Propriedade Intelectual e o Direito Público da Concorrência Denis Borges Barbosa Bibliografia Bárbara Rosenberg, Patentes de Medicamentos e Comércio Internacional: Os Parâmetros do TRIPs e do Direito Concorrencial para a Outorga de Licenças Compulsórias, Tese apresentada à Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP) como requisito parcial à obtenção do título de Doutor em Direito Econômico Financeiro, sob a orientação do Prof. Titular Hermes Marcelo Huck, maio de 2004 Denis Borges Barbosa, • A criação de um ambiente competitivo no campo da propriedade intellectual - o caso sul americano http://www.iprsonline.org/unctadictsd/docs/RRA_Barbosa.pdf, 2005 ( Tratado da Propriedade Intelectual, Lumen Juris, 2010, cap. V) • Know How e Poder Economico, Dissertação de Mestrado Ano de Obtenção: 1982. Orientador: Fabio Konder Comparato. A tensão constitucional Liberdade v. Exclusividade • Art. 1º - A República (...) tem como fundamentos: (...) • IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; • Art. 170 - A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: • (...) • IV - livre concorrência; (...) Liberdade v. Exclusividade De outro lado, no tocante à Propriedade Industrial: • Art. 5º. ...... • ....... • XXIX - a lei assegurará aos autores de inventos industriais privilégio temporário para sua utilização, bem como proteção às criações industriais, à propriedade das marcas, aos nomes de empresas e a outros signos distintivos, tendo em vista o interesse social e o desenvolvimento tecnológico e econômico do País; Liberdade v. Exclusividade E, por sua vez, quanto aos direitos autorais: • Art. 5o. - : (...) XXVII - aos autores pertence o direito exclusivo de utilização, publicação ou reprodução de suas obras, transmissível aos herdeiros pelo tempo que a lei fixar; • XXVIII - são assegurados, nos termos da lei: • a)a proteção às participações individuais em obras coletivas e à reprodução da imagem e voz humanas, inclusive nas atividades desportivas; • b)o direito de fiscalização do aproveitamento econômico das obras que criarem ou de que participarem aos criadores, aos intérpretes e às respectivas representações sindicais e associativas. A noção do monopólio Suprema Corte dos Estados Unidos, Sears Roebuck (1964) “A concessão de uma patente é a concessão de um monopólio legal; certamente, a concessão das patentes em Inglaterra era uma exceção explícita à lei de James I que proibia monopólios. As patentes não são dadas como favores, como eram os monopólios dados pelos monarcas da dinastia Tudor, mas têm por propósito incentivar a invenção recompensando o inventor com o direito, limitado a um termo de anos previstos na patente, pelo qual ele exclua terceiros do uso de sua invenção. Durante esse período de tempo ninguém podem fazer, usar, ou vender o produto patenteado sem a autorização do titular da patente. Mas, enquanto se recompensa a invenção útil, os "direitos e o bem-estar da comunidade devem razoavelmente ser considerados e eficazmente guardados”. Para esses fins, os pré-requisitos de obtenção da patente têm de ser observados estritamente, e quando a patente é concedida, as limitações ao seu exercício devem ser aplicadas também estritamente. A tradição ruyana 8 Ruy Barbosa, comentários à constituição de 1891 - Não ha só diversidade, senão até antagonismo, e essencial, entre as duas, uma das quaes é a declaração de uma liberdade, a outra a garantia de uma propriedade exclusiva. A tradição ruyana 9 O Art. 72, § 24, da Constituição do Brasil, (...) franqueiam a exploração de todas as industrias ao trabalho de todos. O Art. 72, § 25, do Pacto federal, (...) reservam a exploração dos inventos aos seus inventores. O que estas duas ultimas, disposições consagram, pois, é justamente um privilegio. Desta mesma qualificação formalmente se servem, dizendo que aos inventores "ficará garantido por lei um privilegio temporario',. A tradição ruyana 10 -Destarte, longe de se associarem ás duas primeiras, longe de as desenvolverem, ellas as restringem, constituindo uma excepção á regra naquellas estabelecidas. As primeiras facultam a todas as actividades o campo de todas as industrias licitas. As segundas subtraem a essa franquia geral o uso dos inventos, privilegiando-os em beneficio dos seus autores. A tradição ruyana 11 no proprio Art. 72, §.§ 26 e 27, da Constituição Nacional, (...) temos expressamente contempladas outras excepções ao principio da liberdade industrial, que ambas as Constituições limitam, já garantindo as marcas de fabrica em propriedades dos fabricantes, já reservando aos escriptores e artistas "o direito exclusivo" á reproducção das suas obras. Por essas disposições os manufactores exercem sobre suas obras, tanto quanto os inventores sobre os seus inventos, direitos exclusivos, mantidos pela Constituição, isto é, monopolios constitucionaes. A tradição ruyana Luis Roberto Barroso, no parecer “O privilégio patentário deve ser interpretado estritamente, pois restringe a livre iniciativa e a concorrência”: 38. Nesse contexto, não há dúvida de que o monopólio concedido ao titular da patente é um privilégio atribuído pela ordem jurídica, que excepciona os princípios fundamentais da ordem econômica previstos pela Constituição. Desse modo, sua interpretação deve ser estrita, não extensiva. Repita-se: o regime monopolístico que caracteriza o privilégio patentário justifica-se por um conjunto de razões, que serão apreciadas a seguir, mas, em qualquer caso, configura um regime excepcional e, portanto, só admite interpretação estrita . É monopólio 1. O conceito de monopólio pressupõe apenas um agente apto a desenvolver as atividades econômicas a ele correspondentes. Não se presta a explicitar características da propriedade, que é sempre exclusiva, sendo redundantes e desprovidas de significado as expressões "monopólio da propriedade" ou "monopólio do bem". 2. Os monopólios legais dividem-se em duas espécies. • (I) os que visam a impelir o agente econômico ao investimento --- a propriedade industrial, monopólio privado; e • (II) os que instrumentam a atuação do Estado na economia. . (STF; ADI 3.366-2; DF; Tribunal Pleno; Rel. Min. Eros Grau; Julg. 16/03/2005; DJU 16/03/2007; Pág. 18) A noção de IPRs como benéficos à concorrência O benfício recíproco Miguel Reale 3. No Brasil, aliás, tais conclusões se impõem com maior força, uma vez que, de um lado, o princípio da liberdade de iniciativa é elevado à eminência constitucional (Carta Magna, art. 160, I), e, de outro, a Constituição pátria, no § 24 do art. 153, consagra que "A lei assegurará aos autores de inventos industriais privilégio temporário para sua utilização, bem como a propriedade das marcas de indústria e comércio e a exclusividade do nome comercial". (...) os dois preceitos constitucionais supralembrados devem ser interpretados em necessária correlação. Em verdade, os conceitos de livre iniciativa e de titularidade exclusiva do nome e de marcas se exigem reciprocamente, pois é evidente que se num sistema económico a liberdade de produzir e de fazer circular riquezas não fosse acompanhada da garantia da atributividade exclusiva do bem a quem lhe deu vida; se não houvesse, em suma, uma tutela real da iniciativa económica, projetada ou corporificada em seus produtos, ensejando-se a terceiros o poder de usufruírem do bem alheio, seria ilusório falar-se em "livre iniciativa": ficaria desnaturado todo o quadro de valores que a Carta Magna fixa como base legitimadora da vida económica nacional. A posição do STF em 1988 Supremo Tribunal Federal Rp 1397 - Julgamento de 11/5/1988, DJ de 10/06/88, p. 14401 Ementário do STF vol-01505.01 pg-00069. RTJ - vol00125.03 pg-00969. EMENTA: - Bolsas e sacolas fornecidas a clientela por supermercados. O parágrafo 24 do artigo 153 da Constituição assegura a disciplina do direito concorrencial, pois, a proteção a propriedade das marcas de indústria e comércio e a exclusividade do nome comercial, na qual se incluem as insígnias e os sinais de propaganda, compreende a garantia do seu uso. A posição do STF em 1988 Supremo Tribunal Federal Rp 1397 – Voto do Ministro Célio Borja: “Tenho, também, que a garantia constitucional da propriedade das marcas de indústria e comércio e da exclusividade do nome comercial compreende o uso das marcas e do nome. Já porque o direito de usar insere-se no de propriedade, como é de sabença comum, juntamente com o de fruir e de dispor. (…) O que tais normas [a lei local] fazem é reduzir o campo de uma liberdade constitucionalmente protegida, qual seja, a de empreender e praticar um negócio jurídico lícito, e o de comprar e abastecer-se de gêneros no mercado, sem risco de qualquer bem ou valor socialmente relevante” As noções conflitantes: privilégio e monopólio Um voto recente do Ministro Eros Grau ( “As patentes de invenção, tal como o exercício exclusivo de loterias pelo Estado, receberam o título de privilégios” (ADI 2.847-2, Min. Eros Grau, julgado em 05.08.2008. Em julgado diverso, (ADPF 503) o mesmo Ministro indica: “Tenho reiteradamente insistido na necessidade de apartarmos o regime de privilegio, de que se reveste a prestação dos serviços públicos, do regime de monopólio sob o qual, algumas vezes, a exploração de atividade econômica em sentido estrito e empreendida pelo Estado. Monopólio é de atividade econômica em sentido estrito. Já a exclusividade da prestação dos serviços públicos é expressão de uma situação de privilégio. As noções conflitantes: privilégio e monopólio RUY BARBOSA afirmava a necessidade de distinguirmos entre o monopólio da atividade econômica (em sentido estrito) e a situação, • "absolutamente diversa, nos seus elementos assim materiais como legais, de outros privilégios, que não desfalcando por modo algum o território do direito individual, confiam a indivíduos ou corporações especiais o exercício exclusivo de certas faculdades, reservadas, de seu natural, ao uso da Administração, no Pais, no Estado, ou no Município, e por ela delegados, em troco de certas compensações, a esses concessionários privativos". E, adiante, completa: • "Num ou noutro caso, pois, todos esses serviços hão de ser, necessariamente, objeto de privilégios exclusivos, quer os retenha em si o governo local, quer os confie a executores por ele autorizados. De modo que são privilégios exclusivos, mas não monopólios na significação má e funesta da palavra". Nossa posição Com efeito, o monopólio tem em comum com a propriedade em geral o fato de ser um direito erga omnes de excluir, com a característica de que o que se exclui é a concorrência. Mas a mesma expressão, “monopólio”, aponta para pelo menos dois fenômenos distintos. a) o direito de excluir certa concorrência, sem eliminar todo o tipo de concorrência e b) o monopólio vedado pela legislação antitruste. Numa observação de Foyer e Vivant (Le Droit des Brevets, PUF, 1991:. 266 ) , nos direitos de exclusiva sobre criações intelectuais há monopólio jurídico, ou seja, de primeiro tipo, mas não monopólio econômico [1] Nesse sentido, como dizia Jeromy Bentam em 1793, em, Emancipate Your Colonies in Wks. (1843) IV. 412 “ Monopoly, that is, exclusion of customers...”. Nossa posição Dentro da tradição do Estatuto dos Monopólios de 1623, entende-se que as patentes, ao só serem atribuídas na presença da novidade, monopólios stricto sensu não são mas, como tal, concessões de origem plenamente estatal, além das concessões de serviços públicos. Propriedade Intelectual e direito público da concorrência A MUTAÇÃO NA PERSPECTIVA Propriedade Intelectual é bandidagem "A patent, . . . although in fact there may be many competing substitutes for the patented article, is at least prima facie evidence of [market] control." Standard Oil Co. of California v. United States, 337 U.S. 293, 307 (1949). (Ruy Barbosa; “um antagonismo essencial”) Propriedade Intelectual é bandidagem The Court has held many times that power gained through some natural and legal advantage such as a patent, copyright, or business acumen can give rise to liability if "a seller exploits his dominant position in one market to expand his empire into the next." Times-Picayune Publishing Co. v. United States, 345 U.S. 594, 611 (1953), Propriedade Intelectual é bandidagem "[O]nce a company had acquired monopoly power, it could not thereafter acquire lawful patent power if it obtained new patents on its own inventions primarily for the purpose of blocking the development and marketing of competitive products rather than primarily to protect its own products from being imitated or blocked by others." SCM Corp. v. Xerox Corp., 463 F. Supp. 983, 1007 (D. Conn. 1978), affd, 645 F.2d 1195 (2d Cir. 1981), cert. denied, 455 U.S. 1016 (1982). A análise de Posner Most copyrights, trademarks, and trade secrets confer little in the way of monopoly power. 'The situation is less clear regarding patents (…), and so it is not surprising that courts in the early patent tie-in cases tended to confuse patent "monopolies" with monopolies that have economic consequences grave enough to warrant the invocation of antitrust prohibitions. This confusion led judges to suppose that there is an inherent tension between intellectual property law, because it confers "monopolies," and antitrust law, which is dedicated to overthrowing monopolies. That was a mistake. At one level it is a confusion of a property right with a monopoly. A análise de Posner One does not say that the owner of a parcel of land has a monopoly because he has the right to exclude others from using the land. But a patent or a copyright is a monopoly in the same sense. It excludes other people from using some piece of intellectual property without consent. That in itself has no antitrust significance. (…). Information is a scarce good, just like land. Both are commodified- that is, made excludable property -in order to create incentives to alleviate their scarcity. Talk of patent and copyright "monopolies" is conventional; we have used this terminology ourselves in this book. The usage is harmless as long as it is understood to be different from how the same word is used in antitrust analysis [1]. [1] William M. Landes e Richard A Posner, The Economic Structure of Intellectual Property Law, Hravard University Press, 2003, p. 374. A análise do FTC A mudança de atitude no sistema americano a que se refere Posner é facilmente comprovada pelo tom das decisões reiteradas do Tribunal Federal especializado, criado em 1982 (Federal Circuit) e da posição expressa no Guia de Aplicação das Regras Antitruste à Propriedade Intelectual de 1995 [1]. [1] FTC, Justice Issue Guidance Regarding Antitrust Enforcement Over Intellectual Property, encontrado em http://www.ftc.gov/opa/1995/04/intellec.htm. O texto assim inicia: “The guides are based on the premise that intellectual-property licensing generally benefits consumers by promoting innovation toward new and useful products and more efficient processes, and by enhancing competition”. Mudança na US Sc ILLINOIS TOOL WORKS INC. ET AL. v. INDEPENDENT INK, INC. Decided March 1, 2006 Because a patent does not necessarily confer market power upon the patentee, in all cases involving a tying arrangement, the plaintiff must prove that the defendant has market power in the tying product. Depois de Illinois Tools Rudolph J.R. Peritz, The Roberts Court After Two Years:Antitrust, Intellectual Property Rights, and Competition Policy, 2007, at:http://ssrn.com/abstract=1105063 Although it drives the dominant approach, this exclusively economic logic for understanding patent rights should nevertheless raise doubts for those who engage in policy analysis of patents and their relationship to antitrust. In the case of patents, their status as legal monopolies reminds us that they are statutory exceptions to an underlying regime of competition that itself promotes progress Depois de Illinois Tools The trio of patent cases address fundamental issues of patent policy. A unified Court in KSR expanded the scope of prior art to be considered in evaluating a combination patent and, in so doing, raised the level of creativity needed to meet the statutory requirement of nonobviousness. Articulating another unanimous decision, the eBay opinion pointedly reminded the Federal Circuit that a permanent injunction for patent infringement is an equitable remedy that calls on the court to apply the traditional balancing test. Depois de Illinois Tools And in his dissent from the Metabolite decision to dismiss a writ of certiorari as improvidently granted, Justice Stephen Breyer explicated the basic premise that “patent protection [excludes] . . . laws of nature, natural phenomena, and abstract ideas.”...” granting a “monopoly over a basic scientific relationship” upsets a careful balance embodied in patent rights: “[S]ometimes too much patent protection can impede rather than ‘promote the Progress of Science and useful Arts,’ the constitutional objective of patent and copyright protection.” LabCorp v. Metabolite, Inc, 2006 MAS, E OS PAÍSES EM DESENVOLVIMENTO? A situação dos países em desenvolvimento In principle, IPRs create market power by limiting static competition in order to promote investments in dynamic competition. In competitive product and innovation markets the awarding of IPRs rarely results in sufficient market power to generate significant monopoly behavior. However, in some circumstances a portfolio of patents could generate considerable market power through patent-pooling agreements among horizontal competitors. In countries that do not have a strong tradition of competition and innovation, strengthening IPRs could markedly raise market power and invite its exercise [1] [1] Keith E. Maskus, Mohamed Lahouel, Competition Policy and Intellectual Property Rights in Developing Countries: Interests in Unilateral Initiatives and a WTO Agreement, encontrado em http://www.worldbank.org/research/abcde/washington_12/p df_files/maskus.pdf, vistitado em 21/02/2005. (Pierre Arhel) A POSIÇÃO DA OMC A posição da OMC In particular, it was no longer considered that an exclusive right necessarily conferred market power. Often, there were enough substitutes in the market to prevent the holder of an intellectual property right from actually gaining market power. The availability of substitutes was an empirical question that could only be determined on a case-by-case basis. Further, even if the intellectual property right concerned generated market power, the right holder's behaviour might not necessarily constitute an abuse of a dominance. Therefore, under current standards the exercise of an intellectual property right as such was not restrained by competition law. [1] Report (1998) of the Working Group on the interaction between trade and competition policy to the General Council, Wt/Wgtcp/2, 8 December 1998