ESTADO E SETOR PÚBLICO NÃO ESTATAL: PERSPECTIVAS PARA A GESTÃO DE NOVAS POLÍTICAS SOCIAIS* Elisabete Ferrarezi** Introdução Para além da polarização suscitada pelo debate sobre Estado e mercado, apresenta-se a criação de novas formas de provisão e gestão de políticas sociais, diferente daquela "socialização do consumo" de equipamentos coletivos que se baseou na intervenção estatal durante as décadas de 70 e 80. Esse padrão de provisão de políticas públicas em que o Estado desempenhava todas as funções, praticamente foi confundido com essa modalidade historicamente constituída, sendo difícil imaginar, para muitos, outro tipo de entrega de políticas que não aquela realizada diretamente pelo Estado. O ambiente de complexidade do mundo globalizado e dos sistemas políticos e econômicos que nele interagem fornece o panorama para a discussão dos desafios que teremos que enfrentar no tocante à provisão e gestão das políticas sociais, dentre os quais se destaca, particularmente, a necessidade de se promover o desenvolvimento social. Discutiremos neste ensaio as possibilidades que se abrem para a gestão de políticas sociais com a cooperação das organizações sociais públicas não estatais (1). Essa questão é tratada tendo em vista os novos papéis delineados para o Estado, em um contexto de grandes transformações econômicas mundiais e face a necessidade de promover relações de parceria com diversos atores e com as organizações públicas não estatais que vêm assumido crescentemente a promoção de políticas sociais. 1- Estado e Novos Atores no Espaço Público Desde a década de 70 o capitalismo vem mudando sua forma de organização e seu padrão de desenvolvimento. Do Estado-Nação, que assumia a regulação do mercado e da produção, financiando o desenvolvimento econômico e as políticas sociais, ao atual quadro de internacionalização econômica, observamos o progressivo enfraquecimento da capacidade de regulação dos Estados nacionais sobre os diversos aspectos que dizem respeito às relações com a sociedade e com o mercado. A crise do Estado, aguçada pela crise econômica mundial, tornou transparente a crise fiscal e abalou fortemente os conceitos de administração pública exigindo diversas reestruturações, principalmente quanto ao gasto com pessoal e invocando a necessidade do aumento de eficiência e eficácia governamental. As dimensões da crise passavam pelo declínio do Keynesianismo, do Welfare State, da burocracia weberiana(2) e pelas mudanças introduzidas com a globalização financeira. Era preciso um Estado mais flexível capaz de se adaptar às mudanças externas. Em decorrência, surgem na Europa e EUA, na década de 80, as reformas administrativas cujos temas eram: aumento da eficiência, corte nos gastos e atuação mais flexível do aparato burocrático. Tenta-se introduzir a lógica da produtividade e os modelos gerenciais do setor privado na administração pública. Em uma primeira fase, foram introduzidas mudanças do ordenamento macroeconômico que conduzissem a um quadro de ajuste e estabilidade, à redução do tamanho do Estado e ao desmantelamento de instituições protecionistas. Já para a década de 90, o objeto das mudanças passa pela consolidação das reformas, pelo restabelecimento da capacidade regulatória do Estado em atividades que foram repassadas para a iniciativa privada, pela melhoria da competitividade e por novas definições na oferta dos serviços sociais e de sua qualidade. As transformações recentes têm proporcionado forte impacto nas relações de força entre . "mercados" e Estados nacionais(3) Os governos têm tido que proporcionar vantagens comparativas a fim de atrair o capital para a sua região, o que exige muito mais do que baixo custo de mão-de-obra e de matérias-primas. Tornou-se fundamental possuir capital humano (educação, formação profissional, saúde), investimento em ciência e tecnologia, estabilização econômica, reforma fiscal e previdenciária, etc.. A agenda é, portanto, repleta de temas para as reformas do aparelho de Estado. Contudo, os desafios colocados para a superação dos problemas sociais não apenas se circunscrevem a atuação do poder estatal, uma vez que a diversidade do mundo contemporâneo coloca em cena novos atores e novas exigências sociais que vão além das possibilidades de o Estado contemplar. Não é por outro motivo que agências multilaterais, como o BID, tem orientado seus recursos para projetos que contenham mecanismos de fortalecimento da participação comunitária e para projetos cujas próprias organizações da sociedade civil atuam na provisão direta de serviços sociais e no controle das ações públicas estatais. O papel tradicional do Estado foi sendo suplantado pelas exigências das reformas da década de 80 e pelas transformações impostas pela economia globalizada. Houve inicialmente uma retração do Estado na provisão de políticas sociais e foi reforçada pela mídia a imagem de sua ineficiência, associando os males da crise à própria existência do Estado. A forte conotação ideológica de que se revestiu o "princípio de mercado" (Santos, 1995: 251) com a presença de pressupostos como autonomia, liberdade, iniciativa privada, concorrência, competitividade, eficácia/eficiência, lucro - exerceu influência na tentativa de legitimar a retirada do Estado da prestação de serviços, ocultando a atuação econômica estatal em favor das empresas como incentivos fiscais, tributação regressiva, etc. Contudo, é importante reconhecer que o princípio de mercado trouxe o apelo ao "princípio de comunidade" e às idéias que carrega consigo: participação, solidariedade, autonomia, etc. Se, de um lado, esse apelo contribuiria para obtenção de cumplicidade da sociedade na legitimação da transferência dos serviços de provisão estatal para o setor público não lucrativo, auxiliando a materialização da necessidade do Estado "mínimo", de outro lado, esse processo também pode ser entendido pela positividade que apresenta à sociedade civil, reforçando e legitimando a participação dos novos atores na arena pública não estatal, fortalecendo sua organização na resolução de problemas sociais. É bom lembrar que as sociedades civis têm tido suas ações revitalizadas por inúmeras iniciativas autônomas no mundo todo. No entanto, cabe distinguir as especificidades de seu surgimento no cenário político. Enquanto em países desenvolvidos as organizações autônomas da sociedade civil sem fins lucrativos respondem ao que se poderia chamar de cultura cívica, em países com menor grau de desenvolvimento econômico e social, quer se fazer passar a idéia de que seu surgimento e atuação constitui resposta à incapacidade de o Estado atender as demandas sociais. Nossa concepção é de que sua gênese(4) repousa na pluralidade e diversidade de interesses existentes nas sociedades contemporâneas, interesses esses, tanto maiores quanto mais complexa, diferenciada e desenvolvida for a sociedade de consumo de massa. Assim, a noção de Estado onipresente e onipotente, segmentando as relações sociais entre públicas e privadas só encontra sentido em sociedades autoritárias. Portanto, independentemente da eficiência e eficácia da ação estatal, o crescimento e proliferação das organizações da sociedade civil é uma resposta às necessidades da "modernidade" e não somente ao padrão de atuação do Estado. Se pensarmos na dimensão dos problemas sociais brasileiros - desigualdade de renda, pobreza, diversas formas de exclusão social, fome, analfabetismo e baixa qualificação profissional, feminização da pobreza, crianças em situação de risco, habitação, etc. - nas demandas crescentes e complexas (como o reconhecimento e defesa de direitos difusos, ética na política, meio ambiente, etc.) e a heterogeneidade sócio-econômica-cultural e regional, não é possível imaginar que a questão social será resolvida unicamente pela ação do poder público estatal. Isso não somente pelos limites financeiros, organizacionais e gerenciais do Estado mas, principalmente, pelo esgotamento de suas funções tradicionais ligadas ao Estado de Bem-Estar Social, que nem ao menos se completou no país, e pelas novas demandas referidas decorrentes da democratização da sociedade civil que ficou mais complexa e dinâmica. O surgimento dos novos movimentos sociais (feministas, ecológicos, pacifistas, etc.), novas concepções de direitos humanos e idéias tais como o direito dos povos à autodeterminação, a solidariedade social, a cidadania planetária e, ainda, o destaque dado a temas como a reemergência, reestruturação ou reconstrução da sociedade civil, reafirmação de valores como autogoverno, comunitarismo, organização autônoma dos interesses e modos de vida, cooperativismo, participação, democratização, solidariedade, confiança, redes - apontam para o alargamento da esfera pública não estatal por meio da atuação de novos atores sociais (ver Fernandes, 1995; Leis, 1995; Silva, 1994; Putnam, 1995). A revalorização dos ideais propiciados pelo princípio da comunidade é visto como uma possibilidade de fundar novas energias emancipatórias por parte da sociedade, através da produção de uma nova cultura política e uma nova qualidade de vida pessoal e coletiva. Assim, abre-se um campo imenso para a participação de novos atores - já que a relação dicotômica entre o Estado e o mercado é suavizada, prevalecendo mais a noção tripartite Estado/mercado/sociedade civil. Essa noção assume maior importância no momento em que o capitalismo mundial, ao mesmo tempo que transnacionaliza os problemas, localiza nacionalmente as soluções, apontando para a realização de parcerias face o baixo impacto que as ações isoladas tendem a produzir. As organizações da sociedade civil sem fins lucrativos passam a ocupar o espaço público, espaço esse que era antes considerado como esfera reservada ao Estado (confundindo espaço público estatal com espaço público social) o qual não conseguiu efetivamente garantir o interesse público, os direitos sociais e democratizar o acesso às políticas sociais. A privatização do Estado é tema recorrente em nossa história e pode ser demonstrada pelos privilégios de concessão de empréstimos sem correção monetária na época de inflação, variadas isenções fiscais a setores privados, subsídios, políticas sociais cujo acesso é privilégio da classe média que tem maior poder de vocalização de seus interesses, e pelo patrimonialismo que ainda predomina em todas esferas de poder do Estado. Embora ainda esteja em processo de constituição, o sentido da esfera pública parece encontrar no Terceiro Setor(5) um grande impulso. As organizações que o compõe têm origem privada mas se definem pela sua finalidade que é orientada ao interesse público. A literatura aponta como noção de Terceiro Setor a presença de entidades, associações, atividades sem fins lucrativos, não governamentais, voluntárias, filantrópicas e altruístas que respondem a necessidades coletivas. Isso significa que a tensão entre o interesse privado e o interesse público está propiciando uma discussão sobre quem possui capacidade de representar interesses coletivos, questão essa que contribui para o fortalecimento da ampliação da arena pública, uma vez que a atuação das entidades do Terceiro Setor tem demonstrado que o Estado não possui o monopólio de defesa do interesse público. 1.1. O Desenvolvimento Social Tema recorrente na política brasileira, o desenvolvimento social tem sido condicionado ao sucesso da política de estabilização do governo. A política econômica recente tem como fundamento o fato de que a estabilidade monetária, somada ao processo de abertura comercial e à integração mundial da economia, levará ao crescimento real das rendas assalariadas e à atração dos investimentos externos necessários à retomada do crescimento, o que trará, como conseqüência a ampliação da oferta de empregos, distribuição de renda, etc. Passaremos ao largo desse tema que foge ao escopo desse ensaio. Entretanto, gostaríamos de ressaltar dois aspectos. Em primeiro lugar, não existe relação causal entre crescimento econômico e desenvolvimento social; em segundo lugar, nos atuais marcos propugnados pelo modelo de crescimento e tendo em vista a experiência dos países que conseguiram promover seu desenvolvimento nas últimas décadas, é fundamental o investimento em capital humano, o que o Estado não pode exclusivamente garantir. O modelo econômico do "derrame" adotado pelo Brasil em passado recente - cuja máxima foi "deixar o bolo crescer para depois repartir" - propugnava que o crescimento econômico acelerado resolveria os problemas da pobreza. Isso levou a uma concepção assistencialista do Estado no campo social, produzindo políticas sociais compensatórias até que o modelo cumprisse com a função de estender o desenvolvimento a todos. Mas a realidade demostrou que isso não se dava de modo automático, uma vez que, naquele período, a economia alcançou elevadas taxas de crescimento, conjugada com uma das piores distribuição de renda do mundo. Assim, poderíamos afirmar que o crescimento econômico é condição necessária mas não suficiente para reduzir a pobreza e a desigualdade social, sendo fundamental a qualidade e estrutura do crescimento pelos impactos que provoca sobre o emprego, meio ambiente, a qualidade de vida, distribuição de renda (Kliksberg, 1997). No Brasil, são muitas as dificuldades para superação da pobreza, envolvendo aspectos tais como: ausência de mobilidade social por meio do mercado de trabalho, reprodução da pobreza através da transmissão intergeracional, falta de acesso aos serviços sociais básicos e incapacidade redistributiva do Estado. A feminização da pobreza(6), por exemplo, alimenta o círculo vicioso da pobreza, fazendo com que crianças em situação de risco dificilmente consigam romper sozinhas com todo tipo de discriminação a que estão sujeitas (acesso à escola, aos serviços, trabalho, etc.). O sistema de proteção social brasileiro(7) foi incapaz de promover a compensação dos custos do crescimento econômico e de proteger os segmentos excluídos do consumo de bens privados. A natureza concentradora de riqueza do modelo econômico fez com que, durante muito tempo, as políticas sociais compensatórias perpetuassem a situação de pobreza e exclusão. O Estado passou a atuar de modo paternalista e tutelar, distribuindo favores e não reconhecendo os direitos dos cidadãos. As políticas compensatórias assistencialistas, tornaram-se instrumentos onerosos de dependência permanente da população para com o Estado e ineficaz para os objetivos que deveriam cumprir. As desigualdades também têm várias faces e contradições, como por exemplo: a desigualdade educacional, com destaque para seu descompasso com o avanço tecnológico, qualidade do ensino, o analfabetismo, a baixa qualificação profissional e falta de equidade na distribuição de recursos para o ensino básico e universitário; a desigualdade de renda conhecida como uma das piores do mundo; a discriminação no mercado de trabalho por questões raciais, etárias e de gênero; crianças trabalhadoras e jovens sem emprego. Atualmente, a globalização acrescenta outros desafios para o sistema de proteção social impondo novas ‘perdas" para os sujeitos sociais que devem, de alguma forma, ser compensadas, como aquelas produzidas pela reconfiguração do mundo da produção e do trabalho e aquelas geradas pela exigência do aumento da produtividade com impactos negativos sobre o crescimento do emprego. Por esses motivos, não é possível pensar em crescimento econômico dissociado da integração entre políticas sociais e políticas econômicas. As políticas sociais devem ser integradas às políticas econômicas, não apenas de modo complementar, mas assumindo o caráter emancipatório da população atendida. Em país com tão forte iniquidade e desigualdade social é impossível esperar que a reforma do aparelho de Estado se conclua para, somente então, implementar ações destinadas a equacionar esses problemas. A gravidade dos problemas sociais brasileiros exige mobilização de recursos potencialmente existentes na sociedade tornando imprescindível contar com a participação de outros atores, quer sejam sociais, políticos ou empresariais, em ações integradas e inovadoras capazes de promover o desenvolvimento social, tornando possível multiplicar seus efeitos e a probabilidade de sucesso. Desconhecer a crescente importância da atuação das organizações sociais não estatais nas políticas sociais, é reproduzir a lógica ineficaz e irracional de fragmentação, descoordenação, superposição e isolamento das ações das políticas sociais. O debate atual sobre desenvolvimento trouxe à cena a necessidade de investimento em capital humano e social. Entende-se por capital humano, a qualidade dos recursos humanos (incluindo educação, saúde e nutrição) e por capital social, os valores sociais compartilhados, a capacidade para atuar sinergicamente e de gerar redes e sistemas de colaboração no interior da sociedade(8). A relação entre o círculo vicioso da pobreza e os baixos investimentos em capital humano indica que para reverter esse círculo perverso há que se mobilizar a sociedade para um esforço conjunto, cujas ações somente terão resultados nas próximas gerações. Como ressalta Londoño (1996: 37): "La brecha de la educación en América Latina es extremamente grave en la actualidad. El trabajador medio tiene dos años menos de educación de lo que cabría esperar de acuerdo con el desarrollo de la región, y esta brecha no ha disminuido durante las últimas décadas. De hecho, la varianza de la educación de la población que trabaja es ahora la más alta del mundo. Esta situación, combinada con las bajas expectativas de crecimento económico a mediano plazo, parece destinada a producir un número creciente de pobres en los próximos 20 años, manteniendo el círculo vicioso que se advierte em el desarrollo social de América Latina". O Estado deve atuar predominantemente em problemas estratégicos - garantindo a equidade na aplicação de recursos, articulando o econômico e o social, definindo prioridades sociais e diretrizes gerais de uma política de desenvolvimento, garantindo o financiamento das políticas sociais, sinalizando a direção dos investimentos, somando esforços, promovendo sinergias, assumindo a concertação de atores e de alianças estratégicas para a superação dos problemas sociais. Mobilizar a sociedade para esse esforço conjunto de superação do círculo vicioso da pobreza é tarefa específica, mas não exclusiva, da esfera estatal. Mas, somente o Estado dispõe dos mecanismos mais fortemente estruturados para formular e coordenar ações capazes de catalisar atores em torno de propostas abrangentes que não percam de vista a universalização das políticas combinada com a garantia da equidade. Em síntese, o Estado deve lançar as bases estratégicas do desenvolvimento social que permitam estabelecer o diálogo permanente com a esfera privada e pública não estatal na construção do desenvolvimento sustentável e de uma sociedade menos desigual. 1.2. Gestão de Políticas Sociais: os limites da ação estatal Até recentemente, o Estado planejava integralmente o desenvolvimento em todos seus aspectos e implementava as decisões de forma centralizada. Essa postura marginalizou, durante muito tempo, a sociedade civil em suas múltiplas expressões e possibilidades de atuação. O papel tradicional do Estado nas políticas sociais caracterizou-se por financiar, formular, implementar e supervisionar (com muito pouca avaliação). Ou seja, todas essas funções aglutinadas em um só ator. Somente mais recentemente, tem assumido as formas de "parcerias" e terceirização de serviços com outros atores. Dentre os novos modelos propostos, aquele intitulado "paradigma emergente"(9) considera o Estado como um, dentre vários atores, que aportam recursos e implementam políticas sociais (Franco, 1996: 12). Observa-se, além da preconização de novos papéis ao Estado, a experiência vivida por governos federais e locais que têm promovido a substituição paulatina do monopólio estatal na provisão de políticas sociais para a pluralidade de sujeitos e atores sociais, ganhando força a cooperação com funções compartilhadas ou o repasse de serviços para organizações da sociedade civil (10). O modelo burocrático da administração pública se mostra incompatível com as atuais exigências da gestão social. As condições sob as quais se desenvolvem as políticas e os programas sociais são alteradas permanentemente em função das variáveis políticas e financeiras, caracterizando a fluidez e imprevisibilidade da gestão dos programas sociais. O atual contexto de alta complexidade e turbulência, requer da administração pública flexibilidade capaz de readaptar, constantemente, o planejamento e a gestão às condições existentes, sem perder, contudo, a qualidade, a eficácia e eficiência de suas ações. A dificuldade de promover tal transformação constitui grande desafio da administração pública face a notória rigidez burocrática da qual se reveste. O arranjo institucional sobre o qual se constituíram as políticas sociais brasileiras determinou, em grande medida, o baixo desempenho de seus programas, comprometidos por problemas de gestão, desenho e ausência de avaliação dos resultados. Por isso, a implementação das políticas deve, necessariamente, dar-se em novas bases que pressupõem, a descentralização política, administrativa e financeira, possuir maior consistência em seus objetivos, complementariedade em suas ações, articulação com a política econômica, fortalecimento da capacidade institucional, participação, controle social e avaliação. Além desses aspectos, é preciso que o serviço público torne-se permeável à convivência com outros atores sociais que assumem, crescentemente, papel de formulador, implementador e, em alguns casos, até financiador das políticas. Isso significa que o "núcleo estratégico" do Estado deve preparar-se para mudar suas funções, fortalecendo a capacidade estatal de elaborar e avaliar políticas com maior grau de integração entre seus diversos aspectos (políticos, sociais, econômicos) possibilitando maior sustentabilidade aos projetos. Além disso, o Estado deve estabelecer relações de parceria, em novo marco regulatório (11), com as organizações do Terceiro Setor que sejam adequadas às suas especificidades. Para tanto, a administração pública tem que desenvolver habilidades específicas tais como a articulação e negociação entre agentes públicos e outros atores (na elaboração e gestão); implementação de gerência inter-institucional e inter-organizacional com destaque para a formação de redes(12). 2 - Estado, Setor Público Não Estatal e Novas Relações para a Gestão de Políticas Uma das condições para promover o desenvolvimento social é a descentralização das políticas sociais. É no "local" que se encontram os elementos ao desenho de políticas adequadas. Ademais, é no território local que se pode dar o efetivo controle social e onde se verifica a coordenação e coalizão de forças políticas interessadas no desenvolvimento social. A governança urbana significa a capacidade do governo local de articular atores e forças sociais com vistas ao desenvolvimento de formas de parceria público-privado (Harvey, 1989). É importante, também, ter em vista que o território local passou a ser produto e elemento ativo nas decisões de localização do capital, o que requer maior articulação/cooperação entre a administração pública, os interesses privados e sociais. O Estado tem papel fundamental na definição das estratégias de combate à pobreza e políticas como as de crescimento sustentável, criação de empregos e equilíbrio fiscal devem ser combinadas com políticas sociais específicas que abram oportunidades aos setores pobres se integrarem ao desenvolvimento. Essa orientação para o desenvolvimento precisa incluir, necessariamente, a prioridade no investimento em capital humano e social, além de apoio a formas produtivas de pequena escala e atividades que possibilitem aos setores pobres terem informações e qualificação para a realização de projetos de desenvolvimento. A implantação de tais políticas se daria de forma descentralizada coerente com a novas relações para as políticas sociais. Há uma inadequação do modelo de gestão centralizado (setorializado, com programas padronizados, com ênfase em procedimentos burocráticos) ao modelo de descentralização que prioriza a colaboração dos entes governamentais e entre os setores privado e público, com maiores chances de haver participação social, inovação e maior adequação às realidades locais. A esse respeito, alguns aspectos devem ser levados em consideração. Programas cujas atividades sejam descentralizadas implicam fortalecimento da função de coordenação dos governos. O pacto federativo no Brasil ainda está para resolver a definição dos papéis a serem desempenhados. Ao nível estadual e federal devem corresponder as tarefas de coordenação, formulação, avaliação, definição de critérios e normas, capacitação e distribuição equânime de recursos. A par da complexidade da federação brasileira exemplificada pelos seus mais de cinco mil municípios, caracterizados pela diferenciação quanto a capacidade administrativa e financeira - o governo central permaneceria com a função de orientar recursos e fornecer diretrizes para o desenvolvimento apontando as prioridades sociais estratégicas (Draibe, 1996). Diante da heterogeneidade das capacidades locais de implementação de políticas e dos conhecidos problemas da administração pública, não se pode renunciar a associação com redes não governamentais na estratégia de promoção de desenvolvimento e no combate à pobreza, fortalecendo a capacidade de coordenação do setor público dos diferentes grupos de interesses e de agente catalisador das mudanças na sociedade. 2.1. Capital social, Participação e Cooperação Em seu estudo sobre como as novas instituições se desenvolvem e se adaptam ao meio social nas regiões da Itália, Putnam (1996) verificou que a comunidade cívica é mais determinante para a eficácia das ações do governo do que o desenvolvimento econômico. Os resultados de sua pesquisa ressaltam o papel desempenhado pela comunidade cívica, entendida como cidadãos atuantes, imbuídos de espírito público, prestativos, respeitosos e confiantes uns nos outros, mesmo quando divergem em relação a assuntos importantes. A atuação da comunidade cívica trouxe à tona a importância da confiança para o estabelecimento de relações sociais com vistas a realização de projetos coletivos. As regras de confiança permitiriam a comunidade cívica superar, com maior facilidade, o que os economistas denominam de "oportunismo", em que os interesses comuns não prevalecem porque o indivíduo, por desconfiança, prefere agir isoladamente e não coletivamente. As formas de associação civil contribuem para a eficácia e estabilidade dos governos democráticos face as externalidades positivas produzidas sobre o indivíduo e sobre a sociedade. Nelas, é possível aos indivíduos aprenderem hábitos de cooperação, solidariedade, espírito público e construírem consciência política, confiança social, participação política. Para Putnam, uma característica essencial do capital social é o fato de ele constituir-se em bem público. Por ser atributo da estrutura social em que se insere o indivíduo, o capital social não é propriedade particular de quem dele se beneficia. Assim, como todo bem público, costuma ser insuficientemente valorizado. Quanto mais elevado o nível de confiança numa comunidade, maior a probabilidade de ocorrer cooperação, o que realimenta a própria confiança. Os recursos do capital social crescem cumulativamente com seu uso ou se esgotam se não forem utilizados (13). O autor conclui que a progressiva acumulação de capital social é uma das principais responsáveis pelos círculos virtuosos do desenvolvimento da Itália cívica. Estão aí as pistas para entender porque assistimos ao crescimento de organizações sociais e da participação de pessoas que se organizam para a solução de problemas comuns, cujos resultados não são apropriados privadamente. A democracia associativa traz uma nova noção de sociedade civil com o desenvolvimento de atividades por grupos autônomos empreendedores, que não levam demandas ao Estado e que realizam serviços e políticas com ou sem recursos públicos, com novas formas de organização e participação social. O envolvimento dos cidadãos exige, de certa forma, um aprendizado que valorize a coisa pública, o bem estar coletivo. Isso significa que devem ser criadas formas de indução e mecanismos que favoreçam a formação de redes que possibilitem o desenvolvimento comunitário, gerando o círculo virtuoso do processo. O Estado pode ter papel ativo nesse processo, como tem demonstrado quando da obrigatoriedade da formação de Conselhos de Saúde e da Criança e do Adolescente, como contrapartida para o repasse de recursos e ao propor parcerias e convênios com organizações sociais, como o programa do Ministério da Educação que estimula a criação de associações de pais para gerenciar recursos das escolas públicas e com a realização de orçamentos participativos nos municípios. O estímulo à participação social e a promoção da organização comunitária é essencial ao desenvolvimento social. Contudo, é preciso desmitificar a participação em seus sentidos extremos: não é, por si só, a solução dos problemas sociais, mas pode ser vista como um meio para isso e, também, como um fim em si mesma porque agrega valores éticos à democracia e constrói laços comunitários de solidariedade. 2.2. Parcerias Como vimos, a interação entre programas para superação da pobreza e promoção do desenvolvimento possibilita impactos mais efetivos na população. É fundamental a articulação e coordenação de atores e de interesses que garantam a implementação de políticas. Para isso, é possível o próprio poder público incentivar ou mesmo influenciar a realização de parcerias. Para alguns autores, a transferência dos serviços para o Terceiro Setor ou para o setor privado poderia fazer com que o governo aumentasse a efetividade, eficiência e responsabilidade na forma como os serviços são oferecidos (Osborne e Gaebler, 1995). Mas não há relação direta entre repasse de serviços e maior eficiência; isso precisa ser construído, haja vista as precárias condições em termos gerenciais da maioria das organizações sociais sem fins lucrativos e as formas que atualmente regem, legal e administrativamente, as relações entre a administração pública e o Terceiro Setor, as quais impõem limites ao seu desempenho. O avanço de formas cooperativas de implementar políticas com organizações da sociedade civil esbarra nessa contradição: elas são mais flexíveis do ponto de vista administrativo mas, ao realizarem convênios com o Estado, ficam sujeitas às mesmas regras do setor público, inviabilizando, por exemplo, a aplicação de recursos onde se faz necessário. É preciso flexibilizar essas relações, impedindo a transposição da rigidez da administração pública para o Terceiro Setor, sem o que dificilmente haverá possibilidade de aumentar a efetividade e eficiência das ações. Nesse sentido, é preciso atualizar a legislação brasileira que ainda desconhece a existência legal do Terceiro Setor. Suas relações com o Estado, ora são pautadas pela lógica do setor estatal, ora pela lógica do setor privado. As especificidades da esfera pública não estatal não encontram amparo no arcabouço jurídico hoje existente. Embora prevaleçam os argumentos de que as entidades do Terceiro Setor são mais eficientes e eficazes, eles não suficientes para orientar decisões dos administradores governamentais quanto a escolha das organizações para a realização de projetos com recursos públicos. A seleção de entidades do Terceiro Setor para realizar Convênios com o Estado é feita em bases discricionárias que acabam favorecendo práticas clientelísticas e fisiológicas(14). As organizações consideradas aptas a participar de Convênios são aquelas que conseguem transpor as barreiras burocráticas sucessivas com exigências de documentos e registros concedidos pelo Conselho Nacional de Assistência Social - CNAS (o registro de entidade de assistência social é requisito para o acesso a subvenções e convênios e pré-requisito para obtenção do Certificado de Entidade de Fins Filantrópicos) e pelo Ministério da Justiça (Título de Utilidade Pública). Há controvérsias quanto à adequação do instrumento Convênio às organizações sociais públicas não estatais. São apontados problemas como a dificuldade de se obter Registro de entidade de assistência social, rigidez do plano de aplicação de recursos, exigência de conta bancária vinculada para cada Convênio, ausência de critérios claros de seleção dos projetos. Por outro lado, há quem avalie ser esse instrumento jurídico adequado já que é celebrado com o objetivo de atender a interesse comum (público) e não para atender interesses das partes conveniadas. Para alguns deveria ser utilizado o Contrato em que as partes revelam interesses próprios circunstancialmente coincidentes ou complementares, cujas especificações são estabelecidas pelo contratante, permitindo flexibilidade em termos gerenciais. As críticas em relação ao Contrato apontam que a competição(15) entre o setor privado e organizações públicas não estatais geraria uma concorrência "desleal" em relação aos benefícios fiscais que são portadoras, tratando desiguais de forma idêntica; e a própria competição entre as organizações não estatais também poderia gerar assimetrias com possibilidade de as pequenas não conseguirem participar do processo. Essas organizações competem por recursos públicos entre si e entre os programas estatais. Como a atual Lei de Licitações e Contratos (8666/93), que rege as relações do Estado com o setor privado, e a forma de celebração de Convênios não são considerados instrumentos totalmente adequados às especificidades das entidades sem fins lucrativos, é preciso criar uma nova forma legal que regulamente esse tipo de parceria. Esse novo instrumento deve estabelecer critérios de avaliação para seleção e pode abraçar elementos ou princípios considerados apropriados a esfera pública, tanto do instrumento Convênio, quanto do Contrato. Um modelo mais adequado para realização de parcerias por meio de licitação específica, concurso público ou outra forma que se crie, irá impulsionar, por sua vez, o aprimoramento da capacidade de gestão e maior profissionalização dos quadros das entidades. A promoção de parcerias esbarra em outra dificuldade ligada às excessivas exigências burocráticas no acesso a determinados incentivos. O Título de Utilidade Pública Federal, Estadual e Municipal e o Certificado de Fins Filantrópicos dão acesso a dedução de doações de pessoas jurídicas no Imposto de Renda, a isenção de contribuição patronal à seguridade social e a possibilidade de estabelecer Convênios com órgãos estatais. Porém, a maioria das entidades do Terceiro Setor não consegue transpor as exigências cumulativas e vinculadas de registros e títulos, em várias instâncias governamentais, para ter acesso aos benefícios existentes. Por outro lado, a discricionariedade da concessão desses títulos (a lei outorga ao Presidente da República o reconhecimento de Utilidade Pública e no caso do Registro de entidade de assistência social, o problema é a falta de critérios para definir o que é uma entidade desse tipo) e o acesso limitado da maioria das entidades aos benefícios conferidos por esses títulos, trazem a questão sobre a pertinência desses instrumentos, sendo necessário rever toda essa forma de regulação tornando os critérios de elegibilidade para isenções e realização de parcerias mais claros e simplificados. Nesse sentido, as responsabilidades das organizações do Terceiro Setor para com a sociedade e para com o Estado e deste para com a sociedade e Terceiro Setor, devem ser claramente definidas, sendo urgente reformular a legislação que regula o setor, criando mecanismos de prestação de contas, transparência no uso de recursos públicos e de responsabilização civil de seus dirigentes a fim de prevenir abusos e fraudes, procedendo, também, a uma revisão nos critérios que delimitam o acesso aos fundos públicos e incentivos fiscais. Embora as organizações do Terceiro Setor venham assumindo a responsabilidade de promover políticas sociais de forma autônoma, mobilizando doadores privados para financiar suas atividades, ressalta-se que o Estado(16) não pode se furtar de alocar recursos para a realização de projetos por essas entidades. O Estado possuiu condições mais adequadas para alocar recursos de forma racional e equânime uma vez que detém informações sobre o conjunto da sociedade que permitem, em princípio, compensar as desigualdades regionais de renda e riqueza, apontando as prioridades e evitando que estados e municípios, que possuam menor capacidade fiscal, menor crescimento econômico e menores investimentos privados no social, sejam prejudicados. O mecanismo tradicional de incentivo às doações é a dedução da base tributável do Imposto de Renda. A instabilidade das normas que regulam os incentivos fiscais para pessoas jurídicas e a restrição imposta às deduções de doações de pessoas físicas (que não têm nenhuma forma de abatimento), constituem obstáculos à construção de uma cultura de filantropia privada no Brasil. Ao Estado compete estimular o financiamento das entidades do Terceiro Setor, criando mecanismos mais eficazes de distribuição e controle dos recursos públicos alocados. Os atuais estímulos podem ser feitos por meio de renúncia fiscal ou transferências de recursos. Sob esse aspecto, a situação brasileira precisa se avaliada tendo em vista o descompasso existente entre a estrutura de incentivos para o setor privado (por exemplo as isenções e imunidades para setores automobilístico e de informática, empresas que não pagam Imposto de Renda, etc.) e os estímulos para o Terceiro Setor. Além disso, a imunidade tributária concedida a instituições privadas de educação e saúde, que se auto-intitulam sem fins lucrativos mas que são, na realidade, pautadas pela busca do lucro, também merece uma avaliação rigorosa à luz da justiça social. É necessário aperfeiçoar os atuais mecanismos de incentivos às doações privadas com formas mais eficientes de dedução e de fiscalização. Também caberia às próprias entidades do Terceiro Setor a criação de mecanismos de regulação, como as auditorias privadas, e outras formas de sinalização que dessem visibilidade pública do uso de recursos públicos e de sua atuação, capazes de conferir maior legitimidade ao Setor. 3- Considerações Finais: alguns temas para a agenda Parcerias A indefinição quanto a um estatuto próprio para as organizações não estatais sem fins lucrativos e a inexistência de um marco que abarque, legal e administrativamente, sua pluralidade e complexidade, trazem uma série de problemas para realização de parcerias e convênios com o poder público estatal. O Estado, ora as trata como entidades da esfera privada, sujeitando-as às regras que regem a competição entre organizações de fins lucrativos, ora as confunde com a própria esfera pública estatal e as condiciona a obedecer as mesmas regras que a administração pública, retirando-lhes aspectos valiosos que potencializam suas ações, como a flexibilidade para movimentação de contas. Esse é um tema para a agenda política: reconhecer a existência não homogênea e uniforme das entidades sem fins lucrativos, distinta do setor privado e do setor público estatal. Há também que se debater o que se entende por sem fins lucrativos e por "interesse público" e proceder a uma revisão dos mecanismos para a realização de parceria que facilitem as relações entre Estado e Terceiro Setor: a) gerar novos critérios para ter acesso aos benefícios; b) elaborar um novo instrumento administrativo de parceria; b) criar uma estrutura de incentivos fiscais capaz de fomentar a filantropia privada ou outro sistema de financiamento público c) reconhecer e diferenciar as organizações com fins públicos daquelas com finalidades privadas. As interrogações sobre a identificação das organizações sociais com fins públicos e como podemos defini-las sem perder a pluralidade e especificidade que as caracterizam têm repercussões nas relações de parceria que desenvolvem com o Estado e no reconhecimento público de sua atuação. As dúvidas que persistem em relação ao número exato das entidades que compõem o Terceiro Setor e de seu campo de atuação, e em relação ao volume de isenções fiscais, também precisam ser equacionadas para se ter um quadro realista que oriente as mudanças propostas. Papel do Estado na Relação com o Setor Público Não Estatal Embora exista um campo significativo de atuação social para o setor privado não lucrativo, o Estado continua sendo imprescindível para garantir critérios de equidade e justiça social. Ainda é o Estado que dispõe dos mecanismos mais fortemente estruturados para formular e coordenar ações capazes de catalisar atores em torno de propostas abrangentes que não percam de vista a universalização das políticas combinada com a garantia da equidade. Nossa proposta é que o Estado atue, predominantemente, de forma estratégica, orientando o desenvolvimento por meio da definição de diretrizes gerais da política e prioridades sociais. Passaria, desse modo, a concentrar-se na resolução de problemas estratégicos, garantindo a equidade na aplicação de recursos, articulando as políticas econômicas e sociais, garantindo o financiamento das políticas sociais, somando esforços, assumindo a concertação de atores e a realização de alianças para a superação dos problemas sociais. Mobilizar a sociedade para esse esforço conjunto de superação do círculo vicioso da pobreza é tarefa específica, mas não exclusiva, da esfera estatal. Os desafios para dinamizar o desenvolvimento social torna toda ação pública social imprescindível e vital para estabelecer relações de cooperação e apresentar possibilidades concretas para que as pessoas possam superar o círculo vicioso da pobreza. É certo que para esse novo patamar de relação entre o poder estatal e as organizações do Terceiro Setor, são exigidas outras habilidades políticas e gerenciais por parte do Estado como: a) capacidade de formular políticas focalizando recursos e garantindo equidade; b) capacidade de monitoramento e avaliação das políticas; c) capacidade de articular e coordenar redes, interesses, atores e programas no âmbito da esfera pública (estatal e não estatal); d) simplificar procedimentos burocráticos e redefinir a legislação que dificulta a gestão e implementação das políticas pelas organizações da sociedade civil sem fins lucrativos; e) produzir e dar acesso a informações úteis e indicadores sociais; f) gerar confiança com estabilidade de regras administrativas e normas legais; g) criar um sistema de financiamento para os projetos do Terceiro Setor pautado por critérios públicos. Alguns atores governamentais argumentam que a competição pelos recursos escassos entre as organizações do Terceiro Setor e instituições públicas constitui um problema. Se a compreensão predominante é a de que esse setor tem importante papel a cumprir, já que o Estado não consegue e não pode atuar com igual grau de eficácia das organizações públicas sociais, já que essas possuem alta capilaridade e proximidade com as necessidades e valores da comunidade e são mais sujeitas ao controle social, então elas não estariam competindo com o setor estatal. Ao contrário, elas estariam atuando, justamente, na extensão do espaço público social por meio da defesa de interesses coletivos. As propostas de reforma do papel do Estado, principalmente aquelas que dizem respeito à relação com entidades do Terceiro Setor, a sua participação e ampliação das atividades na esfera pública não estatal e à destinação de recursos públicos, encontram forte resistência em estratos burocráticos, que temem a perda de espaços de poder, do controle corporativo, político e de recursos, por estarem presos a uma concepção anacrônica de poder estatal que não condiz com o novo sentido da esfera pública. Há também o descrédito em relação a outras formas de participação, atribuindo pouca importância, por exemplo, aos mecanismos existentes de participação nos Conselhos das políticas sociais. Isso está ligado a crença de que a sociedade não é suficientemente organizada e "madura" para participar e exercer controle, comumente identificando a participação da sociedade civil como oposição ao governo. A resistência de estratos burocráticos deve ser considerada em um processo de mudança institucional, sob o risco de fracassarem as tentativas de implementação de novos padrões de atuação no campo social. Participação Reafirmamos o entendimento de que a participação social fortalece a capacidade das pessoas se envolverem com e se responsabilizarem pelo desenvolvimento social, resolvendo problemas comuns. Igualmente, possibilita a supervisão de forma mais contínua dos resultados dos serviços, adaptando-os às suas necessidades e valores, podendo assegurar a continuidade dos programas por ocasião das mudanças de administração. Estabelecer e consolidar uma nova cultura e novos canais de mediação entre o Estado e a sociedade, entre o público e o privado, entre o público estatal e o público social, requer, sobretudo, o desenvolvimento de uma nova tecnologia gerencial, canais institucionais para interlocução e de novas alternativas que dinamizem o potencial de recursos existentes na sociedade capazes de fortalecer relações sociais de confiança, ações empreendedoras e formas de cooperação criativas. O desenvolvimento social é vital para que haja crescimento econômico, sendo os investimentos em capital social e humano necessários para lhe dar sustentação, a longo prazo. Nesse sentido, entendemos como decisiva a interação entre os diversos atores que atuam no espaço público para que se alcance resultados potencialmente mais elevados e complementares na busca do desenvolvimento sócio-econômico sustentável. Por fim, ainda são muitas as questões aqui tratadas que merecem ser aprofundadas. De qualquer modo, a experiência da promoção de ações sociais pelas organizações públicas não estatais e o debate que ora se trava sobre os temas analisados, trazem perspectivas de mudanças nas relações entre o Estado e Terceiro Setor para realização de parcerias mais eficazes na implementação de políticas sociais, sinalizando uma reação contra o desânimo e a passividade que impedem a busca de soluções criativas para o combate à pobreza. Referências Bibliográficas BANCO MUNDIAL (1995). Avaliação da Pobreza no Brasil, volume 1, Relatório Principal. Divisão de Recursos Humanos, Região da América Latina e Caribe. DRAIBE, Sonia e outros (1996). Políticas sociales y programas de combate a la pobreza en Brasil. In RACZYNSKI, Dagmar (ed.)(1996). Estrategias para combatir la pobreza en América Latina: programas, instituciones y recursos, BID/CIEPLAN, Santiago. FERNANDEZ, Rubem Cesar (1994). Privado Porém Público - O Terceiro Setor na América Latina. Relume-Dumará, Rio de Janeiro. 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Rio de Janeiro, Paz e Terra. * Texto apresentado no II Congresso Interamericano del CLAD sobre la Reforma del Estado y de la Administración Pública, Venezuela, 15-18 de outubro de 1997. ** Elisabete Ferrarezi é mestre em administração pública, pertence à carreira de especialistas em políticas públicas e gestão governamental e trabalha como assessora do Conselho da Comunidade Solidária. 1 Entende-se por organizações sociais públicas não estatais aquelas entidades com fins públicos, constituídas voluntariamente por grupos de cidadãos na sociedade civil, como pessoas de direitos privado e sem fins lucrativos, autônomas em relação ao Estado e independentes de partidos políticos e de instituições de caráter corporativo. 2 A burocracia foi criada no Estado Liberal como uma resposta eficiente à burocracia patrimonialista, criando uma série de controles que imprimissem o caráter público das ações do Estado. Mas, a burocracia, ao longo do século XX, vai subvertendo as razões para as quais fora criada, formando uma categoria social específica que estabelece entre seus membros certas relações que tendem a autonomizar-se face à sociedade como poder externo e acima da mesma e muito pouco orientada à prestação de serviços públicos aos cidadãos. 3 Uma das manifestações contraditórias do capitalismo mundial é que ao mesmo tempo em que há uma vigorosa expansão dos mercados financeiros internacionais - chamando a atenção o volume de recursos movimentados esse mesmo processo ocasiona uma "destruição social", onde se sobressai a reprodução da pobreza, o desemprego de massas de caráter permanente, o agravamento da exclusão social, desesperança e violência (Therborn, 1995: p. 47). Isso torna o sistema de proteção existente incapaz de "compensar" as "novas perdas" imposta pela reconfiguração do mundo da produção e do trabalho na era da globalização. 4 A incipiente construção da esfera pública no Brasil pode ser observada através do crescimento das atividades do setor não lucrativo, ONGs, fundações, filantropia empresarial, entidades assistenciais, etc. Em países desenvolvidos, como os EUA, a filantropia faz parte da cultura cívica e tem ocupado espaço considerável nas ações do Terceiro Setor. No Brasil, a ênfase das organizações sociais sem fins lucrativos se deu predominantemente em projetos de construção e/ou fortalecimento da sociedade civil e em aspectos que envolveram a conquista de cidadania, democratização, organização popular e a prestação de serviços públicos como educação e saúde. Mais recentemente esse espectro de atuação foi ampliado, incluindo desde projetos inovadores para geração de renda e promoção do desenvolvimento comunitário, até a defesa de direitos difusos. 5 Embora o termo Terceiro Setor ainda não esteja suficientemente claro conceitualmente, às vezes confundindo mais do que explicando as diferenças do setor, o utilizaremos nesse texto com o recorte que inclui apenas aquelas organizações orientadas para fins públicos sem fins lucrativos, excluindo, portanto, aquelas entidades que proporcionam benefícios a um número restrito de pessoas (como cooperativas, clubes, fundos de pensão, etc.). 6 A feminização da pobreza é uma tendência atestada por pesquisas que indicam a existência de maior proporção de mulheres entre os pobres. A título de exemplo: do total de 34 881 250 chefes de domicílio no Brasil, 33,5% dos chefes de domicílio homens recebem até um salário mínimo, enquanto que 53,6% do total das chefes de domicílio mulheres recebem até um salário mínimo (dados relativos a 1991) (IBGE/IPEA, 1995). 7 Desde 1986, o Brasil vem aumentado o gasto em serviços sociais com melhorias relativas em seus principais indicadores. Mas, persistem os problemas relacionados à equidade: 13% do gasto público social é apropriado por 2% mais pobres, enquanto que 25% do gasto social é apropriado pelos 20% mais ricos (Banco Mundial, 1995). 8 Em estudo do Banco Mundial sobre as causas do crescimento econômico em 192 países, afirma-se que cerca de 64% do crescimento pode ser atribuído ao capital humano e ao capital social (apud Kliksberg, 1997: 129). 9 Nesse caso, o Estado seria responsável parcialmente pelo financiamento, dando ênfase à população de mais baixa renda e utilizando o co-finaciamento como uma alternativa de recursos; em vez de subsídio à oferta propõe-se a competição entre instituições por meio do subsídio à demanda; exerceria maior influência em atividades de promoção (em vez de somente proteção); assumiria funções de execução mas de maneira subsidiária com a participação de outros atores cumprindo essas tarefas - organizações do Terceiro Setor, comunidade local, setor privado (Franco, 1996). 10 No Brasil, são vários os Ministérios e instituições públicas que realizam convênios e parcerias com organizações do Terceiro Setor; a título de exemplo: Conselho da Comunidade Solidária (programa de alfabetização e universidade solidária), Ministério da Justiça (programas ligados à garantia de direitos das crianças e dos adolescentes), Ibama (programas ligados ao meio ambiente), Ministério da Previdência e Assistência Social (programas de assistência social), etc. Governos latino-americanos também têm realizado experiências bastante arrojadas de provisão de políticas por associações da comunidade local como é o caso do Programa Educo em El Salvador. 11 O Conselho da Comunidade Solidária está promovendo uma discussão sobre a redefinição do "Marco Legal" do Terceiro Setor, em sua Sexta Rodada de Interlocução Política. Esse processo, que conta com a participação de diversos atores sociais e governamentais, visa construir progressivamente consensos sobre temas centrais de uma agenda social para o país. Algumas das idéias expostas nesse ensaio são fruto da participação da autora em tal processo, razão pela qual agradeço a equipe que está organizando a Interlocução, pelo estímulo intelectual e os debates. No entanto, a responsabilidade pelas idéias aqui expostas é exclusivamente da autora. 12 Ver a esse respeito Kliksberg (1994) e Mandell (1994). 13 Um bom exemplo de mobilização de recursos sociais foi a realização da Campanha contra a Fome e a Miséria, pela Vida. Quando Betinho deu início à campanha, ninguém esperava o grau de adesão e envolvimento das pessoas, de vários setores sociais e idades, as quais passaram a constituir, em todo o Brasil, Comitês autônomos para a arrecadação, distribuição de alimentos e outras iniciativas como a realização do "sopão", parcerias com restaurantes, etc. 14 Embora grande parte dos Convênios seja celebrada sem que se explicitem os critérios de qualificação e competição, temos algumas exceções como o Programa Nacional de Doenças Sexualmente Transmissíveis e AIDS (DST/AIDS - Ministério Saúde e Secretaria de Assistência Social). Ele realiza concorrência para elaboração de propostas no âmbito de cada projeto, distribuindo edital de seleção em que constam critérios de avaliação. Já países como o Chile e EUA definiram mecanismos competitivos para a seleção de entidades do Terceiro Setor como a licitação e concurso público em que projetos são submetidos a avaliações técnicas e selecionadas de acordo com sua qualidade e pertinência (Oliveira, 1997). 15 A Lei 8666/93 estabeleceu dispensa de licitação na contratação de entidades de pesquisa, ensino ou desenvolvimento institucional ou de instituição social do preso e também na contratação de associações que tratam pessoas portadoras de deficiência física (artigo 24, incisos XIII e XX). Mas há variadas interpretações do texto da Lei: alguns entendem que não se aplica a instituições que não sejam públicas e outros a aplicam para organizações públicas não estatais. De qualquer modo, a dispensa de Licitação deve ser vista com cautela porque possibilita o tráfico de influência. 16 A comparação de dados sobre a receita do Terceiro Setor colhidos no Japão, Hungria, Itália, EUA, Reino Unido, França e Alemanha, revela que a principal fonte de receita em todos os países, com exceção da França e Alemanha, é a venda de serviços e produtos com a média de 47%. Em seguida, vem a transferência de recursos pelo Estado com média de 43%, sendo que no caso da Alemanha representa 68% e na França 59%. Apenas 10% cabe à filantropia privada (Salamon apud Oliveira, 1996) SUBSTITUTIVO AO PROJETO DE LEI Nº 4.690, DE 1998 (Aprovado na Câmara dos Deputados em 9.3.99) Dispõe sobre a qualificação de pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, como Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público, institui e disciplina o Termo de Parceria, e dá outras providências. O CONGRESSO NACIONAL decreta: CAPÍTULO I DA QUALIFICAÇÃO COMO ORGANIZAÇÕES DA SOCIEDADE CIVIL DE INTERESSE PÚBLICO Art. 1º. Podem qualificar-se como Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público as pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, desde que os respectivos objetivos sociais e normas estatutárias atendam aos requisitos instituídos por esta Lei. § 1º Para os efeitos desta Lei, considera-se sem fins lucrativos a pessoa jurídica de direito privado que não distribui, entre os seus sócios ou associados, conselheiros, diretores, empregados ou doadores, eventuais excedentes operacionais, brutos ou líquidos, dividendos, bonificações, participações ou parcelas do seu patrimônio, auferidos mediante o exercício de suas atividades, e que os aplica integralmente na consecução do respectivo objeto social. § 2º A outorga da qualificação prevista neste artigo é ato vinculado ao cumprimento dos requisitos instituídos por esta Lei. Art. 2º Não são passíveis de qualificação como Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público, ainda que se dediquem de qualquer forma às atividades descritas no art. 3º desta Lei: I. as sociedades comerciais; II. os sindicatos, as associações de classe ou de representação de categoria profissional; III. as instituições religiosas ou voltadas para a disseminação de credos, cultos, práticas e visões devocionais e confessionais; IV. as organizações partidárias e assemelhadas, inclusive suas fundações; V. as entidades de benefício mútuo destinadas a proporcionar bens ou serviços a um círculo restrito de associados ou sócios; VI. as entidades e empresas que comercializam planos de saúde e assemelhados; VII. as instituições hospitalares privadas não gratuitas e suas mantenedoras; VIII. as escolas privadas dedicadas ao ensino formal não gratuito e suas mantenedoras; IX. as Organizações Sociais; X. as cooperativas; XI. as fundações públicas; XII. as fundações, sociedades civis ou associações de direito privado criadas por órgão público ou por fundações públicas; XIII. as organizações creditícias que tenham quaisquer tipo de vinculação com o sistema financeiro nacional a que se refere o art. 192 da Constituição Federal. Art. 3º A qualificação instituída por esta Lei, observado em qualquer caso, o princípio da Universalização dos serviços, no respectivo âmbito de atuação das Organizações, somente será conferida às pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, cujos objetivos sociais tenha pelo menos uma das seguintes finalidades: I. promoção da assistência social; II. promoção da cultura, defesa e conservação do patrimônio histórico e artístico; III. promoção gratuita da educação, observando-se a forma complementar de participação das organizações de que trata esta Lei; IV. promoção gratuita da saúde, observando-se a forma complementar de participação das organizações de que trata esta Lei; V. promoção da segurança alimentar e nutricional; VI. defesa, preservação e conservação do meio ambiente e promoção do desenvolvimento sustentável; VII. promoção do voluntariado; VIII. promoção do desenvolvimento econômico e social e combate à pobreza; IX. experimentação, não lucrativa, de novos modelos sócio-produtivos e de sistemas alternativos de produção, comércio, emprego e crédito; X. promoção de direitos estabelecidos, construção de novos direitos e assessoria jurídica gratuita de Interesse suplementar; XI. promoção da ética, da paz, da cidadania, dos direitos humanos, da democracia e de outros valores universais; XII. estudos e pesquisas, desenvolvimento de tecnologias alternativas, produção e divulgação de informações e conhecimentos técnicos e científicos que digam respeito às atividades mencionadas neste artigo. Parágrafo único. Para os fins deste artigo, a dedicação às atividades nele previstas configura-se mediante a execução direta de projetos, programas, planos de ações correlatas, por meio da doação de recursos físicos, humanos e financeiros, ou ainda pela prestação de serviços intermediários de apoio a outras organizações sem fins lucrativos e a órgãos do setor público que atuem em áreas afins. Art. 4º Atendido ao disposto no artigo anterior, exige-se ainda, para qualificarem-se como Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público, que as pessoas jurídicas interessadas sejam regidas por estatutos, cujas normas expressamente disponham sobre: I. a observância dos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, economicidade e da eficiência; II. a adoção de práticas de gestão administrativa, necessárias e suficientes a coibir a obtenção, de forma individual ou coletiva, de benefícios ou vantagens pessoais, em decorrência da participação no respectivo processo decisório; III. a constituição de conselho fiscal ou órgão equivalente, dotado de competência para opinar sobre os relatórios de desempenho financeiro e contábil, e sobre as operações patrimoniais realizadas, emitindo pareceres para os organismos superiores da entidade. IV. a previsão de que, em caso de dissolução da entidade, o respectivo patrimônio líquido será transferido a outra pessoa jurídica qualificada nos termos desta Lei, preferencialmente que tenha o mesmo objeto social da extinta. V. a previsão de que, na hipótese de a pessoa jurídica perder a qualificação instituída por esta Lei, o respectivo acervo patrimonial disponível, adquirido com recursos públicos durante o período em que perdurou aquela qualificação, será transferido a outra pessoa jurídica qualificada nos termos desta lei, preferencialmente que tenha o mesmo objeto social; VI. a possibilidade de se instituir remuneração para os dirigentes da entidade, que atuem efetivamente na gestão executiva e para aqueles que a ela prestam serviços específicos, respeitados, em ambos os casos, os valores praticados pelo mercado, na região correspondente à sua área de atuação; VII. as normas de prestação de contas a serem observadas pela entidade, que determinarão no mínimo: a. a observância dos princípios fundamentais de contabilidade e das Normas Brasileiras de Contabilidade; b. que se dê publicidade, por qualquer meio eficaz, no encerramento do exercício fiscal, ao relatório de atividades e das demonstrações financeiras da entidade, incluindo-se as certidões negativas de débitos junto ao INSS e ao FGTS, colocando-os à disposição para exame de qualquer cidadão; c. a realização de auditoria, inclusive por auditores externos independentes se for o caso, da aplicação dos eventuais recursos objetos do Termo de Parceria, conforme previsto em regulamento. d. a prestação de contas de todos os recursos e bens de origem pública recebidos pelas Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público será feita conforme determina o parágrafo único do art. 70 da Constituição Federal. Art. 5º Cumpridos os requisitos dos artigos 3º e 4º, a pessoa jurídica de direito privado sem fins lucrativos, interessada em obter a qualificação instituída por esta Lei, deverá formular requerimento escrito ao Ministério da Justiça, instruído com cópias autenticadas dos seguintes documentos: I. II. III. IV. V. Estatuto registrado em Cartório; Ata de eleição de sua atual diretoria; Balanço patrimonial e demonstração do resultado do exercício; Declaração de isenção do Imposto de Renda; Inscrição no Cadastro Geral de Contribuintes. Art. 6º Recebido o requerimento previsto no artigo anterior, o Ministério da Justiça decidirá, no prazo de trinta dias, deferindo ou não o pedido. § 1º No caso de deferimento, o Ministério da Justiça emitirá, no prazo de quinze dias da decisão, certificado de qualificação da requerente como Organização da Sociedade Civil de Interesse Público. § 2º Indeferido o pedido, o Ministério da Justiça, no prazo do parágrafo anterior, dará ciência da decisão, mediante publicação no Diário Oficial. § 3º O pedido de qualificação somente será indeferido quando: I. a requerente enquadrar-se nas hipóteses previstas no artigo 2º desta Lei; II. a requerente não atender aos requisitos descritos nos artigos 3º e 4º desta Lei; III. a documentação apresentada estiver incompleta. Art. 7º Perde-se a qualificação de Organização da Sociedade Civil de Interesse Público, a pedido ou mediante decisão proferida em processo administrativo ou judicial, de iniciativa popular ou do Ministério Público, no qual serão assegurados ampla defesa e o devido contraditório. Art. 8º Vedado o anonimato, e desde que amparado por fundadas evidências de erro ou fraude, qualquer cidadão, respeitadas as prerrogativas do Ministério Público, é parte legítima para requerer, judicial ou administrativamente, a perda da qualificação instituída por esta Lei. CAPÍTULO II DO TERMO DE PARCERIA Art. 9º Fica instituído o Termo de Parceria, assim considerado o instrumento passível de ser firmado entre o Poder Público e as entidades qualificadas como Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público destinado à formação de vínculo de cooperação entre as partes, para o fomento e a execução das atividades de interesse público previstas no art. 3º desta Lei. Art. 10 O Termo de Parceria firmado de comum acordo entre o Poder Público e as Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público discriminará direitos, responsabilidades e obrigações das partes signatárias. § 1° A celebração do Termo de Parceria será precedida de consulta aos Conselhos de Políticas Públicas das áreas correspondentes de atuação existentes, nos respectivos níveis de governo. § 2° São cláusulas essenciais do Termo de Parceria: I. a do objeto, que conterá a especificação do programa de trabalho proposto pela Organização da Sociedade Civil de Interesse Público; II. a de estipulação das metas e dos resultados a serem atingidos e os respectivos prazos de execução ou cronograma; III. a de previsão expressa dos critérios objetivos de avaliação de desempenho a serem utilizados, mediante indicadores de resultado; IV. a de previsão de receitas e despesas a serem realizadas em seu cumprimento, estipulando item por item as categorias contábeis usadas pela organização e detalhamento das remunerações e benefícios de pessoal a serem pagos com recursos oriundos ou vinculados ao Termo de Parceria, a seus diretores, empregados e consultores; V. a que estabelece as obrigações da Sociedade Civil de Interesse Público, entre as quais a de apresentar ao Poder Público, ao término de cada exercício, relatório sobre a execução do objeto do Termo de Parceria, contendo comparativo específico das metas propostas com os resultados alcançados, acompanhado de prestação de contas dos gastos e receitas efetivamente realizados, independente das previsões mencionadas no Inciso IV deste artigo; VI. a de publicação, na imprensa oficial do Município, do Estado ou da União, conforme o alcance das atividades celebradas entre o órgão parceiro e a Organização da Sociedade Civil de Interesse Público, de extrato do Termo de Parceria e de demonstrativo da sua execução física e financeira, conforme modelo simplificado estabelecido no regulamento desta Lei, contendo os dados principais da documentação obrigatória do Inciso anterior, sob pena de não liberação dos recursos previstos no Termo de Parceria. Art. 11 A execução do objeto do Termo de Parceria será acompanhada e fiscalizada por órgão do Poder Público da área de atuação correspondente à atividade fomentada, e pelos Conselhos de Políticas Públicas das áreas correspondentes de atuação existentes, em cada nível de governo. § 1º Os resultados atingidos com a execução do Termo de Parceria devem ser analisados por comissão de avaliação, composta de comum acordo entre o órgão parceiro e a organização da sociedade civil de interesse público. § 2º A comissão encaminhará à autoridade competente relatório conclusivo sobre a avaliação procedida. § 3º Os Termos de Parceria destinados ao fomento de atividades nas áreas de que trata essa Lei, estarão sujeitos aos mecanismos de controle social previstos na Legislação. Art. 12 Os responsáveis pela fiscalização do Termo de Parceria, ao tomarem conhecimento de qualquer irregularidade ou ilegalidade na utilização de recursos ou bens de origem pública pela organização parceira, darão imediata ciência ao Tribunal de Contas respectivo e ao Ministério Público, sob pena de responsabilidade solidária. Art. 13 Sem prejuízo da medida a que se refere o artigo anterior, havendo indícios fundados de malversação de bens ou recursos de origem pública, os responsáveis pela fiscalização representarão ao Ministério Público, à Advocacia-Geral da União, para que requeira ao juízo competente a decretação da indisponibilidade dos bens da entidade e o seqüestro dos bens dos seus dirigentes, bem como de agente público ou terceiro, que possam ter enriquecido ilicitamente ou causado dano ao patrimônio público, além de outras medidas consubstanciadas na Lei nº 8.429, de 02 de junho de 1992, e na Lei Complementar nº 64, de 18 de maio de 1990. § 1º O pedido de seqüestro será processado de acordo com o disposto nos artigos 822 e 825 do Código de Processo Civil. § 2º Quando for o caso, o pedido incluirá a investigação, o exame e o bloqueio de bens, contas bancárias e aplicações mantidas pelo demandado no país e no exterior, nos termos da lei e dos tratados internacionais. § 3º Até o término da ação, o Poder Público permanecerá como depositário e gestor dos bens e valores seqüestrados ou indisponíveis e velará pela continuidade das atividades sociais da organização parceira. Art. 14 A organização parceira fará publicar, no prazo máximo de trinta dias, contados da assinatura do Termo de Parceria, regulamento próprio contendo os procedimentos que adotará para a contratação de obras e serviços, bem como para compras com emprego de recursos provenientes do Poder Público, observados os princípios estabelecidos no Artigo 4º, inciso I, desta Lei. Art. 15 Caso a organização adquira bem imóvel com recursos provenientes da celebração do Termo de Parceria, este será gravado com cláusula de inalienabilidade. CAPÍTULO III DAS DISPOSIÇÕES FINAIS E TRANSITÓRIAS Art. 16 É vedada às entidades qualificadas como Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público a participação em campanhas de interesse político-partidário ou eleitorais, sob quaisquer meios ou formas. Art.17 O Ministério da Justiça permitirá, mediante requerimento dos interessados, livre acesso público a todas as informações pertinentes às Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público. Art. 18 As pessoas jurídicas de direito privado sem fins lucrativos, qualificadas com base em outros diplomas legais, poderão qualificar-se como Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público, desde que atendidos aos requisitos para tanto exigidos, sendo-lhes assegurada a manutenção simultânea dessas qualificações, até dois anos contados da data de vigência desta Lei. § 1º Findo o prazo de dois anos, a pessoa jurídica interessada em manter a qualificação prevista nesta Lei deverá por ela optar, fato que implicará a renúncia automática de suas qualificações anteriores. § 2º Caso não seja feita a opção prevista no parágrafo anterior, a pessoa jurídica perderá automaticamente, a qualificação obtida nos termos desta Lei. Art. 19 O Poder Executivo regulamentará esta Lei no Prazo de trinta dias. Art. 20 Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação. Sala das Sessões, 03 de Março de 1999. DEPUTADO MARCELO DÉDA (PT/SE) Relator de Plenário Substitutivo de Plenário ao Projeto de Lei Nº 4690, de 1998. Dispõe sobre a qualificação de pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, como Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público, institui e disciplina o Termo de Parceria, e dá outras providências. O processo de negociação iniciado pelo Conselho da Comunidade Solidária sobre o Marco Legal do Terceiro Setor, que teve início em julho de 1997, foi realizado a partir da consulta e intenso diálogo com mais de 90 representantes do Governo Federal e das organizações do Terceiro Setor. Desse modo, foram identificadas as principais dificuldades legais e as sugestões de como mudar e inovar a atual legislação relativa às organizações da sociedade civil que são de interesse público. O Projeto de Lei nº 4690 foi enviado em julho de 1998 à Câmara do Deputados e entrou em regime de urgência no final da legislatura passada com o Substitutivo do Deputado Milton Mendes. Nessa ocasião não houve consenso entre os Deputados para a aprovação do texto, o que levou a uma nova rodada de negociação com todos os Partidos sobre o Substitutivo. Finalmente, em 3 de março último o Substitutivo foi aprovado por unanimidade na Câmara, coroando o processo de negociação democrática que marcou todo a construção da Lei. O PL 4690 simplifica o mecanismo de reconhecimento institucional das entidades sem fins lucrativos e potencializa as relações entre o Estado e a sociedade civil. Atualmente, o sistema de qualificação é inadequado, seja pela burocratização dos procedimentos, seja pelos efeitos vinculantes estabelecidos entre registros e incentivos. A nova Lei, ao contrário da legislação vigente, abriga adequadamente várias das novas ações sociais das organizações da sociedade que surgiram na última década como a defesa de direitos humanos, dos direitos de grupos específicos da população, como mulheres, negros e povos indígenas, a proteção ao meio ambiente, promoção do desenvolvimento econômico e social e combate à pobreza, experimentação de novos modelos sócio-produtivos e modelos alternativos de crédito, promoção do trabalho voluntário etc. A legislação vigente preocupa-se excessivamente com o fornecimento de documentos e registros contábeis em detrimento do controle de resultados. Por ser pouco precisa na definição de requisitos para o reconhecimento dos títulos, permite uma apreciação discricionária da autoridade no ato de qualificação, além de não diferenciar a finalidade social das entidades, tratando de forma idêntica entidades de fins mútuos – destinados a um círculo restrito de sócios – daquelas dirigidas à comunidade de um modo geral. Por outro lado, a atual legislação que rege o Terceiro Setor não prevê dispositivos de fiscalização suficientes para exercer o controle da utilização dos recursos públicos pelas entidades. A qualificação das entidades como Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público é feita de modo automática: basta obedecer aos preceitos da Lei, desburocratizando todo o processo e evitando a criação de cartórios. Os principais objetivos da Lei são: i) classificar e qualificar as organizações do Terceiro Setor por meio de critérios simplificados e transparentes, possibilitando uma base de informações confiável e objetiva que oriente a definição de parceiros; ii) implementar mecanismos adequados de controle social e responsabilização da organização visando garantir que os recursos de origem estatal administrados pelas entidades do Terceiro Setor de fato sejam destinados a fins públicos. iii) criar o Termo de Parceria que é um instrumento de fomento que permite a negociação de objetivos e metas entre as partes e também o monitoramento e a avaliação dos resultados dos projetos. É preciso, ainda, esclarecer que esta Lei não interfere no regime atual composto pelos Títulos Utilidade Pública, pelo Certificado de Fins Filantrópicos e pelo Registro no Conselho Nacional Assistência Social. Esse regime será mantido e as entidades nele incluídas poderão ser qualificadas acordo com os preceitos da nova Lei. Essas entidades regidas pelo regime atual poderão acumular duas qualificações por um prazo de dois anos, findo o qual terão que optar por um ou outro regime. de de de as Atualmente, as entidades que realizam convênios são aquelas que possuem Registro de Entidade de Assistência Social e Título de Utilidade Pública Federal. O problema refere-se à ênfase excessiva no controle ex-ante das entidades para a obtenção de acesso aos benefícios governamentais e formalização de convênios, em detrimento de critérios de avaliação de resultados. Além disso, quando ocorre a celebração de convênios, as entidades ficam sujeitas às mesmas regras gerenciais do setor estatal, perdendo a flexibilidade na administração e no uso de recursos. O novo instrumento jurídico criado pela Lei 4690 - Termo de Parceria - é complementar aos instrumentos em vigor e traduz a relação de parceria entre instituições com fins públicos, mas de origem diversa (estatal e social) e com natureza diferente (pública e privada). Regido pelos princípios da transparência, competição, cooperação e parceria, possibilita a escolha do parceiro mais adequado do ponto de vista técnico, por meio de concursos de projetos. À maior autonomia gerencial das organizações viabilizada pelo Termo de Parceria, corresponde o compromisso do Estado para flexibilizar os controles burocráticos das atividades-meio. Desse modo, em lugar do controle burocrático apriorístico e de uma cultura impeditiva para o uso de recursos, realiza-se a avaliação de desempenho global do projeto em relação aos benefícios direcionados para a população-alvo, por meio de mecanismos de fiscalização e responsabilização previstos na presente Lei. Além disso, fortalece os atuais mecanismos de participação e controle social por meio dos Conselhos de Políticas Públicas. Em suma, a criação do Termo de Parceria imprime maior agilidade gerencial aos projetos e gera condições para a realização do controle dos resultados, com garantias para que os recursos estatais sejam utilizados de acordo com os fins públicos. Por fim, vale ressaltar que esta Lei representa um ponto de inflexão importante na relação entre as organizações do Terceiro Setor e o Estado, avançando na direção da ampliação da esfera pública no Brasil.