A missão hoje Mudanças de paradigmas e “deslocamentos” fundamentais para uma nova compreensão Sinais dos tempos • Podemos apontar 5 grandes desafios: – A crise do individualismo, enquanto ideal cultural do ocidente. – A fome de espiritualidade, como reação ao otimismo moderno. – A fenômeno da globalização e o surgimento de uma consciência planetária. – Uma nova visão cosmológica graça ao avanço da física quântica. – A revolução tecnológica e o surgimento de uma nova antropologia pós-humana. Mudança de época • “Para não poucas pessoas a incerteza sobre como julgar a realidade e com ela interagir é muito grande. • Estamos em uma mudança de época que atingem os próprios critérios de compreender a vida, tudo o que a ela diz respeito, inclusive a própria maneira de entender Deus • Esta é a razão pela qual a Conferência de Aparecida nos convoca a ultrapassar uma pastoral de mera conservação ou manutenção para assumir uma pastoral decididamente missionária” (DGAE 25). Começar de novo • “O discípulo missionário se depara com a fragilidade dos critérios para ver, julgar e agir. • Olhar para a mudança de época, longe de significar o afastamento dos problemas concretos da vida de nosso povo, significa buscar uma base sólida para enfrentá-los voltando às fontes e recomeçar a partir de Jesus Cristo” (DGAE 27). • “Transformados por Jesus Cristo e comprometidos com o Reino de Deus, os discípulos missionários formam comunidades que não podem fechar-se em si mesmas” (DGAE 29) Sair ao encontro • No atual período da história, marcado pela mudança de época, a missão assume um rosto próprio, com, pelo menos, três características: urgência, amplitude, inclusão. • A atual consciência missionária interpela o discípulo missionário a sair ao encontro das pessoas, das famílias, das comunidades e dos povos para lhes comunicar e compartilhar o dom do encontro com Cristo. • Estamos num tempo de urgente saída em todas as direções para proclamar que o mal e a morte não têm a última palavra” (DGAE 31) 4 pistas de reflexão Ao entender a missão como paradigmática e programática para a vida da Igreja, Aparecida propõe as seguintes pistas de reflexão: 1. O fundamento e a dinâmica da missão como essência da Igreja. 2. A necessária metanóia estrutural da Igreja em ordem à missão. 3. Os horizontes da ação missionária a partir do nosso contexto até os confins do mundo. 4. As tarefas da missão em anunciar a vida de Jesus Cristo e o Reino de Deus a todos Fundamento Viver e comunicar a vida nova em Cristo A natureza missionária da Igreja • “‘A Igreja peregrina é missionária por natureza, porque tem sua origem na missão do Filho e do Espírito Santo, segundo o desígnio do Pai’ (AG 2). Por isso, o impulso missionário é fruto necessário à vida que a Trindade comunica aos discípulos” (DAp 347). • “A grande novidade que a Igreja anuncia ao mundo é que Jesus Cristo, o Filho de Deus feito homem, a Palavra e a Vida, veio ao mundo para nos fazer ‘participantes da natureza divina’ (2 Pd 1,4), para que participemos de sua própria vida” (DAp 348). Jesus a serviço da vida • Compreender a missão não como necessidade histórica, mas como essência gratuita de Deus Amor, significa para o discípulo adoção de uma prática jesuana de proximidade aos outros. • Deus é Missão. Deus revela em Jesus seu rosto profundamente humano na aproximação a qualquer condição humana. • Jesus convida qualquer pessoa, povo, sociedade a repensar Deus a partir dEle próprio, dessa sua vida e dessa sua missão, como Filho de Deus e Filho do Homem: “a todos nos toca recomeçar a partir de Cristo” (DAp 12). Uma vida plena • “A vida em Cristo inclui a alegria de comer juntos, o entusiasmo para progredir, o gosto de trabalhar e de aprender, a alegria de servir a quem necessite de nós, o contato com a natureza, o entusiasmo dos projetos comunitários, o prazer de uma sexualidade vivida segundo o Evangelho, e todas as coisas com as quais o Pai nos presenteia como sinais de seu sincero amor” (DAp 356) • “A missão do anúncio da Boa Nova de Jesus Cristo tem destinação universal. Seu mandato de caridade alcança todas as dimensões da existência, todas as pessoas, todos os ambientes da convivência e todos os povos. Nada do humano pode lhe parecer estranho” (DAp 380). Uma missão que comunica vida • “A vida se acrescenta dando-a, e se enfraquece no isolamento e na comodidade. • O Evangelho nos ajuda a descobrir que o cuidado enfermiço da própria vida depõe contra a qualidade humana e cristã dessa mesma vida. Vive-se muito melhor quando temos liberdade interior para doá-la. • Aqui descobrimos outra profunda lei da realidade: ‘Que a vida se alcança e amadurece à medida que é entregue para dar vida aos outros’. Isso é, definitivamente, a missão” (DA 360). Conversão Renovação missionária das comunidades Conversão como saída • “A Igreja necessita de forte comoção que a impeça de se instalar na comodidade, no estancamento e na indiferença, à margem do sofrimento dos pobres do Continente” (DA 362). • “Nós somos agora, na América Latina e no Caribe, seus discípulos e discípulas, chamados a navegar mar adentro para uma pesca abundante. Trata-se de sair de nossa consciência isolada e de nos lançarmos, com ousadia e confiança (parrésia), à missão de toda a Igreja” (DA 363). Saída das estruturas • A primeira saída, então, que o DAp aponta é das estruturas: “abandonar as estruturas caducas que já não favoreçam a transmissão da fé” (DAp 365). • O envio missionário é expressão de uma ruptura com um envolvimento sistêmico, com enquadramentos estruturais e institucionais, políticos e culturais, seculares e religiosos. • “Esta firme decisão missionária deve impregnar todas as estruturas eclesiais e todos os planos pastorais” (DAp 365). Saída das pessoas • Se a primeira conversão toca às “estruturas mentais”, a segunda toca o coração das pessoas, sua capacidade de se deixarem tocar e interpelar pelas situações. • A ação missionária nasce sempre de uma compaixão, que por sua vez surge de uma visão e de uma escuta (cf. Ex 3,7-8; Mt 9,36). É preciso, portanto, sair de si mesmos para pôr-se nessa profunda atenção da realidade. • O tema da conversão, antes de ser dirigido aos destinatários da missão, é apontado pelo DAp como exigência fundamental para a própria Igreja e de todos seus sujeitos (cf. DAp 366) Saídas das relações • Só uma Igreja articulada em torno do princípio da comunhão e não da instituição, da dimensão eqüitativa do Povo de Deus e não da hierarquia, poderá ser “sinal e instrumento de reconciliação e paz para nossos povos” (DAp 162). • Imediatamente, essa “comunhão e participação” deverá se refletir ad extra, na comunhão entre Igrejas no mundo inteiro. • Nessa prática fundamental para sua identidade, a Igreja é chamada a sair de suas relações e a refazer continuamente novas relações. Saída das práticas • É a saída das práticas pastorais corriqueiras e sacramentalistas: “a conversão pastoral de nossas comunidade exige que se vá além de uma pastoral de mera conservação para uma pastoral decididamente missionária” (DAp 370) • Uma pastoral de conservação apenas planeja, as mesmas atividades de maneira repetitiva, sem reflexão, sem pensar na missão. • Somos convidados a transformar o nosso próprio agir. Aparecida faz um apelo para uma mudança de mentalidade em relação a um estilo projetual de fazer a missão. Saída das fronteiras • “O mundo espera de nossa Igreja latinoamericana e caribenha um compromisso mais significativo com a missão universal em todos os Continentes. Para não cairmos na armadilha de nos fechar em nós mesmos, devemos formarnos como discípulos missionários sem fronteiras” (DA 376). • “A graça da renovação não pode crescer nas comunidades, a não ser que cada uma dilate o campo da sua caridade até aos confins da terra e tenha igual solicitude pelos que são de longe como pelos que são seus próprios membros” (AG 37). Horizontes Nosso compromisso com a missão ad gentes Três situações • A Igreja se encontra hoje numa situação de diáspora diante de um mundo globalizado, secularizado e pluricultural. • Nesse contexto a Igreja é enviada ao mundo “em todas as partes e em todas as situações” (AG 6), portanto a todos os povos e não apenas a alguns. • Três situações: o cuidado pastoral junto aos cristãos, a nova evangelização junto aos cristãos culturais e missão ad gentes junto aos não cristão. O bom pastor • Trata-se de um modelo aplicável ao cuidado pastoral (cf. RMi 33). • É uma missão no espaço do redil. • É uma missão que desenvolve uma relação pessoal, intima, com seus destinatários (chama pelo nome, as ovelhas “ouvem”, “reconhecem”). • É uma missão onde o pastor é guia que acompanha fora do redil. • É uma missão onde se dá a vida. O semeador • Trata-se de um modelo aplicável à nova evangelização (cf. RMi 33). • É uma missão no espaço do campo. • É uma missão que lança sementes de mão larga em todos os terrenos, sem excluir nenhum. • É uma missão na mais absoluta gratuidade: a semente brota sozinha (cf. Mc 4,27), Deus faz crescer (cf. 1Cor 3,7). • É uma missão marcada pela esperança. O pescador • Trata-se de um modelo aplicável à missão ad gentes (cf. RMi 33). • É uma missão em alto mar. • É uma missão que lança as redes sem alguma certeza de pegar alguma coisa. • É uma missão na qual a Igreja descobre sua verdadeira vocação no deixar-se conduzir só pela palavra. • É uma missão marcada pela pura fé. As situações de missão ad gentes • Situações de “alto mar” se definem: – pela falta/necessidade de um primeiro anúncio do Evangelho à qual corresponde um serviço profético da Igreja; – pela falta/necessidade da presença de uma comunidade cristã à qual corresponde um serviço sacerdotal da Igreja; – pela falta/necessidade de uma transformação social pelos valores do Evangelho (cf. EN 29), à qual corresponde o serviço da caridade da Igreja (koinonia/diakonia). As frentes da missão ad gentes • Se antigamente a missão ad gentes se identificava apenas com a missão ad extra (fora dos territórios cristãos), hoje ela se articula em três frentes: – frente territorial: os países e contextos culturalmente não cristãos; – frente social: grandes cidades, juventude, migrações, fenômenos sociais novos; – frente cultural: os areópagos das comunicações, da cultura, da política, da economia Tarefas Anunciar a vida de Jesus Cristo a nossos povos Uma noção global de missão • O Concílio Vaticano II deu vida a um novo consenso em torno da missão ad gentes, que aponta para uma noção global de missão. • Com efeito, a Igreja se encontra hoje numa situação de diáspora diante da fragmentação e da multi-culturalidade do mundo globalizado. • Nessa linha, o Documento de Aparecida aponta para algumas tarefas essenciais que expressam o engajamento com a missão contextual (ad intra) junto ao compromisso com a dimensão universal (ad extra). 1. Missão aos corações • “O campo da Missão ad gentes se tem ampliado notavelmente e não é possível definilo baseando-se apenas em considerações geográficas ou jurídicas. Na verdade, os verdadeiros destinatários da atividade missionária do povo de Deus não são só os povos não cristãos e das terras distantes, mas também os campos sócio-culturais, e sobretudo os corações” (DA 375). • “É um afã e anúncio missionários que precisa passar de pessoa a pessoa, de casa em casa, de comunidade a comunidade (...) procurando dialogar com todos” (DA 550). 2. Comunidade missionária • A paróquia é chamada a tornar-se “comunidade de comunidades” (DA 309; 517e), “comunidade missionária” (DA 168) e lugar de formação permanente (cf. DA 306). • Que seja menos instituição e mais comunidade, atenta à vida (cf. DA 225). • A comunidade representa a grande proposta que a Igreja faz ao mundo com sua missão. • A proposta de Jesus é de uma fraternidade peregrina que se faz próxima a todos, conjugando comunidade com missão: comunhão na missão e missão em comunhão. 3. Missão Continental • Retoma com novo ardor a nova evangelização. • Por ser um projeto que tem como destinatários as igrejas locais, esse plano de missão continental tornou-se na realidade um projeto de “animação missionária”. • A novidade da perspectiva da Missão Continental é de passar de uma nova evangelização para uma Igreja em estado permanente de missão. • Outro aspecto é a cooperação entre as Igrejas do continente. Missão Continental poderia tornar-se também uma ocasião para promover uma inter-ajuda entre igrejas latino-americanas. 4. Missão ad gentes • A missão ad gentes convoca hoje à Igreja na AL a um êxodo constante junto: • aos pobres, principalmente, os moradores de rua, os migrantes, os enfermos, os dependentes químicos e os presos (DA VIII); • às estruturas da sociedade: atenção especial para a família, e a seus sujeitos (DA IX,1-7); • aos areópagos: cultura moderna global, mundo da educação, da comunicação, da política, da economia, da ciência e tecnologia; • enfoques: as cidades, os indígenas e os afrodescendentes (DA X,6-9). 5. Missão universal • Precisarmos distinguir a missão ad gentes da missão ad extra. Esse conceito é estreitamente ligado à missão ad gentes, mas é necessário distingui-lo para que não “se torne numa realidade diluída na missão global de todo o Povo de Deus, ficando desse modo descurada ou esquecida” (RMi 34). • “Seria um erro deixar de promover a atividade evangelizadora fora do Continente com o pretexto de que ainda há muito para fazer na América, ou à espera de se chegar primeiro a uma situação, fundamentalmente utópica, de plena realização da Igreja na América” (EA 74). 5. Missão Universal 4. Missão ad gentes 3. Missão Continental 2. Comunidade missionária 1. Missão aos corações As urgências das DGAE • Cinco urgências: – Igreja em estado permanente de missão – Igreja: casa da iniciação à vida cristã – Igreja: lugar de animação bíblica da vida e da pastoral – Igreja: comunidade de comunidades – Igreja a serviço da vida plena para todos • Três âmbitos: – Âmbito da Pessoa (serviço profético) – Âmbito da Comunidade (serviço sacerdotal) – Âmbito da Sociedade (serviço da caridade) As urgências e as tarefas da missão • Missão aos corações: âmbito da pessoa • Comunidade missionária: âmbito da comunidade – Igreja: casa da iniciação à vida cristã – Igreja: lugar de animação bíblica da vida e da pastoral – Igreja: comunidade de comunidades • Missão Continental: – Igreja em estado permanente de missão • Missão ad gentes: âmbito da sociedade – Igreja a serviço da vida plena para todos Cadê a missão universal? • A missão universal aparece bem ligeira quando se fala da Igreja em estado permanente de missão: muito pouco! • É preciso refletir se não é essa dimensão a dar respiro a todas as outras (cf. RMi 34). • Mobilidade, despojamento, espiritualidade, comunicação, metodologia, novo jeito de ser Igreja “hospede na casa dos outros”, aprendemos da prática da missão ad extra. • O que será de nossas Igrejas quando deixarem de enviar alguém para fora de seus quintais? Conclusão • Todos esses âmbitos e tarefas são constitutivos para definir a identidade e a ação global dos discípulos missionários hoje. • Entre missão ad gentes e nova evangelização, missão ad intra e ad extra há uma circularidade e implicações mútuas (cf. RMi 34). • Da mesma forma, esta circularidade vital se repropõe também com Igreja local e Igreja universal, particularidade e catolicidade. • Contudo, a referência na missão ad gentes nos obriga a pensar num dinamismo missionário jamais centrípeto e eclesiocêntrico.