In caso di mancato recapito rinviare a Uff. Poste Roma Romanina per la restituzione al mittente previo addebito. If undelivered please return to sender, postage prepaid, via Romanina post office, Roma, Italy. En cas de non distribution, renvoyer pour restitution à lʼexpéditeur, en port dû, à Ufficio Poste Roma Romanina, Italie MENSILE SPED. IN ABB. POST. Tar. Economy Taxe Percue Tassa Riscossa Roma. ED. TRENTA GIORNI SOC. COOP. A R. L. ISSN 1827-627X nella Chiesa e nel mondo na Igreja e no mundo Diretor: Giulio Andreotti Entrevista com Antonios Naguib Patriarca dos Coptas Católicos de Alexandria A aposta egípcia ANO XXIX - N.1/2 - 2011 R$ 15,00 - € 5 ANNO XXIX N.1/2uma - 2011 - €5 Suplemento: meditação sobre a Santa Páscoa ASSINATURAS COMO ASSINAR Enviar o formulário ao endereço do escritório de assinaturas escrito abaixo Destinação Período de assinatura 1 ano 2 anos Preço (€) Brasil, África 25,00 Itália 45,00 Europa 60,00 Resto do mundo 70,00 Brasil, África 40,00 Itália 80,00 Europa 110,00 Resto do mundo 125,00 " é a revista mensal internacional mais informada sobre a vida da Igreja. Nas suas páginas estão presentes os acontecimentos políticos e eclesiásticos mais importantes comentados pelos protagonistas. Em cada número, reconstruções históricas, reportagens e serviços especiais de todo o mundo, eventos literários e artísticos, inéditos. PREENCHER E ENVIAR ESTE MÓDULO OU MANDAR POR FAX AO ESCRITÓRIO DE ASSINATURAS q A assinatura será enviada a: Assinatura nova q Renovação Nome e Sobrenome .................................................................................................................................................................... Endereço .................................................................................................................................................................................... CEP ....................Cidade ........................................................................ Nação........................................................................ Telefone ................................................... E-mail Informativa ex D. LGS. n. 196/03. Trenta Giorni Soc. Coop. a R.L., titular da elaboração de dados, recolhe as informações e as utiliza, com modalidades autorizadas para um determinado fim, tem como objetivo dar informações aos serviços indicados e atualizar sobre as novas iniciativas e ofertas. O cliente pode exercer os direitos do artigo 7 D. LGS. 196/03 (acesso, correção, cancelamento, oposição ao uso das informações, etc.) dirigindose ao Responsável pela elaboração dos dados junto a Trenta Giorni Soc. Coop. a R.L., Via Francesco Antolisei 25, 00173 Roma, Itália. Os dados poderão ser utilizados pelos devidos encarregados de assinaturas, marketing, administração e poderão ser comunicados a sociedades externas para a expedição da revista e para a remessa de material promocional. Consenso. Os dados poderão ser utilizados pelos encarregados das assinaturas, do marketing, da administração e poderão ser comunicados a sociedades externas para a expedição da revista e para o envio de material promocional/publicitário. Indicar a língua escolhida Escolha q Italiano q Espanhol q Assinatura 1 ano q Francês q Português q Assinatura 2 anos q Inglês q Alemão q 1 exemplar grátis Aceitamos as seguintes formas de pagamento q Carta de crédito: q AMERICAN EXPRESS Nome e Sobrenome …………………………………………………………………………… Número Data q Via Vincenzo Manzini 45, 00173 Roma, Italia Tel. +39 067264041 Fax +39 0672633395 E-mail: [email protected] q MASTERCARD, EUROCARD, VISA q q Vencimento Assinatura Ordem de pagamento em US$ na conta bancária n.074003252819, nominal a “Trenta Giorni scrl” do banco Intesa Sanpaolo, IBAN IT36Y0306903207074003252819, BIC BCITITMM. Conta corrente postal n. 13974043, nominal a "COOPERATIVA TRENTA GIORNI S.R.L. ROMA". Western Union: para ulteriores detalhes escrever a [email protected] Ano XXIX N. Sumário 1 / 2 - Ano 2011 Na capa: duas imagens da Praça Tahrir no Cairo durante as manifestações contra o regime em fevereiro passado EDITORIAL EDITORIAL Linhas de concórdia 4 — de Giulio Andreotti CAPA Santa Sé p. 16 Uma janela sobre a Igreja e sobre o mundo. O sentido de uma estatística. Um artigo do cardeal Angelo Sodano por ocasião da publicação do Anuário Pontifício 2011 EGITO A aposta egípcia Entrevista com Antonios Naguib — de G. Valente 20 NESTE NÚMERO SANTA SÉ Uma janela sobre a Igreja e sobre o mundo. O sentido de uma estatística 16 — do cardeal Angelo Sodano LEITURA ESPIRITUAL O milagre de São José — de Dom Luigi Giussani 36 39 A oração A ti, São José ARTE CRISTÃ Rússia. As portas santas do povo russo 40 — de Vladimir Yakunin “O rosto do nosso povo revelou-se ao mundo” — de Kirill, patriarca de Moscou e de todas as Rússias 41 “O sentido da unidade do povo com a Igreja” — de Dimitrij Medvedev, presidente da Federação Russa p. 50 Arte Cristã Livres e simples. As igrejas de Milão segundo Montini 42 Livres e simples. As igrejas de Milão segundo Montini 50 — de G. Frangi NOVOS BEATOS Madre Pierina e o Rosto de Jesus — de D. Malacaria 46 LITURGIA Moçárabe, ou seja, “entre os árabes” Leitura espiritual p. 36 O milagre de São José. Um texto de Dom Luigi Giussani no sexto aniversário de sua morte Entrevista com Juan Miguel Ferrer Grenesche — de R. Rotondo 56 NOVA ET VETERA A mulher do Apocalipse e o anticristo — de Ignace de la Potterie, S.I. 62 SEÇÕES CARTAS DOS MOSTEIROS CARTAS DAS MISSÕES CORREIO DO DIRETOR 30DIAS NA IGREJA E NO MUNDO 30DIAS Nº 1/2 - 2011 6 10 14 30 3 Editorial Linhas de concórdia de Giulio Andreotti É triste ver tanta gente morrendo na Líbia sem que se saiba (e sem que talvez eles mesmos saibam) por que se esteja realmente combatendo. Infelizmente na Líbia há também muita influência a exasperação das diferenças étnicas, e não se perde a ocasião de colocar em evidência o que divide uns dos outros. Cronologicamente a revolta estourou depois daquela na Tunísia e no Egito mas, com exceção de um princípio que muitas vezes entre países vizinhos pode-se ter uma atração recíproca tanto nos processos virtuosos quanto nos negativos, não tenho elementos para afirmar com certeza que o que acontece na Líbia seja o mesmo que aconteceu no Egito. Parece paradoxal que sejamos surpreendidos por estes acontecimentos mesmo vivendo em um mundo onde, muito mais do que no passado, somos bombardeados diariamente por uma quantidade im- pressionante de dados e notícias. Talvez porque nunca aprofundamos os fenômenos, mas paramos na impressão imediata que causa uma notícia. Somamos os fatos, um após o outro, mas nunca fazemos uma correlação. Também a reação dos Estados Unidos a esta crise causou algumas críticas, por serem os Estados Unidos longe do Mediterrâneo: e é verdade que quando se vê um problema de longe às vezes é difícil compreendê-lo em todas as suas facetas, mas sob um outro aspecto, ver as coisas de longe dá a possibilidade de ver aquilo que é essencial sem se perder nos aspectos superficiais. Portanto antes de dizer que os americanos erram sobre este tema, eu pensaria duas vezes. Alguns anos atrás disse que sobre o problema líbio influenciava uma luta interna às companhias petrolíferas americanas; não que eu tenha tido a prova A Líbia é um país com o qual tivemos necessidade de encontrar mais linhas de concórdia, do que acentuar divisões. E também hoje, devemos procurar juntos pontos sobre os quais se pode convergir, senão corremos o risco de pagar as despesas Refugiados líbios na fronteira com a Tunísia 4 30DIAS Nº 1/2 - 2011 Soldados líbios controlam uma refinaria em Marsa El Brega, Líbia matemática, mas uma suspeita de que seja um elemento que ainda influencia a situação é mais do que legítima. A Itália muitas vezes foi acusada – de modo injusto – de ter um comportamento excessivamente indulgente para com Kadafi. Certamente Kadafi tem ideias e características diferentes das nossas, mas não podemos pretender que todo o mundo seja alinhado aos nossos modelos. Nós sempre quisemos dar a impressão aos líbios, porque correspondia à verdade, de que respeitávamos suas características particulares, mesmo quando manifestavam seu orgulho contra a época do colonialismo italiano. Então, os líbios viam-nos como 3OGIORNI nella Chiesa e nel mondo Diretor Giulio Andreotti REDAÇÃO Via Vincenzo Manzini, 45 00173 Roma Tel.+39 06 72.64.041 Fax +39 06 72.63.33.95 Internet: www.30giorni.it E- mail: [email protected] Vice-Diretores Roberto Rotondo - [email protected] Giovanni Cubeddu - [email protected] Redação Alessandra Francioni - [email protected] Davide Malacaria - [email protected] Paolo Mattei - [email protected] Massimo Quattrucci [email protected] Gianni Valente - [email protected] Gráfica Marco Pigliapoco - [email protected] Vincenzo Scicolone - [email protected] Marco Viola - [email protected] seus adversários e não como inimigos e esta talvez seja a diferença com o momento atual. A Líbia é um país com o qual tivemos necessidade de encontrar mais linhas de concórdia, do que acentuar divisões. E também hoje, devemos procurar juntos pontos sobre os quais se pode convergir, senão corremos o risco de pagar as despesas. q Imagens Paolo Galosi - [email protected] Colaboradores Pierluca Azzaro, Françoise-Marie Babinet, Marie-Ange Beaugrand, Maurizio Benzi, Lorenzo Bianchi, Massimo Borghesi, Lucio Brunelli, Rodolfo Caporale, Pina Baglioni, Lorenzo Cappelletti, Gianni Cardinale, Stefania Falasca, Giuseppe Frangi, Silvia Kritzenberger, Walter Montini, Jane Nogara, Stefano M. Paci, Felix Palacios, Tommaso Ricci, Giovanni Ricciardi SOCIEDADE EDITORA Trenta Giorni soc. coop. a r. l. Sede legale:Via Vincenzo Manzini, 45 00173 Roma Conselho de Administração Giampaolo Frezza (presidente), Massimo Quattrucci (vicepresidente), Giovanni Cubeddu, Paolo Mattei, Roberto Rotondo, Michele Sancioni, Gianni Valente Diretor responsável Roberto Rotondo Colaboraram neste número Cardeal Angelo Sodano, Vladimir Yakunin Tipografia Arti Grafiche La Moderna Via di Tor Cervara, 171 - Roma Escritório Legal Davide Ramazzotti - [email protected] ESCRITÓRIO PARA ASSINATURA E DIFUSÃO Via Vincenzo Manzini, 45 - 00173 Roma Tel. +39 06 72.64.041 Fax +39 06 72.63.33.95 E-mail: [email protected] De segunda a sexta-feira das 09:00 às 18:00 e-mail: [email protected] Secretaria de redação [email protected] 3OGIORNI nella Chiesa e nel mondo é uma publicação mensal registrada junto ao Tribunal de Roma na data 11/11/1993 n. 501. A publicação beneficia-se de subsídios públicos diretos de acordo com a lei de 7 de agosto de 1990, n. 250 Este número foi concluído na redação dia 28 de fevereiro de 2011 Impressão concluída no mês de março de 2011 CRÉDITOS FOTOGRÁFICOS: Reuters/Contrasto: Capa; pp.24,25,31; Ansa: pp.4,5; Osservatore Romano: pp.16-17,18; Corbis: pp.20-21,27,43; Associated Press/LaPresse: pp.21,23,28,29,32,40,41; Paolo Galosi: pp.21,47; Afp/Getty Images: pp.22,23,29; National Geographic/Getty Images: p.26; Romano Siciliani: pp.31,32,34,46; Archivio CL: p.37; ITAR-TASS: pp.42-43; Photoxpress/Agenzia Sintesi: p.43; Ale Frangi: pp.52,54; Armin Linke: p.54; Lessing/Contrasto: p.56; Efe: p.58; Archivi Alinari, Florença: p.64. 30DIAS Nº 1/2 - 2011 5 Cartas dos mosteiros Cartas dos mosteiros A igreja do mosteiro de São Pedro in Vineis (século XII), nos arredores de Anagni, Itália. Tendo pertencido de início muito provavelmente aos beneditinos, tornou-se sede de uma comunidade de clarissas logo depois da canonização de Santa Clara em Anagni (15 de agosto de 1255). Nestas páginas, os afrescos medievais no coro das clarissas CLARISSAS DO CONVENTO DE YENSHUI Yenshui, Taiwan 30Days nos oferece notícias que de outra forma dificilmente poderíamos conhecer Yenshui, 7 de dezembro de 2010 Prezado diretor Giulio Andreotti, o Príncipe da Paz está agora entre nós! Alegremo-nos e exultemos! A ordem de Santa Clara, da qual a nossa comunidade faz parte, já está no segundo ano de preparati6 30DIAS Nº 1/2 - 2011 vos para os festejos do aniversário dos oitocentos anos da sua fundação, no século XIII. O tema deste ano é a contemplação. A vida contemplativa não é exclusiva de comunidades de homens e mulheres que vivem sua silenciosa presença em regiões remotas ou no centro de cidades para testemunhar que Deus está vivo. Todos somos chamados a uma união mais íntima com o nosso Criador, qualquer que seja o nosso estado de vida. A chegada do tempo de Advento e do tempo de Natal representa uma oportunidade para nos levar a meditar mais uma vez sobre o significado do nascimento do Menino Jesus no meio de nós. Cartas dos mosteiros Cartas dos mosteiros É uma alegria pô-lo a par de algumas importantes notícias sobre as nossas comunidades ao longo deste ano de 2010. Entre as muitas bênçãos derramadas por Deus sobre nós, irmã Mary Agnes Hu, a nossa irmã de Taiwan, fez a sua profissão perpétua solene em 2 de outubro passado, festa dos Anjos da Guarda. Depois, juntamente com Suas graças divinas, recebemos a aprovação do mosteiro – filiação do nosso – na ilha de Lamma, em Hong Kong, com ereção canônica na data de 4 de outubro, festa de São Francisco de Assis. Desejamos aproveitar a oportunidade para agradecer-lhe mais uma vez pela revista 30Days, que com generosidade nos envia gratuitamente há alguns anos. A revista nos oferece sem dúvida uma grande quantidade de informações sobre a Igreja Católica e importantes notícias do mundo que de outra forma dificilmente poderíamos conhecer. Que Deus o recompense! Rezamos para que o senhor esteja bem e fazemos votos de paz e amor neste tempo de Natal, e muitas bênçãos para todos os seus colaboradores e seus entes queridos para todo o novo ano de 2011. Irmã Mary Veronica Therese, O.S.C. e as clarissas de Yenshui CLARISSAS DO CONVENTO DE SAINT FRANÇOIS DʼASSISE Musambira, Ruanda Grande gratidão pelo presente que é 30Jours Musambira, 10 de dezembro de 2010 Caríssimo diretor, paz e bem no Senhor. Temos o prazer de lhe fazer chegar estas poucas linhas para expressar-lhe a nossa grande gratidão pelo presente que é a revista 30Jours, mas também para fazer-lhe nossos melhores votos para as festas já próximas. Que o Verbo de Deus feito carne traga-lhe todas as graças e bênçãos de que precisa para melhor levar adiante a sua missão! Que o ano de 2011 seja para o senhor um ano próspero e muito frutuoso. Fique certo de nossa proximidade na oração. Que a Virgem Maria o conserve e o proteja em tudo e para tudo. Muito fraternalmente, as clarissas de Musambira A última ceia e o lava-pés 30DIAS Nº 1/2 - 2011 7 Cartas dos mosteiros Cartas dos mosteiros A prisão e a flagelação de Cristo IRMÃS DO SANTO ROSÁRIO Jerusalém, Israel Obrigada de coração pelos valorosos artigos que enchem o nosso horizonte Jerusalém, 12 de dezembro de 2010 suas orações, para que uma paz duradoura possa finalmente prevalecer na região. Renovando a minha gratidão, sinceramente em Jesus Cristo, irmã Ildephonse El-Hajjeh CISTERCIENSES DO MOSTEIRO NOTRE DAME DE VINH-PHUOC Bien Hoa, Vietnã Cara equipe de 30Giorni, paz e bem de Jerusalém! Desejo-lhes uma feliz festa da Natividade do Senhor Jesus Cristo e um 2011 próspero e cheio de paz. Sou uma leitora apaixonada de 30Giorni: obrigada de coração pelos valorosos artigos que enchem o nosso horizonte e nos mantêm informadas sobre as notícias da Igreja e do mundo. Peço-lhes que me enviem, por gentileza, dois exemplares de Who prays is saved, um em italiano e um em inglês. Eu lhes serei sempre grata se puderem ser enviados logo. Peço-lhes que se lembrem do Oriente Médio em 8 30DIAS Nº 1/2 - 2011 Votos do Vietnã Bien Hoa, 13 de dezembro de 2010 A prioresa e suas irmãs desejam-lhe, senhor diretor, e à sua família, saúde e muitas graças do divino Menino e a alegria de participar das Suas obras de redenção. Obrigada pelo envio de 30Jours. Deus o abençoe, irmã Marie Jean de la Croix Pham Ghy Tac e toda a comunidade Cartas dos mosteiros Cartas dos mosteiros CARMELITAS DO CONVENTO MARÍA MADRE DE LA IGLESIA La Vega, República Dominicana Agradecemos profundamente por sua bela e interessante revista 30Días La Vega, 21 de dezembro de 2010 Caríssimo senhor Giulio Andreotti, seja bendito o Senhor, que mais uma vez nos concede celebrar com imensa alegria o grande mistério de amor do Natal, que nos reúne espiritualmente todos em adoração humilde e silenciosa d’Aquele que sendo imenso e onipotente se fez pequeno e fraco para nos comunicar a vida divina! Por isso, deste humilde confim da terra, que teve a boa sorte de contemplar a vitória do nosso Deus, nós lhe enviamos um abraço fraterno de paz e amor e o cumprimentamos de todo o coração. Comunicamos que a partir de 8 de agosto de 2010 começamos o jubileu pelo quinto centenário da nossa diocese de Concepción de la Vega – uma das três primeiras da América, ao lado das de Santo Domingo e Puerto Rico –, erigida com a bula Romanus Pontifex, do papa Júlio II. O Senhor foi grande conosco. Nestes anos concedeu à nossa região abundantes vocações sacerdotais e religiosas. Até hoje Deus nos doou 82 sacerdotes diocesanos nativos desta diocese. Por isso somos felizes e queremos celebrar, com gratidão e entusiasmo, este acontecimento eclesial e histórico e comunicar-lhes a nossa alegria. Em profunda comunhão com todos vocês, prosseguimos muito unidas ao papa Bento XVI e a toda a Igreja em suas provações e sofrimentos, por meio da nossa oração e das tribulações que o Senhor, em seu amor e em sua providência, permite que atravessemos. Desejamos a todos que estas santas festas do “Deus conosco” nos ajudem a aumentar a nossa fé, esperança e caridade e a unir as nossas forças na luta pela transformação do nosso mundo, com a firme convicção de que só o amor e a verdade devem prevalecer sobre todos os males. Que a nossa santíssima Mãe, Rainha da Paz, lhe conceda um ano novo de 2011 cheio de graça e de paz, segundo a vontade do Senhor. Fraternalmente em Jesus, Maria e José, agradecemos profundamente por sua bela e interessante revista 30Días, que lemos com muito prazer. Recomendando-o de coração em nossas orações, irmã María Cecilia Morini e comunidade A deposição da Cruz e a descida ao Limbo 30DIAS Nº 1/2 - 2011 9 Cartas das missões Cartas das missões MISSIONÁRIOS XAVERIANOS Redenção, Pará, Brasil Peço-lhes a caridade de continuarem a nos enviar 30Giorni também em 2011 Redenção, 25 de novembro de 2010 Caros amigos da redação de 30Giorni, já faz alguns anos que recebemos a sua revista e, não sei por que injustificável razão, nunca lhes agradecemos. No entanto, razões para fazer isso nós tivemos todas as vezes que a revista chegou! Nós a recebemos pontualmente em Redenção, onde temos a nossa base e o centro de apoio para os índios da tribo caiapó. Redenção é uma cidade de cerca de setenta mil habitantes no sul do Estado do Pará, situada entre dois grandes rios, o Araguaia e o Xingu, formada por uma população proveniente, ainda hoje, de outros Estados do centro-sul e do nordeste do Brasil. Sempre recebemos com prazer a sua revista, aliás, algumas vezes, quando demorava a chegar, tivemos medo de que vocês se tivessem cansado do nosso silêncio. Mas a última edição que recebemos nos infundiu novo ânimo... Venho, em nome da comunidade dos missionários xaverianos de Redenção, pedir-lhes, ou melhor, pedir a um dos “santos” que nos proporcionaram receber a revista até hoje, que continuem a nos enviar 30Giorni! Neste pedido está implícito o apreço pelos conteúdos doutrinais, de um lado, e pastorais, de outro. Pessoalmente, leio com grande interesse e proveito a apresentação da vida e da espiritualidade de personagens que engrandeceram o Reino de Deus, que mostraram a força de transformação da graça em tantas e tantas pessoas e ambientes. Não nomeio os protagonistas dessa fantástica história da Igreja, com seus altos e baixos, naturalmente (senão, que história seria?), para não ser injusto com ninguém. Só Deus mede a santidade! 10 30DIAS Nº 1/2 - 2011 Peço-lhes, portanto, a caridade de continuarem a nos oferecer esta dádiva, também em 2011. Se quiserem e lhes interessar também manter contato conosco... já têm o endereço eletrônico. Conosco, missionários xaverianos, cumprimentam-nos os nossos e seus irmãos caiapós. Obrigado! Contem com a nossa oração. Com sincera amizade, em nome da comunidade, padre Renato Trevisan Obs.: Gostaríamos que as fotos que lhes envio fossem uma recordação do Natal. Crianças caiapós... vestidas e adornadas de penas; ou pintadas pela mãe... Se Jesus tivesse nascido entre os caiapós, Maria o teria pintado de preto com substâncias vegetais (só com a pintura corporal o caiapó é caiapó). As penas simbolizam o voo... O mito conta que os caiapós desceram do céu... e para lá voltarão. Duas fotos dos índios caiapós Cartas das missões Cartas das missões Agradeço sinceramente a bela e interessante revista 30Giorni, que recebo todos os meses. Peço e desejo que o Santo Natal e o ano-novo possam ser vividos na paz e na alegria do Senhor. Meus cumprimentos. tudo aquilo de que precisamos para estar informadas, e gostaria muito de recebê-la. Dado que trabalho numa escola católica, será um bem para todos os alunos: tirarei fotocópias, para que possam lê-la. Além disso, nos ajudará muito na evangelização. É preciso indicar o que é a vida cristã, e esta revista é maravilhosa, porque faz isso. Eu ficaria grata se pudessem enviá-la em francês, a língua local, e se pudessem enviar também o livro de orações Qui prie sauve son âme. Muitíssimo obrigada e que Deus os conserve e os abençoe sempre! Bom Natal! Irmã Maria Giovanna Ferralis Irmã Sonia Batagin IRMÃS URSULINAS MISSIONÁRIAS DO SAGRADO CORAÇÃO Fukuoka, Japão Um obrigado do Japão Fukuoka, 6 de dezembro de 2010 IRMÃS DE JESUS BOM PASTOR PARÓQUIA DO SAGRADO CORAÇÃO DE PORTO-NOVO Libreville, Gabão Porto-Novo, Benin 30Jours para todos os alunos Qui prie sauve son âme responde de maneira apropriada às necessidades dos nossos catecúmenos Libreville, 16 de dezembro de 2010 Saudação a todos! Sou uma missionária brasileira e trabalho em Libreville, no Gabão. Conheci 30Jours quando estava na comunidade das irmãs de São José, na nunciatura apostólica em Libreville; gostei muito da revista, que tem Porto-Novo, 13 de janeiro de 2011 Bom dia, senhor diretor de 30Jours, sou o padre Paul Akplogan, pároco da paróquia do Sagrado Coração de Porto-Novo, na República do Benin. ¬ A aparição de Jesus ressuscitado a Maria Madalena e aos apóstolos 30DIAS Nº 1/2 - 2011 11 Cartas das missões Descobri, de maneira realmente oportuna, o livrinho intitulado Qui prie sauve son âme, com os frades capuchinhos de Wawata. Vi que se trata de uma obra muito importante, que responde de maneira apropriada a boa parte das necessidades do nosso catecumenato. Por isso, peço mui respeitosamente que nos concedam de presente esse livrinho para as necessidades da causa catecumenal. Para sua informação, este ano temos cerca de oitocentos catecúmenos e aproximadamente o mesmo número todos os anos. Na esperança de uma resposta favorável, peço-lhes que encontrem aqui, desde já, a expressão da minha profunda gratidão. Padre Paul Akplogan Cartas das missões cúmenos e na potencialização da preparação de nossos fiéis. Esteja certo da nossa oração pela perene duração das atividades pastorais de 30Jours. Ao senhor e a seus colaboradores, graça e paz por parte de Deus nosso Pai e de nosso Senhor Jesus Cristo. Padre Paul Akplogan PARÓQUIA NOTRE DAME DE LʼASSOMPTION Boma, República Democrática do Congo Qui prie sauve son âme ajuda as crianças da nossa paróquia a rezar bem Porto-Novo, 20 de janeiro de 2011 Boma, 17 de janeiro de 2011 Senhor diretor, foi com verdadeiro prazer que recebi, hoje, os livros. Confesso que fiquei muito surpreso com a prontidão de sua resposta e lhe agradeço por sua participação, muito eloquente, na formação cristã de nossos cate- Senhor diretor, agradeço-lhe por 30Jours, que alimenta o meu espírito com repetidas leituras. Obrigado pelo envio desta revista tão importante por todos os conhecimentos e informações que nela encontrei. Muitíssimo obrigado pelo livro Cartas das missões Cartas das missões Qui prie sauve son âme, que ajuda as crianças da nossa paróquia a rezar bem. Precisaríamos ainda de um bom número de exemplares do livrinho, também em francês. Aproveito a oportunidade para apresentar meus votos de felicidade, paz e prosperidade para o ano de 2011, ao senhor, aos seus colaboradores e a toda a equipe da redação, sem esquecer todos os assinantes de 30Jours. Aceite, senhor diretor, a expressão de nossos sentimentos de alegria e felicidade. Roger Phanzu-Kumbu MISSIONÁRIOS XAVERIANOS Kinshasa, República Democrática do Congo Qui prie sauve son âme para uma paróquia de Kinshasa roso serviço que presta ao povo de Deus com a sua revista e suas múltiplas publicações, de modo particular o seu Qui prie sauve son âme. Sou um missionário xaveriano. Estava em Camarões e recebi de vocês um bom número de exemplares do precioso livro Qui prie sauve son âme. Não pode imaginar o quanto esse livrinho encheu de contentamento os jovens e as crianças da nossa paróquia Jesus Bom Pastor, de Oyom Abang. Mais uma vez, em nome desses jovens, digo-lhes um grande obrigado. Por ora me encontro no Congo, em Kinshasa. Percebo o quanto esse livro poderia ser útil também aos cristãos daqui, da nossa paróquia de São Bernardo de Kingabwa, arquidiocese de Kinshasa. Se puder, peço-lhe que me envie, mais uma vez, alguns exemplares em francês de Qui prie sauve son âme. Muitíssimo obrigado e bom serviço ao povo de Deus. Em união de orações, de Kinshasa, Kinshasa, 1º de fevereiro de 2011 Caríssimo diretor, receba mais uma vez meus agradecimentos pelo gene- padre Louis Birabaluge, S.X. MISSIONÁRIOS DO PIME Kousséri, Camarões Obrigado de coração por 30Giorni Kousséri, 2 de fevereiro de 2011 Caríssimos amigos, obrigado de coração pela bela e interessante revista 30Giorni. Há anos a recebo e leio, sempre com prazer. Há dois anos me encontro em Kousséri, diocese de Yagoua, e comigo estão dois sacerdotes camaroneses. Vocês não poderiam, por favor, enviar-me 30Giorni em francês para dar a possibilidade também aos dois sacerdotes de poderem ler esta bela revista? Agradeço-lhes de coração, e continuem a semear generosamente e com alegria: o resto está nas mãos de Deus. Uma cordial saudação, padre Giovanni Malvestio, PIME O Juízo Final e a estigmatização de São Francisco 30DIAS Nº 1/2 - 2011 13 Correio do Diretor EXARCADO PATRIARCAL ARMÊNIO CATÓLICO Santa Aurélia, Santa Escolástica e São Bento. Em oração a seus pés, uma terciária, Damasco, Síria uma clarissa e um monge os invocam “O Verbo abreviou-se” DIOCESE DE CARLISLE Carlisle, Reino Unido Damasco, 10 de dezembro de 2010 Um obrigado da Comunhão Anglicana Estimado senhor, bom Natal e feliz ano novo. No Natal manifestou-se este amor misericordioso encarnado. “O Verbo abreviou-se. [...] ‘A Palavra eterna fez-se criança, para que possa ser compreendida por nós’” (exortação apostólica Verbum Domini, nº 12, 30 de setembro de 2010). Para ser ouvida, vista, tocada, contemplada e amada. Essa é a plenitude do amor, da vida, da luz, da força e da alegria. Bom Natal e feliz ano de 2011. Dom Joseph Arnaoutian bispo armênio católico de Damasco 14 30DIAS Nº 1/2 - 2011 Carlisle, 21 de dezembro de 2010 Prezado diretor, o bispo de Carlisle, James Newcome, deseja enviarlhe os agradecimentos pelo generoso presente que lhe deu na forma de uma assinatura anual da revista mensal 30Days in the Church and in the World. É um gesto muito bem recebido. Com nossos melhores votos, sinceramente, Pat Gundry secretária assistente do bispo de Carlisle Um patrimônio que une arte, cultura e espiritualidade na maravilhosa paisagem natu ral dos Montes “Simbruini” O patrimônio artístico e cultural desta região é fascinante. Os Mosteiros são jóias de inestimável valor pelas suas elaboradas arquiteturas, seus raros afrescos e o exclusivo patrimônio bibliográfico e de museus. A ESTRUTURA OFERECE HOSPITALIDADE INDIVIDUALMENTE E PARA GRUPOS E DISPÕE DE: u Quartos com 1 a 4 camas com banheiro autônomo, telefone, capacidade total para 65 pessoas. u Sala Aabadia de Santa Escolástica, situada a poucos passos de Subiaco, foi fundada por S. Bento no século VI. São de particular interesse histórico o campanário românico, construído no século XI, os três claustros (renascentista, gótico e cosmatesco) e a bela igreja neoclássica de Quarenghi. Bar e TV Sat 2000. u Restaurante com capacidade para 500 pessoas. Principais distâncias: 60 km de Roma, u 2 Salas para Congressos, coligadas com áudio-vídeo. u Estacionamento interno. 18 km de Fiuggi parque. u Capela. TODOS OS AMBIENTES SÃO ACESSÍVEIS A DEFICIENTES FÍSICOS RIETI Firenze ‡ u Grande 30 km de Tívoli, L’Aquila - Pescara Borgorose Vicovaro Mandela Subiaco ROMA La Foresteria Frascati Pomezia Fiuggi Anagni Guarcino Alatri Sora Velletri Anagni Fiuggi FROSINONE Cassino LATINA MOSTEIRO DE Sta. ESCOLÁSTICA Hospedagem do Mosteiro - Para reservas: Pontecorvo Como chegar no Mosteiro Fondi Terracina ‡ Napoli Formia Gaeta Tel. 0774.85569 Fax 0774.822862 E-Mail: [email protected] • www.benedettini-subiaco.it Santa Sé Uma janela para a Igreja e para o mundo. O sentido de uma estatística Por ocasião da publicação do Anuário Pontifício de 2011, o cardeal decano do Sagrado Colégio escreveu para nós este artigo no qual fala sobre vários aspectos da presença da Igreja no mundo, desde o número de pastores e de fiéis à missão da Cúria Romana do cardeal Angelo Sodano reio na Santa Igreja Ca tólica”: é a profissão de fé que o cristão continuamente repete com as palavras do Símbolo apostólico. Como se sabe, ‘símbolo’ é um termo grego que indica uma marca, um sinal de reconhecimento. Na Igreja primitiva tal documento “C 16 30DIAS Nº 1/2 - 2011 nasceu justamente para resumir a mensagem de Cristo transmitida pelos apóstolos e assim oferecer aos cristãos uma marca de reconhecimento de sua identidade. É também significativo que esta fórmula de fé, em todos os seus doze artigos, tenha sido definitivamente codificada na Igreja de Roma. No nono artigo, desde o final do século III, vemos afirmada de modo explícito a fé na Igreja que é “una, santa, católica e apostólica”. Também a catolicidade da Igreja já era bem sentida como uma sua nota essencial. Passaram-se dois mil anos desde que o Senhor ressuscitado pas- A audiência com os cardeais e com os membros da Cúria Romana na apresentação das felicitações de Natal, Sala Régia do Palácio Apostólico Vaticano, dia 20 de dezembro de 2010; no centro da foto, o cardeal Angelo Sodano, decano do Sagrado Colégio, durante a homenagem ao Papa Bento XVI sou o mandato missionário universal à Sua Igreja e esta, com alternadas vicissitudes, difundiu-se no mundo e chegou até nós, sustentada pelo força vivificante do Seu Santo Espírito. Hoje, mesmo os laicistas mais obstinados não podem ignorar a existência desta realidade eclesial nem podem não reconhecer a sua obra transformadora na vida dos povos. É suficiente dar uma olhada breve à presença da Igreja no mundo, às pessoas e às comunidades que a compõem, como às instituições que desta procedem. O Anuário Pontifício Um instrumento válido para conhecer os vários aspectos da presença da Igreja no mundo é dado pelo Anuário Pontifício que, desde a metade de 1800 até hoje, é publicado anualmente pela Santa Sé. Em 19 de fevereiro passado, o cardeal Tarcisio Bertone, com os seus colaboradores da Secretaria de Estado, apresentou ao Papa Bento XVI o Anuário Pontifício O Anuário Pontifício 2011, apresentado pela Secretaria de Estado a Bento XVI, a 19 de fevereiro passado 2011. Assim, dá-se continuidade a uma publicação que remonta ao Papa Pio IX (1846-1878), mesmo se na época apresentava um título mais limitado: A hierarquia católica e a família pontifícia. Em várias bibliotecas ainda se pode consultar a sucessão de volumes publicados desde a sua origem até hoje. É uma pesquisa sempre confortante sobre a história da Igreja e da sua progressiva difusão no mundo inteiro. Também, um precioso complemento ao Anuário Pontifício é o livro publicado contempora- neamente todos os anos pela Secretaria de Estado, com o título: Annuarium statisticum Ecclesiae. No volume, os dados estatísticos são examinados e confrontados com maior atenção, nação por nação, continente por continente, com um olhar comparativo sobre as várias formas de apostolado existentes na Igreja. Os católicos no mundo Segundo os últimos dados disponíveis, atualmente o número de católicos batizados é de cerca 1,181 bilhão em uma popula- ¬ 30DIAS Nº 1/2 - 2011 17 Santa Sé ção mundial de 6,698 bilhões de habitantes. Portanto o católicos em base ao último Annuarium statisticum Ecclesiae chegam a 17,4% da população mundial. A maior concentração de católicos registra-se nas Américas com 63,1% da população. Na Europa os católicos são 40%. Porém, a presença de cristãos na Europa é muito mais alta se considerarmos também os irmãos das Igrejas Orientais e as várias comunidades nascidas com a Reforma. Na Oceania a presença dos católicos corresponde a 26,2%, na África de 17,8% e na Ásia de 3,1%. E é justamente a Ásia (em cujos limites engloba-se também o Oriente Médio) a constituir o grande desafio para a futura obra evangelizadora da Igreja. Já em 1998 o saudoso papa João Paulo II tinhanos convidado a refletir sobre este tema convocando no Vaticano um Sínodo Especial sobre a Ásia. Tive também a alegria de participar a esta Assembleia sinodal e recordo bem o compromisso comum que na época se assumiu para trabalhar neste sentido. De resto, a Ásia é o continente mais extenso e populoso. Foi lá que nasceu o cristianismo. Foi lá que o Evangelho de Cristo conheceu o seu primeiro anúncio. Portanto é compreensível o compromisso para que entre aqueles povos o fermento evangélico continue a permear aquelas culturas, orientando-as a Cristo. Pastores e fiéis Como todos os anos, o Anuário Pontifício 2011 apresenta também os números relativos aos Pas- A hierarquia católica e a família pontifícia (ano de 1877, sob o pontificado de Pio IX) tores, chamados a guiar nos dias de hoje a Santa Igreja de Cristo. Obviamente, em primeiro lugar é colocado o Sucessor de Pedro, o Papa Bento XVI, colocado pelo Espírito Santo para presidir a comunidade católica nesta importante hora da história, no início do Terceiro Milênio cristão. Ao lado do Papa figura em primeiro lugar o Colégio Cardinalício, chamado a coadjuvar o Bispo de Roma na sua mais vasta missão de Pastor da Igreja universal. Uma longa lista de todas as sedes episcopais existentes no mundo nos introduz depois a conhecer a vida concreta de cada uma das Igrejas particulares espalhadas nos cinco continentes desde as de época apostólica às mais recentes, constituídas no decorrer de 2010. O Anuário Pontifício de 2011 informa-nos que atualmente as Bento XVI com o cardeal Sodano em 20 de dezembro de 2010. O cardeal Sodano, há 50 anos a serviço da Santa Sé, circunscrições eclesiásticas chegam a quase 3 mil (exatamente a 2.956). Porém o número de bispos é superior, porque ao lado do bispo que guia cada uma das dioceses, há também o bispo coadjutor, um auxiliar e um ou mais bispos eméritos. O número total dos bispos chega assim a 5.065. Em cada diocese há também um adequado número de sacerdotes como providenciais cooperadores do bispo. Todos juntos (diocesanos e religiosos) superam hoje 400 mil (exatamente 410.593). Estes dados estatísticos nos fazem intuir a extrema importância do seu trabalho minucioso no vasto campo de ação da Igreja, em todas as realidades humanas. Muitas vezes estes são os soldados desconhecidos do Reino de Deus. Junto com a lista das dioceses, o Anuário Pontifício apresentanos também a lista das várias Conferências Episcopais nacionais e inter nacionais e enfim apresenta-nos o importante organismo do Sínodo dos Bispos, instituído pelo Papa Paulo VI para favorecer uma comunhão mais estreita com o romano Pontífice. foi Secretário de Estado de 29 de junho de 1991 a 2 de abril de 2005, com João Paulo II, e de 21 de abril de 2005 a 15 de setembro de 2006 com o atual Pontífice 18 30DIAS Nº 1/2 - 2011 A Cúria Romana Uma rápida olhada ao Anuário Pontifício permite também conhecer mais de perto o instrumento operante do qual o Papa serve-se cotidianamente para o desenvolvimento da sua missão. ANUÁRIO PONTIFÍCIO Sinto-me na obrigação de evidenciar este particular aspecto da vida da Igreja de Roma, porque dediquei grande parte do meu sacerdócio, cinquenta anos, ao trabalho na Cúria Romana. Folheando o Anuário Pontifício pode-se ver a descrição pormenorizada dos vários organismos da Cúria, da Secretaria de Estado às Congregações, dos Tribunais aos Pontifícios Conselhos, das administrações aos vários escritórios e comissões. Como em um filme vê-se toda a composição da Cúria Romana, como foi reorganizada pelo falecido pontífice João Paulo II com a constituição apostólica Pastor Bonus de 28 de junho de 1988. Gostaria particularmente de recordar o espírito de serviço que anima a grande família destes colaboradores do Santo Padre. Fui testemunha direta, principalmente nos 16 anos em que fui Secretário de Estado (15 anos durante o pontificado do Papa João Paulo II e um ano no início do pontificado do Papa Bento XVI). De resto, o Papa Paulo VI já tinha delineado a Cúria Romana como “um cenáculo per manente” totalmente consagrado ao serviço da Santa Igreja de Deus. As representações pontifícias Falando dos colaboradores do Papa, não quero esquecer de evidenciar o grande serviço realizado pelos representantes pontifícios espalhados pelo mundo. O Anuário Pontifício descreve-nos a sua presença na maior parte dos países do mundo. É uma presença que tem também um caráter oficial com os 178 Estados com os quais a Santa Sé mantém regulares relações diplomáticas. Como se sabe, com o nascimento dos Estados modernos nos séculos XV e XVI, iniciaram também a se constituir missões permanentes entre os Estados. Os Romanos Pontífices, que até aquele momento tinham-se limitado ao envio transitório de próprios representantes para algumas finalidades específicas, também recorreram então a tal instrumento de diálogo e de colaboração permanente. Assim nasceram as primeiras nunciaturas na Espanha, na França, na Alemanha, na Polônia, assim como na República de Veneza, que na época mantiO Annuarium statisticum Ecclesiae 2008, precioso complemento do Anuário Pontifício publicado todos os anos pela Secretaria de Estado nha úteis contatos com todo o Extremo Oriente. Pela história pode-se ver que a origem de tais nunciaturas não era ligada apenas às relações oficiais com os Estados, mas tinha como objetivo, principalmente, manter e incrementar a comunhão entre a Sé Apostólica e as Igrejas particulares. Um típico exemplo é o envio de núncios apostólicos na Alemanha, no início da Reforma, para responder à expansão do protestantismo na mesma região onde este tinha nascido. No final do Concílio Tridentino, também os representantes pontifícios na Espanha, na França, e nos vários Estados da península italiana receberam depois do Papa São Pio V, assim como do Papa Gregório XIII e dos sucessores, a missão de fazer com que fossem aceitas as decisões conciliares. Na realidade, foi mérito também dos núncios a aplicação da reforma tridentina na Europa. A serviço dos povos O Anuário Pontifício de cada ano leva-nos também a considerar várias outras faces da atividade da Igreja, principalmente a sua atividade social. Segundo as estatísticas emerge, com efeito, todo o trabalho que realizam as grandes Famílias religiosas, os que abraçaram os conselhos evangélicos e que se colocaram a serviço do próximo, nos mais variados setores da assistência, da caridade e da promoção social. O Anuário Pontifício mostra também a contribuição da Igreja à cultura contemporânea com as suas escolas, as suas universidades e as suas academias. Em síntese, o Anuário pontifício de cada ano abre-nos uma janela para o mundo e permitenos intuir, ao menos em parte, a obra que a Sé Apostólica está realizando para difundir até os confins da terra o Evangelho de salvação que Cristo nos doou. q O Anuário Pontifício do ano de 1931, sob o pontificado de Pio XI, uma das primeiras edições com esta denominação 30DIAS Nº 1/2 - 2011 19 C A PA A aposta egípcia Das perseguições de Diocleciano à queda de Mubarak. Das alianças com os primeiros seguidores de Maomé à incógnita representada pela Irmandade Muçulmana. Antonios Naguib, patriarca dos Coptas Católicos de Alexandria, retoma o longo itinerário dos cristãos na terra dos faraós. Uma história cheia de surpresas de Gianni Valente rimeiro, o massacre de Alexandria, com dezenas de mortos no atentado à igreja copta ortodoxa dos Santos, na noite de 31 de dezembro. Depois, a revolta nas ruas e praças egípcias, os conflitos, os mortos, o fim P 20 30DIAS Nº 1/2 - 2011 do regime de Mubarak e o início de uma transição cujo destino ainda é incerto. Para os cristãos do Egito, como para todos os outros egípcios, este é realmente um tempo repleto de questionamentos. Um tempo em que se mes- clam anseios, medos e esperanças despretensiosas. E em que o máximo de realismo coincide com uma prece de agradecimento e abandono à misericórdia de Deus. Como testemunha, na entrevista a seguir, Antonios Na- EGITO Praça Tahrir, no Cairo, onde durante dezoito dias centenas de milhares de manifestantes antigovernistas deram início à revolta contra o presidente Hosni Mubarak; no destaque, um manifestante mostra um crucifixo e um exemplar do Alcorão durante uma manifestação contra a evacuação da praça dois dias depois da queda de Mubarak, domingo 13 de fevereiro de 2011 deradas insuficientes. O final, como todos sabem, foi a deposição de Mubarak. Como pôde haver uma explosão tão inesperada? Na verdade, não podemos dizer que foi inesperada. Muitos analistas apontavam há tempos os elementos que preparavam para essa explosão, que foi como a erupção de um vulcão. Diversos guib, patriarca dos coptas católi- fatores se somaram para leva o povo à insurreição: o abuso do cos de Alexandria. poder, a corrupção, o monopólio Vo s s a B e a t i t u d e , o q u e da indústria e das terras por parte ocorreu no Egito? E como o de alguns homens de negócios. E senhor viveu os últimos acon- também todos os problemas sociais: desemprego dos jovens, imtecimentos? ANTONIOS NAGUIB: Vive- possibilidade de encontrar habitamos dias angustiosos, que o mun- ção a preço razoável e, por consedo inteiro pôde acompanhar pela guinte, dificuldades para formar mídia. Os partidos e os grupos de uma família; e, ainda, o aumento oposição ao regime e ao governo contínuo dos preços dos alimentos e dos serviços. começaram a organizar Houve muitos enor mes manifestamortos. Mas, em alções, a partir de 25 de guns momentos, janeiro. Pediam a “muhouve o medo de dança”, uma mudança que estourasse uma radical e imediata do reguerra civil bem gime, da Constituição, mais sangrenta. do governo e do presiEm todas as igrejas dente. O presidente de todas as denominaMubarak procurou sações foram oferecidas tisfazer os manifestanorações diárias pela paz tes e a opinião pública no país. Hoje, agradecom concessões parcemos a Deus onipociais, que foram consi- Antonios Naguib tente pela maneira como as coisas se passaram, e rezamos pela paz e pelo bem de nosso amado Egito, para que o país possa enxergar um futuro melhor e mais luminoso. Quem foram os verdadeiros protagonistas da revolta? Como o senhor vê o papel da Ir mandade Muçulmana no momento atual e no futuro? E o papel do exército? Os primeiros a quem temos de agradecer são os jovens patriotas que guiaram toda a população na recusa de uma situação errada que reinava no país há tempo demais. Quanto aos membros da Irmandade Muçulmana, eles não escondiam a sua oposição radical. Mas não foram eles que guiaram o levante. O exército quis evitar o confronto armado com a população, e acredito que tenha tido um papel decisivo para levar Mubarak à deposição. Foi uma revolta espontânea ou houve interferências externas com o objetivo de desestabilizar o Egito? O início das manifestações dos jovens, em 25 de janeiro, era pacífico e muito correto. Depois, outros elementos se infiltraram, e começaram os atos de vandalismo. A retirada das forças de polícia abriu as portas para todos os malfeitores. Mas foi então que vimos a coisa mais interessante: em todas ¬ 30DIAS Nº 1/2 - 2011 21 C A PA as ruas, os jovens e os adultos, cristãos e muçulmanos, numa solidariedade maravilhosa, se organizaram espontaneamente em “comitês populares” para defender a população e seus bens, e assim foi possível trazer de volta a segurança e a tranquilidade. Mas qual foi o peso das pressões ocidentais – em particular dos Estados Unidos – e do exército na deposição de Mubarak? E como o povo egípcio avalia essas pr essões? em leis, onde a liberdade de cada um seja respeitada e as relações entre as pessoas sejam reguladas com base na cidadania compartilhada e comum, com direitos e deveres iguais para todos. As manifestações expressavam esse tipo de exigência política. Este pode realmente, e finalmente, ser o caminho para evitar divisões e conflitos entre os grupos sociais e religiosos, garantindo a todos a possibilidade de expressar-se e de dar sua contribuição para o bem comum. Sem que haja categorias e nha convidado os cristãos a não participar das manifestações. Vocês têm medo de que a desestabilização do regime possa, com o tempo, trazer novos problemas para os cristãos, como aconteceu no Iraque? O que me enche de segurança é o fato de ter voltado a ver acontecer nestes dias uma coisa que não víamos faz tempo: uma unidade concreta entre os cidadãos, velhos e jovens, cristãos e muçulmanos, sem distinções e discrimi- À esquerda, o prêmio Nobel Mohamed El Baradei na praça Tahrir, em 30 de janeiro de 2011; à direita, Mohamed Hussein Tantawi, ex-ministro da Defesa e vice-primeiro-ministro, hoje sucessor de Mubarak, durante as negociações com os manifestantes da praça Tahrir, em 4 de fevereiro de 2011 Não posso dizer se as pressões ocidentais, e de modo particular a pressão dos Estados Unidos, tiveram realmente um peso efetivo na decisão definitiva de Mubarak de renunciar. Porque, se as manifestações tivessem parado com as suas primeiras concessões, ele não se retiraria antes do fim de seu mandato. Foram os jovens e os outros manifestantes, decididos a não aceitar menos que a renúncia total e definitiva, que o levaram à decisão final. Se não a tivesse tomado, creio que o exército decretaria e declararia a sua expulsão do poder. E agora? Na sua opinião, como tudo isso vai acabar? A meu ver, existe realmente a possibilidade de que se inicie um processo que leve gradualmente o Egito a ter uma posição própria entre os países modernos. Um país civil e democrático baseado 22 30DIAS Nº 1/2 - 2011 grupos discriminados na sociedade e na política. O Egito se encontra numa encruzilhada importante do ponto de vista político, econômico e social. A reconstrução do país poderá realmente reavivar as raízes de uma civilização que marcou o mundo por séculos. Como os cristãos viveram este tempo? Com e como todos os nossos concidadãos, vivemos estes eventos dramáticos com um profundo sentimento de apreensão. Como eu disse, todas as Igrejas se voltam ao nosso único socorro: a Misericórdia divina. Depositamos toda a nossa confiança em Deus, e agora imploramos que dê luz e coragem aos líderes dos grupos e das organizações, para que caminhem juntos na via da reconstrução. No início dos protestos, os líderes cristãos eram prudentes. Houve mesmo quem te- nações, no propósito comum de agir pelo bem do Egito, pela salvação e pela segurança do país. Espero que esses sentimentos possam permanecer e criar raízes nos corações. Essa experiência abriu os olhos de muita gente. Hoje, todos veem que quem fomenta as divisões e os conflitos com os outros egípcios baseandose nas diferenças religiosas na verdade visa destruir a unidade e desestabilizar o Egito. O fato é que o regime autoritário de Mubarak, nas suas declarações oficiais, combatia os conflitos religiosos e, apesar de tudo, era considerado por muitos observadores um fator de “proteção” dos cristãos, vítimas de violências recorrentes nas últimas décadas. Não existe mesmo o risco de daqui a um tempo nos lembrarmos com Entrevista com o patriarca Antonios Naguib O que me enche de segurança é o fato de ter voltado a ver acontecer nestes dias uma coisa que não víamos faz tempo: uma unidade concreta entre os cidadãos, velhos e jovens, cristãos e muçulmanos, sem distinções e discriminações. Espero que esses sentimentos possam criar raízes nos corações Acima, uma imagem do atentado à igreja copta ortodoxa dos Santos, em Alexandria, em 31 de dezembro de 2010, em que um carro-bomba matou vinte e uma pessoas; à direita, a manifestação de protesto da comunidade copta ortodoxa de Alexandria, em 1º de janeiro de 2011 saudade, digamos assim, da rígida onipresença das forças de segurança? É verdade que muitos cristãos pensavam que o regime de Mubarak garantia a eles uma certa proteção, e temiam que a mudança de regime pudesse levar a Irmandade Muçulmana ao poder. Até agora, esse perigo permanece um pouco distante, embora não tenha sido removido por completo. Por outro lado, as forças armadas declararam claramente que sua tarefa é provisória, com a finalidade de preparar o caminho para pleno restabelecimento do governo civil. Pouco antes da revolta geral, o Egito esteve no centro de atenções e polêmicas inter nacionais por causa do massacre de cristãos coptas em Alexandria, em 31 de dezembro passado. Na sua opinião, há uma ligação entre as duas coisas? Avaliei essa hipótese desde o primeiro momento. Porque tinha visto ocorrências semelhantes das décadas de 1980 e 1990, quando era bispo em Minya. Na época, vivemos cerca de cinco anos de ataques mortais contra os cristãos. Os autores dos ataques queriam subverter o regime, mas não conseguiram. Por isso, começaram a atacar diretamente a polícia e os representantes do governo, até matar o grande imã de Al-Azhar. O alvo era o regime, os cristãos eram apenas uma ponte para esse objetivo. Nestes últimos eventos, ouvi dizer que a ordem para que as forças policiais se retirassem nos três primeiros dias do levante, abrindo caminho, assim, para todos os atos de vandalismo de que vocês têm conhecimento, partiu do ministro dos Assuntos Internos, que queria provar dessa forma que a sua pessoa era indispensável para o presidente e para o regime. Naqueles dias, apesar da total ausência da polícia, que normalmente ocupava postos de vigilância ¬ 30DIAS Nº 1/2 - 2011 23 C A PA em frente de cada igreja, não houve nenhum ataque às igrejas. Esse fato deu peso à hipótese, que circulou particularmente entre os cristãos, de que o próprio ministro dos Assuntos Internos tenha planejado o massacre de Alexandria, para justificar um reforço das forças policiais. Em todo caso, a espontaneidade dos levantes juvenis e populares acabou com qualquer eventual cálculo criminoso. Depois do massacre de Alexandria de 31 de dezembro, a grande mídia interna- grandes teólogos: Orígenes, Santo Alexandre, São Cirilo e Santo Atanásio. Até que, em 451, a Igreja copta, ao lado da etíope, da síria e da armênia, rejeitou as decisões do Concílio de Calcedônia. Qual é o reflexo das origens apostólicas da Igreja egípcia na vida e nas devoções dos fiéis? A devoção a São Marcos é fortíssima. Ele é venerado por todos como o apóstolo fundador. Além disso, o Egito foi também um dos países em que Jesus viveu, quando, logo depois do seu nascimento, Maria e José se refugiaram aqui para escapar de Herodes. Todo o percurso da Sagrada Família é demarcado com lugares e santuários que hoje são meta de peregrinações. cado Copta Católico. Mas a visão do vínculo com a Igreja de Roma continua a ser um ponto controverso nas relações com os nossos irmãos da Igreja copta ortodoxa. Eles dizem: unidade na fé, sim, na caridade, sim, mas submissão, como inferior perante um superior, não. Dizem que essa era a situação dos primeiros séculos, que mais tarde se sintetizou na Pentarquia, a estrutura dos cinco Patriarcados, entre os quais o de Roma, que, segundo eles, tinha um primado na caridade, mas não na jurisdição. Abrindo um parêntese, no recente Sínodo sobre o Oriente Médio, o cardeal Levada anunciou que quer recolher sugestões e propostas dos chefes das Igrejas orientais a respeito do tema do primado, para procurar novas oportunidades para o diálogo com os ortodoxos sobre esse ponto. Essa ini- À esquerda, São Pedro entrega o Evangelho a São Marcos, evangeliário copta de 1250 conservado no Instituto Católico de Paris À direita, o patriarca Shenouda III cional passou a falar também dos cristãos coptas do Egito. Normalmente sem explicar bem quem são eles. Os coptas são cristãos do Egito que, segundo a tradição, receberam a fé cristã do apóstolo São Marcos. Depois, com Diocleciano, o grande perseguidor, veio a era dos mártires, que deu início (no ano de 284) ao calendário copta. No século IV, com a liberdade religiosa, a fé cristã se difundiu por todo o Egito. A Igreja de Alexandria naquela época tinha um papel eminente, com seus 24 30DIAS Nº 1/2 - 2011 São Marcos era discípulo de Pedro. Recebeu do Príncipe dos Apóstolos a ordem de escrever seu Evangelho. Portando, existe desde as origens um vínculo entre a Igreja copta e o bispo de Roma. Até 451, a Igreja era praticamente uma só; depois é que vieram as separações. A partir da primeira metade do século XVIII, uma pequena parte dos coptas confessou sua comunhão com o bispo de Roma, e em 1895 o papa Leão XIII constituiu o Patriar- ciativa foi adiante? Vocês, patriarcas católicos orientais, foram contatados pela Congregação para a Doutrina da Fé? Até agora, não. No Sínodo, manifestou-se o desejo de uma maior participação dos patriarcas católicos Entrevista com o patriarca Antonios Naguib orientais da vida da Igreja Católica. Foram feitas algumas propostas práticas, como a de admitir os patriarcas orientais no Sacro Colégio que elege o Papa em virtude de seu próprio ofício patriarcal, sem que seja preciso criá-los cardeais. Seriam sinais de um maior envolvimento, mas segundo a qual a natureza humana de Jesus seria absorvida pela divina. O que resta dessas doutrinas na espiritualidade copta? Na realidade, desde aquela época, as controvérsias giravam em torno de aspectos terminológicos, Celebração litúrgica da Sexta-feira Santa em uma igreja copta do Cairo Naqueles dias, os postos de vigilância da polícia que ficam em frente das igrejas foram retirados, mas não houve nenhum ataque às igrejas. Esse fato deu peso à hipótese, que circulou entre os cristãos, de que o próprio ministro dos Assuntos Internos tenha planejado o massacre de Alexandria de 31 de dezembro, para justificar um reforço das forças policiais não representam uma solução. E certamente não são coisas que podem satisfazer os nossos irmãos ortodoxos. Para eles, o critério é o da autocefalia, ou seja, da autonomia de cada Igreja local. E a questão do primado deve ser posta nos termos em que era compartilhada nas relações entre os apóstolos e entre seus primeiros sucessores. A partir da rejeição do Concílio de Calcedônia, as comunidades cristãs autóctones do Egito ficaram ligadas ao monofisismo, a doutrina que esse Concílio condenou, mais que substanciais. Como acontece ainda hoje, as disputas doutrinais eram alimentadas também por questões políticas. Naquele tempo, o Egito estava sob o domínio dos bizantinos, que tinham aceitado o Concílio de Calcedônia e queriam preencher as sedes episcopais com bispos “calcedônios” politicamente fiéis a eles, a começar pela sede patriarcal de Alexandria. Os egípcios identificavam a fé “calcedônia” como um sinal distintivo da fé imperial, e, estimulados sobretudo pelos monges, se organizaram numa Igreja do povo, deixando aos calcedônios o controle de uma hierarquia filoimperial protegida pelas guarnições bizantinas. Mas, do ponto de vista doutrinal, já no século VI foram rejeitadas no Egito as doutrinas que afirmavam a fusão entre a natureza humana e a natureza divina de Jesus. Em 1988, os representantes da Igreja copta ortodoxa e da Igreja católica subscreveram uma declaração cristológica pactuada para expressar sua fé compartilhada em Jesus Cristo, “perfeito na Sua Divindade e perfeito na Sua Humanidade”, que “tornou a Sua Humanidade uma coisa só com a Sua Divindade, sem mistura ou confusão”. No seu modo de ver, o que define, na vida concreta, a espiritualidade da Igreja copta? Neste ponto, é preciso fazer uma distinção. Nós, coptas católicos, nos formamos com a ajuda de professores e educadores católicos. Portanto, nos enriquecemos com todas as novas contribuições teológicas e espirituais que apareceram no catolicismo ao longo dos séculos. Por sua própria postura, o nosso pensamento se atualiza constantemente, estimulado pelos ensinamentos que recebemos tanto do Papa quanto das Congregações, dos Concílios, dos teólogos e dos santos. E os coptas ortodoxos? Para eles, é diferente. Nós, coptas católicos, distinguimos o patrimônio espiritual ascéticomonástico do patrimônio teológico-dogmático. Para eles, a teologia coincide com a Sagrada Escritura, com os Padres da Igreja e com a rica tradição espiritual monástica. Assim, tudo permanece sempre igual ao início; não existe a diferenciação a que assistimos na Igreja Católica através dos séculos. E devo dizer que para nós, coptas católicos, a proximidade com essa realidade dos nossos irmãos coptas ortodoxos é uma ajuda, pois a nossa formação “à maneira ocidental” contém um risco de intelectualismo. Já entre eles tudo é muito mais simples e essencial. O ponto que nos une é a liturgia. Podemos dizer que a fé no Egito é preservada e transmitida não pela teologia, pela cul- ¬ 30DIAS Nº 1/2 - 2011 25 CAPA tura civil, pelos grandes pregadores, mas pelo apego visceral à liturgia vivido pelos cristãos desta terra. A liturgia é a nossa verdadeira pátria espiritual. E as peregrinações? As peregrinações também ocupam um espaço privilegiado na vida dos nossos fiéis. Nelas encontramos gente de todas as partes do Egito; nelas descobrimos ser uma única família, na fé e na veneração dos santos. Nós, coptas católicos, peregrinamos também aos santuários ortodoxos e aos lugares pelos quais, segundo a tradição, passou a Sagrada Família. É verdade que os muçulmanos também participam? Claro. Eles participam das peregrinações para se encontrar com São Jorge e a Virgem Maria, que é citada no Alcorão como a mais honrada entre todas as mulheres, e que, também para eles, deu à luz milagrosamente a seu filho, que eles consideram o maior dos profetas. Portanto, a Virgem Maria é uma ponte de unidade. Além deles, Santa Teresinha também. No Cairo, há uma basílica dedicada a Teresinha que é muito frequentada pelos muçulmanos. É ver dade? Como isso é possível? É a sua santa menina predileta. O santuário fica num bairro muito popular. Quando alguém fica doente, passa por uma necessidade urgente, tem problemas de trabalho ou de família, um amigo ou uma amiga cristã lhe diz: vamos rezar a Santa Teresinha. Eles vão lá, param diante da imagem da santa, acendem velas, e rezam com muito ardor. Muitas vezes os vi até chorar. E realmente os milagres acontecem, e as histórias se espalham, de amigo para amigo. Assim, esse se tornou um santuário frequentado igualmente por muçulmanos e cristãos. Temos até livrinhos em árabe que contam a sua história. Uma santa tão jovem, tão indefesa... eles têm um grande apreço por ela. As relações com os muçulmanos sempr e foram uma prova do caráter autóctone, “egípcio”, da Igreja copta. Desde a chegada deles. Naquele tempo, no século VII, 26 30DIAS Nº 1/2 - 2011 Como cristãos do Egito – católicos, protestantes e ortodoxos, sem diferenças –, vemos que todo apelo por pressões diplomáticas, iniciativas punitivas ou sanções econômicas contra o Egito em razão dos episódios que envolvem os cristãos egípcios é o dano mais grave que possa ser feito aos próprios cristãos os coptas eram não apenas marginalizados, mas perseguidos pelos bizantinos, que eram os dominadores. Como eu disse, Alexandria tinha um patriarca bizantino imposto pelo império. Quando chegaram os conquistadores muçulmanos, os coptas os acolheram como libertadores. Seu primeiro governador, Amr ibn al-As, garantiu que respeitaria a fé dos coptas e seus lugares de culto, o que de fato aconteceu sob seu governo e de seus primeiros sucessores. Assim, os monges e os bispos coptas puderam retomar a orientação espiritual do povo e também um posicionamento sociopolítico reconhecido na nova ordem muçulmana. Mas depois as coisas se degradaram. A época dos soberanos mamelucos e, depois, a dos sultões tur- cos foram marcadas pela violência e por repetidas tentativas de eliminar os coptas. Boa parte deles se deslocou para as regiões ao sul, onde podiam viver uma vida um pouco mais tranquila. E hoje? Ainda existem áreas ou grupos sociais em que os cristãos se concentram? Hoje os cristãos vivem no país inteiro, das costas do norte às fronteiras com o Sudão. São raros os municípios em que todos os habitantes são cristãos. De modo geral, eles vivem misturados com o resto do povo egípcio. Antes havia bairros do Cairo onde os cristãos eram maioria, mas hoje esse fenômeno também vai diminuindo. Não temos enclaves. E não somos identificados como uma classe social. Há cristãos em todas as camadas da sociedade, Entrevista com o patriarca Antonios Naguib À esquerda, devoção na igreja de Minya, um dos lugares em que a Sagrada Família pernoitou durante a fuga para o Egito Abaixo, o mosteiro copta de Santo Antônio, em Zafarana Acima, o incipit do Evangelho de Marcos, num manuscrito copta de 1204-1205, proveniente do mosteiro de Santo Antônio e atualmente conservado na Biblioteca Apostólica Vaticana. O códice contém a versão copta do texto grego dos Evangelhos e, na margem, a tradução em língua árabe. A miniatura representa o arcanjo Miguel com o evangelista Marcos desde os fellah, os camponeses, até a elite rica. Sempre numa proporção que não supera dez por cento. Os ricos, até bastante conhecidos internacionalmente, representam um número muito pequeno, se comparado ao dos ricos muçulmanos. E entre os coptas católicos há pouquíssimos ricos, quase não existem... [ri, ndr]. Mas é um fato que, a partir do século XIX, surgiu entre os coptas um certo nacionalismo, que os levava a identificar-se como os verdadeiros herdeiros dos antigos egípcios e a considerar os muçulmanos “estrangeiros”. A burguesia copta batizava seus filhos com nomes de faraós. Para dizer a verdade, isso existe na mentalidade copta. O que sem- pre digo é que este é um dado real: os cristãos coptas estavam no Egito antes da chegada dos muçulmanos. Mas não é preciso fazer disso um fator de oposição em relação aos outros egípcios. Como é possível apagar catorze séculos de convivência? Se assim fosse, os muçulmanos também poderiam dizer: no fundo, vocês chegaram aqui “apenas” sete séculos antes de nós... No máximo, um argumento como esse deve ser usado para definir um terreno comum que nos una no presente e no futuro, como nos uniu na alegria e na dor durante catorze séculos, até hoje. Lutamos juntos pela independência, sofremos juntos nas últimas guerras, em que o sangue dos cristãos foi derramado juntamente com o dos muçulmanos. Os coptas não sentiram grande pesar quando, no Egito moderno, os quartéis das potências ocidentais foram desmantelados. Muito pelo contrário. Eles não viam no poder das potências ocidentais um elemento de proteção para os cristãos. Para eles, era um fator de enfraquecimento da Igreja local, com a passagem de membros da Igreja copta ortodoxa para a copta protestante. É o mesmo que dizem em relação aos coptas católicos. Mas, ao mesmo tempo, a liberdade religiosa não pode ser negada. E no Egito moderno não houve uma dominação que favorecesse o nascimento da Igreja copta católica. Até hoje somos apenas 250 mil. Não podemos ser acusados de proselitismo. ¬ 30DIAS Nº 1/2 - 2011 27 C A PA Na Igreja copta ortodoxa, mesmo nos longos períodos de marginalidade, os leigos sempre tiveram uma grande influência na orientação da vida eclesial. No início eram eles que dirigiam tudo. Os leigos notáveis tinham dinheiro e posições socialmente influentes; o clero não era instruído. Os camponeses iam para os mosteiros; os mais devotos eram ordenados bispos. Foi assim até o patriarca Cirilo VI, o antecessor do atual patriarca, Shenouda III, que era um santo homem de Deus e começou a atrair para os mosteiros alguns jovens universitários, e depois os consagrou bispos para a missão entre o povo. Esses bispos, ao lado dos leigos, lançaram as escolas dominicais de catecismo, e de lá partiu uma corrente de renovação que envolveu toda a comunidade copta. Uma renovação que floresceu em torno dos mosteiros. É desse contexto que vêm os bispos ordenados pelo patriarca Shenouda III. São mais de cem, e hoje são eles que dirigem a Igreja. O peso dos leigos diminuiu, mas continua a ser muito grande. Muitas comunidades cristãs do Oriente são caracterizadas por uma certa discrição. Tendem a não ser socialmente visíveis demais. No entanto, no Egito, os coptas mostram uma certa exuberância, até publicamente. Grandes mosteiros, grandes catedrais, manifestações públicas. Certamente a Igreja copta é visível, presente, ativa. Mas não se trata de querer aparecer. O fato é que, mesmo sendo minoria, são uma minoria muito consistente. São muitos, pelo menos oito milhões; com certeza não podem esconder-se. Voltemos à dramática situação atual. O massacre do último dia do ano impressionou a todos. Mas os coptas já tinham sofrido ataques e violências, desde a década de 1980. O que mudou, em relação à época anterior? Existe hoje um fenômeno geral de crescimento das correntes fundamentalistas e islamistas, que no Sínodo definimos como “islã polí28 30DIAS Nº 1/2 - 2011 tico”. Esse fenômeno tem diferentes formas e manifestações. Alguns desses grupos se esforçam para fazer uma lavagem cerebral nos jovens, de modo a pôr em prática projetos de domínio, local e mundialmente. Não o escondem, dizem-no claramente, escrevem sobre o assunto. E, dadas as condições difíceis vividas em nossos países, têm sucesso. Entre estes, há quem defenda uma menta- versas ramificações; os diversos grupos muitas vezes tomam caminhos diferentes e entram em conflito. Não dá para pôr todos no mesmo saco. Cada geração segue por um caminho. É preciso distinguir um grupo do outro. Hoje, além de tudo, existem novos grupos salafitas que atacam os outros, inclusive a Irmandade Muçulmana, em nome de sua pretensa maior pureza islâmica. Crianças brincam na entrada da igreja copta dedicada à Virgem Maria, em Alexandria lidade de rejeição e de ódio ao outro. Desse húmus podem sair grupelhos que decidem realizar atentados como o de Alexandria. A Irmandade Muçulmana está por trás da violência contra os cristãos, como alguns afirmam? A Irmandade Muçulmana nasceu de uma ideologia que promovia a renovação do islã, para voltar à pureza das origens. Logo isso se tornou uma orientação política, que pretendia voltar ao modo de vida dos tempos do Profeta, pela imposição integral da Sharia e da dominação islamista na sociedade. Mas depois as coisas mudaram. Mesmo dentro da Irmandade Muçulmana se criaram di- O grande mérito histórico do Sínodo para o Oriente Médio foi ter definido essa situação com clareza, numa perspectiva de comunhão dentro da Igreja, com os outros cristãos e também com os outros concidadãos, para construir sociedades baseadas no direito, no respeito aos valores comuns e na igualdade na cidadania. No passado, ante os ataques e a violência sofridos pelos coptas, a Igreja no Egito nunca atribuiu a culpa à maioria islâmica ou ao islã em geral. E hoje? Depois da tragédia de Alexandria, houve uma reafirmação ainda mais forte do destino comum que é compartilhado por cristãos e Entrevista com o patriarca Antonios Naguib muçulmanos no Egito. Tudo o que foi dito, na televisão e no jornal, mesmo pelos intelectuais e pelos guias da comunidade muçulmana, a começar pelo grande imã de AlAzhar, seguiu nessa linha, mais do que antes. Houve fortes reações às palavras do Papa, chegando até a suspensão das relações de diálogo com a Santa Sé, por iniciativa da Universidade de Al-Azhar, o maior centro de ensino religioso do islã sunita. Como foi esse episódio? Uma emissora de tevê [a Al Jazeera, ndr] transmitiu as notícias de modo distorcido, dizendo que o Papa tinha chamado os Estados e os governos do Ocidente a se posicionarem para defender os cristãos perseguidos no Egito e no Oriente Médio. O Papa nunca dis- se isso. Mas essa falsa versão de suas palavras foi tomada como se fosse a versão oficial. E transformou-se no pretexto de que Al-Azhar precisava para suspender o diálogo com a Santa Sé. Enfim, as palavras do Papa foram desvirtuadas. Mas houve realmente campanhas or ganizadas no Ocidente, que chegaram até o Parlamento Europeu, onde foi pedida a suspensão da ajuda prestada aos países que não defendem os cristãos. Essa é uma atitude errada. E acaba por confirmar as interpretações errôneas das palavras do Papa. Como cristãos do Egito – católicos, protestantes e ortodoxos, sem diferenças –, vemos que todo apelo por pressões diplomáticas, iniciativas punitivas ou sanções econômicas contra o Egito em razão dos episódios que envolvem os cristãos egípcios é o dano mais grave que possa ser feito aos próprios cristãos. Eu gostaria de ter dito isso em Bruxelas, no Parlamento Europeu, quando me convidaram a falar das perseguições dos cristãos no Oriente Médio. Mas não quis deixar o país, nas circunstâncias trágicas destes dias. Como os coptas ortodoxos avaliaram essas iniciativas e os apelos do Papa? Eles também ficaram condicionados pela versão distorcida que se espalhou. E oficialmente assumiram o mesmo critério de juízo expresso pelo imã de Al-Azhar. Nós, como católicos, temos um vínculo de fé e hierarquia com o bispo de Roma. Mas certamente não temos nenhuma obrigação de nos sentirmos vinculados às inicia- À direita, sacerdotes coptas em oração na Catedral copta ortodoxa de São Marcos, no Cairo Abaixo, devoção na gruta de Doronka, na cidade de Asyut, um dos lugares em que pernoitou a Sagrada Família durante a fuga para o Egito. Para cá, todos os anos, por ocasião da festa da Assunção da Virgem, dezenas de milhares de cristãos coptas se dirigem em peregrinação ao lado de milhares de muçulmanos igualmente atraídos pela santidade do lugar tivas de grupos ou organismos europeus, ocidentais ou internacionais. São importantes e devem ser valorizadas as contribuições que podem vir de qualquer parte, mas os objetivos precisam ser promover um clima positivo e identificar terrenos comuns de convivência e colaboração, e não piorar as tensões e os conflitos. Para terminar, eu lhes pediria em primeiro lugar que rezassem pela paz e pela tranquilidade do Egito e de todos os países que sofrem com a instabilidade e a violência. E lhes agradeço por seu interesse e sua proximidade. q 30DIAS Nº 1/2 - 2011 29 Curtas Curtas Curtas Cu 3ODIAS NO MUNDO 3ODIAS NO MUNDO 3ODIAS NO MUNDO 3ODIAS NO MUN O MISTÉRIO DA CARIDADE DE JOANA D'ARC Publicamos alguns trechos da catequese do Papa Bento XVI sobre Santa Joana d’Arc na audiência geral de quarta-feira, 26 de janeiro de 2011. “Estimados irmãos e irmãs! Hoje gostaria de vos falar de Joana d’Arc, uma jovem santa do fim da Idade Média, morta com 19 anos em 1431. Esta santa francesa, citada várias vezes no Catecismo da Igreja Católica, está A praça do Mercado Antigo de Rouen onde Joana d'Arc foi queimada na fogueira particularmente próxima de santa Catarina de Sena, padroeira da Itália e da Europa. [...] O Nome de Jesus, invocado pela nossa santa até nos últimos instantes da sua vida terrena, era como que o suspiro contínuo da sua alma, como a palpitação do seu coração, o centro de toda a sua vida. O Mistério da caridade de Joana d’Arc, que tanto tinha fascinado o poeta Charles Péguy, é este amor total por Jesus, e pelo próximo em Jesus e por Jesus. [...] Com o voto de virgindade, Joana consagra de modo exclusivo toda a sua pessoa ao único Amor por Jesus: é ‘a sua promessa feita a nosso Senhor, de conservar bem a sua virgindade de corpo e de alma’. A virgindade da alma é o estado de graça, valor supremo, para ela mais precioso do 30 30DIAS Nº 1/2 - 2011 que a vida: é um dom de Deus, que deve ser recebido e conservado com humildade e confiança. Um dos textos mais conhecidos do primeiro Processo diz respeito precisamente a isto: ‘Interrogada se sabia que estava na graça de Deus, Uma imagem de Joana d'Arc no responde: se não filme de Carl Theodor Dreyer estou nela, que La passion de Jeanne d'Arc Deus me queira pôr; se aí estou, Deus me queira conservar’ (cf. Catecismo da Igreja Católica, n. 2005). A nossa santa vive a oração na forma de um diálogo contínuo com o Senhor, que ilumina também o seu diálogo com os juízes e lhe dá paz e segurança. Ela pede com confiança: ‘Dulcíssimo Deus, em honra da vossa santa Paixão, peço-vos, se me amais, que me reveleis como devo responder a estes homens de Igreja’. Jesus é contemplado por Joana como o ‘Rei do Céu e da Terra’. Assim, no seu estandarte, Joana mandou pintar a imagem de ‘Nosso Senhor que mantém o mundo’. [...] Apraz-me recordar como santa Joana d’Arc teve uma profunda influência sobre uma jovem santa da época moderna: Teresa do Menino Jesus. Numa vida completamente diferente, transcorrida na clausura, a carmelita de Lisieux sentiase muito próxima de Joana, vivendo no coração da Igreja e participando nos padecimentos de Cristo para a salvação do mundo. A Igreja reuniuas como Padroeiras da França, depois da Virgem Maria. Santa Teresa tinha exprimido o seu desejo de morrer como Joana, pronunciando o Nome de Jesus, e era animada pelo mesmo grande amor a Jesus e ao próximo, vivido na virgindade consagrada”. urtas Curtas Curtas Curtas NDO 3ODIAS NO MUNDO 3ODIAS NO MUNDO 3ODIAS NO MUNDO 3ODIAS NO MUNDO PAPA/1 A unidade dos cristãos habita na oração Na audiência geral da quarta-feira, 19 de janeiro, o Papa Bento XVI disse: “O caminho rumo à unidade visível entre todos os cristãos habita na oração porque, fundamentalmente, a unidade não somos nós que a ‘construímos’, mas é Deus que a ‘constrói’, deriva d’Ele, do Mistério trinitário, da unidade do Pai com o Filho no diálogo de amor que é o Espírito Santo, e o nosso compromisso ecumênico deve abrir-se à obra divina, deve fazer-se invocação quotidiana da ajuda de Deus. A Igreja é sua, e não nossa”. PAPA/2 O menino e o Papa “Aconteceu tudo rapidamente, foi na audiência de ontem, logo depois do final da catequese do Papa: o menino escapa de seu pai e pula além das primeiras filas, o guarda que se detém ao ver que monsenhor Georg Gänswein faz um sinal sorrindo para deixá-lo livre e ele, o menino, um brasileiro, que corre e dá um olhada atrás de si e sobe os degraus para cumprimentar Bento XVI, enternecido pelo gesto da criança que se ajoelha para beijar seu anel”. Publicado no Corriere della Sera de 3 de fevereiro. DEMISSÕES E NOMEAÇÕES As demissões de Agnelo, Husar, Sterzinsky e Sfeir. Nomeado o sucessor de Ouellet em Québec No dia 12 de janeiro o Papa aceitou a renúncia ao governo pastoral da arquidiocese de São Salvador da Bahia, no Brasil, apresentada pelo cardeal Geraldo Majella Agnelo, e nomeou para substituí-lo o arcebispo Murilo Sebastião Ramos Krieger, dehoniano, 68 anos, desde 2002 metropolita de Florianópolis. Em 10 de fevereiro o Papa aceitou a renúncia do cardeal Lubomyr Husar, 78 anos em 26 de fevereiro, ao cargo de arcebispo maior de Kyiv-Halyc na Ucrânia. No dia 24 de fevereiro o Papa aceitou a renúncia ao governo pastoral da arquidiocese de Berlim, na Alemanha, apresentada pelo cardeal Geor g Maximilian Sterzinsky. No dia 26 de fevereiro aceitou a renúncia ao ofício de patriarca de Antioquia dos Maronitas apresentada pelo cardeal Nasr a l l a h P i e r r e S f e i r, 9 1 anos. para Migrantes e subsecretário no “Cor Unum” e promotor na Congregação dos Santos Nasrallah Pierre Sfeir Em 22 de fevereiro o Papa nomeou arcebispo de Québec no Canadá, monsenhor Gérald Cyprien Lacroix, do Institut Séculier Pie X, 54 anos, que desde abril de 2009 era auxiliar na mesma sede do cardeal Marc Ouellet, chamado no ano passado para guiar a Congregação para os Bispos. NOMEAÇÕES/1 O cardeal Nicora na direção da Autoridade de Informação Financeira No dia 19 de janeiro o Papa nomeou presidente da Autoridade de Informação Financeira, constituída em 30 de dezembro, o cardeal Attilio Nicora, presidente da Administração do Patrimônio da Sé Apostólica. O Pontífice nomeou também como membros do Conselho Diretor da AIF, o professor Claudio Bianchi, o advogado Marcelo Condemi, o professor Giuseppe Dalla Torre, e Cesare Testa. NOMEAÇÕES/2 Novo prefeito na Congregação para os Religiosos; vice-camerlengo; secretário na Pastoral No dia 4 de janeiro o Papa aceitou a renúncia apresentada pelo cardeal Franc Rodé do cargo de prefeito da Congregação para os Religiosos e chamou para sucedê-lo no mesmo cargo monsenhor João Braz de Aviz, 64 anos, ligado ao movimento dos Focolarinos, desde 2004 arcebispo de Brasília. Em 22 de janeiro o Papa nomeou, por um triênio, vice-camerlengo da Santa Igreja Romana o arcebispo espanhol Santos Abril y Castelló, 76 anos, ex-núncio apostólico na Eslovênia. Em 22 de fevereiro o Papa nomeou Secretário do Pontifício Conselho da Pastoral para os Migrantes e Itinerantes o indiano Joseph Kalathiparambil, 59 anos, desde 2002 bispo de Calicut. Em 5 de janeiro o Papa nomeou subsecretário do Pontifício Conselho “Cor Unum”, monsenhor Segundo Tejado Muñoz, da diocese de Roma, oficial do mesmo dicastério. Em 9 de fevereiro o Papa nomeou Promotor da Fé na Congregação para as Causas dos Santos, o padre Luigi Borriello, carmelitano descalço, até agora consultor do mesmo dicastério. IGREJA Mariano Crociata e o sectarismo cristão “Na época das crises das identidades, do expressivismo e da autenticidade, pode-se viver uma pertença eclesial fluída, intermitente e fraca, ou senão, pode- ¬ 30DIAS Nº 1/2 - 2011 31 Curtas Curtas Curtas Cu 3ODIAS NO MUNDO 3ODIAS NO MUNDO 3ODIAS NO MUNDO 3ODIAS NO MUN se enfrentar a mesma situação com a opção exatamente contrária: a que consiste em assumir uma pertença ao próprio grupo eclesial, ao próprio movimento, à própria ‘experiência’ como se fossem a única modalidade de pertença possível para ser Igreja”. São “duas faces de uma mesma medalha [...]. O próprio fato de que a nossa linguagem conheça a possibilidade de uma fé sem pertença ou de uma pertença sem fé, já é índice do fato que a pertença eclesial vive uma sua singularidade. Ela está ligada à fé, e a fé, se não pode totalmente Mariano Crociata em uma pertença visível e exterior, não pode nem mesmo ser concebida como fato meramente interior e invisível, se quer se manter como fé em Jesus Cristo ‘vindo na carne’”. São algumas considerações de monsenhor Mariano Crociata, secretário geral da Conferência Episcopal Italiana, na abertura da Semana Teológica, promovida pela diocese de Messina em 8 de fevereiro passado e publicadas no L’Osservatore Romano do dia seguinte. Sintetizando o discurso do bispo, o artigo do jornal do Vaticano conclui: “Enfim, a pertença eclesial ‘jamais pode ser sectária’, mas sim ‘estruturalmente aberta’. Consequentemente ‘nenhuma determinada mo- dalidade poderá ter a pretensão de ser o único modo de pertença eclesial’. Ainda mais ‘com traços de exclusão, não apenas para com os não cristãos, mas até mesmo para os que, cristãos como nós, vivem a sua pertença eclesial de modo diferente do nosso’”. ORIENTE MÉDIO A bandeira da Palestina hasteada nos EUA “Pela primeira vez, a bandeira palestina foi hasteada na sede da missão ANP ¬ EGITO Arrigo Levi e as ilusões de Israel No jornal La Stampa de 2 de fevereiro, Arrigo Levi escreveu um editorial com o título: Acabaram as ilusões de Israel. Publicamos a parte conclusiva. “Israel, ou melhor a Israel da aliança entre direita política e religiosa guiada por Netanyahu, poderia pensar que a substancial inércia diplomática, e a continuação da expansão nos territórios ocupados, representasse uma política cômoda e não arriscada para enfrentar um mundo palestino dividido e privado de substanciais apoios do mundo árabe e islâmico: desde que, bem entendido, não se olhe muito longe no tempo, e se iluda de que uma Palestina cada vez mais fraca deveria por fim contentar-se com uma paz imposta com qualquer condição. Se forem verdadeiras as revelações de Al Jazeera, o comportamento renunciatário dos negociadores palestinos poderia justificar estas ilusões. Mas a aliança com o Egito era a premissa necessária desta política, na verdade injusta para com o povo palestino, e míope por parte de um Estado de Israel que encontrará a garantia final do seu futuro histórico apenas com o nascimento de um Estado Palestino que ofereça o justo reconhecimento às razões do povo palestino. Se os judeus continuaram a se prometer por dois mil anos ‘no ano próximo em Jerusalém’, porque os palestinos, com um grande mundo árabe e islâmico às costas, deveriam esquecer em tempos breves o sonho de uma pátria para si? Então, o que Israel pode fazer? De várias frentes, o início da revolução egípcia levou diversos observadores a se perguntarem se justamente a falta da ‘coluna da paz’ que tinha como base o Cairo não possa ter o efeito surpreendente de levar Israel, no temor de um próprio ulterior isolamento, a relançar as negociações suspensas com os palestinos, demonstrando a necessária 32 30DIAS Nº 1/2 - 2011 Manifestantes na praça Tahrir, no Cairo disponibilidade às concessões, indispensáveis para um acordo, sobre o bloqueio de novos assentamentos como sobre a aceitação de uma capital palestina nas zonas com população árabe da grande Jerusalém. (De resto, na Jerusalém histórica, dentro das antigas muralhas, não há nem o Parlamento nem a Presidência nem os essenciais órgãos de governo nem mesmo do Estado de Israel). Mas por enquanto, isso é apenas um auspício. Também o oportunismo instintivo de um político hábil como Netanyahu não parece à altura de uma tal virada política. A esperança que a revolução egípcia leve ao nascimento de uma democracia leiga egípcia é talvez ainda menos audaciosa do que a esperança de que o anúncio, que vem do Cairo, de uma nova era de instabilidade e imprevisibilidade de todo o mundo árabe-islâmico (não sabemos se e onde se deterá a onde revolucionária depois da Tunísia e do Egito), leve este governo israelense a uma iniciativa inesperada para levar justamente agora ao sucesso as negociações com os palestinos. Os observadores menos otimistas temem o efeito oposto de um ulterior fechamento de Israel por trás da ilusória segurança do muro de proteção nos limites do Estado”. urtas Curtas Curtas Curtas NDO 3ODIAS NO MUNDO 3ODIAS NO MUNDO 3ODIAS NO MUNDO 3ODIAS NO MUNDO DOM GIUSSANI/2 DOM GIUSSANI/1 A recordação do cardeal Tettamanzi, em Milão A recordação do cardeal De Paolis, em Roma “Novas iniciativas são tomadas na Igreja [depois do Con“Caríssimos, celebramos a memória do dies natalis de cílio, ndr], nem sempre felizes. Delineiam-se sobretudo Dom Giussani, ou seja, do dia de seu encontro definitiduas correntes igualmente perniciosas: os tradicionalisvo e eterno com Cristo, ponto mais alto daquele encontas e os progressistas. [...] Ao aceitar a tradição da Igreja, tro que foi o segredo, a paixão, a força e a alegria de caDom Giussani não acaba prisioneiro de esquemas do da um de seus dias [...]. A partir daquele encontro Dom passado. Ao contrário disso, ele intui que dessa forma, Giussani ficou fascinado e conquistado e nada mais fez em vez de dispersar-se na busca de novos caminhos douem sua vida senão ser ‘ministro’ humilde e valioso do trinais dos quais não sente a necessidade, pode servir-se encontro que fizera, fascinando, por sua vez, e conquisdo rico patrimônio doutrinal, filosófico e teológico da tando para Cristo as pessoas e as realidades que enconIgreja para aprofundar o encontro pessoal dos homens trou em seu caminho. Como disse há seis anos, nesta com Cristo e reapresentar, assim, a mensagem originámesma Catedral, o então cardeal Joseph Ratzinger: ‘Já ria com nova força e vigor, dialogando de modo seguro na adolescência criou com outros jovens uma comunicom a cultura de sua época e oferecendo uma resposta dade que se chamava Studium Christi: o seu programa segura às necessidades mais profundas do homem.” São era não falar de nada mais a não ser de Cristo, pois todo palavras do cardeal Velasio De Paolis, presidente da Preo resto parecia perda de tempo’.” É assim que começa feitura para os Assuntos Econômicos da Santa Sé, na hoa homilia da missa que o cardeal Dionigi Tettamanzi cemilia durante a missa celebrada em sufrágio de padre lebrou no Domo de Milão, em 28 de fevereiro, em suLuigi Giussani em 22 de fevereiro, em Roma. Esta é a frágio de padre Luigi Giussani, que o arcebispo recorconclusão do purpurado: “No livro É possível viver asdou como “nosso irmão e pai”. Disse na parte conclusisim?, Dom Giussani revela o segredo da experiência reliva da homilia: “A palavra de Paulo: ‘Eu vivo, mas não giosa na vida vivida em comunhão com Jesus. Onde está eu: é Cristo que vive em mim’ (Gl 2,20) foi assim coo segredo? Ele responde: “Vivendo com Ele. Como se dá mentada pelo papa Bento XVI em seu discurso no Contestemunho d’Ele? Vivendo com Ele. Uma pessoa que lê gresso de Verona: ‘Assim mudou a minha identidade o Evangelho todos os dias, uma pessoa que comunga toessencial, mediante o batismo, e eu continuo a existir dos os dias, uma pessoa que diz Vem, Senhor, uma pessomente nesta mudança. [...] Assim, tornamo-nos ‘um soa que observa alguns companheiros seus para os quais só em Cristo’ (Gl 3,28), um único sujeito novo, e o nosisso já se tornou habitual, pode começar a sentir o que so eu é libertado do seu isolamento. ‘Eu, mas já não eu’: quer dizer viver com Ele. Viver com Ele se pode dizer de esta é a fórmula da existência cristã [...], a fórmula da uma outra for ma: viver como ‘novidade’ cristã chamada a transformar o mundo’ (19 Ele”. Eis a experiência de outubro de 2006). É o que escreve Dom antiga, mas sempre noGiussani no livro É posva, que Dom Giussani sível viver assim?, renos deixou. Conservelando o segredo da vemo-la com zelo. É experiência religiosa da o segredo da exisvida vivida em comutência cristã plena”. nhão com Jesus: o segredo está em viver com Ele: ‘Como se dá testemunho d’Ele? Vivendo com Ele. Uma pessoa que lê o Evangelho todos os Dois santinhos dias, uma pessoa que coem memória de munga todos os dias, uma Dom Giussani pessoa que diz Vem, Senhor, uma pessoa que observa alguns companheiros seus para os quais isso já se tornou habitual, pode começar a sentir o que quer dizer viver com Ele. Viver com Ele don Lu igi Gius 15 ottob se pode dizer de uma outra re 1922 sani – 22 feb braio 20 forma: viver como Ele’”. i n a 05 ss iu G don Luigi raio 2005 febb 1922 – 22 15 ottobre 30DIAS Nº 1/2 - 2011 33 Curtas Curtas Curtas Cu 3ODIAS NO MUNDO 3ODIAS NO MUNDO 3ODIAS NO MUNDO 3ODIAS NO MUN e m Wa s h i n g t o n ( c o m a aprovação de Obama). Um gesto simbólico: a Autoridade força o reconhecimento do Estado Palestino com ou sem a paz. Para a Rússia eles têm direito ao Estado. E vários países da América do Sul já reconheceram a Palestina”. Publicado no Corriere della Sera de 20 de janeiro. ESTADOS UNIDOS Giffords: os judeus, o compromisso e os milagres Causou muita comoção o atentado contra a expoente do partido democrata Gabrielle Giffords, ocorrido em 8 de janeiro em Tucson no Arizona. No atentado, que causou a morte de seis pessoas entre as quais uma criança, a política Giffords ficou gravemente ferida na cabeça. Ao fazer uma sua descrição, o Corriere della Sera de 9 de janeiro apresentou seu último slogan eleitoral que chamara atenção dos eleitores: “Se quiserem verdadeiros resultados, apostem em mim porque por tradição nós mulheres judias sabemos cumprir compromissos e milagres”. As suas condições de saúde, com o tempo, melhoraram. MAGHREB Riccardi: “A ideia de revolução morreu com o ano de 1989 e com Wojtyla” No Corriere della Sera de 4 de fevereiro, foi publicada uma entrevista com Andrea Riccardi sobre as revoltas que acontecem no Maghreb. No parecer do fundador da Comunidade de Santo Egídio, o Ociden- 34 te deveria “dar a sua contribuição à ‘democristianização’ dos islâmicos, segundo o modelo turco de Erdogan. Esta não é a revolução árabe. A ideia de revolução, que durou dois séculos, morreu com o ano de 1989 e com Wojtyla”. ACADEMIA DAS CIÊNCIAS Pela primeira vez um protestante é presidente No dia 15 de janeiro o Papa nomeou presidente da Pontifícia Academia das Ciências o suíço Werner Arber, 82 anos, protestante, professor emérito de Microbiologia na Universidade de Basileia, prêmio Nobel de Fisiologia e Medicina junto com Hamilton O. Smith e Daniel Nathans em 1978. DIPLOMACIA/1 Mudanças nas nunciaturas e dois novos núncios No dia 5 de janeiro o Papa nomeou observador permanente da Santa Sé junto às Organizações e os Organismos das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO, Ifad e PAM), o arcebispo Luigi Travaglino, 72 anos, exnúncio na África e Nicarágua e desde 2001 a disposição da seção das Relações com os Estados da Secretaria de Estado. Em 8 de janeiro Bento XVI nomeou arcebispo titular de Sutri monsenhor Antonio Guido Filipazzi, conselheiro de nunciatura, confiando-lhe ao mesmo tempo, o ofício de núncio apostólico. Filipazzi, 48 anos em outubro, nascido em Melzo, província de Milão, torna- 30DIAS Nº 1/2 - 2011 Werner Arber se assim o mais jovem bispo italiano. Ordenado sacerdote em 1987, incardinado em Ventimiglia, em 1992 entrou para o serviço diplomático da Santa Sé e prestou serviços em seguida nas representações pontifícias de Sri Lanka, Áustria, Alemanha e, por último, junto à seção para as Relações com os Estados da Secretaria de Estado. Ainda no dia 8 de janeiro o Papa nomeou arcebispo titular de Telepte monsenhor Edgar Peña Parra, 51 anos, venezuelano, até agora conselheiro de nunciatura no México, confiando-lhe ao mesmo tempo o ofício de núncio apostólico. Em 2 de fevereiro monsenhor Parra foi nomeado núncio no Paquistão. Em 13 de janeiro o Papa nomeou núncio apostólico em Singapura, delegado apostólico na Malásia e no Brunei, e representante pontifício não residente para o Vietnã, o arcebispo Leopoldo Girelli, 58 anos, desde 2006 núncio apostólico na Indonésia. Girelli permanece também como núncio no Timor Leste, encargo recebido também em 2006. No dia 10 de fevereiro Bento XVI nomeou núncio apostólico na Eslovênia, com cargo de delegado apostólico no Kossovo, o arcebispo polonês Juliusz Janusz, 67 anos, desde 2003 núncio apostólico na Hungria. Na ocasião a Sala de Imprensa da Santa Sé esclareceu que “a nomeação de um delegado apostólico faz parte das funções de organização da estrutura da Igreja Católica e, portanto, assume caráter exclusivamente intraeclesial, permanecendo completamente distinta de considerações referentes a situações jurídicas e territoriais ou de qualquer outra questão inerente à atividade diplomática da Santa Sé”. Em 19 de fevereiro o Papa nomeou núncio apostólico na Federação Russa o arcebispo esloveno Ivan Jurkovic, 59 anos, desde 2004 núncio apostólico na Ucrânia. Em 22 de fevereiro Bento XVI nomeou núncio apostólico na Grécia o arcebispo norte-americano Edward Joseph Adams, 67 anos, desde 2007 núncio apostólico nas Filipinas. O arcebispo Luigi Gatti, 65 anos, desde 2009 representante pontifício em Atenas e atualmente núncio a disposição da segunda seção da Secretaria de Estado. DIPLOMACIA/2 Novo embaixador da Áustria junto à Santa Sé No dia 3 de fevereiro o Papa recebeu as cartas credenciais do novo embaixador da Áustria junto à Santa Sé. Trata-se de Alfons M. Kloss, 58 anos, ex-embaixador na Itália de 2001 a 2007 e nos últimos quatro anos conselheiro diplomático do Presidente da República. q LEITURA ESPIRITUAL O milagre de São José “Na última quarta-feira daquele mês de outubro, padre Motta, o nosso padre espiritual, ao final de sua pequena meditação matutina, disse-nos que a quarta-feira da semana, pela piedade cristã, era reservada à devoção a São José, o qual tinha uma grande tarefa na Igreja: portanto, que nos dirigíssemos confiantes a ele, em primeiro lugar porque era o protetor da boa morte e, em segundo lugar, porque fazia milagres”. Fragmento de um texto de padre Luigi Giussani O seminário da diocese de Milão, em Venegono Inferiore, Varese 36 30DIAS Nº 1/2 - 2011 Padre Luigi Giussani (15 de outubro de 1922 – 22 de fevereiro de 2005) Recordação no sexto aniversário de sua morte Luigi Giussani, no centro da foto, com seus colegas de classe no seminário de Venegono o meu primeiro ano do ensino médio, após as férias de verão, voltei para o seminário em Venegono. Passei aquele primeiro mês, o mês de outubro, muito melancólico. No fundo, era porque tinha vindo embora de casa, mas, quando ficamos assim repletos de melancolia, buscamos sempre, e encontramos, um pretexto, um álibi para não acusarmos a nossa própria fraqueza; e o álibi era que não me tinha chegado o meu dicionário de grego, de Gemoll. Minha mãe o havia despachado no começo de outubro, mas os dias passavam e o Gemoll não chegava; e isso era ruim também porque, nas provas, eu precisava pedir toda vez o dicionário emprestado ao colega, para grande aborrecimento meu e dele. Na última quarta-feira daquele mês de outubro, padre Motta, o nosso padre espiritual, ao final de sua pequena meditação matutina, disse-nos que a quarta-feira da semana, pela piedade cristã, era reservada à devoção a São José, o qual tinha uma grande tarefa na Igreja: portanto, que nos dirigíssemos confiantes a ele, em primeiro lugar porque era o protetor da boa morte e, em segundo lugar, porque fazia milagres. Naquele instante, às sete da manhã, eu disse: ‘Hoje vai chegar o Gemoll’. Lembro que durante o café da manhã, e no recreio sucessivo, todos os meus colegas me perguntavam: ‘Que aconteceu ¬ “N 30DIAS Nº 1/2 - 2011 37 LEITURA ESPIRITUAL com você?’, porque eu tinha mudado de cara, estava diferente de como eles tinham me visto naquele mês, tinha recuperado o meu bom humor e, toda vez que me perguntavam, eu respondia: ‘Hoje vai chegar o Gemoll’. Estávamos em 1938 e naquela época o correio chegava onde quer que fosse uma vez por dia. Meio-dia, no seminário, era a hora da distribuição do correio: vinha o vicereitor ao grande refeitório (onde éramos trezentos a almoçar) com um grande ‘pacotão’ e distribuía a todos as correspondências; era um momento do dia muito esperado, mais ou menos como no exército. Eu estava tranquilíssimo: ‘Hoje chega o Gemoll’, mas o meu Gemoll não chegou. Eu, porém, tinha certeza de que ia chegar. Algumas raras vezes, naquela época, o correio chegava também à tarde, e o vice-reitor, nesses casos, durante o jantar repetia a mesma cena do almoço. Aquela noite isso ocorreu, mas o meu Gemoll não apareceu. Eram oito da noite. Após o jantar, tínhamos uma hora de jogos, de recreio, depois, das nove e meia às dez e meia, tínhamos uma hora de estudo; às dez e meia tocava a última campainha, rezávamos as orações da noite e íamos dormir. Estudávamos numa grande sala, éramos mais ou menos oitenta, cada um na sua carteira. Às dez e meia toca a campainha do fim do dia e, naquele instante, entra uma pessoa do fundo da sala e aproxima-se do Prefeito com um embrulho. Eu falei bem alto para os meus colegas: ‘É o meu Gemoll’. Era o meu Gemoll! Giovanni Battista Montini, arcebispo de Milão, em visita ao seminário de Venegono. O terceiro a partir da direita é padre Enrico Motta 38 30DIAS Nº 1/2 - 2011 A ti, São José A imagem de São José venerada na igreja paroquial de Trivolzio, que abriga o corpo de São Ricardo Pampuri A ti, São José, recorremos em nossa tribulação, e, depois de termos implorado o auxílio de tua santíssima esposa, cheios de confiança, solicitamos também a tua proteção. Por esse laço sagrado de caridade, que te uniu à Virgem Imaculada, Mãe de Deus, e pelo amor paternal que tiveste ao menino Jesus, ardentemente te suplicamos que lances um olhar benigno para a herança que Jesus Cristo conquistou com o seu sangue, e nos socorras, em nossas necessidades, com o teu auxílio e poder. Protege, ó guarda providente da divina família, a raça eleita de Jesus Cristo. Afasta para longe de nós, ó pai amantíssimo, a peste do erro e do vício. Assiste-nos do alto do céu, ó nosso fortíssimo sustentáculo, na luta contra o poder das trevas, e assim como outrora salvaste da morte a vida ameaçada do menino Jesus, assim também defende agora a santa Igreja de Deus das ciladas dos inimigos e contra toda a adversidade. Ampara cada um de nós com a tua constante proteção, a fim de que, a teu exemplo, possamos viver virtuosamente, e piedosamente morrer e alcançar no céu a eterna bem-aventurança. Amém. Esta oração foi inserida por Leão XIII ao final da encíclica Quamquam pluries, de 15 de agosto de 1889. A devoção a São José, que fora declarado padroeiro da Igreja universal pelo beato Pio IX em 8 de dezembro de 1870, foi particularmente promovida por Leão XIII, que, eleito papa em 20 de fevereiro de 1878, pôs o seu pontificado desde o início “sob a fortíssima proteção de São José, padroeiro celeste da Igreja” (alocução aos cardeais de 28 de março de 1878). Evidentemente, esse fato pode não ter dito nada para os outros; para mim disse muitíssimo. Contei esse episódio para insistir sobre a segunda acepção da palavra ‘milagre’: um realce dos acontecimentos que chama a pessoa remetendo-a a Deus e, nisso, chama também o próximo, quem está a seu lado. A grandeza de Deus sabe manifestar-se exatamente na familiaridade que Ele vive com o homem, vive na vida do homem”. (Extraído de: Giussani, Luigi. Por que a Igreja. Trad. Neófita Oliveira e Durval Cordas. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2004, pp. 365-367) 30DIAS Nº 1/2 - 2011 39 Arte cristã As portas santas do povo russo Acreditava-se que tivessem sido destruídas na época soviética. Mas os sagrados ícones colocados há séculos nas torres de entrada do Kremlin foram encontrados e restaurados. Eis a história do achado de Vladimir Yakunin oi um verdadeiro acontecimento histórico, o que ocorreu no verão de 2010. Contra todas as avaliações dos críticos de arte, dos restauradores e dos historiadores foram encontrados objetos sacros de grande valor: os dois ícones dos portões de entrada do Kremlin em Moscou, que remontam a cinco séculos atrás. No decorrer dos últimos 70 anos todos estavam certos de que tinham sido destruídos por ordem das autoridades soviéticas, e de que não podia ser diferente: de fato, estavam colocados sobre os F 40 30DIAS Nº 1/2 - 2011 portões de entrada principais do Kremlin, a residência de Estado dos dirigentes soviéticos, que tinham proclamado o ateísmo como ideologia oficial da URSS. E, ao invés, as coisas tinham acontecido de outro modo... No decorrer dos séculos, alguns ícones tinham sido colocados sobre os portões de entrada das duas torres do Kremlin: sobre a torre Spasskaya, o ícone do Salvador de Smolensk; sobre a torre Nikolskaya, a de são Nicolau de Mira (Taumaturgo). Através da torre principal, a Spasskaya, não se podia passar a cavalo, e atravessando-a era preciso obrigatoriamente tirar o chapéu. O Kremlin tinha um significado sacro para os nossos antepassados, era o centro espiritual do nosso Estado, o coração do Império russo. Construído, entre outros, pelos arquitetos italianos Aristotile Fioravanti e Pietro Antonio Solari, era considerado pelos nossos pais como um grande mosteiro, razão pela qual a porta Spasskaya era chamada na Rus’ a Porta Santa. A minha geração foi educada nos anos em que, no lugar dos ícones, sobre os portões das torres do RÚSSIA. As portas santas do povo russo Kremlin, havia retângulos brancos. E a grande maioria dos meus conterrâneos não tinha dúvida de que sempre fora assim. O Kremlin tinha-se tornado exclusivamente o centro do poder estatal. No seu interior tinham sido destruídos vários mosteiros e igrejas, enquanto outros edifícios religiosos tinham sido transformados em museus. Poucos, principalmente historiadores e críticos de arte, sabiam dos ícones que antigamente se encontravam sobre as torres e não podiam sequer imaginar que estes pudessem ter sido conservados nos anos da luta anti-religiosa do poder soviético. Assim, por quase vinte anos depois da queda da URSS, não tinham sido feitas sérias tentativas de restaurar o aspecto original das torres do Kremlin. Alguns anos atrás a Fundação “Santo André, o Primeiro Chamado” decidiu verificar se por acaso, na eventualidade de não terem sido destruídos, os ícones ainda estavam conservados sob o estuque. A maior parte dos especialistas ironizavam-nos, os especialistas da Unesco nos colocavam em alerta: se tentássemos colocar novos íco- Na página ao lado, o patriarca Kirill abençoa o antigo ícone do Salvador de Smolensk na torre Spasskaya do Kremlin, em Moscou, dia 28 de agosto de 2010; abaixo, duas fotos da cerimônia de inauguração do antigo ícone restaurado: à esquerda, o patriarca Kirill com Vladimir Yakunin; à direita, nes no lugar daqueles perdidos, eles poderiam excluir o Kremlin da lista dos patrimônios protegidos de interesse mundial. O risco era alto. Tínhamos ao nosso lado somente a tradição oral, conservada pelos descendentes de imigrantes russos que viviam na Europa, Estados Unidos e outros países. Um caro amigo nosso, o bispo Mikhail de Genebra e da Europa Ocidental da Igreja Ortodoxa Russa no exterior, nascido e crescido em Paris, descendente de um cossaco do vale do Don, contou-nos que entre os russos no exterior falava-se das imagens, que antes da revolução se encontravam sobre os portões das torres Spasskaya e Nikolskaya, veneradas pelo povo como sacras e milagrosas. ¬ com o presidente Dmitrij Medvedev Vladimir Yakunin, autor deste artigo, é o presidente do Conselho de garantes da Fundação Santo André o Primeiro Chamado. Atualmente é também presidente das Ferrovias Russas e do World Public Forum – Dialogue of civilizations “O rosto do nosso povo revelou-se ao mundo” história dos ícones é impressionante. Por ordem das autoridades da época, esses deveriam ter sido destruídos, mas encontraram homens, confessores da fé, que arriscaram a vida e, ao invés de destruílos, fecharam dentro de uma edícula, cobriram com cimento, pintaram e fingiram que eles tinham sido destruídos. Nesta história dos ícones há o símbolo do que aconteceu ao nosso povo no século XX. Fez-se acreditar que os autênticos objetivos e os valores, as coisas sacras tinham sido destruídas, que a fé tinha desaparecido da vida do nosso povo. Para alguns isso era necessário, e muita gente fez de conta que tinha acontecido exatamente isso. No entanto, a fé do nosso povo não tinha desaparecido de modo algum, a fé ti- “A nha sido conservada nas nossas avós e nossas mães, tinha sido conservada graças aos confessores e aos mártires, tinha sido protegida por aqueles que não hesitaram em dar a vida para conservar a fé. E quando por misericórdia de Deus pôde-se realizar no povo e na pátria aquilo que hoje acontece com estes ícones, o rosto do nosso povo revelou-se ao mundo”. Kirill Patriarca de Moscou e de todas as Rússias (do discurso realizado em Moscou na Praça Vermelha dia 28 de agosto de 2010, por ocasião da abertura e da bênção do ícone do Salvador de Smolensk colocada sobre a torre Spasskaya do Kremlin) 30DIAS Nº 1/2 - 2011 41 Arte cristã Essa informação causou-nos muitas perplexidades e grande curiosidade: o que poderia haver naquelas edículas, por trás do estuque branco? A parede de tijolos do Kremlin ou os restos dos ícones? Então tentamos obter a permissão para analisar as edículas, para verificar a presença ou não dos antigos ícones. Foi-nos concedida apenas depois de três anos, dado que o Kremlin é a residência do presidente da Federação Russa. Em maio de 2007 enviei uma carta ao presidente Vladimir Putin, e também ao Patriarca de Moscou e de todas as Rússias, Aléxis II, que apoiaram com paixão a nossa iniciativa. No texto era esclarecido que o projeto teria sido financiado com fundos da Fundação “Santo André o Primeiro Chamado”, e não com fundos estatais. A nossa lógica era muito simples: se embaixo do estuque fossem encontrados vestígios dos ícones históricos, nós providenciaríamos a restauração; caso contrário recriaríamos as imagens perdidas. Mas mesmo com um apoio de alto nível, foi preciso muito tempo para convencer os historiadores de arte e os arquitetos da necessidade de tais buscas, porque não havia nenhum documento que confirmasse a hipótese da conservação dos ícones. Criamos junto da Fundação um grupo de trabalho, que apresentou um projeto de restauração dos ícones. Formou-se um comi- tê de apoio constituído pelos dirigentes das instituições competentes para a salvaguarda dos bens culturais, pelas forças de ordem (sem a permissão destes não é possível realizar as obras em em uma zona sensível) e de outras personalidades interessadas. O grupo de trabalho contava com os principais historiadores e críticos de arte, restauradores e arquitetos. Tinha-se criado já muita expectativa e não se pretendia provocar maiores clamores enquanto não tivéssemos absoluta certeza da nossa hipótese. No início de 2010 decidimos começar as primeiras análises das edículas. O grupo de trabalho avaliou cinco empresas para a restauração, indicadas pelo Instituto Russo para a Conservação dos Bens Culturais e dos Museus do Kremlin, escolhendo uma destas. Uma comissão interdicasterial especial vigiava os trabalhos de restauração. Para não os expor a inúteis curiosidades, encarregamos os restauradores de trabalharem nas edículas das torres Spasskaya e Nikolskaya ao mesmo tempo em que estavam sendo feitas normais obras de conservação no Kremlin em vista das comemorações de 9 de maio, dia em que é celebrada a vitória da Segunda Guerra Mundial. Logicamente estávamos todos muito preocupados. Que alegria quando nos comunicaram que as primeiras análises mostravam a presença de uma camada de pintura sob o reboco! Os resultados das pesquisas foram ilustrados em entrevista à imprensa e todos os telejornais apresentaram a notícia como histórica, até mesmo para marcar época... Porém, consideremos um momento as medidas dos ícones: têm a altura média de uma pessoa e são largas mais de um metro. Todavia, as pesquisas iniciais tinham sido feitas em um pequeno espaço de apenas dez centímetros quadrados. E depois da conclusão das análises estas pesquisas foram cuidadosamente escondidas, de modo que ninguém suspeitasse da realização desses trabalhos. Aquilo que os especialistas tinham encontrado não garantia a total conservação dos afrescos. Além disso, depois da entrevista à imprensa, “O sentido da unidade do povo com a Igreja” oje devemos recordar todos os que sustentaram e ajudaram a recuperação destes ícones, também os que num momento particularmente difícil para o nosso país, no período da luta anti-religiosa, nos anos mais obscuros, protegeram esses, arriscando não apenas o emprego, mas também a vida, e conservaram tal maravilha até os nossos dias, para os que hoje estão aqui presentes e para os que no futuro visitarão o Kremlin, para os que poderão admirar a obra dos nossos pais e serão inspirados pela imagem que protege a cidade de Moscou, protege o Kremlin, protege todos nós. “H O presidente Medvedev com o patriarca Kirill e Yakunin durante a cerimônia 42 30DIAS Nº 1/2 - 2011 Na realidade, em tudo isso há um significado particular, talvez ainda não totalmente compreensível, o sentido da unidade do povo com a Igreja, o sentido da restauração da justiça, da obra comum para o bem da nossa amada pátria. Tenho certeza, com a descoberta e a bênção destes ícones, da restauração da justiça, que o nosso país recebeu uma proteção suplementar que se estende a todos os presentes, a todos os que rezam e amam o nosso país”. Dmitrij Medvedev Presidente da Federação Russa (do discurso realizado em Moscou na Praça Vermelha dia 28 de agosto de 2010, por ocasião da abertura e da bênção do ícone do Salvador Smolensk colocado sobre a torre Spasskaya do Kremlin) RÚSSIA. As portas santas do povo russo O patriarca Kirill abençoa o antigo ícone de São Nicolau Taumaturgo da torre Nikolskaya do Kremlin, dia 4 de novembro de 2010 recebi a carta de um sacerdote que queria me convencer do fato de que as nossas conclusões estavam erradas e que os ícones não tinham sido conservados. Compreendi que só poderia ter certeza da conservação dos ícones depois de ter visto os afrescos com meus próprios olhos. Então estávamos im- sos olhos, desci na praça e comuniquei aos jornalistas que o ícone do Salvador tinha sido conservado. Em poucos dias foi também completamente retirada a camada que cobria o ícone de São Nicolau Taumaturgo sobre o portão da torre Nikolskaya. Foram necessários três meses para a restauração do ícone sobre o portão da torre Spasskaya; um pouco mais de tempo para a restauração do ícone de São Nicolau, mais antigo, sobre a outra porta. O ícone de São Nicolau Taumaturgo também estava gravemente danificado pelas explosões nos dias da revolução de 1917: os marinheiros e os soldados tinham atirado contra a conclusão positiva dos trabalhos da imagem do Salvador de Smolensk. Pouco depois chegou a bênção dos ícones por parte do patriarca Kirill, com a presença do presidente da Rússia Dmitrij Medvedev, com grande repercussão nos canais televisivos mais importantes da Rússia e da Europa. Tenho certeza que para todas as pessoas reunidas em 28 de agosto na Praça Vermelha, no dia da Dormição da Mãe de Deus, a bênção do ícone do Salvador foi um momento inesquecível, entre os mais iluminantes e emocionantes. Apesar do mau tempo, sentia-se a maravilhosa unidade de todos os presentes, que rezavam e agradeciam por este acontecimento, milagroso e memorável. Em 4 de novembro, no dia da Unidade Popular, foi abençoado o À esquerda, o portão de entrada da torre Nikolskaya em uma foto de 1918; acima, dois especialistas examinam o antigo ícone do Salvador de Smolensk trazido novamente à luz sobre a torre Spasskaya pacientes para proceder à remoção da camada protetiva. As primeiras análises mostravam que a conservação dos ícones tinha sido feita por restauradores especializados, usando a máxima cautela. Junto com o comandante do Kremlin, Sergej Khlebnikov, tive a oportunidade de subir nos andaimes e ser testemunha do início dos trabalhos para a retirada da cobertura da primeira edícula. E somente depois que uma parte significativa do afresco tinha aparecido aos nos- torre com fuzis e até mesmo canhões. Tudo isso requer extremo cuidado na restauração, mas por sorte, os nossos especialistas são excelentes. Um deles parece ter saído diretamente do século XIX: não sabia usar o celular e procurava escapar ao uso das atuais tecnologias de comunicação. Um homem profundamente crente, com um olhar surpreendentemente penetrante e cheio de bondade. Ele se dedicava à restauração com grande seriedade e temor. No final de agosto de 2010 a comissão interdicasterial comunicou a ícone de São Nicolau Taumaturgo no portão da torre Nikolskaya, diante de milhares de pessoas, crescidas na União Soviética ou descendentes dos emigrantes que viviam na Europa. A transmissão ao vivo pela televisão contou com milhões de espectadores russos. A tradição cristã, eixo de sustentação do desenvolvimento da nossa sociedade multiétnica e multiconfessional, alma da nossa história, grande e trágica, uniu-nos a todos, reavivando a confiança também para um futuro mais radioso do Estado russo. q 30DIAS Nº 1/2 - 2011 43 MUITOS CAMINHOS DA CARIDADE PASSAM POR UMA PICCOLA VIA A ASSOCIAÇÃO PICCOLA VIA ONLUS foi instituída para enviar gratuitamente principalmente nos países de missão a revista mensal internacional 30Dias e o pequeno livro Quem reza se salva, assim como para atender aos pedidos de caridade. PARA AJUDAR A ASSOCIAÇÃO PICCOLA VIA ONLUS PODE-SE FAZER UMA DOAÇÃO através de uma remessa bancária na conta corrente IBAN IT 84 S 02008 05232 000401310401 BIC-SWIFT: BROMITR172A nominal a: ASSOCIAZIONE PICCOLA VIA ONLUS ou também: Cheque bancário circular, com a indicação não transferível, emitido em favor da ASSOCIAZIONE PICCOLA VIA ONLUS na Igreja e no Mundo Via dei Santi Quattro, 47 - Roma [email protected] Via Vincenzo Manzini, 45 - 00173 Roma Tel. 06 72 64 041 Fax 06 72 63 33 95 [email protected] • www.30giorni.it para saber mais escreva para o nosso endereço: [email protected] Novos beatos Roma, Basílica de Santa Maria Maior, 30 de maio de 2010: beatificação de madre Pierina Madre Pierina e o Rosto de Jesus História de uma freira que, entre a Argentina, Milão e Roma, viveu a fé como um olhar para o doce Rosto de Jesus de Davide Malacaria o andar térreo, onde está instalada a creche, sobem os gritos das brincadeiras das crianças. Aqui, no andar de cima, habita o silêncio e a oração. E há uma certa harmonia secreta, que liga o silêncio deste andar que hospeda as celas das freiras às brincadeiras das crianças que se sucedem embaixo. Como coisas que se entrelaçam, se atravessam, remetem uma à outra neste canto do mundo que fica no coração de Roma. Cercado de verde, o Instituto do Espírito Santo se encontra em Testaccio, bairro que é um pouco o símbolo da romanidade, e hospeda as Filhas da Imaculada Conceição de Buenos Aires. A essa congregação pertencia madre D 46 30DIAS Nº 1/2 - 2011 Pierina De Micheli, de nome secular Giuseppina, proclamada beata em 30 de maio de 2010. Suas coisas ainda estão aqui, no primeiro andar, naquele que foi por anos o seu quarto: bem dispostas, arrumadas, expostas como uma pequena mostra. Quem nos leva a vêlas é uma freira, que nos aponta uma urna ao lado da porta do quarto, na qual se conservam objetos que lembram as atenções conferidas à beata ao longo de sua vida, entre as quais se destaca a pequena imagem de cerâmica do Menino Jesus, que, explica a nossa acompanhante, parece tê-la abraçado. Em frente, uma outra urna conserva recordações mais obscuras: seu crucifixo despedaçado, os restos de um cobertor queimado; objetos que foram encontrados em sua cela e que, explicam as irmãs, testemunham o ódio feroz que o diabo tinha por ela. Poucos passos bastam para chegar ao fim do corredor, e eis que se abre a pequena capela do instituto, em que repousa o corpo da beata, ainda aqui, no meio de suas irmãs. À frente do sarcófago puseram um genuflexório, para os devotos que vêm de todos os cantos de Roma para rezar a ela. O túmulo fica num nicho lateral, de modo que mesmo agora, depois de morta, parece que a madre obedece à pequena regra à qual se conformou em vida, a de manter-se oculta ao mundo, junto de Jesus, perto de Jesus. Giuseppina De Micheli é romana de adoção, pois na verdade nasceu em Milão em 1890, última de uma prole numerosa, que dará à Igreja outras duas religiosas, Teofila e Luigia, e um sacerdote, padre Riccardo. Para contar sua vida, marcada desde a infância por uma especial amizade com Jesus, usaremos uma carta que ela mesma escreveu ao papa Pio XII em 1943, por ocasião de uma visita ao trono de Pedro. Escreve a beata: “Eu tinha doze anos quando, na SextaFeira Santa, esperava em minha paróquia a minha vez de beijar o crucifixo, e ouço uma voz distinta que diz: ‘Ninguém me dá um beijo de amor no rosto, para reparar o beijo de Judas?’ Acreditei, na minha inocência de menina, que todos ouvissem a voz, e fiquei com muita pena, vendo que continuavam a beijar as chagas e que nin- guém pensava em beijá-lo no Rosto. Eu darei o beijo de amor, Jesus, tenha paciência. Na minha vez, apliquei-lhe um forte beijo no Rosto, com todo o ardor do meu coração. Eu estava feliz, acreditando que Jesus, agora contente, não sofreria mais aquela pena”. Desde então, o rosto de Jesus foi objeto de devoção profunda de Giuseppina. “A partir daquele dia”, escreve ainda na carta, “o primeiro beijo no crucifixo era em Seu Santo Rosto”. Quando era adolescente, gostava de ensinar o catecismo às crianças e corria para acompanhar o sacerdote quando este ia administrar a extrema-unção aos moribundos, pois, como ela mesmo explicava quando lhe perguntavam, é bonito acompanhar uma alma rumo ao Paraíso. Ninguém sabe muito bem quando foi que floresceu nela a vocação à vida consagrada: talvez duAbaixo, o túmulo de madre Pierina; à esquerda, o seu quarto rante a vestição de uma de suas irmãs, talvez antes. O certo é que desde menina sentiu-se de alguma forma atraída para isso e, ao mesmo tempo, atemorizada. Quando alguém lhe perguntava, respondia evasiva. Numa carta, padre Riccardo, o irmão sacerdote a quem Giuseppina apegou-se muito, depois da morte dos pais, ironizaria essa sua hesitação, escrevendo: “Para você, as freiras devem vir do outro mundo”. Passam alguns meses e o sacerdote conhece religiosas que acabam de chegar a Milão: pertencem à congregação das Filhas da Imaculada Conceição, e sua casa generalícia fica em Buenos Aires. Não lhe resta senão comunicar à irmã mais nova que as freiras do outro mundo tinham finalmente chegado... Vencendo as últimas hesitações, Giuseppina entra na congregação e se torna irmã Maria Pierina. Depois de um intenso período de formação, é enviada à Argentina, onde toma os votos perpétuos. No final de 1921, volta à Itália, para a casa que as irmãs abriram em Milão, onde, com o tempo, se torna superiora. Nesse período, a amizade com Jesus, que lhe apareceu outras vezes, se torna mais cara e familiar. Escreve na carta enviada ao Papa: “Seu olhar era tudo para mim. Nós nos olhávamos sempre e fazíamos competições de amor. Eu Lhe dizia: ‘Jesus, hoje eu te olhei mais’; e Ele: ‘Prova-me, se puderes’. Eu O fazia lembrar as muitas vezes que olhava para ele sem nem sentir, mas Ele sempre vencia”. É nesse clima que acontece um outro episódio importante da vida da beata, que é também motivo principal deste artigo. Assim o conta, na carta a Pio XII: “Em 31 de maio de 1938, quando rezava na capelinha de meu noviciado, uma Bela Senhora se apresentou a mim: tinha nas mãos um escapulário formado por duas flanelinhas brancas, unidas por um cordão. Uma flanelinha trazia a imagem da Santo Rosto de Jesus, a outra uma hóstia cercada por um feixe de raios. Aproximou-se e me disse: ‘Ouça bem e conte tudo exatamente ao padre. Este escapulário é uma arma de defesa, um escudo de fortaleza, uma promessa de amor e de misericórdia que Jesus quer ¬ 30DIAS Nº 1/2 - 2011 47 Novos beatos oferecer ao mundo nestes tempos de sensualidade e de ódio contra Deus e a Igreja. Estendem-se redes diabólicas para arrancar a fé dos corações, o mal se expande, os verdadeiros apóstolos são poucos, é necessário um remédio divino e este remédio é o Santo Rosto de Jesus. Todos aqueles que usarem um escapulário como este e, podendo, fizerem toda terça-feira uma visita ao Santíssimo Sacramento para reparar os ultrajes que recebeu o Santo Rosto durante a Sua Paixão e que recebe todos os dias no sacramento eucarístico, serão fortalecidos na fé, estarão prontos a defendê-la e a superar todas as dificuldades internas e externas, e ainda terão uma morte serena sob o olhar amável do meu Divino Filho’”. A madre torna-se assim solícita promotora da devoção do Santo Rosto de Jesus, a qual logo se difunde como uma mancha de óleo ao redor do Instituto. Infelizmente, muito cedo percebe que não é fácil difundir escapulários. Tem assim a ideia de cunhar uma medalha que reproduza em suas faces o que é pedido por Nossa Senhora. Uma ideia que logo obtém o conforto divino: numa outra aparição, a Bela Senhora lhe garantirá que as medalhas serão acompanhadas pelas mesmas promessas já expressas para os escapulários. Em busca de uma imagem para a medalha, madre Pierina se depara com uma fotografia do Sudário que reproduz o Rosto de Jesus, tirada por Giovanni Bruner. Uma imagem um tanto conhecida em Milão, já que o fotógrafo a dera de presente ao arcebispo da cidade, o bem-aventurado cardeal Ildefonso Schuster, o qual, por sua vez, a entronizou com máxima devoção numa igreja dedicada ao Santo Rosto. Infelizmente, fica difícil a produção das medalhas, por uma série de problemas de ordem econômica e burocrática, que parecem insuperáveis à pobre freira. Procura a ajuda de seu orientador espiritual, o jesuíta padre Rosi, que responde que confie na Providência. Acolhe a sugestão, mas não fica muito confortada. 48 30DIAS Nº 1/2 - 2011 Giuseppina De Micheli (à esquerda), com uma irmã (no centro) e uma prima A paróquia de São Pedro em Sala, onde Giuseppina De Micheli foi batizada em 11 de setembro de 1890 Argentina, madre Pierina, postulante junto às Filhas da Imaculada Conceição de Buenos Aires, está atrás de dom Mariano Antonio Espinosa, arcebispo de Buenos Aires Nesse meio-tempo, em setembro de 1939, é enviada a Roma com o cargo de superiora regional, para viver na nova casa que a Congregação conseguiu abrir na capital graças, também, a sua incansável supervisão. É ali que encontra o abade Ildebrando Gregori (cujo processo de beatificação está em andamento), da congregação dos monges beneditinos silvestrinos, que se torna seu novo orientador espiritual e seguro conforto para o resto da vida. E é ali que, finalmente, consegue reproduzir as medalhas que lhe são tão caras. Graças também a um pequeno prodígio. Na carta ao Papa já citada, madre Pierina conta assim o episódio: “Escrevi ao fotógrafo Bruner para obter dele a permissão de usar a imagem do Santo Rosto tirada por ele e a obtive. Apresentei à Cúria de Milão o pedido de permissão, que me foi concedida em 9 de agosto de 1940. Encarreguei a empresa Johnson do trabalho, que foi demorado, pois Bruner queria verificar todas as provas. Poucos dias antes da entrega das medalhas, encontro na mesa do meu quarto um envelope, observo e vejo 11.200 liras. A conta dava exatamente aquela soma. As medalhas foram todas distribuídas gratuitamente e repetiu-se outras vezes a mesma Providência para outras encomendas; e a medalha se difundia, realizando insignes graças. [...] O inimigo tem raiva disso e perturbou e perturba de muitas formas. Mais de uma vez, durante Madre Pierina (à direita) com a superiora-geral Filomena Bragonzi, diante do Instituto Espírito Santo, em construção a noite, jogou as medalhas no chão pelos corredores e pelas escadas, quebrou imagens, ameaçando e pisoteando”. Nessa última parte da carta, a madre faz menção às duríssimas provações que enfrentou por obra do demônio. Provações que ela não deixa transparecer de modo algum, mas que anota diligentemente em seu diário, obedecendo a uma disposição precisa do abade Gregori. Suas dificuldades são acolhidas com letícia, pelo bem das almas (“alegro-me nos sofrimentos que tenho suportado por vós e completo, na minha carne, o que falta às tribulações de Cristo em favor do seu Corpo que é a Igreja”, Cl 1,24). Uma extraordinária força de vontade? Mais simplesmente, e de modo mais realista, o testemunho de uma graça singular e de um igualmente singular abandono a Deus. Não é ela que combate e que vence: “Jesus venceu em mim” é a frase que aparece com maior frequência nas páginas do diário. E é o próprio Jesus, anota ainda em seu cader no em fevereiro de 1942, que lhe explica: “Fica tranquila, que eu mesmo conservei teu coração puro, sem nenhum mérito teu, para fazê-lo objeto de meus deleites”. Nesse abandono, acompanhado e confortado por “delícias do paraíso”, escreve: “Como sinto o meu nada e a minha miséria diante de tamanha bondade! É tão bom sermos pequeninos, incapazes de tudo...” Um abraço que permitirá a madre Pierina resplandecer de fé, esperança e caridade mesmo nos anos da guerra, durante os quais tira o pão da própria boca para dar de comer aos famintos e desdobra-se para difundir as medalhas que representam a face de Jesus. A propósito disso, o abade Gregori, testemunhando no processo de beatificação, recorda como “algumas delas chegaram até pessoas condenadas à morte e perseguidos políticos, e nenhum desses condenados à morte teve a sentença executada”. Tão logo termina a guerra, a madre decide viajar para o norte da Itália, para voltar a abraçar suas irmãs, que o conflito havia isolado de Roma. Parte em junho de 1945 e, depois de uma breve parada em Milão, vai para a casa de Centonara d’Artò, onde algumas noviças a esperam para tomar os votos. E é aqui que, esgotada pelo cansaço da viagem, adoece gravemente. Outras vezes, no passado, tinha-se curado prodigiosamente de graves doenças, como lembra o abade Gregori, algumas vezes depois de lhe solicitar que rezasse por sua saúde. É o que parece destinado a repetir-se também nessa ocasião: o abade, informado da situação, envia-lhe um telegrama, assim formulado: “Em virtude da santa obediência, cure-se em três dias”. Mas, infelizmente, ocorre um desvio e a mensagem chega tarde demais: às 11 horas do dia 27 de julho. Madre Pierina morrera à noite. Em vez de recordar a beata no dia de sua morte, o dies natalis, como se diz canonicamente, a Igreja optou pelo dia de seu nascimento (e do batismo): 11 de setembro. No quarto que preserva as suas coisas, as irmãs puseram uma placa em que está escrito um pensamento da beata: “É tão reconfortante repetir: eu sou nada, Ele é tudo; eu não posso nada, Ele pode tudo”. É mais fácil o abandono, como o das crianças do andar de baixo, que, com suas brincadeiras, participam da alegria do Paraíso. Pois, “se não vos tornardes como crianças...” q A medalha do Santo Rosto de Jesus, à qual, segundo o que foi revelado por madre Pierina, estão ligadas promessas celestes. Ainda hoje as Filhas da Imaculada Conceição de Buenos Aires difundem essas medalhas e, por meio delas, a devoção ao Santo Rosto de Jesus Arte cristã Livres e simples. As igrejas segundo Montini quele 6 de janeiro de 1955 era um dia frio e chuvoso. Era a data fixada para a entrada do novo arcebispo de Milão na cidade. Apesar das condições do tempo, Giovanni Battista Montini quis fazer o trajeto que o esperava até o Domo em carro aberto, para acolher a saudação de seus fiéis. Um momento que o arcebispo lembraria com precisão muito tempo depois: “Quando, já há quase sete anos, cruzando os limites da diocese, pusemos os pés nesta terra bendita, nós nos curvamos – estava fria e molhada – para beijá-la; ainda hoje queremos que a caridade daquele beijo esteja em nossos esforços”. Sete anos depois. Era 12 de novembro de 1961 e Montini encerrava assim o discurso com que lançava a sua diocese na empreitada de construir em poucos anos outras 22 novas igrejas. “Milão cresce, cresce; continuamente, rapidamente, para além de qualquer previsão, para além da nossa já tensa e sofrível possibilidade de estar devidamente à altura, com a assistência pastoral, das necessidades dos novos bairros...”, explicava aos fiéis. Só no ano anterior tinham chegado do sul do país sessenta mil pessoas, que se iam instalando “em novas regiões habitadas, em plena expansão”. Cresciam e se multiplicavam os edifícios, as ruas iam-se estendendo, mas aos olhos do bispo aquela nova Milão corria o risco de acabar por ser como um deserto em que os homens ficassem abandonados a si mesmos. A preocupação de Montini é simplesmente a do pastor por seus fiéis; não há nela nenhum desejo de garantir a hegemonia “cultural” nos novos bair- A 50 30DIAS Nº 1/2 - 2011 Giovanni Battista Montini durante a deposição da pedra fundamental da igreja de São Miguel Arcanjo in Mater Dei, na região da avenida Monza, Milão, em 1961 ros: “Sentimos o dever de concorrer sem descanso e sem queixas, com civil e cristã solidariedade, para o desenvolvimento excepcional da nossa metrópole, oferecendolhe a assistência religiosa e moral de muitas novas paróquias”. Depois, uma observação amarga: “Esperávamos, é verdade, que Milão, com suas históricas e grandes paróquias e com seu coração cristão e sensível, se empenhasse mais e prestasse mais copioso socorro; e acreditávamos também que Milão, grande e rica, favorecida agora por uma feliz conjuntura econômica, pudesse tornar mais rápido e feliz o nosso caminho”. No entanto, isso não aconteceu; toda a dificuldade para angariar recursos e pôr em prática aquele amplo plano caiu sobre suas costas: “Mas não nos dará desgosto trabalhar, fazendo da nossa pobreza motivo de confiança na Eram os anos da grande imigração. Pouco depois de nomeado arcebispo de Milão, Montini chamou os maiores arquitetos da época para a construção das novas igrejas. Com coragem e devoção de Giuseppe Frangi A igreja paroquial de São Francisco de Assis, em Fopponino, Milão, construída no princípio da década de 1960, com projeto de Gio Ponti Providência e nos homens, seus ministros”. Ao longo de seus oito anos e meio em Milão, Montini iniciou obras, e em grande parte concluiu, em nada menos que 135 igrejas em toda a diocese. Uma estratégia lançada por seu predecessor, o cardeal Schuster, e que o futuro Papa perseguiu sentindo toda a urgência daque- le momento histórico. A Igreja abria uma nova terra de missão nesses novos e imensos aglomerados que surgiam nas periferias das cidades. Era um percurso duro, pois, antes de obter os meios para construir as novas igrejas, os párocos viviam acampados, às vezes em condições piores que as de seus fiéis. “Tenho orgulho de vocês”, disse-lhes Montini em 1962, “orgulho por ter sacerdotes que aceitam a vida pastoral nas condições em que vocês o fazem, que aceitam como uma honra viver em condições de risco, com responsabilidades formidáveis, sem meios, quase mendicantes em alojamentos provisórios e incômodos. Vocês se lembrarão destes dias quando tiverem sua igreja e a paróquia estiver ¬ 30DIAS Nº 1/2 - 2011 51 Arte cristã À direita e acima, duas imagens da igreja paroquial de São Lucas Evangelista, na divisa com Lambrate, Milão, construída na segunda metade da década de 1950, com projeto de Gio Ponti formada... esta é a sua sorte: poder criar livremente a sua paróquia, dando importância ao que é essencial na vida religiosa, o dogma”. Naquele advérbio “livremente” está toda a maneira como Montini encara o desafio das novas igrejas. Na Milão que naqueles anos contava com alguns dos maiores talentos da arquitetura europeia, o arcebispo decide dar-lhes crédito e confiar a eles alguns importantes projetos. Diferentemente de seu predecessor, Montini enfim optava por abrir-se à modernidade. Suas expectativas eram elevadas: “A arte se presta às edificações. Este aparecimento da arte no limiar das nossas obras nos enche de emoções”. Mas eram também claras as suas recomendações: “Queremos apresentar uma arquitetura livre, segundo a inspiração moderna, mas contida numa sã democracia da construção civil: não é tempo de fazer monumentos, mosaicos, decorações dispendiosas. É tempo de salvar, com construções simples, a fé do nosso povo” (1961). O primeiro edifício consagrado por Montini, um ano depois de sua entrada na cidade, parece propor-se como encarnação dessas suas recomendações. A igreja de Nossa Senhora dos Pobres, no coração de um novo bairro operário perto de Baggio, foi encomendada à dupla de arquitetos Luigi Figini e Gino Pollini, que tinham ficado famosos no mundo todo pelos edifícios criados para a Olivetti, em Ivrea, e por todas as 52 30DIAS Nº 1/2 - 2011 construções relacionadas às dependências da empresa, desde as casas para os funcionários até as creches. Figini e Pollini eram herdeiros do racionalismo italiano e, para Nossa Senhora dos Pobres, no coração daquele bairro de “casas mínimas”, construíram uma igreja de uma simplicidade extrema, a custos reduzidos, com uma estrutura em cimento armado. Na fachada em duas águas, com um frontão apenas delineado, os dois arquitetos inseriram grandes intercalações de cerâmica lombarda, como elemento extremamente simples de decoração. O edifício foi dedicado a uma Nossa Senhora que tinha aparecido em 1933, em Banneux, na Bélgica, a uma menina, Mariette Beco. Em 1942, com confirmações em 1947 e 1949, a Igreja reconhecera a aparição. Em 1949, os mineiros de Limbourg quiseram presentear “os trabalhadores de Baggio” com uma cópia da imagem de Nossa Senhora de Banneux, que ainda hoje é venerada na nave esquerda da igreja. O edifício de Figini e Pollini é de um equilíbrio extraordinário, sem se dar ao luxo de nenhuma futilidade. É quase rude, na sua nudez, mas comove pelo derramamento inesperado da luz, que chove do alto sobre o presbitério: um cibório quadrado, fechado na parte superior por uma grade de A igreja paroquial de Nossa Senhora dos Pobres, em Baggio, Milão, construída na primeira metade da década de 1950, com projeto dos arquitetos Luigi Figini e Gino Pollini. Foi o primeiro edifício consagrado por Montini MILÃO. Cento e trinta e cinco canteiros de obras para as novas igrejas vidros também quadrados, é a única concessão feita pelos arquitetos, para chamar a atenção, sem ênfase, para a centralidade do altar e do tabernáculo. Uma solução a que os dois arquitetos recorreram também em outra igreja que projetaram, a dos Santos João e Paulo, em Affori. E é comovente também sua opção de cercar o próprio presbitério com um muro hexagonal pintado de rosa, quase como reflexo da preciosidade daquilo a que aquele lugar é destinado. Já no ano seguinte Montini vai consagrar a igreja mais audaciosa e mais discutida. Em Baranzate, município em grande crescimento, logo ao norte de Milão, uma outra dupla de arquitetos famosos, Angelo Mangiarotti e Bruno Morassutti, apoiados na experiência de um grande engenheiro estruturalista, Alvo Favini, projetaram uma “igreja de vidro”. Quatro pilares ligeiros sustentam um grande teto plano pré-fabricado, que parece leve e suspenso. Ao redor, as paredes são superfícies ininterruptas de vidros recobertos por folhas branquíssimas de isopor. “É possível que o seu bispo abençoe uma igreja como esta?”, disse Montini durante a pregação da missa pela consagração da igreja, em 1957. “É possível, porque eu percebo na nova construção um profundo simbolismo, que chama a atenção para a essência da casa do Senhor, lugar de reunião onde os homens elevam a sua mente a Deus e se encontram como irmãos. Esta igreja de vidro tem de fato uma linguagem sua, que pode ser extraí- A igreja paroquial dos Santos João Batista e Paulo, em Milão, construída na segunda metade da década de 1960, com projeto dos arquitetos Luigi Figini e Gino Pollini da do Apocalipse, em que está dito: ‘Vidi civitatem sanctam descendentem de coelo’; as suas paredes – continua o Apocalipse – eram de cristal”. Mas Montini vai além, e defende o critério que levou a encomendar a arquitetos de vanguarda a nova paróquia dedicada a Nossa Senhora da Misericórdia: “A Igreja representa ainda uma novidade, e a novidade pertence ao conjunto das coisas sagradas: a religião, quando é viva, não só não exclui a novidade, mas a quer, a exige, a busca, sabe extraí-la da alma. ‘Cantate Domino canticum novum’, diz a Escritura. E eu estou aqui para estender os braços a todas as novidades que a arte me dá. Não tenho nenhuma prevenção contra as novidades, desde que a novidade não seja um capricho”. Não há apenas arquitetos racionalistas no time chamado ao trabalho por Montini. Há também os de cultura novecentista, com uma vocação monumental mais forte. Com Montini, porém, eles aceitam aterse a uma necessária simplicidade. Entre eles está Giovanni Muzio, arquiteto que fizera seu nome durante o fascismo, e que entre 1956 e 1958 trabalharia nas obras da igreja de São João Batista de Argila, em Giambellino: um edifício baixo, com uma fachada toda em cerâmica, com gregas compostas por tijolos, motivos decorativos muito delicados. Acima, um alpendre livre e surpreendentemente apontado para o alto protege a entrada dos fiéis. Mais do que Muzio, porém, coube nas obras de Montini um papel importante para Gio Ponti, arquiteto e designer mundialmente consagrado, que em dez anos construiu três igrejas em Milão. A primeira, a de São Lucas, entre 1955 e 1960, fica às margens de Lambrate. Uma igreja extremamente simples, encaixada entre os novos edifícios, com pouquíssimo espaço ao redor. Por isso, Ponti decidiu elevá-la em alguns metros em relação ao nível da rua e projetou uma fachada côncava, protegida por um grande alpendre, que dá a ideia de uma grande cabana aberta para a cidade. A fachada é coberta por lajes em grés cerâmico, elemento pobre valorizado simplesmente pela forma de diamante desenhada por Ponti. O interior é belíssimo e iluminado, com uma ampla parede de fundo pintada com faixas brancas e azuis, como a evocar a memória do românico lombardo. Alguns anos depois, Ponti foi chamado para as obras de uma paróquia, que era a sua paróquia, situada numa região mais central, Magenta: São Francisco de Fopponino é um projeto mais ambicioso, com medidas mais amplas, particularmente na altura da nave. O moti- ¬ 30DIAS Nº 1/2 - 2011 53 Arte cristã Duas imagens da igreja paroquial de Nossa Senhora da Misericórdia, em Baranzate, Milão, chamada também de “a igreja de vidro”, construída em 1957, com projeto dos arquitetos Angelo Mangiarotti e Bruno Morassutti e do engenheiro Aldo Favini vo do diamante renova-se por toda portas de Milão, o quartel-general da parte, desde as pequenas chapas la- empresa petrolífera ENI. Quando jotas até as grandes janelas (algumas Mattei morreu em 1962, em cirabertas simplesmente para o céu) e cunstâncias trágicas e ainda misteo portal. Mas tudo sempre mantido riosas, Montini assumiu a presidênnos trilhos de uma sobriedade fran- cia do Comitê e chamou Ignazio ciscana. Foi uma obra que Montini Gardella, outro grande nome da arestimou muitíssimo e que visitou três quitetura milanesa, para projetar a vezes, a partir da cerimônia de depo- igreja “da aldeia” de San Donato. Ao sição da pedra fundamental, em 4 dedicar a igreja a Santo Henrique, de maio de 1961 (“Para que aqui rei- Montini quis fazer uma homenagem ne a verdadeira fé, o temor de Deus e o amor aos irmãos”, mandou escrever no pergaminho que foi inserido na cavidade dessa pedra). Gio Ponti, em seguida, construirá outra belíssima igreja, a do hospital São Carlos, dedicada a Santa Maria Anunciata: um edifício sugestivo, com o estilo longo e inclinado próprio de um navio. No grande esforço para dotar Milão das igrejas de que precisava, Montini deu uma tarefa estratégica ao Comitê das Novas Igrejas, para cuja presidência chaO cardeal Montini, arcebispo de Milão, mou Enrico Mattei, que nacom Enrico Mattei, chamado pelo próprio Montini queles anos estava consa presidir o Comitê das novas igrejas truindo em San Donato, às 54 30DIAS Nº 1/2 - 2011 a Mattei. Como verdadeira igreja de aldeia, Gardella concebeu um edifício de uma humildade extrema, com nave única e em forma de grande cabana protegida por um teto baixo e muito prolongado. As paredes de cimento armado são ornadas por um simples motivo decorativo linear de pedras brancas, que percorre a igreja em todo o seu perímetro, por dentro e por fora. E por dentro a luz chove do alto de duas janelas contíguas, que garantem harmonia, ritmo e leveza. Em 23 de maio de 1963, Montini estava presente em mais uma das muitas cerimônias de deposição da pedra fundamental de uma nova igreja, a de São Gregório Barbarigo, em Barona. Seria a última, pois dali a poucas semanas, em 21 de junho, era eleito papa. Estamos aqui, disse, “comovidos pela sorte que nos é dada de presentear a nossa cidade com um templo novo, de criar em seu seio, dentro de seus limites, uma família espiritual de um povo bom”. q Liturgia O altar El transparente (1730), obra do escultor Narciso Tomé, na Catedral de Toledo Moçárabe, ou seja, “entre os árabes” Entrevista com dom Juan Miguel Ferrer Grenesche, subsecretário da Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos, sobre o rito litúrgico que nasceu no século IV na península ibérica, particularmente na região do antigo reino visigodo de Toledo. O rito não apenas preservou a fé do povo, defendendo-a do arianismo, mas foi praticado também durante os séculos de dominação árabe. Tendo chegado até o nosso tempo, com seu riquíssimo patrimônio de orações para a celebração da missa, sua história é também uma aula de inculturação da fé numa área geográfica específica 56 30DIAS Nº 1/2 - 2011 História e valor do antigo rito hispano-moçárabe de Roberto Rotondo odos os dias, na Catedral de Toledo, na Espanha, é celebrada a missa e são rezadas as laudes de acordo com o antiquíssimo rito hispano-moçárabe. É uma liturgia da Igreja Católica que nasceu no século IV, na península ibérica – mais precisamente nas regiões pertencentes ao antigo reino visigodo de Toledo – que não só preservou a fé do povo, defendendo-a do arianismo, mas foi praticada também durante os séculos de dominação árabe (moçárabe significa “entre os árabes”). Tendo chegado até o nosso tempo, com seu riquíssimo patrimônio de orações T para a celebração da missa, sua história é também uma aula de inculturação da fé numa área geográfica específica, a ponto de, na opinião de muitos, não ser possível entender as raízes espirituais da Espanha, sobretudo da devoção mariana espanhola, sem levar em consideração esse rito antiquíssimo. Pedimos a dom Juan Miguel Ferrer Grenesche, doutor em Liturgia, subsecretário da Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos, maior especialista em rito moçárabe, que nos desse as coordenadas desse tesouro litúrgico. Dom Juan Miguel, A igreja visigoda de São Pedro da Barca, na localidade de Campillo, a 19 quilômetros de Zamora: construída em 680, representa o ponto mais alto da arte visigoda na Espanha. A igreja foi reconstruída em 1930 para evitar que ficasse submersa depois da formação de uma barragem nascido em Madri em 1961 e ordenado sacerdote em Toledo em 1986, antes da nomeação para a Cúria Romana foi vigário-geral da Arquidiocese de Toledo. A Anunciação, miniatura moçárabe. Tratado de Santo Ildefonso sobre a virgindade de Maria, fol. 66 Dom Juan Miguel, por que o rito moçárabe é tão precioso? JUAN MIGUEL FERRER GRENESCHE: Pelas características distintivas da liturgia eucarística, que são a tendência à conservação das formas antigas, a simplicidade dos ritos iniciais, a abundância de “antífonas e cantos fixos” ou quase fixos, como, por exemplo, o canto da paz, o canto “ad accedentes” para a comunhão, a antífona para a oração depois da comunhão, a bênção em preparação para a comunhão, o calendário fortemente cristocêntrico e com grande preponderância das celebrações dos mártires. Fala-se frequentemente da grande variedade eucológica do rito moçárabe, ou seja, do grande número de orações eucarísticas... Se em Roma algumas partes da oração eucarística são variáveis, na Espanha essa é a característica de toda a oração eucarística, das orações e das exortações do Ordo Missae. Mas um outro elemento é o caráter iniciático-participativo. O povo participa constantemente, sobretudo ouvindo as orações (normalmente longas, mas seguindo estruturalmente regras de re- ¬ 30DIAS Nº 1/2 - 2011 57 Liturgia “Será entre 589, data em que é celebrado o Concílio de Toledo III, e 711 que se dará a época de ouro do rito já então conhecido como ‘hispano’. Efetivamente, entre 589 e meados do século VII temos o período da grande composição dos textos e da codificação em livros, de modo que, já depois do Concílio de Toledo IV (633), podemos falar de uma definição solene e completa do rito” tórica precisas, para chegar, não apenas a Deus, mas também ao povo), mas também com aclamações e cantos (especialmente com o Amém, pronunciado 33 vezes em cada missa, e com o Aleluia). Nesse mesmo sentido deve ser entendida a forma solene da fração do pão – na qual a sacra espécie é subdividida em nove partes, que são depositadas em forma de cruz na patena, ao mesmo tempo em que são retomados os principais momentos do mistério de Cristo – ou a forma da recitação cadenciada do Pai Nosso feita pelo sacerdote, com sucessivos Amém do povo depois de cada frase. Um último elemento distintivo do rito moçárabe é a integração de elementos de outras tradições litúrgicas. O gosto pela conservação de suas formas antigas não impediu ao rito que acolhesse, ao longo dos séculos, contribuições de diferentes partes do mundo cristão, sem perder de vista, todavia, os seus elementos originais: a influência, muito provável, do canto e do cerimonial bizantino – amplamente testemunhada numa extensa região da península, de Múrcia a Málaga, entre o fim do século VI e o fim do século VII – ou a acolhida de elementos litúrgicos alexandrinos – entre os quais a oração eucarística –, que provavelmente vieram de Roma e de Milão nos tempos de Santo Ambrósio e de São Leão Magno; a acolhida de algumas romanizações progressivas, sobretudo a partir do século XI, como o Glória, a oratio post Gloriam, a Completuria e as sucessivas assimilações das rubricas e da arte litúrgica. A que se deve essa riqueza? Ao fato de os Padres da Igreja hispânica, mesmo escrevendo 58 30DIAS Nº 1/2 - 2011 grande número de tratados (entre os quais os de Isidoro de Sevilha, Paciano de Barcelona, Ildefonso e Julián de Toledo), terem preferido concentrar seu ensino não em obras teológicas, que naquela época teriam sido usadas por poucos, mas na liturgia, da qual todo o povo se beneficiaria. É daí que vem a redação de um patrimônio eucológico de valor teológico e espiritual ria; o valor e a grandeza da vida monástica sem desprezo pelo matrimônio; a clara presença do Espírito Santo na vida e no culto da Igreja. Entre os mestres que mais influenciaram seu pensamento devem ser citados São Jerônimo, São Leão Magno, Santo Ambrósio, Santo Agostinho e São Gregório Magno. Quais foram as etapas his- Acima, monges beneditinos cantam usando o rito moçárabe no coro do mosteiro de Sahagún, perto de León extraordinário e que dificilmente será superado. Os grandes eixos teológico-espirituais de suas obras litúrgicas são a vitória sobre o paganismo e a superioridade da verdade e do culto cristãos; a vida como “sequela Christi”, segundo o exemplo dos mártires; o equilíbrio entre ascese e amor pela criação, ante as afirmações priscilianistas; a afirmação indiscutível da divindade e da humanidade de Cristo, contra o arianismo e as reminiscências docetistas, além de uma fortíssima piedade mariana centrada na maternidade virginal de Ma- tóricas fundamentais no desenvolvimento do rito moçárabe? O período de ouro se dá entre os séculos VI e VIII, mas eu partiria do início do século IV, com dois episódios que para mim são de máxima relevância, pelo que concerne ao processo de cristianização dos povos hispânicos: o primeiro é o Concílio de Elvira (306), perto da atual Granada, que reuniu muitos bispos da região, mas também de dentro da península, como Melâncio, bispo de Toledo, a antiga capital da Car- À esquerda, a Natividade, antifonário moçárabe da Catedral de León petana, onde a fé já estava arraigada e a estrutura eclesial estabelecida em todos os seus elementos. O segundo: a comemoração dos mártires. Como em outras partes do Império, sob Diocleciano as comunidades cristãs já consolidadas se encheram de mártires e superaram essa forte provação dando testemunho de constância e firmeza na fé, pouco antes de obter a “tolerância” e, dentro de pouco tempo, a “oficialidade”. O século IV é importante porque é o século do nascimento das “escolas exegético-teológicas”, e será também o das grandes controvérsias doutrinais e dos estatutos conciliares, que antecipam o nascimento, no século seguinte, das liturgias escritas e mais adiante ainda dos livros litúrgicos propriamente ditos. De fato, o século V será o da literatura teológica e pastoral, das grandes codificações conciliares e do nascimento dos “ritos” como expressões globais da fé, com uma tradição exegéticoteológica, um ordenamento canônico-disciplinar, uma espiritualida- de e alguns livros litúrgicos próprios, dando lugar a uma fase de desenvolvimento em que convergem todos os elementos de um autêntico processo de inculturação da fé nos diferentes contextos do mundo antigo. Assim aconteceu também na Hispania romana. O que mudou com as invasões bárbaras? As invasões bárbaras, ou melhor, a gradual passagem do poder político e social no Império Romano do Ocidente para as mãos dos novos povos, interrompeu ou freou esse processo nas diferentes regiões geográficas. Mas o problema não foi tanto o fato de os bárbaros destruírem tudo, e sim o de terem reaberto a questão ariana. Além disso, fragmentando a unidade política do velho Império, provocaram migrações de povos que levaram a uma decadência econômica, com repercussões sobre as forças intelectuais e artísticas, que freou a publicação de livros e a construção de igrejas. A questão ariana, no início, pôs os bispos católicos hispânicos em forte dificuldade, pois os reis visigodos a que estavam submetidos davam cada vez mais espaço e proteção aos bispos arianos, que dividiam as comunidades e podiam levar o povo a perder a verdadeira fé. Esse, porém, foi também um momento de reflexão para os bispos católicos, que, depois A igreja visigoda de Santa María de Quintanilla de las Viñas, Burgos, Espanha da conversão dos reis visigodos ao catolicismo, começaram a compor textos litúrgicos justamente para que a passagem do povo do arianismo para o catolicismo fosse uma conversão real e a verdadeira fé pertencesse a todos, visigodos e hispano-romanos. Foi esse o gatilho que fez desencadear o processo de formação do rito, e neste ponto é preciso falar sobretudo de Ildefonso de Toledo, que compôs muitas missas e celebrações para a Liturgia das Horas, mas desenvolveu também toda uma pietas em torno de Maria Virgem e Mãe – Virgem porque mãe de Deus e mãe porque mãe de Cristo Jesus. Isso também contra a heresia ariana, que negava a divindade de Jesus. Mas será entre 589, data em que é celebrado o Concílio de Toledo III, e 711 que se dará a época de ouro do rito já então conhecido como “hispano”. Efetivamente, entre 589 e meados do século VII temos o período da grande composição dos textos e da codificação em livros, de modo que, já depois do Concílio de Toledo IV (633), podemos falar de uma definição solene e completa do rito, num processo que se prolonga até a sua supressão, no Concílio de Burgos do ano de 1080. É um período histórico quase todo marcado pela dominação árabe. Como o rito moçárabe pôde sobreviver e desenvolver-se? É difícil dar uma resposta geral, pois a situação não foi a mesma em cada ponto da Espanha. Além disso, falamos de um período de tempo longuíssimo: os muçulmanos chegaram no início do século VIII e deixaram Granada na época da descoberta da América. Podemos dizer, porém, que no início eles não puderam influenciar muito os costumes e as crenças, pois eram uma minoria militar e política e se limitavam a manter a situação sob controle. Os problemas começaram, na verdade, com alguns cristãos de origem visigótica, que não eram realmente convertidos ao catolicismo ¬ 30DIAS Nº 1/2 - 2011 59 Liturgia e que, graças à presença dos árabes, pensaram em voltar ao seu arianismo fazendo-se muçulmanos. Esse fenômeno gerou um período difícil para o catolicismo. Os bispos procuraram explicar aos muçulmanos em que consistia a verdadeira fé católica, repelindo as acusações de politeísmo e idolatria, mas essa política de diálogo não teve um grande resultado, pois os muçulmanos se enrijeceram em suas posições e alguns moçárabe-cristãos acabaram por abraçar teses erradas, como as de Elipando de Toledo. Houve também tentativas de converter os muçulmanos ao cristianismo, como a centralizada em ver. Isso até o já citado Concílio de Burgos, de 1080, em que, sob a direção da coroa de Castela, o rito romano torna-se o oficial. A partir daquele momento, à medida que Aragão e Castela retomavam territórios dos árabes, esses territórios eram restituídos ao rito romano e os bispos eram nomeados entre os monges franceses de rito romano. Assim, o rito romano voltou a ser predominante na Espanha e, no final, apenas Toledo conservou o privilégio de poder celebrar a liturgia moçárabe em torno das seis paróquias que havia na cidade quando Afonso VI, em 1085, a conquistou, expulsando os árabes. A igreja de São Miguel de Escalada, a trinta quilômetros de León, foi fundada em 913 por monges em fuga de Córdoba. Os arcos mourescos do pórtico em forma de ferradura são típicos da arquitetura moçárabe Córdoba, e isso provocou a perseguição: foi a época dos mártires cordobenses, que foram para o martírio em toda a Andaluzia. Foi a reforma gregoriana que marcou o fim do rito moçárabe como rito de toda a Espanha, em favor do rito romano? Não, foi um processo muito mais longo e elaborado. Já antes da reforma gregoriana havia começado, em nível político, um processo de aproximação dos reinos católicos do norte da Espanha com a Europa. Era uma Europa pós-carolíngia e cluniacense e os reis de Aragão e de Castela pensavam que a adoção do rito romano ajudaria seus projetos de integração ao resto da Europa. Os monges de rito romano começaram, assim, a estabelecer-se na Espanha sob a proteção dos reis, e por isso os dois ritos, romano e moçárabe, passaram a convi60 30DIAS Nº 1/2 - 2011 E depois? A sobrevivência do rito hispano-moçárabe, limitadamente às antigas paróquias de Toledo, teve momentos de maior ou menor felicidade no reinado dos reis católicos e no episcopado do cardeal Francisco Jiménez de Cisneros (1495-1517). Quando este assumiu o projeto de reeditar os livros litúrgicos, a antiga liturgia encontrava-se certamente numa situação crítica de decadência dos elementos materiais, de falta de adequada formação do clero e de dispersão dos fiéis. A obra de Cisneros garantiu a sobrevivência do rito e o vinculou particularmente à catedral primacial, com a criação da capela moçárabe do Corpus Christi; garantiu ao mesmo temEl Greco, Santo Ildefonso, Igreja da Caridade, Illescas, Espanha po também a dignidade do velho rito, permitindo a sua celebração em alguns outros lugares significativos, como a sede universitária de Salamanca. Os livros de Cisneros (missal e breviário) permitirão a conservação da eucologia, das leituras próprias e das estruturas rituais de uma parte da tradição hispânica (que logo tomará o nome de tradição “baética” ou andaluz, para conservar-se nos livros de Cisneros sob a denominação de versão “impressa”) para a missa e a Liturgia das Horas. Esses livros consagram ainda a integração, que se ia realizando, de alguns elementos romano-toledanos, sobretudo nas rubricas, no calendário, no espaço para a celebração e nos objetos para o culto. Na Era Moderna, quais foram os momentos mais importantes? Com o fim do século XVIII, o espírito erudito pós-tridentino e a genialidade do “século das Luzes” convergem para uma nova edição do missal e do breviário desejada pelo cardeal Francisco Antonio de Lorenzana (1772-1800). Essa será a versão universalmente difundida graças à sua publicação dentro da coleção de Migne (Patrologia Latina 85 e 86). No século XIX, o interesse dos estudiosos pela questão “moçárabe” cul- À esquerda, a Sagrada Família; à direita, a Adoração dos Magos, miniaturas extraídas do antifonário moçárabe da Catedral de León “Já antes da reforma gregoriana havia começado, em nível político, um processo de aproximação dos reinos católicos do norte da Espanha com a Europa. Era uma Europa pós-carolíngea e cluniacense e os reis de Aragão e de Castela pensavam que a adoção do rito romano ajudaria seus projetos de integração ao resto da Europa” minará com as edições do beneditino francês Férotin, que traz à luz a riqueza dos manuscritos moçárabes da Castela Setentrional, dando espaço à descoberta de uma outra tradição hispânica (a que tomará o nome de “manuscrita”). Tamanho foi o fervor que essas descobertas suscitaram, que despertaram suspeitas acerca da “autenticidade” da tradição presente nos livros impressos em sua época por Cisneros, que foi depois recuperando crédito graças aos estudos realizados após o Concílio Vaticano II pelo grande especialista em rito padre Jordi Pinell e por seus alunos de Santo Anselmo, em Roma, e por outros professores na Espanha. Dessa forma, no atual missal hispano-moçárabe, publicado segundo os princípios da constituição Sacrosanctum Concilium e sob a direção e o patrocínio do cardeal arcebispo de Toledo Marcelo González Martín, puderam ser reunidas as riquezas de ambas as tradições, impressa e manuscrita, recorrendo à proposta de dois ciclos celebrativos quando necessário. E hoje? Podemos dizer que, desde o século VIII, a riqueza do patrimônio eucológico do rito hispano-moçárabe nunca foi tão acessível quanto hoje. De fato, isso é demonstrado pelas muitas teses de doutorado publicadas nas últimas décadas a respeito da matéria, ao lado de diversas celebrações ocasionais do rito em todas as regiões da Espanha e em lugares e circunstâncias de ressonância universal: basta citar, entre outras, a celebração presidida pelo papa João Paulo II na Basílica Vaticana (1992), a presidida pelo arcebispo-primaz de Toledo, o cardeal Francisco Álvarez Martínez, também na Basílica de São Pedro, por ocasião do Grande Jubileu do ano 2000, a convite do próprio comitê organizador, ou, enfim, a presidida pelo bispo auxiliar de Toledo, dom Joaquín Car- melo Borobia Isasa, em Québec, no Canadá, por ocasião do Congresso Eucarístico Internacional do ano de 2008. O rito, então, não ficou apenas como um tesouro para estudiosos e eruditos... De fato, é um rito para uma minoria. Mas depois do Concílio chegou a haver um desejo de abrir as portas desse tesouro para outros católicos espanhóis e do mundo todo, com uma ampla possibilidade de celebrar essas missas ou a Liturgia das Horas com o rito moçárabe, com permissão prévia do bispo, mesmo em lugares onde não há comunidades moçárabes. É claro que continua a ser uma liturgia que não é celebrada com um grande número de fiéis, mas as portas estão abertas, de modo que as pessoas que gostam de se aproximar do mistério não apenas pelo estudo teórico, mas numa experiência como a da celebração, possam encontrar essa riqueza no rito moçárabe. q 30DIAS Nº 1/2 - 2011 61 EXEGESE A mulher do Apocalipse e o anticristo Repropomos, pela sua surpreendente atualidade, um artigo de Ignace de la Potterie publicado no número 10 de 1995, de 30Dias de Ignace de la Potterie ois pontos nos estimulam a continuar a reflexão sobre o Apocalipse iniciada no mês passado 1 . O décimo nono centenário da composição do último livro da Bíblia, celebrado na ilha grega de Patmos por iniciativa do Patriarcado Ecumênico de Constantinopla; e principalmente o fato de o Apocalipse estar ao centro das atenções de dois grandes exegetas deixados um pouco de lado por parte do establishment acadêmico e que 3ODias justamente repropôs aos seus leitores nos últimos números: Erik Peterson (1890-1960) 2 e Heinrich Schlier (1900-1978)3. Para os dois teólogos alemães, ambos convertidos do protestan- D tismo, as visões narradas no Apocalipse representam a terrível e real batalha que ocorre na história entre o Redentor e seu inimigo escatológico. Os dois exegetas consideram o anticristo como um ator do Apocalipse, representado nos símbolos do dragão e das duas bestas. Peterson em um estudo de 1938 sobre o Apocalipse, falando da besta que vem da terra a identifica com “o falso profeta que também pode-se chamar o teólogo do anticristo”. Vinte anos mais tarde Schlier escreveu um artigo sobre o anticristo, concentrando-se unicamente no capítulo XIII do Apocalipse, no qual ele descobre toda a simbologia do culto imperial. O anticristo na sua leitura se identifi- ca com o Império Romano e, mais em geral, com as potências mundanas que perseguem a Igreja. Com o passar dos séculos foram muitos os que recorreram a uma leitura política do Apocalipse, dentro e fora da Igreja. Todos os perseguidores e todos os protagonistas trágicos e negativos da história, mesmo Hitler e Stálin, foram identificados com o anticristo. Lutero atribuiu características do anticristo até ao papa de Roma. Esta inflação de anticristos corre o risco de criar equívocos. Por isso parece oportuno rever o que é verdadeiramente o anticristo para João, que foi o discípulo que falou dele. ¬ Mas se queremos saber o que é o anticristo para João, antes de procurar no Apocalipse devemos olhar às suas primeiras duas cartas. E aqui que o termo anti-cristo criado por João aparece pela primeira vez; e significa: 'aquele que se opõe a Cristo' ou seja "aquele que nega que Jesus é o Cristo" (1Jo 2, 22). 62 30DIAS Nº 1/2 - 2011 Arquivos de 30Dias – Outubro de 1995 Nova vetera et A besta religiosa é perigosa na condição de instrumento do maligno assim como também são os grandes poderes mundanos [...]. Eis, portanto, a primeira característica do advento do anticristo: trata-se de um evento eclesial, mais do que político A besta que sai do mar, uma das cenas do Apocalipse, afresco de Giusto de' Menabuoi na abside do Batistério de Pádua EXEGESE A mulher vestida de sol e o dragão que tenta devorar seu filho, uma das cenas do Apocalipse, afresco de Giusto de' Menabuoi na abside do Batistério de Pádua Inicialmente há uma observação a ser feita. Mesmo se muitos comentários colocam em relação o anticristo com o Apocalipse, a expressão anticristo não aparece nem uma vez explicitamente no livro escrito por João em Patmos. Existem, é verdade, as duas terríveis figuras das bestas e do dragão. Mas também aqui, se por um lado a besta que vem do mar se identifica com Roma e os reinados mundanos, a outra besta, a que vem da terra, representa o poder religioso encar nado na 64 30DIAS Nº 1/2 - 2011 casta sacerdotal judaica (a prostituta), como deixou bem claro Eugenio Corsini no seu livro Apocalisse prima e dopo (edições Sei, Turim, 1980). A besta religiosa é perigosa na condição de instrumento do maligno assim como também são os grandes poderes mundanos. Mas se queremos saber o que é o anticristo para João, antes de procurar no Apocalipse devemos olhar às suas primeiras duas cartas. E aqui que o termo anti-cristo criado por João aparece pela pri- meira vez; e significa: ‘aquele que se opõe a Cristo’ ou seja “aquele que nega que Jesus é o Cristo” (1Jo 2, 22). O trecho fundamental é um pouco antes: “Filhinhos, é chegada a última hora. Ouvistes dizer que o anticristo deve vir; e já vieram muitos anticristos: daí reconhecemos que é chegada a última hora. Eles saíram de entre nós, mas não eram dos nossos. Se tivessem sido dos nossos, teriam permanecido conosco. Mas era preciso que se manifestasse que nem todos eram dos nossos” (1Jo Arquivos de 30Dias – Outubro de 1995 2, 18-19). Eis, portanto, a primeira característica do advento do anticristo: trata-se de um evento eclesial, mais do que político. O anticristo como figura misteriosa, ainda não detalhada, cuja vinda também é descrita por Paulo (2Tess 2, 7-8) como um dos sinais dos últimos tempos, assume nas cartas de João conotações históricas bem determinadas. Coincide com a manifestação da primeira dolorosa fratura no seio da comunidade cristã. Os anticristos são os primeiros hereges, como os gnósticos, isto é aqueles que romperam a unidade da comunidade em torno de Cristo. O delito deles é o mais grave, aquele que João chama o “pecado de iniquidade”: ser contra Jesus Cristo. Não reconhecer Jesus vindo na carne, e, como explica também a segunda carta, querer ir além disso: “Todo aquele que avança e não permanece na doutrina de Cristo não possui a Deus” (2Jo 9). Na primeira carta, a figura do anticristo é mencionada junto com os outros dois antagonistas dos cristãos: o maligno (“Eu vos escrevo, jovens, porque vencestes o maligno”, 1Jo 2, 13), e o mundo (“Não ameis o mundo e nem o que há no mundo”, 1Jo 2, 15). Há uma íntima ligação entre estes três sujeitos: as pessoas, definidas anticristos, que renegando Jesus Cristo provocaram a divisão da comunidade, representam um poder coletivo, o mundo, que se fechou ao amor do Pai mas que está inspirado pelo poder do maligno. Neste sentido o anticristo, sendo inspirado pelo maligno, isto é Satanás, revela a sua dimensão essencial, escatológica, que nos reconduz ao Apocalipse. O evento eclesial do cisma por heresia é revelado na sua dramaticidade de evento escatológico: por trás do delito dos anticristos há a ação do maligno na sua luta contra o reino messiânico. Uma oposição destinada à derrota porque o maligno sabe que o Senhor já venceu. Mas justamente a aproximação da revelação definitiva da vitória faz com que o diabo se torne mais enfurecido na perseguição dos discípulos de Jesus ao longo da história: “Por isso, alegrai-vos, ó céu, e vós que o habitais! Ai da terra e do mar, porque o Diabo desceu para junto de vós cheio de grande furor, sabendo que lhe resta pouco tempo” (Ap 12,12). Toda a segunda parte do Apocalipse (capítulos 12 - 22) está consagrada ao destino de perseguição da Igreja com o passar dos tempos até a vitória final na nova Jerusalém que desce do céu. No início desta sessão a Igreja perseguida está descrita pelo símbolo da luta entre a mulher e o dragão. Justamente pela figura da mulher, além da interpretação dos Padres que já viam nela a imagem da Igreja, a partir da Idade Média foi proposta uma leitura caracteristicamente mariana, influenciando muito a tradição iconográfica e litúrgica. Com efeito, os primeiros cristãos, particularmente a comunidade joanina, considerando a relação filial de João com Maria iniciada no Calvário, não poderiam deixar de referir a imagem Nova vetera et da mulher do Apocalipse à mulher concreta da qual fala o Evangelho, a mãe de Jesus, que ele mesmo chama de “mulher” antes, nas núpcias de Caná (Jo 2, 4) e depois quando ela está embaixo da Cruz junto com João (“Mulher, eis o teu filho... Eis a tua mãe” Jo 19, 26-27). Podem ser feitas várias considerações que confirmam a legitimidade da dupla leitura. A mulher está vestida de sol com a lua sob os seus pés. Grita pelas dores do parto e o filho homem que nasce logo é insidiado como ela pelo dragão. Todos são símbolos e imagens atribuíveis tanto a Maria como à Igreja. Por exemplo, o parto doloroso, que não pode ser um referimento à natividade de Jesus de Maria (pois o parto foi virginal e sem dor: a encíclica de Pio XII Mediator Dei, resumindo toda a tradição o define um “parto feliz”), mas simboliza o evento pascal, com o nascimento da Igreja. Evento que aconteceu aos pés da cruz: Maria e João aos pés do Redentor crucificado são a Igreja nascente. E foi ali que a mãe de Jesus se tornou a mãe de todos os discípulos. Aqueles discípulos, como diz ainda o Apocalipse, sobre os quais cairá toda a cólera do dragão: “Enfurecido por causa da mulher, o dragão foi então guerrear contra o resto dos seus descendentes, os que observam os mandamentos de Deus e mantêm o testemunho de Jesus” (Ap 12,17). Portanto se é lícita a leitura mariana da mulher do Apocalipse, interessa-nos particularmente entender o sentido da luta entre a ¬ Há uma bela antífona, que se usava nas festas marianas do passado e que a reforma litúrgica eliminou tanto do breviário como do missal: "Gaude, Maria Virgo, cunctas haereses tu sola interemisti in universo mundo" (Alegra-te, Virgem Maria, sozinha destruíste todas as heresias do mundo inteiro) [...]. O cardeal Ratzinger no seu livro-entrevista com Vittorio Messori evidencia que "Maria triunfa sobre todas as heresias" 30DIAS Nº 1/2 - 2011 65 EXEGESE O anjo que destrói a besta com uma pedra semelhante a uma grande mó, uma das cenas do Apocalipse, afresco de Giusto de' Menabuoi na abside do Batistério de Pádua mulher Maria e o dragão. Ou seja, a contraposição entre Maria e aquele símbolo do mal escatológico que como vimos para João emerge historicamente com a saída da Igreja dos primeiros hereges. Há uma bela antífona, que se usava nas festas marianas do passado e que a reforma litúrgica eliminou tanto do breviário como do missal: “Gaude, Maria Vir go, cunctas haereses tu sola interemisti in universo mundo” (Alegra-te, Virgem Maria, sozinha destruístetodas as heresias do mundo inteiro). Não é que Maria durante a sua vida tenha feito alguma coisa contra as heresias. Mas certamente o reconhecimento de Maria nos dogmas marianos é sintoma e baluarte da solidez da fé. O cardeal Ratzinger no seu livro-entrevista com Vittorio Messori 4 evidencia que “Maria triunfa sobre todas as heresias”: se é dado a Maria o lugar que lhe convém na tradição e no dogma, nos encontramos verdadeiramente no centro da cristologia da Igreja. Os primeiros dogmas, que se referem à virgindade perpétua e à maternidade divina, mas também os últimos (imaculada conceição e assunção corporal na glória celeste) são a base sólida para a fé cristã na encarnação do Filho de Deus. Mas também a fé no Deus vivo, que pode intervir no mundo e na matéria, assim como a fé em relação às realidades últimas (ressurreição na carne e portanto transfiguração do próprio mundo material) está implicitamente confessada no reconhecimento dos dogmas marianos. Este é mais um dos motivos pelo qual se espera que seja introduzida de novo, talvez na Comemoração da Assunção corporal da Virgem Maria ao céu, em 15 de agosto, a bela antífona deixada de lado pela reforma litúrgica. q ros entre lobos, organizado por L. Cappelletti, ibid., pp. 55-57; I. de la Potterie, O Israel de Deus, em 30Dias, n. 11, novembro de 1995, pp. 24-27; A eleição continua sempre uma graça, organizado por G.Valente, ibid., pp. 28-32. Cfr. L. Cappelletti, Apocalipse, uma história atual, e 30Dias, n. 6, junho de 1995, pp. 62-64; Christus vincit, organizado por L. Cappelletti, ibid., pp. 65-68. 4 V. Messori – J. Ratzinger, Informe sobre a fé, Edições BAC, 1985. Notas Cfr. I. de la Potterie, O Apocalipse já aconteceu, em 30Dias, n. 9, setembro de 1995, pp. 60-61. 2 Cfr. L. Cappelletti, Teólogo sem pátria, em 30Dias, n. 7/8, julho/agosto de 1995, pp. 51-54; Como cordei1 66 30DIAS Nº 1/2 - 2011 3 Estou muito contente, portanto, com o fato de 30Giorni fazer uma nova edição deste pequeno livro que contém as orações fundamentais dos cristãos, amadurecidas ao longo dos séculos. Elas nos acompanham durante todas as vicissitudes da nossa vida e nos ajudam a celebrar a liturgia da Igreja rezando. Faço votos de que este pequeno livro possa se tornar um companheiro de viagem para muitos cristãos. da apresentação do cardeal Joseph Ratzinger (eleito Papa em 19 de abril de 2005 com o nome de Bento XVI) QUEM REZA SE SALVA O livrinho Quem reza se salva que 30Dias já distribuiu centenas de milhares de exemplares, contém as orações mais simples da vida cristã como as da manhã e da noite, e tudo o que ajuda para uma boa confissão. CUSTA APENAS 1€ o exemplar mais despesas de expedição. AS OUTRAS EDIÇÕES EM LÍNGUA ITALIANA, FRANCESA, ESPANHOLA, INGLESA, ALEMÃ E CINESA É possível solicitar exemplares de todas as edições (a edição italiana apresenta-se em dois formatos, grande e pequeno), escrevendo a 30GIORNI via Vincenzo Manzini,45 - 00173 Roma Ou ao endereço e-mail: [email protected]