínicos e de ciências básicas têm demonstrado que as técnicas tradicionais, até o momento, não restauram a cinemática normal do joelho, particularmente a rotação tibial. • A utilização de modelos de referência no fêmur, baseados na posição dos “ponteiros de um relógio” e utilizados durante décadas, apresenta facilidades técnicas de reprodução, embora não represente a real estrutura tridimensional do joelho, gerando interpretações não anatômicas do posicionamento do túnel femoral. • O “pinçamento do enxerto”, um conceito que foi criado pelos cirurgiões para designar o posicionamento não anatômico do mesmo, revela uma condição anormal, quando comparada ao LCA nativo, por este não causar pinçamento com o sulco intercondilar ou com o LCP. O posicionamento anatômico dos túneis não proporcionará um pinçamento do enxerto do LCA. • A antiga preocupação com o “pinçamento do enxerto” no sulco intercondilar promoveu a disseminação do conceito de “sulcoplastia”, “posteriorização do túnel tibial” e “posteriorização e verticalização do túnel femoral”, tornando-o mais próximo da inserção do LCP na tíbia e ATUALIZAÇÃO EM ORTOPEDIA E TRAUMATOLOGIA DO ESPORTE 25 mais verticalizado e superior ao ponto de inserção femoral da banda AM. Esta reconstrução não anatômica do LCA reproduz uma propriedade biomecânica e biológica inferior, promovendo estresses não fisiológicos ao enxerto. COMPLICAÇÕES O percentual de falha das cirurgias de reconstrução de LCA entre cirurgiões experientes é estimado em 10 a 15% e não mais do que 60% dos pacientes atingem a recuperação completa. Podemos subdividir as complicações das reconstruções do LCA em intraoperatórias (tabela 7) e pós-operatórias (tabela 8). Tabela 7. Complicações intraoperatórias nas reconstruções de LCA Túneis 1. Mal posicionamento dos túneis: a. Túnel femoral excessivamente anterior b. Túnel femoral excessivamente vertical c. Túnel tibial excessivamente posterior 2. Quebra da parede posterior do túnel femoral 3. Convergência dos túneis (dupla-banda) 4. Lesão do menisco lateral durante a perfuração do túnel tibial 5. Pinçamento do sulco intercondilar 6. Lesão do côndilo femoral medial durante a perfuração do túnel femoral (pelo portal ântero-medial) Enxertos 1. Osso-tendão-osso patelar: a. Fratura do plugue ósseo b. Fratura da patela durante a retirada do enxerto c. Queda do enxerto 2. Tendões flexores (semitendinoso e grácil) a. Secção prematura durante a retirada do enxerto b. Tendões finos c. Queda do enxerto 3. Aloenxerto a. Pobre qualidade do enxerto b. Queda do enxerto Fixações 1. Divergência dos parafusos 2. Quebra do enxerto pelo parafuso de interferência 3. Fixação ruim em osso de baixa densidade mineral 4. Problemas com a introdução do implante de fixação femoral do tipo “cross pin” 5. Enxerto de tendão patelar muito longo 6. Túnel femoral curto quanto perfurado através do portal antero-medial 26 As lesões do ligamento cruzado anterior do joelho Tabela 8. Complicações pós-operatórias das reconstruções de LCA • Celulite • Pioartrite • Artrofibrose • Lesão do tipo “cíclope” • TVP • Dor anterior • Sinovite • Deiscência de sutura/necrose de pele • Síndrome da dor complexa regional As falhas de fixação do enxerto ocorrem frequentemente na tíbia, embora alguns autores considerem falhas no fêmur e na tíbia como similares. A literatura apresenta numerosos estudos comparando técnicas de fixação, embora haja uma dificuldade de padronização dos métodos de avaliação. As complicações dos enxertos de LCA seguem abaixo: • Osso-tendão-osso patelar autólogo: dor anterior do joelho, fratura de patela, ruptura do tendão, laceração da gordura de Hoffa, fratura do plugue ósseo, discrepâncias entre o tamanho do enxerto e o tamanho dos túneis ósseos, queda inadvertida do enxerto, infecção (fig. 7). As complicações maiores a serem evitadas nas reconstruções de LCA com autoenxertos de ossotendão-osso patelar são apresentadas na tabela 9. • Tendões isquiotibiais: dificuldades na técniFigura 7. Complicação ca de retirada do enxerto (vínculas), rotura pós-operatória da prematura do tendão durante a retirada, reconstrução de LCA. Radiografia do joelho em fraqueza muscular residual transitória, perfil com fratura da patela. lesão neurovascular (nervo safeno, veia ATUALIZAÇÃO EM ORTOPEDIA E TRAUMATOLOGIA DO ESPORTE 27 Tabela 9. Complicações maiores a serem evitadas nas reconstruções de LCA com autoenxertos de osso-tendão-osso patelar • Pacientes desmotivados com baixa tolerância a dor e incapazes de cumprir totalmente com a reabilitação • Falha em reconhecer uma insuficiência ligamentar medial/lateral com necessidade de reconstrução • Falha em reconhecer joelhos varos com abertura articular lateral • Falha técnica na retirada do enxerto com risco de fratura da patela • Falha técnica de verticalização do enxerto e posteriorização do túnel tibial safena, artéria femoral, veia femoral, nervo ciático), lesão do ligamento colateral tibial, queda inadvertida do enxerto, infecção (figs. 8 e 9). • Aloenxertos: queda inadvertida do enxerto, transmissão de doenças e infecções. A Associação Americana de Bancos de Tecidos recomenda a sorologia para HIV, hepatite B/C, bactérias aeróbicas e anaeróbicas e sífilis. O risco estimado de transmissão de HIV com aloenxertos é de 1:8.000.000. Os aloenxertos podem ser preservados através de Figura 8. Complicação da cirurgia de reconstrução de LCA. Úlcera infectada no local da incisão da pele na tíbia. Figura 9. Complicação pós-operatória da reconstrução de LCA. Radiografia do joelho em perfil com alargamento do túnel tibial. 28 As lesões do ligamento cruzado anterior do joelho três métodos principais: criopreservação, congelado-fresco, congelado-seco. Os métodos de esterilização como o óxido de etileno e a irradiação gama podem ser usados para diminuir o risco potencial de transmissão viral e bacteriana. A prevalência de alterações articulares degenerativas após as cirurgias de reconstrução do LCA medidas por radiografias planas variam entre 10% a 87%. RETORNO AO ESPORTE Os testes funcionais, a avaliação clínica e os aspectos subjetivos devem ser utilizados na determinação do momento ideal do retorno total ao esporte. O arco de movimento completo é necessário antes do retorno ao esporte. As limitações de arco de movimento podem propiciar uma desvantagem mecânica, gerando risco de recorrência da lesão. A força muscular e o equilíbrio entre agonistas e antagonistas propiciam uma melhor estabilidade dinâmica da articulação e devem ser avaliados antes do retorno ao esporte. O retorno ao esporte se baseia não somente na integração e ligamentização do enxerto, mas também na recuperação da força, agilidade, equilíbrio e estabilidade. Os aspectos subjetivos são de igual importância, quando comparados aos critérios objetivos, e devem ser também respeitados na determinação do retorno ao esporte. Cerca de 65 a 88% retornam aos esportes dentro do primeiro ano após a cirurgia de reconstrução do LCA. Os resultados cirúrgicos e a qualidade de recuperação dependem de múltiplos fatores intrínsecos e extrínsecos ao indivíduo, tais como a idade, sexo, composição corporal, tipos de lesões, qualidade técnica da cirurgia, reabilitação pós-operatória, nível de atividade esportiva, dentre outros. A incidência de re-ruptura após reconstrução do LCA nos atletas que retornaram aos esportes de contato varia entre 2,3% e 13%. ATUALIZAÇÃO EM ORTOPEDIA E TRAUMATOLOGIA DO ESPORTE 29 O FUTURO: A ENGENHARIA DE TECIDOS Os objetivos das pesquisas em engenharia de tecidos nas lesões do LCA abordam o desenvolvimento de matrizes fibrosas em torno de biomateriais, capazes de suportar as demandas do LCA nativo, e até uma futura substituição completa do ligamento lesado por um outro geneticamente e biomecanicamente idêntico. Uma grande variedade de materiais, do colágeno a fibras de poliéster não absorvíveis foram empregadas no desenvolvimento da engenharia de ligamentos. A utilização dos fatores de crescimento derivados de plaquetas na engenharia de tecidos pode proporcionar um potencial de crescimento dos tecidos in vitro e constitui-se numa das áreas de desenvolvimento promissoras atualmente. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. Biau DJ et al. ACL reconstruction: a meta-analysis of functional scores. Clin Orthop Relat Res 2007;458:1807. 2. West, RV and Harner CD. Graft selection in anterior cruciate ligament reconstruction. J Am Acad Orthop Surg 2005;13(3):197-207. 3. Cole DW et al. Cost comparison of anterior cruciate ligament reconstruction: autograft versus allograft. Arthroscopy 2005;21(7):786-90. 4. Cooper DE et al. The strength of the central third patellar tendon graft. A biomechanical study. Am J Sports Med 1993;21(6):818-23; discussion 823-4. 5. Hamner DL et al. Hamstring tendon grafts for reconstruction of the anterior cruciate ligament: biomechanical evaluation of the use of multiple strands and tensioning techniques. 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