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UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES
LICENCIATURA PLENA EM LETRAS
HABILITAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA
CARLA MONYKE PEREIRA DE LIMA CAPITA
A INFLUÊNCIA DO MODERNISMO BRASILEIRO NA LITERATURA ANGOLANA
JOÃO PESSOA – PB
JULHO DE 2011
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UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES
LICENCIATURA PLENA EM LETRAS
HABILITAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA
A INFLUÊNCIA DO MODERNISMO BRASILEIRO NA LITERATURA ANGOLANA
Trabalho apresentado ao Curso de Licenciatura
em Letras da Universidade Federal da Paraíba
como requisito para obtenção do grau de
Licenciado em Letras, habilitação em Língua
Portuguesa.
Profa. Dra. Elisalva Madruga Dantas, orientadora.
JOÃO PESSOA – PB
JULHO DE 2011
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CARLA MONYKE PEREIRA DE LIMA CAPITA
A INFLUÊNCIA DO MODERNISMO BRASILEIRO NA LITERATURA ANGOLANA
Trabalho apresentado ao Curso de Licenciatura em Letras da Universidade Federal da Paraíba
como requisito para obtenção do grau de Licenciado em Letras, habilitação em Língua
Portuguesa.
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DEDICATÓRIA
Ao Senhor JESUS, a quem devo tudo, até minha própria vida. ELE me fez chegar até aqui.
Ao meu esposo Juliano Capita, uma das pessoas que me motivou a conhecer um pouco da
literatura angolana. Sem palavras para descrevê-lo.
Aos meus queridos pais, Carlos Lima e Solange Lima, pelo grande amor e apoio nos estudos.
As minhas lindas irmãs, Camy Lima e Catry Lima, pessoas excepcionais, supercarinhosas e
amorosas para comigo.
A minha avó Alaíde, uma pessoa ímpar e de um coração enorme.
Dedico esse momento de minha vida a todas essas pessoas, pessoas que me amam e pessoas
pelas quais tenho um imenso amor também.
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AGRADECIMENTOS
Mais uma vez, minha eterna gratidão ao DEUS de minha vida.
Aos meus amigos Paulo Aldemir Lopes e Camila Burgardt, pela ajuda e força que sempre me
deram no decorrer do curso.
A minha querida professora e orientadora Elisalva, um amor de pessoa, dona de uma simpatia
sem igual.
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As pessoas devem estudar, pois é a única maneira de poderem pensar sobre tudo com a sua
cabeça e não com a cabeça dos outros. O homem tem de saber muito, sempre mais e mais,
para poder conquistar a sua liberdade, para saber julgar.
[Pepetela]
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RESUMO
A monografia apresentada, a partir das pesquisas realizadas, visa mostrar, sobretudo, através
da análise socioestilística do poema Exortação, do angolano Maurício Gomes, as relações
existentes entre a poesia angolana e a brasileira e como as propostas estéticas e ideológicas
dos poetas idealizadores do movimento modernista brasileiro, vazadas, principalmente, na
consolidação da identidade brasileira, contribuíram de forma relevante para a construção da
poesia angolana, empreendida pelos poetas reunidos em torno do lema Vamos descobrir
Angola!, empenhados, por sua vez, na criação de uma identidade poética autenticamente
angolana, liberta dos padrões europeus.
Palavras-chave: Literatura; Modernismo; Ruptura; Identidade; Estética; Ideologia.
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RESUMEN
La monografía presentada, con base en las investigaciones realizadas tiene como objetivo
mostrar, sobretodo, a través del análisis socio-estilístico del poema Exhortación, del angoleño
Mauricio Gomes, las relaciones existentes entre la poesía angoleña y la brasileña y como las
propuestas estéticas e ideológica de los poetas idealizadores del movimiento modernista
brasileño, diseminadas principalmente en la consolidación de la identidad brasileña,
contribuyeron de forma significativa para la construcción de la poesía angoleña, llevada a
cabo por los poetas reunidos en vuelta del lema ¡Vamos a descubrir Angola!, comprometidos,
por su vez, en la creación de una identidad poética auténticamente angoleña, suelta de las
normas europeas.
Palabras claves: Literatura; Modernismo; Ruptura; Identidade; Estética; Ideología.
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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ................................................................................................................... 10
1. CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA DE ANGOLA ................................................... 11
1.1. Primeiras Manifestações Literárias ................................................................................ 14
1.2. A importância de Cordeiro da Mata ............................................................................... 15
2. ANGOLA E BRASIL ...................................................................................................... 17
2.1. Movimento dos Novos Intelectuais de Angola ............................................................... 19
2.2. Presença do Modernismo Brasileiro .............................................................................. 21
3. ASPECTOS IDEOLÓGICOS E ESTÉTICOS DO POEMA “EXORTAÇÃO” ................. 25
CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................... 31
REFERÊNCIAS .................................................................................................................. 32
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INTRODUÇÃO
Durante a graduação, tivemos contacto, através das aulas da Professora Elisalva
Madruga, com as literaturas africanas de língua portuguesa e tomamos conhecimento da sua
relação com a literatura brasileira. Interessada no assunto, decidimos realizar a minha
monografia de conclusão de curso tendo como objetivo geral mostrar, através da leitura crítica
de alguns textos poéticos, a presença marcante da literatura brasileira na literatura angolana ao
longo do tempo e como objetivo específico, a repercussão do Modernismo Brasileiro no
momento de criação da literatura angolana propriamente dita.
Com relação à presença marcante da literatura brasileira, tentaremos mostrar como
desde as primeiras manifestações literárias angolanas essa relação se encontra presente. Em
seguida, nos deteremos no objeto central do trabalho que será, como dissemos, trabalhar a
relação da Literatura Angolana com o Modernismo brasileiro.
Para exemplificar bem esse elo que une a nossa literatura a deles, faremos uma análise
do poema Exortação, do escritor angolano Maurício Gomes, cujo discurso deixa bem
explícita a influência dos nossos poetas, tanto em termos ideológicos como em termos
estéticos.
Ciente do pouco conhecimento existente acerca das literaturas africanas de língua
portuguesa, entre elas a angolana, consideramos importante em um primeiro momento traçar
um pouco das coordenadas histórico/social de Angola, inclusive para entendermos a razão das
afinidades dos escritores e poetas desse país com os escritores e poetas brasileiros.
Para a realização desse trabalho, além de livros sobre Literatura Angolana, mais
especificamente sobre a poesia, e de trabalhos críticos sobre a relação existente entre essa
literatura e a brasileira, recorremos, também, a obras relacionadas com a Literatura brasileira,
principalmente no que concerne ao Modernismo em sua primeira fase, ou seja, a produção
modernista dos anos 20 e ainda a obras de cunho histórico e sociológico.
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1. CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA DE ANGOLA
Nas sociedades humanas, muitas vezes nos deparamos com situações desiguais em que
o homem é explorado pelo seu semelhante. Temos assim uma classe dominadora e uma
dominada, classe de senhor e de servos ou escravos, de capitalistas e proletariados, de patrão e
empregados. Essa diferença enseja e ensejou ao longo da história da humanidade muitos
conflitos e muitas lutas, pois é inerente à natureza humana o desejo de liberdade.
Colônia de Portugal durante cinco séculos, Angola conheceu de perto a situação de
povo explorado e para chegar à condição de país independente, teve que, por muitos anos,
enfrentar, através de lutas e guerras sangrentas, o regime colonizador. Conhecer, pois, sua
história é “conhecer a vida dos povos de Angola, as suas lutas pelo progresso, a sua luta
contra o domínio estrangeiro.” (HISTÓRIA DE ANGOLA, p. 05).
Situado no continente africano, esse país pertencia ao reino do Congo, antes da
chegada dos portugueses. O Congo tinha uma agricultura muito avançada e em estado de
desenvolvimento e o comércio também estava em alta, produzindo até excedentes, gerando
uma grande economia para a região. A sociedade tradicional que existia na África era bem
diferente da sociedade colonial.
A história de Angola está dividida em três períodos: Idade Pré-Colonial, Idade
Colonial e Idade Pós-Colonial.
A Idade Pré-Colonial começa no século XIII e vai até 1575 (ano em que ocorre a
fundação da cidade e capital Luanda). Os portugueses chegaram ao Congo em 1482, liderados
pelo capitão Diogo Cão, e logo se espalharam por toda região.
As relações entre o rei do Congo e rei de Portugal eram amigáveis, havia uma troca de
favores, o Congo recebia muita atenção e armas de fogo de Portugal que serviam para conter
as revoltas da população e de outros países, por sua vez, Portugal recebia escravos vindos do
Congo para aumentar sua riqueza de forma monopolizada, ou seja, apenas Portugal podia
estar à frente dos negócios relativos à escravidão e a contribuição do rei era importante para
“produção” e fornecimento dos escravos.
A Idade Colonial vai do século XV, de aproximadamente 1575 e termina com a
independência em 1975, quando então se inicia o período Pós-Colonial.
Como todo colonizador, à medida que fortalecia seu poder em Angola, os portugueses
iam modificando a forma de viver do povo angolano, através da imposição dos seus valores,
seja em termos políticos, sociais, linguísticos e culturais. Para eles, a língua falada em Angola
era “língua do cão” e o português passou a ser a língua obrigatória. Era ensinada nas escolas e
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era com ela que se faziam todas as transações, fossem elas comerciais ou não, como bem o
observa a crítica Inocência Mata, ao afirmar que, sendo
língua do colonizador e, como tal, da administração e da imprensa, do ensino
e da socialização, a língua portuguesa funcionou também como língua de
assimilação e, por isso, de alienação cultural, de eficácia glotofágica
reforçada pelas medidas proibitivas em relação à utilização das línguas
africanas(autóctones
e crioulas)e, consequentemente, contra o
desenvolvimento e o funcionamento simbólico que qualquer língua tem, a de
realizar interpretações culturais da realidade, para além da função
comunicativa. (2007, p. 84)
A história foi desprezada e até a religião Católica foi fixada nessas terras, o próprio
Rei do Congo se converteu ao Catolicismo (ocasionando conflitos religiosos no povo que já
tinha uma religião), além da existência de forte discriminação quanto à cor negra. A presença
dos portugueses já era bem forte e evidente, já tinham o controle de toda extensão de terras
angolanas.
Os recursos agrícolas e minerais eram bastante explorados, aumentando assim, a
ambição dos portugueses em lutar e conquistar prata para aumentar seu comércio.
O comércio da colônia baseava-se no tráfico de escravos e na exploração de marfim,
que tinham muito valor na Europa. Os comerciantes cresciam muito e o artesanato local e
outros produtos como o sal, por exemplo, iam perdendo privilégio. Na verdade, Portugal
estava interessado mais no ouro e na prata, os escravos vieram a calhar devido à precisão que
se fazia de mão de obra na colônia portuguesa situada no Brasil.
Os jesuítas enviados pelo Brasil (colônia de Portugal também) faziam o papel de
fiscalizar todo o comércio de Angola e alguns procuravam escravos, pois tinham grandes
fazendas.
Com o tempo, a colônia achou melhor mudar o método econômico e começar a trocar
os escravos por trabalhadores assalariados e também aumentar a produção de outras
mercadorias que lhe aumentassem o capital, além dos escravos. Os colonos angolanos
queriam organizar um comércio interno de onde eles pudessem retirar mais lucro e pudessem
contar com a ajuda e apoio do governo. Alguns Estados não estavam dispostos a isso, pois
iam ficar no prejuízo e era necessária uma maior segurança na região contra revoltosos que
pudessem surgir. O governo resolveu construir indústrias, o trabalho escravagista iria acabar,
os colonos iriam produzir e haveria um acordo mútuo, que de certa forma deu certo. A
agricultura se desenvolveu também na tentativa de acabar com a escravatura e quem
continuasse a usar escravos e a fazer guerra sofreria grande punição. Contudo, “militares e
certos comerciantes continuavam nessas guerras e a apanhar escravos para vender no Brasil”
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(HISTÓRIA DE ANGOLA, p. 108). Os escravos sofriam muito, passavam fome, ficavam
doentes, morriam antes mesmo de começarem a “trabalhar”. Até a Igreja Angolana estava
subordinada à Igreja Brasileira.
Com o passar do tempo, Portugal já não exercia controle total sobre a economia de
Angola, o povo angolano começa a se impor e a dominar seu próprio capital. No mundo havia
uma grande divergência sobre o modo de trabalho. Alguns países começavam a extinguir o
trabalho escravo porque o ramo industrial estava em crescimento e outros ainda continuavam,
mas sempre pensando no melhor para a economia e não nos escravos que eram obrigados a
viverem de tal forma. Um tratado foi assinado em 1825, no Brasil, deixando de lado as
colônias portuguesas. A economia angolana deu um grande salto, com tudo isso.
O tráfico de escravos continuava para as Américas, mesmo com a abolição da
escravatura em Angola, que ocorreu no ano de 1836. Mas, aos poucos foi tendo fim, dando
lugar a outros tipos de comércio. O povo angolano lutou muito para conquistar essa liberdade.
A vida política foi mudando também quando o capital angolano foi se separando do Brasil. Os
angolanos burgueses cultos escreviam em jornais e revistas criticando a economia, o governo,
entre outras coisas. Iam aparecendo escritores, jornalistas que defendiam os que mais sofriam.
A liberdade de imprensa já estava presente nesse momento. Em 1899, a escravidão foi extinta
de forma oficial, mas deixou alguns vestígios. O comércio de borracha, de marfim, de gado,
dentre outros, foi ficando fraco e o açúcar, café e milho estavam em alta. A vida livre dos
africanos também não era tão fácil, tinham que pagar impostos ao governo e a jornada de
trabalho que lhes era imposta, assemelhava-se em muito ao trabalho escravo. Não havia
respeito às leis que protegiam essas pessoas do trabalho escravo. Assim, foram surgindo
revoltas contra esse tipo de trabalho e mesmo dessa forma, a colônia ficava em crise devido à
escassez de escravos. Ao todo, foram cinco séculos de colonização, assim como no Brasil.
Em dezembro de 1956 é formado o MPLA, Movimento Popular de Libertação de
Angola, um partido do povo que lutava pela independência. Foi perseguido por Portugal,
houve prisões, mortes. O povo começa a lutar de forma armada e com mais força em favor da
liberdade nacional. Os escritores contribuíram e foram importantes para o MPLA, apesar de
não ser um movimento literário, mas político.
Angola tornou-se um país livre e independente em 11 de Novembro de 1975, depois
de muito lutar para viver livre do domínio português. Tem o MPLA à frente do governo até
hoje.
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1.1. Primeiras Manifestações Literárias
Embora haja notícia de um texto poético publicado em Angola por volta do século
XVII, atribuído a um militar, filho da então colônia, os estudiosos da Literatura apontam
como marco inicial da produção literária angolana o livro de poemas, Espontaneidades da
minha alma: às senhoras africanas (1849), do escritor José da Silva Maia Ferreira. Nele, à
semelhança do poema Canção do Exílio, do brasileiro Gonçalves Dias, Maia Ferreira exalta a
terra africana, declarando seu amor por ela, enaltecendo as belezas naturais, a fauna, a flora e
os habitantes do lugar. Essa semelhança com a poesia brasileira deixa entrever que a relação
entre as duas literaturas data de muito tempo.
A fundação do jornal Boletim Oficial, em 1845, sob a organização do governadorgeral Pedro Alexandrino da Cunha, deu início, ainda que de maneira simples, ao jornalismo
em Angola. Através desse jornal, eram divulgadas histórias de Angola, literatura em verso e
em prosa, artigos relacionados à religião, ao Catolicismo, ao comércio, à economia, etc. No
entanto, só podia ser publicado o que fosse aprovado pelos portugueses para que não se
escrevesse algo que atingisse Portugal. Mesmo assim, o jornalismo e a imprensa foram de
suma importância, no final do século XIX, para a luta dos angolanos, pois serviram de porta
para uma nova maneira de ver o mundo, um mundo mais próximo da realidade.
Em torno de 1856, a imprensa passou a ter certa liberdade. Mais jornais e revistas
foram sendo fundados, tais como, A Aurora (1855) e A Civilização da África Portuguesa
(1866). Esse último teve curta duração, pois tanto defendia a colônia, como também defendia
a abolição da escravatura, deixando insatisfeitos alguns governantes. Antônio Urbano
Monteiro de Castro e Alfredo Júlio Cortez Mântua foram os fundadores desse jornal e mais
tarde lutaram para reativá-lo. Urbano mereceu destaque por ser um grande literato, na poesia e
na prosa, de uma imensa riqueza cultural e simplicidade e clareza ao mesmo tempo. Teve uma
colaboração forte como jornalista e escritor na imprensa livre em Angola, escrevendo sobre
diversos assuntos. Mântua também teve seu papel reconhecido, na luta pelo desenvolvimento
do país.
Muitos outros jornais foram surgindo, uns duradouros, outros passageiros, fundados
até por europeus, que defendiam a liberdade de imprensa e abolição da escravidão, como por
exemplo, Dr. Alfredo Trony, português e responsável pelo Jornal de Luanda (1878), que de
fato lutava pelos interesses do povo, se afastando aos poucos do colonialismo, deixando,
assim, o governo revoltado, sendo, por esse motivo, expulso do meio. Contudo, Dr. Alfredo
continuou sua luta em defesa dos ideais dos habitantes locais e criou outros periódicos, além
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de ser autor de novelas. Tudo isso foi concedendo voz aos intelectuais que estavam surgindo.
Joaquim Dias Cordeiro da Mata (um dos primeiros idealizadores da literatura angolana),
Pedro Machado, Fontes Pereira, entre outros, inconformados com a maneira como os
portugueses estavam governando Angola, começaram então a se revoltar contra a colonização
violenta que minava a identidade do povo. Foram poetas, jornalistas que usaram a palavra
como aliada no combate ao domínio português. Muitos foram perseguidos e presos. Pedro
Félix Machado foi responsável também pela revista Luz e Crença junto com outros jornalistas
e escritores, em que ratificava os desejos de Cordeiro da Mata de uma literatura
verdadeiramente angolana. A não aceitação do sistema presente na região e a necessidade de
colocar na escrita o sentimento nativista que começava a se fortalecer moviam os intelectuais,
sendo muito importante mais tarde para o desenvolvimento do processo de angolanização que
será retomado por outros intelectuais.
1.2. A importância de Cordeiro da Mata
Joaquim Dias Cordeiro da Mata, nascido em Angola, em 1587, autodidata, foi muito
importante para o desenvolvimento da angolanidade. Dedicado totalmente à cultura angolana,
publicou livros sobre a historia de Angola, escreveu romances, contos, poesias, estudos
filológicos, contribuindo, através deles, para o conhecimento de Angola e do quimbundo, uma
das língua nativas que era negada pelo colonizador. A preocupação com a língua, além de
levá-lo a escrever uma gramática do quimbundo, leva-o também a adotar termos dessa língua
no seu livro de poemas Delírios (1890), fortalecendo, assim, o sentimento nativista que
norteava a produção da época. Tinha uma coluna no Jornal de Luanda, por meio da qual
exortava os conterrâneos a se unirem em favor do desenvolvimento de Angola. Já que existia
até escritor europeu interessado em escrever e cantar aquela terra, então, por que não os
próprios nativos fazerem tal coisa? Contudo, poucos atenderam ao chamado.
Em 1901, um artigo preconceituoso, “Contra a lei, pela Grey”, foi publicado no 4º
número do Gazeta de Luanda, apontando o negro como preguiçoso, afirmando não ser ele
"perfeitamente homem" e que colocá-lo na cadeia é "dar-lhe prêmio", pois ele vai gostar de
"comer sem trabalhar". Como não poderia deixar de ser, esse artigo provocou uma profunda
indignação entre os africanos que contra-atacaram com uma série de artigos que reuniram em
um volume intitulado Voz de Angola clamando no deserto, ressaltando os valores do homem
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negro e mostrando que o seu atraso é consequência da ação perniciosa do colonizador. Assim
diz um desses artigos:
"Acusam a raça preta de incapaz de civilização e desenvolvimento , quando
se lhe não tem ministrado os meios de elevação, procurando conservá-la no
estado de rudez e embrutecimento, explorando-a assaz os esclavagistas, para,
à custa do seu suor e trabalho, não remunerado, medrarem enriquecerem!"
(VOZ DE ANGOLA CLAMANDO NO DESERTO, 1984, p. 83) (sic).
A literatura desse período foi muito importante. Através dela, começa a se ter ideia do
sofrimento vivenciado pelo povo angolano em decorrência da opressão do colonizador. É
também, através dela, que a semente da ruptura, desenvolvida mais tarde pela geração dos
anos 40, germina vigorosamente.
A partir dessa época, a literatura vai cada vez mais se tornando o canal por meio do
qual tudo que estava silenciado começa a ser falado, ainda que para isso tivessem que
enfrentar as duras punições infligidas pelos dominadores.
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2. ANGOLA E BRASIL
A literatura angolana sofreu várias influências. Muitos fatores cooperaram para seu
desenvolvimento. Se dentre as influências internas, temos os poetas e escritores, cujas
produções serviram de importante subsídio para “a proposta dos responsáveis pelo
movimento que, a partir dos anos 40, começa a agitar o meio cultural angolano em prol da
construção de uma literatura marcadamente nacional.” (MADRUGA, 1998, p. 20), dentre as
influências externas, são citadas como mais expressivas, o marxismo, o neorrealismo
português e o modernismo brasileiro.
À maneira dos modernistas brasileiros, os escritores começaram a se empenhar em
trazer para a literatura, de modo crítico, a realidade angolana, o sofrimento do povo,
sobretudo do povo negro, vitimado duplamente na condição de colonizado e negro. O
aumento da produção jornalística e a utilização cada vez maior de termos da língua nativa
constituíram fatores importantes para o crescimento e consolidação de um sentimento
nacionalista que vai despertando nos angolanos uma imensa vontade de sair do papel de povo
colonizado e de trabalhar em prol da construção de uma identidade própria.
Na década de 30, surge um movimento revolucionário intitulado Negritude, liderado
pelos estudantes negros Aimé Césaire, Leon Damas e Leopold Senghor. Composto ainda por
outros estudantes que reivindicavam o papel e a presença do negro dentro da sociedade, tal
como os brancos. Ganhou grande aceitação, pois colaborou muito no processo de afirmação
do negro e da sua cultura, tendo em vista que, “o resgate da identidade africana implica a
reestruturação do ser negro, mutilado ao longo dos séculos”. (MADRUGA, 1998, p. 69).
A partir da década de 40, a literatura angolana começa a ganhar forças e a modificar o
quadro da história literária do país e colaborar para a mudança também do quadro
sociopolítico marcado pela opressão, pela exploração e pela subestimação, devido à
colonização. Os movimentos anteriores servirão de base para tudo que vamos encontrar pela
frente. A poesia será um meio de os angolanos cantarem sua terra e suas esperanças de se
tornarem livres de um país preso a uma cultura europeia que se afirma superior a todas as
outras.
Na literatura que vai despontando, o negro já começa a se conscientizar de sua
situação, um ser que foi violentado, colonizado, desrespeitado e discriminado pelos brancos
europeus, e começa a lutar para mudar o rumo de tudo isso.
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O escritor Agostinho Neto, primeiro presidente de Angola, quando o país se tornou
república, e importante poeta angolano, retrata esse momento em um poema intitulado Adeus
à hora da largada. Segue alguns trechos:
“...Amanhã
Entoaremos hinos à liberdade
Quando comemorarmos
A data de abolição desta escravatura.”
Agostinho Neto utiliza o lirismo em seus poemas para expor a situação da África e de
Angola, frente a tudo que tem se passado naquele continente e naquela colônia em
decorrência dos desmandes do colonizador. Seus poemas nos falam do choro africano, apesar
de ao mesmo tempo, paradoxalmente, utilizar de forma recorrente a metáfora dos “olhos
secos” insistentemente repetida no poema Criar. Mas é um choro seco, desprovido de
qualquer sentimentalismo, o coração do povo africano devido a todo sofrimento, precisava se
tornar seco e duro, para que não se desviasse de seus objetivos. O povo africano desejava criar
uma nova história para si. Agostinho trabalha em um de seus poemas termos semânticos com
cargas positivas e cargas negativas, significando os dois extremos: afirmação e negação.
Tentando desencadear no povo um processo de conscientização de luta por seus ideais, ele
conclama as pessoas a viverem de acordo com suas realidades, de tal forma que, a língua de
seus antepassados faça parte de suas vidas também. Sua obra mais importante foi Sagrada
Esperança (1979) em que reunia poesias de caráter combativo e lírico. Ele tinha muita
esperança na mudança da situação e no reconhecimento do seu povo.
Um outro poeta muito importante para a nova literatura que emerge a partir dos anos
40 é o angolano Viriato da Cruz, que mais tarde vai liderar o movimento dos Novos
Intelectuais de Angola. Um de seus poemas bem conhecido é o que tem por título Mamã
Negra (Canto da Esperança), em que é exposto o sofrimento da África devido à escravidão.
Porém, como o próprio subtítulo – Canto da Esperança – anuncia, o poema traz também uma
esperança e, mais do que isso, uma certeza do fim de todo aquele sofrimento, de toda aquela
exploração. Segue exemplo:
Mas vejo também que a luz roubada aos teus olhos, ora esplende
demoniacamente tentadora-como a Certeza...
cintilantemente firme-como a Esperança...
em nós outros teus filhos,
gerando, formando, anunciando
-o dia da humanidade
O DIA DA HUMANIDADE...
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Tanto o poema Criar como o poema Mamã Negra revelam um futuro que está por vir,
um futuro divisado pelos olhos desses poetas.
2.1. Movimento dos Novos Intelectuais de Angola
Foi um movimento literário, surgido em 1948, composto por um grupo de jovens
intelectuais, negros, brancos, mestiços, liderados por Viriato da Cruz. Eles aproveitaram os
ideais nativistas de escritores passados, tais como, Cordeiro da Mata e Paixão Franco, para
voltarem-se às suas raízes angolanas e estudarem a terra, as regiões geográficas, a língua e
dialetos locais, a fim de que a população conhecesse um pouco da sua história. A realidade
angolana tornou-se matéria de poesia, despertando nas pessoas a vontade de se libertarem da
condição de colonizados e a de tornarem Angola livre das amarras europeias. Esse
movimento, a partir de 1950, também ficou conhecido como o “Movimento dos Novos
Intelectuais de Angola”, por tomarem como base as propostas dos chamados “Velhos
Intelectuais”, aqueles intelectuais já mencionados, que no final do século XIX já tinham em
mente essa libertação.
O grupo dos Novos Intelectuais de Angola estava, pois, empenhado em propagar
conhecimentos, instruir o povo de sua terra, para que não pensassem apenas no trabalho, mas
sim, também, na cultura que estava permeando a vida pacata dos angolanos. O Modernismo
brasileiro também serviu de grande influência para esse movimento, pois os encorajava a
produzir uma literatura tipicamente angolana. De acordo com Mata, é sabido que
em sociedades emergentes, com um passado colonial recente, a literatura é
um veículo muito importante na construção da identidade literária. Isto é:
por razões que têm a ver com a especificidade do processo libertário, a
identidade literária tornou-se uma componente fundamental do cadinho da
identidade que se pretende nacional. (2007, p. 86)
Os Novos Intelectuais de Angola tiveram algumas publicações, tais como, Antologia
dos novos poetas de Angola (1950) e a revista Mensagem (1951-1952), entre outros. A revista
Mensagem, organizada pela Associação dos Naturais de Angola (ANANGOLA), teve grande
importância para a literatura angolana. Participavam dela Agostinho Neto, Viriato da Cruz,
Mário Pinto de Andrade e outros autores. Outra revista que teve uma boa aceitação nesse
período foi a Cultura (1957-1961), não mais organizada pela ANANGOLA, pois essa foi
fechada por divergências políticas. Escritores bem reconhecidos faziam parte de sua
elaboração, alguns já citados, como Viriato e Agostinho e mais outros, a exemplo de
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Luandino Vieira, Carlos Ervedosa e Oscar Ribas. Alguns dos temas principais da revista
Mensagem eram o reconhecimento do valor do negro e as críticas ao sistema colonial. Em
Cultura essa não aceitação do colonizador foi bem marcante, os poetas confessavam seus
sentimentos e o desejo de terem uma identidade própria.
Em 1948, quando surgiu, o movimento dos Novos Intelectuais de Angola tinha como
lema “Vamos Descobrir Angola”, pois constituíam objetivos principais
do grupo a
valorização da cultura angolana, a luta pelo término do colonialismo, além do reconhecimento
da importância do negro para a construção do país, tudo isso de forma escrita, que em outras
horas seriam silenciadas. O negro foi humilhado, menosprezado pelos colonizadores, tratado
como uma mercadoria sem valor e esse movimento veio para lutar em defesa desse que
colaborou com o crescimento do país. Criticou o branco colonizador, que obteve todos os
favores dos negros, mas nem sequer soube reconhecer o trabalho deles, pelo contrário,
afirmava com convicção que o negro não gostava de trabalhar. Queriam que até as punições
fossem diferentes, que suas atitudes fossem julgadas pela cor carregada no corpo. O negro
tinha que se sujeitar ao branco em tudo, não podia sequer reclamar se não fosse bem pago
pelos serviços massacrantes e desumanos a que era obrigado a submeter-se. O poema
Exortação, de Mauricio Gomes de Almeida, que será objeto de nossa análise nas páginas
adiante, escrito no final da década de 40, teve bastante aceitação entre os que compunham o
Movimento Vamos Descobrir Angola.
Movimentos não só literários, mas também políticos apareceram, como o MPLA
(Movimento Popular de Libertação de Angola), tendo por objetivo tentar mudar o percurso
político em favor da libertação, contando com a adesão de muitos escritores, alguns, inclusive,
foram até presos, exilados, mas não silenciados.
No ano de 1975, Angola torna-se um país independente e a literatura contribuiu muito
para essa vitória, ela trouxe de volta tudo que o colonizador apagou dentro da cultura dos
angolanos. Surgiu O UEA, União dos Escritores Angolanos, responsável pelas publicações
dos escritores e de muitas outras obras que não foram permitidas circularem no período
colonizador. Apesar da libertação do país, a literatura apresentou uma diminuição na sua
produção, devido às turbulências pelas quais passou a região com o fim do regime colonial. A
exaltação da terra continuava existindo e se propagando mesmo que a passos lentos nesse
período, agora de uma maneira mais livre.
Inocência Mata chega à conclusão que
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vale dizer que nesta fase actual de reconstrução de Angola no pós-guerra(...)
as novas perspectivas devem passar, também, pela implementação dos
direitos cívicos, pela pedagogia da diferença, pela reconstrução identitária,
individual e colectiva, que se fragmentou de forma inexorável durante,
sobretudo, as duas décadas de guerra civil. Começar pelas línguas pode ser
coisa boa: afinal, a língua é a nacionalidade do pensamento, como já dizia o
brasileiro José de Alencar no longínquo século XIX. (2007, p. 165)
2.2. Presença do Modernismo Brasileiro
O Modernismo brasileiro serviu como base para a construção literária de Angola, por
conta de suas propostas de valorização da cultura genuinamente brasileira e seu espírito de
ruptura com o europeísmo vigente no país. A literatura modernista tinha um forte apelo
nacionalista e isso era também o que estava impulsionando os angolanos.
O Brasil foi tomado como exemplo por Angola, tanto no que diz respeito à literatura,
como à sua independência do país colonizador.
A partir desse período, se estreitou cada vez mais o vínculo entre esses países. A
presença do Brasil na Angola foi bem marcante. Ambos com objetivos bem comuns:
valorização da terra natal e do habitante local. Para o Brasil, o referencial de brasilidade eram
os índios e para a Angola, os negros, como referência de Angolanidade.
Angola, a exemplo dos nossos antropófagos, soube aproveitar o que a literatura
brasileira pôde oferecer e mesclou-a a sua arte poética. Até porque, como sabemos, todo texto
traz sempre marcas de outros já existentes.
O projeto nacionalista dos modernistas brasileiros foi um dos principais pontos que
levou à aproximação dos angolanos com a produção literária desse momento. As experiências
de vida, a vontade de exaltar a natureza e a pátria impactaram as obras. A literatura angolana
inicia um processo de rompimento com os modelos vigentes à época, modelos tradicionais
portugueses, dando lugar a uma poesia totalmente autêntica, de cunho nacional. Essa ruptura
seguiu os moldes brasileiros. O Brasil dos anos 20, apesar de independente politicamente,
iniciou um processo de resgate de sua cultura que durante um bom tempo foi “escondida”
pelo colonizador.
As propostas ideológicas e estéticas dos nossos modernistas, como as de Mário e
Oswald de Andrade, foram de grande importância para os angolanos, que também
procuravam defender sua língua, lutar por novas formas poéticas, livres dos padrões europeus.
Diferentemente de outras vanguardas, o passado, tanto para os modernistas brasileiros como
para os angolanos dos anos 50, não era descartado, porém servia como reflexão para a
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construção de um futuro diferente. Na literatura angolana, o quimbundo (língua nativa) que
antes era visto como “língua do cão”, passa a fazer parte da composição literária.
O tradicionalismo é importante na literatura, por buscar expor o passado e mesclar
elementos atuais que constituem a realidade nacional, trazendo de volta todas as origens do
povo, pois “desrecalcar os valores culturais reprimidos pelo colonizador tornava-se
imprescindível” (MADRUGA, 1998, p. 40).
No Manifesto da Poesia Pau-Brasil, é vista a defesa da originalidade, a crítica ao
academicismo, ao mimetismo, no que diz respeito à poesia e a movimentos anteriores, tais
como, Parnasianismo e Naturalismo. Para esse manifesto, tudo que falasse do Brasil, da
matéria-prima brasileira, seria assunto poético. Lutava contra a poesia importada (feita com
material que vinha de fora) e se voltava mais para uma poesia baseada na realidade local e na
valorização da língua nativa. Combatiam os modelos clássicos e visavam à liberdade de
criação e de expressão.
Já no Manifesto Antropofágico, percebemos uma reação ao aparelhamento colonial e à
sociedade patriarcal, criticando a religião e a falsa moral, vai transformando o que é negativo
em positivo (tabu em totem), pois há uma grande valorização da cultura indígena e negra. O
índio é sempre exaltado, criticando, assim, a herança do colonizador que “acabou” com
grande parte da cultura brasileira, que por muito tempo estava europeizada.
O diálogo entre as literaturas brasileira e angolana acentua-se na década de 40 e a
partir daí vai-se fortalecendo através dos textos poéticos a identidade do povo angolano.
Muitos temas são comuns a essas literaturas: a valorização da natureza e da cor local. A terra
é cantada nas duas literaturas, a fim de afirmarem suas nacionalidades, e os índios no Brasil,
como os negros em Angola, passam a ter um lugar de destaque nas produções da época.
Nos tempos do Romantismo, a terra já tinha sido assunto de muitas obras também em
ambas as literaturas. No entanto, nesse período, os poetas e escritores ainda não tinham se
libertado do viés europeu. A terra envolvia tanto o espaço geográfico do lugar, como o povo
que vivia nela.
A infância é outro tema bastante explorado por essas literaturas por simbolizar uma
fase marcada pela liberdade. Metaforicamente, a infância nas literaturas africanas de língua
portuguesa representa também o período anterior à chegada do colonizador. Essas literaturas
mantiveram um elo muito forte.
Jorge de Lima, escritor brasileiro, é apontado como um dos poetas que teve
identificação com os poetas angolanos, pois trata do tema do negro. Segundo o crítico
português Pires Laranjeira, os poemas Mamã Negra (Canto da Esperança) de Viriato da Cruz
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e Olá!Negro de Jorge de Lima são bem semelhantes, são poemas longos, musicalizados num
mesmo ritmo, buscando uma identidade puramente nacional, utilização de uma linguagem
coloquial e vocabulário comum. Os dois poemas têm por tema o negro, o tempo e o espaço
que são marcados de maneira também igual. Analisando esses poemas, a crítica Elisalva
Madruga Dantas, ao mesmo tempo em que reitera as aproximações feitas pelo referido crítico,
destaca algumas diferenças, a exemplo do tratamento dado às figuras representativas da raça
negra por ambos os poetas. Enquanto para Jorge de Lima elas são vistas apenas como parte do
folclore brasileiro, e mostram em dados momentos traços negativos, para Viriato da Cruz,
essas figuras traduzem positividade.
Em um dado momento, na poesia de Jorge, o poeta que canta o negro é visto como
falso, como no trecho do poema Olá!Negro: “Os poetas, os libertadores, os que derramaram/
babosas torrentes de falsa piedade/ não compreendiam que tu ias rir!”, e na poesia de Viriato,
ao contrário, ele é valorizado como voz que se ergue em favor do negro, no poema Mamã
Negra. Percebemos isso no trecho que se segue: “Vozes vindas dos canaviais dos arrozais dos
cafezais dos/[seringais dos algodoais...”.
Em alguns momentos, a poesia de Jorge mostra-se mais preocupada com os
sentimentos do homem branco do que com a desalienação do negro, mais uma vez exposto no
poema Olá!Negro “... eu melhor compreendo agora os teus blues / nesta hora triste da raça
branca, negro!”. Já em Viriato, vemos isso de forma contrária, pela maneira crítica como fala
da opressão do negro e aponta para a construção da mudança dessa situação:
Mas vejo também que a luz roubada aos teus olhos, ora esplende
demoniacamente tentadora-como a Certeza...
cintilantemente firme-como a Esperança...
em nós outros teus filhos,
gerando, formando, anunciando
-o dia da humanidade
O DIA DA HUMANIDADE...
Olá!Negro traz dúvida, “O dia está nascendo ou será a tua gargalhada que vem /
vindo?”. Mamã Negra, poema já citado anteriormente, traz a certeza de um futuro diferente.
Assim, percebemos como o negro no poema de Jorge de Lima continuava a ser apenas
um objeto poético. Era aceitável no plano estético, mas, no plano social, era visto como um
ser inferior em relação à raça branca. Em alguns aspectos se via ainda o preconceito em
relação ao negro, presente no espaço brasileiro.
Um outro escritor brasileiro que cantou o negro em sua poesia foi o gaúcho Oliveira
Silveira. E o fez, identificando-se com o negro, ressaltando seus valores e, muitas vezes,
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enfocando-o como sujeito e não como objeto, como no poema Negra Fulô. Segue um trecho
do poema:
A nega em vez de deitar
pegou um pau e sampou
nas guampas do sinhô.
-_Essa nega Fulô!
- Esta nossa Fulô!,
dizia intimamente satisfeito
o velho pai João
pra escândalo do bom Jorge de Lima,
seminegro e cristão.
E a mãe-preta chegou bem cretina
fingindo uma dor no coração.
- Fulô! Fulô! ó Fulô!
a sinhá burra e besta perguntou
onde é que tava o sinhô
que o diabo lhe mandou
- Ah, foi você matou!
-É sim, fui eu que matou –
A língua, da maneira como era falada entre as pessoas, sem as marcas europeias,
também está na base das preocupações, tanto dos modernistas brasileiros como dos poetas
angolanos do Movimento dos Novos Intelectuais de Angola.
Como os brasileiros que trouxeram para a literatura a língua tipicamente brasileira,
com todos os coloquialismos e gírias existentes, visando à sua valorização, os angolanos
também passaram a inserir nos seus textos literários o quimbundo, língua falada em Luanda,
antes menosprezada pelos portugueses, que passa a ser valorizada e inclusive a ter status
literário. Com esse procedimento se fortalece o sentimento nacionalista.
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3. ASPECTOS IDEOLÓGICOS E ESTÉTICOS DO POEMA “EXORTAÇÃO”
O poema Exortação, do escritor angolano Maurício de Almeida Gomes, publicado
cem anos depois do poema Minha Terra, de José da Silva Maia Ferreira, assinala bem o novo
momento que se inicia nas décadas de 40 e 50. Um momento marcado por um forte
sentimento nacionalista. Como se pode ver, a partir do título, o poema exorta, ou seja, convida
de forma veemente os poetas angolanos a realizarem uma poesia voltada para sua terra e suas
origens.
Vejamos o poema:
Ribeiro Couto e Manuel Bandeira,
poetas do Brasil,
do Brasil, nosso irmão,
disseram:
“ – É preciso criar a poesia brasileira,
de versos quentes, fortes, como o Brasil,
sem macaquear a literatura lusíada”.
Angola grita pela minha voz,
Pedindo a seus filhos nova poesia!
Deixemos moldes arcaicos,
ponhamos de lado,
corajosamente,
suaves endeixas
brandas queixas
e cantemos a nossa terra
e toda a sua beleza.
Angola, grande promessa do futuro,
forte realidade do presente,
inspira novas idéias,
encerra ricos motivos.
É preciso inventar a poesia de Angola!
Fecho meus olhos e sonho,
abrindo de par em par o coração,
e vejo a projeção dum filme colorido
com tintas de fantasia
e cenas de magia:
As imagens são paisagens, gentes, feras.
E sucedem-se lenta, lenta, lentamente...
Assisto maravilhado
ao despenhar gemente
das quedas d´água do Duque de Bragança...
Vejo crescer florestas colossais
no Maiombe, onde o verde é símbolo
de tanta esperança...
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Amboim fecundo, Amboim cafezeiro,
de alcantis envoltos sempre em nevoeiro denso,
como um fumo cheiroso
do seu café gostoso,
tão famoso no mundo...
O deserto de Namibe a espreguiçar-se
num bocejo mole,
estendendo tentáculos de areia
como polvo gigante
- visão alucinante,
miragem
no escrínio esquisito
que guarda avaramente
a jóia mais horrivelmente linda
e única no mundo
- a Welwitshnia mirabilis, que em si encerra mistério tão profundo...
É preciso escrever a poesia de Angola!
Vejo anharas infindáveis,
onde noivam no capim,
pelo amor amansadas,
feras bravas, indomáveis...
Vejo lagos de safira,
tão calmos como olhos ternos, chorosos de tímidas gazelas...
E terras rendilhadas do litoral,
secas, rugosas, escalvadas,
onde reina o imbondeiro,
gigantesco Prometeu agrilhoado,
visão estranha, infernal, horrenda,
verde pálido, branco, cinzento,
lembrando líquen mágico, colossal...
Baías, cabos, estuários,
praias morenas,
mares verdes, mares azuis,
e rios de aspecto inofensivo
mas cheios de jacarés...
Terras de mandioca e batata doce,
campos de sisal, minas e metais,
goiabeiras, palmeiras, cajueiros,
areais imensos, cheios de diamantes,
chuvadas torrenciais,
filas tristes de negros carregadores gemendo,
cantando tristemente seus cantares...
planaltos, montanhas e fogueiras,
feiticeiros dançando loucamente:
Angola é grande e rica e bela e vária.
É preciso criar a poesia de Angola!
Terra enorme onde o inseto impera:
mosquito da febre e mosca tzé-tzé,
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cobrindo tudo de sono.
Olhai o senhor arquiteto Salalé,
tão pequenino, tão teimoso e diligente...
Como ele projeta e constrói castelos,
milhões de vezes maiores que ele é,
para vergonha nossa,
que pouco fazemos,
presos de fútil, preguiçoso dandismo...
Encostai o ouvido atento
ao coração do povo negro,
escutareis, só vós, poetas da minha terra,
que estais por nascer,
aquilo que para outros é segredo defeso,
mistério da esfíngica, malsinada alma negra.
Criai ânimo, ganhai alento,
e vibrantemente cantai a nossa terra!
É preciso forjar a poesia de Angola!
Essa nova poesia,
Será vazada em forma candente
Sem limites nem peias,
Diferente!...
Mas onde estão os filhos de Angola,
Se os não oiço cantar e exaltar
Tanta beleza e tanta tristeza,
Tanta dor e tanta ânsia
Desta terra e desta gente?
Essa nova poesia,
Forte, terna, nova e bela,
Amálgama de lágrimas e sangue,
Sublimação de muito sofrimento,
Afirmação duma certeza.
Poesia inconformista,
Diferente, será revolucionária,
Como arte literária, desprezando regras estabelecidas,
Idéias feitas, pieguices, transcendências...
Poesia nossa, única, inconfundível,
diferente,
quente, que lembre o nosso sol,
suave, lembrando nosso luar...
que cheire o cheiro do mato,
tenha as cores do nosso céu,
o nervosismo do nosso mar,
o paroxismo das queimadas,
o cantar das nossas aves,
rugir de feras, gritos de negros,
gritos de há muitos anos,
de escravos, de engenhos das roças,
no espaço vibrando, vibrando...
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Sons magoados, tristíssimos, enervantes,
de quissanges e marimbas...
versos que encerrem e expliquem
todo o mistério desta terra,
versos nossos, úmidos, diferentes,
que, quando recitados,
nos façam reviver o drama negro
e suavizem corações,
iluminem consciências,
e evoquem paisagens
e mostrem caminhos,
rumos,
auroras...
Uma poesia nossa, nossa, nossa!
- cântico, reza, salmo, sinfonia,
que uma vez cantada,
rezada,
escutada,
faça toda a gente sentir
faça toda a gente dizer:
1949
- É poesia de Angola!
O poema começa fazendo alusão a dois poetas brasileiros modernistas, Ribeiro Couto
e Manuel Bandeira, que se empenharam, sobretudo esse último, na criação de uma poesia que
rompesse com os padrões europeus e se fizesse à luz da própria realidade brasileira.
“É preciso criar a poesia brasileira,
De versos quentes, fortes, como o Brasil,
Sem macaquear a literatura lusíada”.
Necessidade que passa a ser sentida entre os angolanos, conforme expressa veemente
o eu-lírico nos refrões que perpassam todo o poema, relacionados com a criação de uma
poesia verdadeiramente angolana.
Ainda nessa primeira estrofe, com o verso “... do Brasil, nosso irmão...”, é visível a
grande afinidade que existe entre os poetas angolanos e os brasileiros, principalmente no que
concerne ao rompimento com a cultura colonizadora e com os seus modelos poéticos.
O eu-lírico recorre a uma afirmação dos poetas brasileiros para mostrar como deveria
ser construída a nova poesia de Angola, uma poesia o mais natural possível, tipicamente
angolana, uma “Poesia inconformista / Diferente (que) será revolucionária, / Como arte
literária, desprezando regras estabelecidas, / Idéias feitas, pieguices, transcendências...”.
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O poema Exortação é uma metapoética, pois, além de ser uma poesia angolana,
mostra como essa poesia deve ser feita. Esteticamente, como já foi dito, fala da ruptura e, ao
mesmo tempo, a realiza, visando dar vez a uma poesia mais livre, construída a partir da
realidade de Angola, com sua própria rima, sua própria musicalidade. Angola passa então a
ser vista com outros olhos, não mais como uma realidade exótica, mas como uma realidade
promissora.
Nessa linha metapoética, observa-se que já a partir da segunda estrofe o eu-lírico
começa a esboçar como deve ser feita, em termos estéticos e ideológicos, essa poesia.
Esteticamente, deverá deixar de lado “moldes arcaicos”, “suaves endeixas”, “brandas
queixas” e, ideologicamente, deve cantar a terra e sua beleza. Mas não de forma idealista,
enfocando apenas as maravilhas, mas de modo também crítico, mostrando a realidade sofrida,
amargurada e triste, que impede o desenvolvimento de Angola. A terra e tudo que nela se faz
presente (fauna, flora, topografia, povo, etc.) é, portanto, fonte de inspiração para os poetas. A
poesia deve ser um espelho de Angola, que é rica em histórias, em fatos que podem ser
cantados. O eu-lírico, ao usar termos como, “corajosamente”, “inspira”, “ricos”, demonstra
que o povo angolano tem uma bravura, uma fortaleza, que os possibilita se libertarem das
algemas portuguesas e construírem um futuro diferente.
A partir da quinta estrofe até a décima quarta, o eu-lírico faz uma descrição de Angola,
cantando emocionado os aspectos da região, as paisagens locais, mostrando de forma
detalhada o que as constituem, a exemplo da região do Amboim, onde é cultivado o café “tão
famoso no mundo”; as quedas d´água do “Duque de Bragança”, “o deserto do Namibe”, entre
tantas outras realidades.
Apropriando-nos das imagens do poema, para nós a terra angolana cantada pelo poeta,
por sua grandeza, pode ser vista, assim como o deserto de Namibe, “como um polvo gigante”,
e seus filhos como a “Wellwitshnia Mirabilis”, ou seja, como “jóias” que só ela a possui.
Já as imagens de Angola, retratadas na nona estrofe, confirmam o que dissemos acima
acerca da visão crítica do poeta, na medida em que mostram uma realidade um tanto adversa,
em decorrência das “terras rendilhadas do litoral, / secas, rugosas, escalvadas / onde reina o
imbondeiro, / gigantesco Prometeu agrilhoado, / visão estranha, infernal, horrenda, / verde
pálido, branco, cinzento, / lembrando líquen mágico, colossal...”.
Na estrofe 11ª, a referência aos negros, ao mesmo tempo em que revela a dureza da
exploração, mostra a forma por eles encontrada de resistirem ao sofrimento, através do canto,
da dança, dos seus cultos religiosos, conforme podemos deduzir da menção aos “feiticeiros
dançando loucamente”, como a expurgar todo o mal.
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Chamando a atenção para o trabalho do “Salalé”, ou seja, do cupim, inseto “tão
pequenino, tão teimoso e diligente...”, em resumo, tão sem importância, mas que é capaz de
construir castelos altíssimos, o eu-lírico critica a preguiça do povo angolano, entre o qual se
inclui, por fazer muito pouco por sua terra, não cantar “tanta beleza” e “tanta tristeza”.
A partir dessas considerações em torno da terra e do seu povo, o eu-lírico retoma a
preocupação com o fazer da poesia angolana e dedica as oito estrofes finais à metapoética.
A ideia de ruptura mais uma vez fica claramente explícita ao dizer que “Essa nova
poesia, / Será... / Sem limites nem peias, / Diferente!...”.
Portanto, uma poesia liberta de qualquer cerceamento, voltada para tudo que diz
respeito à realidade angolana e que “faça toda a gente sentir / faça toda a gente dizer: / - É
poesia de Angola!”.
Observe-se que, ao finalizar o poema com um refrão que diz É poesia de Angola!, o
eu-lírico quebra a estrutura dos refrões anteriores que sempre traziam um verbo que remetia à
necessidade de inventar, escrever, criar, forjar a poesia angolana, reiterando, desse modo, o
caráter metapoético, a partir da homologação entre o que diz e o que faz.
Se a todo o tempo, o eu-lírico, imbuído de uma esperança no dia de amanhã tão grande
quanto a floresta de Maiombe, mostra como se deve fazer estética e ideologicamente a poesia
angolana, ao finalizar o poema, ele termina fazendo a poesia de Angola. O poema Exortação
além de ser de fato um poema angolano, comprova indiscutivelmente a relação existente entre
a literatura de Angola e a nossa literatura.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
As investigações por nós realizadas, comprovaram o quanto a literatura brasileira
contribuiu para a consecução dos objetivos pretendidos pelos angolanos no concernente à
angolanização da literatura, seja em termos estéticos, seja em termos ideológicos. Vimos
também que a identificação entre os poetas angolanos e os brasileiros, embora remonte ao
final do século XIX, intensificou-se bem mais a partir da década de 40 do século XX, quando
começa o movimento liderado por poetas e escritores angolanos de se voltarem para sua terra,
de criarem uma poesia construída, a partir de sua própria realidade e não mais à maneira da
cultura colonizadora. Desse modo, Angola iniciava um processo, que embora tenha motivado
também os intelectuais do final do século XIX, agora ressurgia com mais força: o de não
deixar que suas histórias e suas raízes se perdessem. Para melhor compreensão desse
momento e das razões que aproximavam os poetas e escritores angolanos dos brasileiros, é
que procuramos mostrar um pouco do contexto sócio/histórico/literário de Angola.
A literatura foi, como fica bem evidenciado no trabalho, uma maneira dos escritores
exporem os seus sentimentos, sobretudo o seu desejo de serem livres e independentes. A
poesia era, pois, uma forma de lutar por todos os anseios daquele povo. Aliás, é a partir da
literatura que surgem os grupos políticos que mais adiante conduzirão à independência
política de Angola. Os poetas, os escritores eram também os líderes do MPLA, ou seja, do
Movimento Popular de Libertação de Angola. Registre-se que o primeiro presidente de
Angola, após a independência foi um dos poetas dessa geração das décadas de 40 e 50,
Agostinho Neto, uma das grandes vozes da negritude africana de língua portuguesa.
A busca pela nacionalidade literária e política foi um dos grandes pontos de aproximação
entre as literaturas brasileira e angolana.
Finalizamos afirmando que ao adentrar no espaço literário angolano, a literatura
brasileira, sem dúvida, deixou uma contribuição riquíssima para emergência da literatura de
Angola, para a consolidação das suas propostas nacionalistas e para a concretização dos seus
ideais libertários. Ideais esses pelos quais tanto batalharam os modernistas brasileiros e os
poetas angolanos, visando, como já dissemos a preservação de suas raízes.
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REFERÊNCIAS
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GOMES, Maurício. Exortação. In: FERREIRA, Manuel. No Reino de Caliban. Antologia
panorâmica da poesia africana de expressão portuguesa. Angola e São Tomé e Príncipe, 2º
volume. Lisboa: Seara Nova, 1976, p. 85 – 89.
MADRUGA, Elisalva. Nas trilhas da descoberta: (repercussão do Modernismo brasileiro na
literatura angolana). João Pessoa, PB: Ed. Universitária/UFPB, 1998.
MATA, Inocência. A literatura africana e a crítica pós-colonial: reconversões. São Paulo –
Luanda, Angola: Edições de Angola, Lda. 2007.
OLIVEIRA, Silveira. Outra nega Fulô. In: Cadernos Negros. Os Melhores Poemas. São
Paulo: Quilombhoje, 1998, p. 109 – 110.
TELES, Gilberto Mendonça. Vanguarda europeia e modernismo brasileiro: apresentação
dos principais poemas metalinguísticos, manifestos, prefácios e conferências vanguardistas,
de 1857 a 1972. Petrópolis, RJ: Vozes, 2009.
VÁRIOS. História de Angola. Porto: Edições Afrontamento, 1975.
VÁRIOS. Voz de Angola clamando no Deserto. Lisboa: Edições 70/União dos Escritores
Angolanos, 1984.
SITE CONSULTADO
<http://www.consuladodeangola.org/index.php?option=com_content&task=view&id=33&Ite
mid=58> Acesso em: 05 set. 2010
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A influência do modernismo brasileiro na literatura angolana