A Universidade Angolana Como Espaço de Construção de uma Sociedade Moderna Comunicação apresentada nas Ias Jornadas Científicas do Departamento de Sociologia da Faculdade de Ciências Sociais da Universidade Agostinho Neto (UAN), realizadas entre 12-13 de Setembro de 2012 Resumo: As rápidas transformações que a sociedade angolana tem sido alvo levam-nos a refletir sobre o papel da universidade em todo esse processo, a sua missão e enquadramento social, tendo em vista o seu papel na construção e uma sociedade que se quer modernizar. Palavras-Chave: universidade, modernidade, Angola 1 Introdução A evolução da sociedade angolana nos últimos anos tem sido marcada pela dinâmica em torno do crescimento económico e da melhoria do setor social. Parece pertinente, pois, pensar sociologicamente nas mudanças em curso e nas perspetivas de desenvolvimento social a médio e longo prazo. Estas perspetivas passam sobretudo pelo discurso da “modernização”, como via para alcançar o ambicionado desenvolvimento. Neste sentido, a universidade enquanto instituição de construção, preservação e transmissão do conhecimento, desenrola um papel primordial em todo esse processo. Propomo-nos assim refletir sobre a missão e os desafios que enfrentam as universidades angolanas, identificando alguns constrangimentos que, a nosso ver, têm que ser ultrapassados, de modo a que a instituição consiga desempenhar o seu papel tendo em vista a construção de uma sociedade moderna. 2 Universidade e Modernidade As universidades desempenham um papel crucial no processo de desenvolvimento de qualquer país uma vez que formam e capacitam os seus recursos humanos. Enquanto instituições de preservação do saber, sua disseminação através do ensino e sua aplicação através da investigação, as universidades assumem uma dupla função: participam no progresso científico e tecnológico e ainda transmitem esse saber às novas gerações. Não é por isso de estranhar a importância que lhes é atribuída, e o interesse que lhe é dado por quem as frequenta. Durante séculos, o acesso à universidade esteve acessível apenas a um pequeno grupo minoritário que constituía a elite. Essa realidade começa a registar alterações no início do século XIX vislumbrando-se uma nova missão para a instituição, que passou a assumir como função principal a produção e transmissão do conhecimento. Ao privilegiar a racionalidade, a universidade distancia-se dos ditames epistemológicos anteriormente controlados pela Igreja e “moderniza-se” dando maior destaque ao desenvolvimento científico, “desempenhando um papel central enquanto instituições de produção de conhecimento, de intervenção sobre o mundo na base desses conhecimentos, e de formação dos seus produtores e utilizadores” (Estanque & Nunes, 2003: 10). Em 1946, Karl Jospers, definia assim a missão da universidade: É o lugar onde por concessão do estado e da sociedade, uma determinada época pode cultivar a mais lúcida consciência de si própria. Os seus membros congregam-se nela com o único objetivo de procurar incondicionalmente a verdade, e apenas por amor à verdade (citado por Santos, 1989: 12). A industrialização, o desenvolvimento tecnológico, a pressão do mercado de trabalho, o aumento da procura de mão-de-obra qualificada, levaram à expansão do ensino superior e ao aumento da oferta, registando-se assim uma massificação do ensino superior, com destaque para a segunda metade do século XX, ficando assim o ensino superior associado à ideia de “garantia de emprego”. Recentemente, essa ideia tem sido posta em causa, dando lugar a um intenso debate sobre as novas missões para o ensino superior e os modelos de universidade e de instituições de ensino superior mais adequados para enfrentar os novos desafios com que se deparam. As instituições de ensino superior foram assim classificadas de acordo com as missões que cada uma assumiu tais como o ensino e transmissão de conhecimentos, a diversidade e qualidade do ensino (teaching universities), a investigação e inovação (research university), a 3 difusão do conhecimento, o empreendedorismo e a relação com o mercado de trabalho (entrepreneurial universities), o financiamento, entre muitas outras, colocando as universidades num “estado contínuo de complexidade” (Barnett, 2003, p. 174-178), ou seja, de incerteza quanto ao seu futuro. Contudo, as universidades, sobretudo nos países desenvolvidos, sempre se caraterizaram por uma “impermeabilidade às pressões externas” (Santos, 1989, 11), ou seja, uma aversão à mudança das suas funções tradicionais (transmissão de conhecimentos). Para fazer face à nova realidade, as universidades tiveram que redefinir os seus objetivos bem como a sua missão, seja educacional, social ou institucional. É visível na literatura atual e na academia um intenso debate sobre as “novas missões” das universidades, o seu papel na sociedade contemporânea, e o modelo de universidade mais adequado para dar resposta aos desafios que lhe são colocados. Sendo a universidade um local de produção de conhecimento e sendo a produção do conhecimento o motor do desenvolvimento científico e tecnológico, podemos afirmar que a universidade tem um compromisso para com a sociedade, tendo em vista a promoção do seu desenvolvimento em todas as suas vertentes (económica, política, social, cultural, ética, democrática, etc.), bem como da criação do bem-estar social. Sendo locais onde se aprende a aprender, onde se constrói o conhecimento, onde os diferentes saberes se cruzam, a universidade deve igualmente cultivar o espírito crítico, dar respostas às necessidades da própria sociedade e incentivar a inovação. Por outro lado, como “instituições modernas” (Magalhães, 2006), as universidades assumem um compromisso com a produção, divulgação e universalização do conhecimento, privilegiando de igual modo as relações sociais, as relações de trabalho, a arte, a ética e a moral. A universidade moderna como nós a conhecemos, tem sido afetada pelo rápido desenvolvimento da sociedade, impulsionado pelo processo de globalização em todas as suas dimensões, pelas políticas neoliberais e pelo rápido avanço tecnológico. Assim, a preocupação da universidade não deve estar apenas voltada para a preparação de profissionais para o tecido empresarial mas incentivar o desenvolvimento do espírito modernizante. Por outro lado, não deve centrar a sua hegemonia no conhecimento que transmite, mas sim na configuração de saberes que poderá proporcionar, constituindo assim um eixo de encontro entre os diferentes saberes. 4 Os Desafios da Universidade Angolana De todos os níveis de ensino em Angola, o ensino superior é talvez aquele que, enfrenta maiores desafios, não só a nível da procura que se verifica, como também das constantes críticas de que têm sido alvo as universidades (públicas e privadas), relacionadas sobretudo com a qualidade do ensino ministrado. Após a independência, a educação em Angola sofreu profundas transformações. O acesso à educação, até então privilégio de alguns (brancos e assimilados) “democratizou-se”, tendo o novo governo angolano procurado disponibilizar o seu acesso numa lógica de igualdade de oportunidades, independentemente do género, condição económica, raça ou religião, indo ao encontro dos ideais defendidos durante o período de luta de libertação. A nacionalização do ensino levou assim a uma explosão escolar em todos os níveis de ensino, nunca antes registada. Em relação ao ensino superior, a formação de quadros foi um dos compromissos mais importantes que o governo da República Popular de Angola (RPA) assumiu (Liberato, 2012). No entanto, o êxodo massivo da maioria dos quadros técnicos de Angola, a necessidade de reestruturação da própria universidade, o aumento exponencial do número de alunos, a guerra civil e o cada vez menor investimento neste setor (Zau, 2009) fizeram com que o ensino superior em Angola colapsasse, sendo o envio de estudantes para o exterior a alternativa encontrada para formar os seus quadros (Liberato, 2012). O fim da guerra civil em 2002 e o aumento do investimento estrangeiro, traduziuse numa maior exigência nas qualificações das ofertas de emprego. Deste modo, a procura do ensino superior irá registar nos últimos anos um aumento considerável, tendo passado de 9.129 no ano letivo de 2001/02 para 46.554 no ano letivo de 2007/08 (UAN, 2008). Se, por um lado, as habilitações escolares dos angolanos aumentaram, por outro, para os indivíduos do sexo masculino, o fim da guerra civil significou o fim da obrigatoriedade do serviço militar, estando os mesmos abertos à possibilidade de exercerem uma atividade profissional fora desses domínios. Verificou-se, de igual modo, um aumento da oferta educativa com a abertura de instituições de ensino superior privadas e, posteriormente, com a expansão do ensino superior a todo o país com a criação das regiões académicas. Esse aumento da oferta educativa é alimentado pela ideia de formação superior como “sinónimo de emprego”, e entendido pelas camadas 5 sociais mais baixas como o meio de ascensão social, indo ao encontro da ideia defendida no relatório da OCDE de 2007 que quanto mais tempo uma pessoa investe no ensino, maior é a probabilidade de obter emprego e ser melhor remunerado (OCDE, 2007). A fortíssima expansão que o ensino superior angolano registou na última década coloca enormes desafios às respetivas universidades. Questiona-se a qualidade do ensino ministrado, a adequação dos cursos às necessidades do mercado de trabalho, a responsabilidade cultural e social da universidade na produção de massa crítica capaz de contribuir ativamente para a transformação da sociedade, a sua credibilidade e aceitação social. A maioria dos angolanos e das empresas que operam no setor empresarial público ou privado angolano, não acredita na sua eficiência e eficácia, preferindo contratar quadros que realizaram a sua formação superior no exterior (Liberato, 2012). Essa ideia tem sido alimentada desde a criação do ensino superior em Angola (1963) pois as elites1 angolanas, desde sempre, realizaram a sua formação superior no exterior, nomeadamente, em Portugal. A universidade desempenha uma função imprescindível na formação de capital humano e na promoção intelectual, devendo por isso assegurar e sustentar o seu desenvolvimento, bem como a criação de uma massa crítica interventiva, possibilitando a tomada de decisões coletivas criativas e informadas. Na atual conjuntura nacional e internacional, torna-se deste modo urgente alterar esta situação deficitária que carateriza o ensino superior ministrado em Angola. Que universidade para Angola? Angola atravessa um período de crescimento económico e de implantação das bases da democracia. Assume-se que, a educação deve ser um “elemento estruturante das condições de desenvolvimento socioeconómico, do enriquecimento cultural e social” (Mauritti, 2003, 131), bem como o pilar para a edificação de uma cidadania democrática. Caraterizada pela diversidade cultural, social, étnica e linguística, por desigualdades de género no acesso à educação (World Economic Forum, 2011) e por diferenças de desenvolvimento entre o urbano e o rural, o país constitui-se como um espaço para a produção de realidades diferenciadas e para o surgimento de inúmeros 1 As elites assumem aqui uma dimensão intelectual, cultural e social. 6 desafios ao ensino superior, nomeadamente, no que diz respeito à constituição das elites locais, a inserção profissional dos quadros formados pelas respetivas instituições de ensino superior, o papel do empresariado, a formação para o empreendedorismo, a criação de emprego, a captação de riqueza para as regiões onde estão inseridas, etc. As evidências apontam para uma fraca ligação entre o ensino e a investigação. As universidades angolanas assentam no modelo de teaching university, ou seja, estão orientadas apenas para o ensino e transmissão do conhecimento. Embora não se questione a sua importância, o fato da investigação ter pouca representatividade retira alguns atributos às universidades, pois, somente com a investigação se pode questionar e procurar as respetivas respostas, construindo assim o conhecimento científico, evitando deste modo a reprodução de teorias anteriormente postuladas. De igual modo, verifica-se que o modelo de universidade adotado não passa de “cópia” de modelos externos, em que os alunos buscam a educação superior como forma de garantia de emprego, o estado espera que a universidade seja o “laboratório” do desenvolvimento e as empresas esperam pela saída dos recursos humanos qualificados. As universidades angolanas têm assim um longo caminho a percorrer na edificação e consolidação de uma universidade moderna, onde a construção do conhecimento assuma principal destaque, substituindo assim a ideia de “obtenção de diploma” para melhor inserção profissional. 7 Conclusão Ao longo dos últimos anos a universidade, enquanto instituição, tem-se deparado com inúmeros desafios que a têm levado à redefinição da sua missão, dando origem a debates que visam traçar uma linha que dê sentido a sua existência. Nesse contexto, a universidade angolana não é exceção. Depois de inúmeros desafios que condicionaram o seu bom desempenho, a sua expansão recente tem levado a sociedade angolana a questionar a sua eficácia e eficiência. As grandes diferenças regionais (entre Luanda e as restantes províncias), a qualidade do ensino, a dificuldade de afirmação das instituições de ensino superior a nível nacional, o incentivo à investigação, o diálogo com o setor económico, social, industrial e cultural, a criação fundos para o financiamento das suas atividades, a sua autonomia financeira entre muitas outras, são questões que se colocam às universidades angolanas e que servem de ponto de partida para nos levar a questionar que universidade estamos a edificar para Angola. Apresenta-se assim essencial recuperar a qualidade de ensino ministrado nas universidades, de modo a que os alunos respondam melhor aos desafios quotidianos. Esperamos assim, com essa apresentação fomentar o debate acerca do tema, bem como despertar os menos atentos para a importância do tema. 8 Bibliografia Barnett, R. (2003). Beyond all Reasons: Living with Ideology in the University. Buckingham: The Society for Research into Higher Education & Open University Press. Estanque, E. & Nunes, A. (2003). Dilemas e Desafios da Universidade: Recomposição Social e Expectativas dos Estudantes na Universidade de Coimbra. Revista Crítica de Ciências Sociais, 66, 5-44. World Economic Forum. (2011). Global Gender Gap Report (2011). Disponível em: http://www3.weforum.org. Acesso em 21/11/11. Liberato, E. (2012). Educação e Desenvolvimento: A Formação Superior de Angolanos em Portugal e no Brasil. Lisboa: ISCTE, policopiado. Magalhães, A. M. (2006). A Identidade do Ensino Superior: A Educação Superior e a Universidade. Revista Lusófona de Educação, 7, 13-40. Mauriti, R. (2003). Escolha da Licenciatura. In Almeida, João Ferreira (org.) Diversidade na Universidade: Um Inquérito aos Estudantes de Licenciatura. Lisboa: Celta editora, 131-149. OCDE (2007). Education at a Glance, Disponível em: http://www.oecd.com. Acesso em: 05/09/2012. Santos, B. (1989). Da Ideia de Universidade à Universidade de Ideias. Revista Crítica de Ciências Sociais, 27/28, 11-62. UAN (Universidade Agostinho Neto (2008). Livro do Finalista 2007/2008. Luanda: UAN. Zau, F. (2009). Educação em Angola: Novos Trilhos Para o Desenvolvimento. Luanda: Movilivros. 9