O Conselho de (in)Segurança?
Ricardo Seitenfus
Jamais na história do Conselho de Segurança (CS) da Organização das
Nações Unidas (ONU) a opinião pública mundial pôde acompanhar seu
processo decisório, de forma intensa e dramática, como na atual crise
iraquiana. Estrelas da política internacional contracenam com obscuros
diplomatas sob o olhar aparentemente impassível de Kofi Annan.
Todavia, o resultado da trama joga-se nos bastidores, nas denominadas
consultas informais que acontecem secretamente, distantes do olhar de todos.
O que nos é permitido presenciar é tão somente um jogo de sombras, onde a
retórica confronta-se com a demagogia, posto que os partícipes não
representam a ONU, mas sim os interesses de seus respectivos Estados.
Quando não se vislumbra um interesse nacional direto na discussão, barganhase o voto, como ocorre atualmente com número considerável de membros não
permanentes do CS.
A plena compreensão do jogo securitário do Conselho implica, além do
processo decisório, a implementação e a eficácia da decisão adotada.
Quanto ao processo, é necessário obter um duplo sucesso para a adoção
de uma Resolução. Os membros permanentes (China, Estados Unidos, França,
Grã-Bretanha e Rússia) não podem opor-se, o que lhes concede poder de veto.
Os críticos mais apressados à formação deste pentágono imperial, já que
ele reúne o poder real com o direito estabelecido na Carta, não concedem a
devida atenção à preocupação dos Cinco em premunir-se mutuamente contra
as conseqüências que poderiam advir de uma ruptura da frente Aliada. Ora, a
Guerra Fria, que dominou a história da ONU, demonstrou que a precaução dos
Cinco não foi excessiva.
Além disso, devem ser conquistados os votos positivos dos Estadosmembros não permanentes que permita alcançar 9 num total de 15 votos
possíveis.
Uma vez tomada a decisão é necessário implementá-la. Como o CS não
dispõe de Forças Armadas ele recorre aos Estados-membros da ONU que
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conservam a possibilidade de recusar a solicitação. Portanto, uma decisão de
agir pela força não implica, necessariamente, em ação concreta.
Três concepções opostas digladiaram-se quando da formatação do atual
sistema. A vencedora apóia-se numa percepção nacionalista das relações
internacionais. Para ela a ONU não pode divorciar-se da realidade do poder. As
Potências não são membros do CS porque à este cabe a função de manter a
paz e a segurança internacionais; é por elas serem membros que o CS
desempenha esta função.
A segunda concepção defende genericamente a democratização do CS na
medida em que a própria Carta da ONU reconhece o princípio da igualdade
soberana de todos os seus membros (Art. 2.1). As atuais pressões – inclusive
brasileiras – para por um termo ao suposto anacronismo do CS, decorre de
uma percepção idílica das relações internacionais que torna-se patente na
atual crise iraquiana.
Como denotam as iniciativas bélicas da dupla BB anglo-americana, caso
as Potências não possam defender o que consideram ser seu interesse nacional
no âmbito do sistema multilateral, elas o farão à margem dele.
O dilema que se apresenta entre a manifestação do poder dos fortes e a
adoção de medidas supostamente democráticas, no entanto desprovidas de
instrumentos de implementação, pode conduzir o sistema à um impasse. Em
outras palavras, no atual estágio da Humanidade é mais benéfico um sistema
injusto, pois calcado na realidade do poder internacional, ou um sistema justo,
revelador da vontade da maioria, embora inaplicável ?
A
terceira
concepção
da
organização
internacional
permanente dilema. Em 1944 o jurista Hans Kelsen sustentou
resolve
este
que somente
um órgão jurisdicional – afastado do poder político dos Estados – poderia
reorganizar as relações internacionais. Em situação conflituosa é necessário
diferenciar três dimensões: o juízo sobre a existência ou não de uma infração à
ordem internacional; existindo um delito, o juízo sobre qual sanção será
aplicada ao Estado faltoso; o juízo sobre quem aplicará e em que condições
será aplicada tal sanção.
A primeira e fundamental indagação somente pode ser respondida por
uma corte independente composta por juízes, designados segundo sua
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competência. Do poder político que se expressa no CS não podemos aguardar
outra resposta a não ser de natureza política. Este projeto designava a Corte
Internacional de Justiça (CIJ) como o órgão adequado para resolver com
justiça os litígios internacionais. Todavia, não somente a pauta da CIJ resumese à assuntos marginais mas, sobretudo, quando provocada para indicar os
limites dentro dos quais o CS deveria atuar, ela declarou que o seu caráter
político impedia qualquer controle.
O CS é, ao mesmo tempo, ilegítimo e legal. Tendo por testemunha a
opinião pública, a crise iraquiana desnuda os dilemas da atual organização
internacional colocando em evidência seu caráter precário e primitivo.
Ricardo Antonio Silva Seitenfus (54), doutor em Relações Internacionais pelo Instituto de
Altos Estudos Internacionais da Universidade de Genebra, Professor titular no Departamento
de Direito e no Mestrado em Integração Latino-americana da Universidade Federal de Santa
Maria (RS), autor do Manual das Organizações Internacionais (Editora Livraria do Advogado, 3ª
edição) entre outros.
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