Ano V nº 7/8 (Jan./Dez. 2007)
Revista da Faculdade de Educação
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Revista da Faculdade de Educação
Ano V nº 7/8 (Jan./Dez. 2007)
UNIVERSIDADE DO ESTADO DE MATO GROSSO
Revista da Faculdade de Educação
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Coordenação Editorial
Revisão
Diagramação
Capa
Arte Final/Capa Final
Ano V nº 7/8 (Jan./Dez. 2007)
Marilda Fátima Dias
Marilda Fátima Dias
Edgar Bortoleto Ferreira / Valter Gustavo Danzer
Guilherme Angerames R. Vargas
Valter Gustavo Danzer
Copyright © 2008 / Editora Unemat
Impresso no Brasil - 2008
Ficha Catalográfica elaborada pela Coordenadoria de Bibliotecas
UNEMAT - Cáceres
Revista da Faculdade de Educação/Universidade do Estado de Mato
M961
Grosso: multitemática – Coordenação: Ilma Ferreira Machado. Ano
V, nº 7/8 (Jan/Dez 2007) – Cáceres-MT: Editora Unemat.
Semestral
Multitemática
180 p.
ISSN 1679-4273
CDU – 37 (05)
A fim de cumprir com sua periodicidade esta Revista corresponde aos
nº. 7/8, ano de 2007, porém para efeito de referência bibliográfica deve
ser utilizado como data de publicação o ano de 2008.
FAPEMAT - FUNDAÇÃO DE AMPARO À PESQUISA DO ESTADO DE MATO GROSSO
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forma ou por qualquer meio. A violação dos direitos de autor (Lei n° 5610/98) é crime
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SUMÁRIO
EDITORIAL ........................................................................................... 007
Ilma Ferreira Machado
ARTIGOS
DÉFICIT DE APRENDIZAGEM: FATORES CAUSADORES E SEUS EFEITOS ...... 011
Ana Maria Braz
ENSINO ESPECIAL: A CONSTRUÇÃO DE PRÁTICAS INCLUSIVAS JUNTO
A DOCENTES DA ESCOLA PÚBLICA ....................................................... 029
Paulo César Moreira
FACES DA UNIVERSIDADE CONTEMPORÂNEA ...................................... 053
Nilsa Brito Ribeiro
O PAPEL DA LUDICIDADE NO PROCESSO DE APRENDIZAGEM INFANTIL ... 069
Darlene Scholze
Vantoir Roberto Brancher
Cláudia Terra do Nascimento
UMA REFLEXÃO SOBRE OS LIMITES DA FUNÇÃO DOCENTE .................. 083
Osmar Quim
FORMAÇÃO DE PROFESSORES: UMA ANÁLISE DE DOCUMENTOS ........ 097
Manoel dos Santos Gomes
ÉTICA E CIÊNCIA EM MODELOS RETARDATÁRIOS .................................. 111
Jadir de Morais Pessoa
ESCOLARIZAÇÃO, INFÂNCIA E PÓS-MODERNIDADE: PEQUENOS RECORTES,
GRANDES CONTRIBUIÇÕES .................................................................. 125
Leonardo Cappi Manzini
AS TICs E A (RE) DESCOBERTA DO CONHECIMENTO PELA “ALFABETIZAÇÃO
TECNOLÓGICA DOCENTE” .................................................................... 151
Carlos Henrique Medeiros de Souza
Fernanda Castro Manhães
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RESENHA
O FUTURO DE UMA ILUSÃO .................................................................. 171
Maria da Penha Fornanciari Antunes
NORMAS DA REVISTA PARA APRESENTAÇÃO DE PRODUÇÕES CIENTÍFICAS .. 177
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EDITORIAL
A Revista da FAED, de nº 7/8, que apresentamos ao leitor traz
múltiplos olhares sobre o processo educativo e pedagógico, contribuindo
sobremaneira para ampliar o debate sobre questões prementes no âmbito da academia e da instituição escolar como um todo.
Os autores levantam e analisam problemáticas relacionadas ao
processo de ensino-aprendizagem e às ações pedagógicas, evidenciando
que o ato pedagógico pode se tornar mais significativo a partir de uma
mudança na concepção de criança e nas posturas docentes, bem como na
própria organização do trabalho pedagógico da escola. É o caso da discussão sobre déficit de aprendizagem feita por Ana Maria Braz, o papel da
ludicidade na educação infantil estabelecida por Darlene Scholze, Vantoir
Roberto Brancher e Cláudia Terra do Nascimento e, ainda, sobre infância,
escolarização e pós-modernidade, realizada por Leonardo Cappi Manzini.
O papel da formação de professores nesse processo de mudança
e melhoria da qualidade de ensino é assunto abordado pelos autores Carlos
Henrique Medeiros de Souza e Fernanda Castro Manhães, Manoel dos
Santos Gomes, Osmar Quim e Paulo César Moreira. As discussões contemplam desde a perspectiva da definição do que é ser educador até a
perspectiva dos papéis, dilemas e relações que envolvem a atuação docente em segmentos diferenciados do ensino, tais como: especial, infantil e superior. Ressalta-se a necessidade de um olhar atento e criterioso
sobre as articulações da formação docente e da prática pedagógica com
uma sociedade em constantes mudanças, como forma de se incorporar e
produzir transformações substanciais e, também, de se preservar a essência do ofício de educador.
O papel da ciência como mecanismo de resolução de problemas
cotidianos e de compreensão de nossa complexa realidade é tema dos
trabalhos de dois outros autores: Jadir de Morais Pessoa e Maria da Penha
Fornanciari Antunes, que trazem uma contribuição importante para
dimensionarmos a educação e o saber científico para além das aparências
e dos estreitos limites da técnica. Nesse contexto, Pessoa defende a necessidade de se estabelecer uma relação dinâmica entre ciência e ética,
concebendo-a numa perspectiva social, e não apenas de aperfeiçoamento de valores individuais, ao passo que Antunes, ao analisar a obra de
Freud, alerta para a necessidade de compreendermos a fragilidade do ser
humano quando refém de dogmas religiosos, que contribuem apenas para
iludi-lo e para mistificar a realidade. Assim, enfatiza o papel do pensamento cientifico na formação e evolução dos “homens civilizados”.
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Praticamente nessa mesma linha podemos situar a discussão
estabelecida por Nilsa Brito Ribeiro, quando procura refletir sobre o papel, dilemas e desafios da universidade como instituição social produtora
de conhecimentos, cujas crises refletem, em grande medida, as crises
externas à universidade, com as quais, muitas vezes, ela tem dificuldade
de lidar.
São olhares que se (entre)cruzam, compondo um amplo espectro de possibilidades de compreensão da realidade educativa e de superação dos problemas e entraves que nela se apresentam.
Fica, portanto, o nosso convite a você, leitor, para conhecer os
pontos de vista expressos aqui pelos autores e, quem sabe, tê-los como
interlocutores em suas próprias reflexões e em seus estudos.
Ilma Ferreira Machado
Editora da Revista da FAED/UNEMAT
Cáceres-MT, Novembro de 2008.
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DÉFICIT DE APRENDIZAGEM: FATORES CAUSADORES E SEUS EFEITOS
Ana Maria Braz1
RESUMO: O presente texto procura melhor esclarecer e orientar as pessoas que se
encontram envolvidas com portadores de Transtorno do Déficit de Atenção e
Hiperatividade: familiares, profissionais da educação, entre outros. O Transtorno
de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) é um problema sério na escola e traz
dificuldades no processo ensino-aprendizagem, sendo hoje em dia, um dos estudos mais debatidos pelos pesquisadores. O artigo é uma reflexão, ao mesmo tempo em que traz informações sobre o que vem a ser o TDAH e as suas classificações,
identificando os fatores causadores e os efeitos que podem causar no processo
ensino-aprendizagem. Com o desconhecimento da família e dos profissionais da
educação, as crianças apresentam dificuldades na convivência em sala de aula e
baixo rendimento na aprendizagem. O objetivo é beneficiar as famílias e os profissionais da educação, principalmente a vida das crianças hiperativas.
PALAVRAS-CHAVE: hiperatividade; criança; família; escola; aprendizagem.
ABSTRACT: The present text tries better to illuminate and to guide the people that
find involved with carriers of Attention Deficit Hyperactivity Disorder: families,
professionals of the education, among others. The Attention Deficit Hyperactivity
Disorder (TDAH) is a serious problem in school, and brings difficulties in the teachlearning process. Being nowadays, one of the most debated studies by researchers.
The article is a reflection, at the same time in that to take information what it comes
to be the TDAH, the classifications, identifying the causing factors and the effect
that it can cause in the teach-learning process. With the unfamiliarity of the family
and the professionals of the education, the children present behavior difficulties in
classroom and a low income of learning. The objective is to benefit the families and
the professionals of education, mainly the life of the hyperactive children.
KEYWORDS: hyperactivity; children; families; school; learning.
Este texto é parte da minha pesquisa de mestrado, faço um recorte teórico com a finalidade de melhor esclarecer e orientar as pessoas
que se encontram envolvidas com portadores do Transtorno de Déficit de
1
Professora da Escola Estadual “Criança Cidadã” (CAIC). Graduada em Letras e
Pedagogia pela UNEMAT, especialista em Planejamento Educacional pelo UNIVERSO e Mestre em Educação pela Universidade UNINORTE em Asunción - PY. Email: [email protected] / [email protected]
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Atenção e Hiperatividade (TDAH), um dos assuntos mais discutidos atualmente pelos pesquisadores, tanto a nível nacional como internacional
pois, diariamente cresce, assustadoramente, o número de crianças com
dificuldades de comportamento e baixo rendimento na aprendizagem,
sendo isso um problema sério na escola.
Embasada nas literaturas de vários autores, tenho como objetivo refletir e, ao mesmo tempo, levar informações do que vem a ser o
Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH), ainda mostro
os fatores causadores e os efeitos que podem causar no processo ensinoaprendizagem. Compreendo que esta reflexão pode beneficiar as famílias e os profissionais da educação, no convívio, na prática pedagógica, no
acompanhamento e entendimento sobre a vida das crianças hiperativas.
Geralmente, as crianças e adolescentes que apresentam Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade são pouco compreendidas
pela família e pelos profissionais da educação, uma vez que elas quase ou
nada conhecem acerca deste distúrbio neurológico. A falta de conhecimento tem como conseqüência, a vivência das crianças em experiências
constrangedoras e conflituosas. Como resultado é possível apontar dificuldades na convivência familiar, convivência escolar e o baixo rendimento na aprendizagem. Portanto, essas situações acontecem em função de
os profissionais da educação e as famílias não estarem preparados e não
saberem o que fazer diante dos problemas.
Essas situações estão presentes em grande parte das salas de
aulas brasileiras e tem sido motivo de preocupação, tanto que, no processo ensino-aprendizagem, muitas questões vêm sendo discutidas a respeito das dificuldades de comportamento e de aprendizagem da criança.
Dentre essas questões incluem-se, também, as melhores formas de atendimento à criança, a formação de professores, a preparação da comunidade escolar, o desempenho cognitivo da criança, a adaptação curricular, o
ambiente físico da escola, enfim, diversas situações relacionadas à permanência da criança dentro da sala de aula.
Nessa perspectiva, esse texto é para buscar subsídios, como esclarecimentos e orientações para pais, profissionais da educação, familiares, entre outros. Assim, o TDAH é um nome cientificamente dado por
pesquisadores especialistas em problemas comportamentais de crianças,
adolescentes e adultos. E com certeza, o TDAH continuará sendo muito
pesquisado e debatido nas áreas da saúde mental e desenvolvimento da
criança, pois fatos novos acontecem diariamente. Na verdade o Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade é um distúrbio estudado desde
o século XIX pelo médico Still, que descreveu uma série de crianças que
apresentaram comportamentos descritos como agressivos, desafiantes,
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indisciplinados, com dificuldades em prestar atenção, em se concentrarem ou de pouco controle (FURTADO, 2003).
Para Cypel (2003), o Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade
(TDAH) é um transtorno neurobiológico, de causas genéticas, que aparece
geralmente na infância e freqüentemente acompanha o indivíduo por toda a
sua vida. Os fatores predominantes do TDAH são classificados por sintomas
caracterizados de desatenção, hiperatividade e impulsividade. Ele é chamado às vezes, de Distúrbio do Déficit de Atenção (DDA).
Um dos fatores causadores do TDAH é a hiperatividade neurológica, pois é resultado de uma disfunção no Sistema Nervoso Central (SNC),
que pode ser mínima e não detectável pelo eletroencefalograma. Essas
disfunções podem ser de origem genética, adquiridas em complicações
como, pré-peri ou pós-natais. As causas de complicações de pré-natais
são: sangramentos durante a gravidez, intoxicações, traumas ou doenças
da mãe que prejudicam a maturação do feto. As causas neonatais são:
trauma cerebral, nascimento prematuro ou hemorragia cerebral. E as causas de pós-natais são: encefalite, meningite, desidratação, tumores cerebrais e desordens degenerativas (ROBERTSON, 1987).
O autor acredita que a hiperatividade neurológica tem como
manifestação, alto nível de atividade desde o nascimento. Percebe-se em
algumas crianças a hiperatividade logo no primeiro ano de vida, porque
elas apresentam períodos de sono curto, acordam várias vezes durante a
noite, têm cólicas abdominais com freqüência e exageradas, são crianças
choronas, só querem ficar no colo, sempre apresentam estar em desconforto e insatisfeitas. A família só não percebe por achar que é natural o
comportamento do bebê e, em razão disto, por não ter conhecimento
sobre o assunto.
E quanto à hiperatividade ansiosa, Robertson (1987) esclarece
que a criança fica em estado de ansiedade, principalmente se referindo a
divórcio dos pais, morte na família, doença, abuso sexual ou físico etc.
Acontecem também outras manifestações como: a) comportamental - que
apresentam curto período de atenção, agitação e déficits do controle de
impulsos; b) social - que apresentam relação inadequada como desobediência a comandos, agressão, mentira, roubo, linguagem obscena e desrespeitosa, déficit de autocontrole, pouca habilidade para resolução de
problemas; c) cognitivo - que apresentam imaturidade no raciocínio e pensamento, desatenção e distração, falta de consciência do próprio comportamento, ausência de perspectiva em relação a conseqüências futuras de
seu comportamento; d) acadêmica - que apresentam problemas específicos de aprendizagem; e) emocional - que apresentam causas de depressão, baixa auto-estima, baixa resistência à frustração, humor imprevisível
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e variável; f) físicas - que apresenta crescimento ósseo imaturo, aumento
de infecções respiratórias como: sono curto, aumento da freqüência de
alergias, alta tolerância de dor e má coordenação motora.
A visão que se tem dos fatores neurológicos causadores são, por
conseqüências, geralmente da falta de cuidados das mães durante a gestação e com a criança, e conseqüências de acidentes que atingem o cérebro da
criança, causando anormalidades. Quanto aos fatores da hiperatividade ansiosa, percebe-se que há evidências que sejam mais conseqüências relacionadas aos fatores neurológicos que influenciam o cérebro.
O autor, ao refletir sobre as causas, chega à conclusão de que, na
verdade, o TDAH tem múltiplas causas, pois o conhecimento das causas e
de como estas influenciam o cérebro e o comportamento tem progredido
dramaticamente desde a metade dos anos 80. Então, para os cientistas é
difícil produzir provas científicas diretas de qualquer coisa que possa causar um problema de comportamento humano. Os cientistas do comportamento estudam causas biológicas do TDAH e estarão freqüentemente
buscando informações altamente sugestivas para uma causa que não poderá nunca ser comprovada com absoluta certeza. Por isso, é necessário
buscar fontes de informações e uma dessas fontes são estudos que mostram uma relação constante entre o potencial agente causador e o TDAH,
ou seus problemas de comportamento característico. Neste sentido,
Barkley deixa claro que “mães que fumam durante a gravidez apresentam
associado um crescente risco de hiperatividade, [...] crianças que sofreram doenças que afetam o cérebro ou crianças com cortes profundos na
cabeça ou outras lesões neurológicas. [...] a exposição do feto ao álcool
durante a gravidez pode causar hiperatividade” (BARKLEY, 2002, p. 79).
Entretanto, o autor afirma que as pessoas que sofreram lesões
na porção frontal do cérebro, logo atrás da testa, conhecida como região
fronto-orbital, é uma região do cérebro das mais desenvolvidas nos seres
humanos se comparada a outros animais, acreditando que seja a responsável pela inibição do comportamento, assim como também pela manutenção da atenção, pelo emprego do autocontrole e pelo planejamento
para o futuro. Diz o autor que, no início do século XX, as pesquisas convenceram os cientistas de que “crianças com TDAH tendem a apresentar mais
complicações na gravidez ou no nascimento que crianças sem TDAH, mas
as evidências de que essas complicações causem lesões cerebrais, e por
isso o TDAH, são inconclusivas” (BARKLEY, 2002, p. 81).
A evidência apresentada pelos autores nos leva a concluir que
há uma comparação do cérebro do ser humano ao de um animal, isto
significa que o cérebro é responsável por todo o comando do comportamento, e se atingido, com certeza, terá problemas futuros.
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As descobertas científicas atuais de diversas linhas de pesquisa
indicam que a área anterior do cérebro é conhecida como região frontoorbital, e suas diversas conexões, através de feixes de fibras nervosas
para a estrutura denominada núcleo caudado, isto é, parte do corpo
estriado, por onde se conecta com a porção mais distante na parte de trás
do cérebro chamada sistema límbico que pode ser responsável pelo desenvolvimento do TDAH. Essas áreas são as mais ricas em dopamina, significando que ela pode não estar produzindo o suficiente nessas áreas nos
portadores de TDAH. “A dopamina é uma substância química conhecida
por estar envolvida na inibição da atividade de outras células cerebrais”.
(BARKLEY, 2002, p. 85).
Importante ressaltar ainda que as crianças têm uma alteração
nas substâncias, por onde passam as informações entre as células nervosas, chamadas neurotransmissores. E no caso do TDAH são a dopamina e a
noradrenalina. E esses neurotransmissores são importantes, em especial
na região anterior do cérebro, também o lobo frontal e suas conexões
para vários outros locais no cérebro. Mattos (2005) nos fala que o lobo
frontal é responsável por várias coisas, assim como: a atenção; a capacidade de se estimular sozinho para fazer as coisas e manter essa estimulação
por longo tempo; fazer um planejamento, traçando objetivos e metas;
verificar o tempo todo se os planos estão saindo conforme o desejado e
modificá-los se for o caso; filtrar as coisas que não interessam para aquilo
que se está fazendo no momento, sejam elas extremas, como detratores
do ambiente ou internas como pensamentos; controlar o grau de movimentação corporal, os atos motores, impulsos, as emoções e não permitir
que elas interfiram muito no que se está fazendo e a memória que depende da atenção.
Nesse sentido, a causa do transtorno não é totalmente conhecida até o momento, existindo várias teorias para sua revelação, assim como
a predisposição genética, comprometimento do lobo frontal e anormalidades, sugerindo a hipótese de uma disfunção fronto-orbital, significando que as disfunções em neurotransmissores dopaminérgicos e
noradrenérgicos, que atuam na região cortical do lobo frontal do cérebro,
sendo justamente uma região relacionada à inibição de comportamentos
inadequados, tanto à capacidade de prestar atenção como ao autocontrole
e ao planejamento.
Muito complexa a discussão das causas que estão implicadas na
definição da desatenção e hiperatividade, ressalta Cypel (2003), assim
como nos demais distúrbios do desenvolvimento, pois existe uma
multiplicidade de fatores que poderão interferir e que nem sempre serão
os mesmos fatores para todas as crianças.
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Em relação às discussões dos autores Barkley e Cypel, a visão é
de que não existe uma causa única estabelecida para o TDAH, existem,
sim, várias evidências que foram sendo acumuladas com as descobertas
científicas das últimas décadas, existindo uma participação genética no
transtorno. Não significa que uma determinada enfermidade sobre influência genética, não significa que todos da família tanto maternos quanto
paternos sofram do mesmo mal.
Com base nas literaturas, o transtorno de TDAH não é proveniente de fatores culturais, da maneira de como os pais educam os filhos ou
resultado de conflitos psicológicos. O TDAH é um dos problemas psicológicos mais comuns durante a infância, como nos fala Mattos (2005). É um
distúrbio neurológico que pode ser de origem genética, e é muito freqüente o encaminhamento para especialistas de crianças e adolescentes
que apresentam prejuízos no seu funcionamento escolar e social.
Os sintomas do Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade
aparecem bem cedo na vida das crianças, porém tornam-se mais graves a
partir do ingresso das crianças na escola, isto porque durante o processo
de aprendizagem escolar a criança necessita focar mais a sua atenção e
permanecer sentada durante as aulas. “A característica essencial do Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade é um padrão persistente de
desatenção e/ou hiperatividade [...]” (BENCZIK, 2000, p. 25), e alguns sintomas hiperativo-impulsivos causam prejuízo ao relacionamento impessoal do indivíduo.
O distúrbio do TDAH é caracterizado por comportamentos incuráveis, com duração de no mínimo seis meses e se instala definitivamente
na criança antes dos 7 anos. No entanto, Benczik pontua em seu livro, que
Barkley (1987) salienta que “O surgimento dos sintomas do TDAH aos primeiros anos de vida, embora atualmente alguns estudos sugiram a possibilidade de aparecimento dos sintomas em uma idade mais avançada, até
por volta dos 12 anos[...]” (BENCZIK, 2002, p. 25).
Conforme as pesquisas mais recentes, a manifestação dos sintomas de desatenção deve apresentar, necessariamente, pelo menos seis
ou mais sintomas persistentes, durante seis meses em grau de comprometimento à adaptação e ao nível de desenvolvimento. O mesmo acontece para quem tem os sintomas de hiperatividade e impulsividade para
que se possa pensar na possibilidade do diagnóstico de TDAH.
O TDAH é classificado por vários sintomas, caracterizados de
desatenção, hiperatividade e impulsividade. Andrade (2000); Barkley
(2002); Benczik (2002); Cypel (2003); Goldstein e Goldstein (2004); Mattos
(2005); Robertson (1987); Rohde e Benczik (2000); Rohde e Matos (2003),
dentre outros, ressaltam que há quatro subtipos de TDAH classificados:
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O TDAH - Tipo desatento; geralmente é uma criança desatenta
que não presta muita a atenção, principalmente na escola. Os sintomas
que caracterizam o transtorno do déficit de atenção são:
- Freqüentemente não presta atenção a detalhes ou erra por
descuido em atividades escolares e de trabalhos;
- Freqüentemente tem dificuldade para manter a atenção em
tarefas ou atividades lúdicas, principalmente as prolongadas,
repetitivas ou que não lhe sejam interessantes;
- Parece não escutar quando lhe dirige a palavra e depois fica
fazendo perguntas;
- Não segue instruções e não termina tarefas escolares, domésticas ou deveres profissionais;
- É facilmente distraído por estímulos alheios à tarefa e apresenta esquecimentos em atividades diárias;
- Apresenta não ser cuidadoso com atividades escolares, no
trabalho, ou em outras atividades;
- Muda freqüentemente de uma atividade para outra sem terminar a anterior, sempre alega que não tem tempo para acabar
de copiar a lição ou que o colega conversou e atrapalhou;
- Freqüentemente tem dificuldade em organizar as tarefas e
atividades do dia-a-dia, escreve no caderno do final para o
começo, pula folhas, geralmente o caderno não tem capas e
as folhas possuem “orelhas”;
- Evita envolver-se em tarefas que exijam dedicação, organização, concentração e esforço mental constante;
- Freqüentemente perde as coisas necessárias para tarefas
ou atividades, por exemplo: brinquedos, deveres escolares,
lápis, livros, óculos, blusas e outros utensílios;
- Fica viajando em seus pensamentos e busca freqüentemente
situações até mesmo arriscadas;
- Esquece recados ou material escolar e até mesmo o que
estudou na véspera da prova, parece estar sempre no “mundo da lua”;
- Freqüentemente esquece das atividades diárias, tendo que
ser cobrada o tempo todo, não só para que complete as tarefas, mas quando se esquece de que é hora de almoçar, de
jantar ou de banhar-se;
- Vive constantemente atrasada nas atividades em relação às
demais crianças;
- Quando interrompida em sua fala ou em alguma atividade,
depois não se recorda mais do que ia falar ou fazer.
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O TDAH - Tipo hiperativo/impulsivo, a criança geralmente é inquieta e impulsiva, e é definida com as seguintes características:
- Agita as mãos ou os pés ou se remexe muito na cadeira;
- Abandona sua cadeira em sala de aula ou em outras situações e possui extrema dificuldade em sentar e dialogar;
- Corre ou escala em demasia, em situações nas quais isto é
inapropriado;
- Freqüentemente tem dificuldade para realizar suas tarefas,
principalmente quando são muitas e geralmente são
desordenadas;
- Tem dificuldade em brincar ou envolver-se silenciosamente
em atividades de lazer;
- Está freqüentemente “a mil” ou muitas vezes age como se
estivesse “a todo o vapor”;
- Fala em demasia e tem tendência a monopolizar as conversas;
- Mostra necessidade de estar sempre ocupado com alguma
coisa;
- Costuma fazer várias coisas ao mesmo tempo;
- Tem sensação de inquietação ou ansiedade;
- Freqüentemente é impulsiva, porque reage antes de pensar, atingindo muito rápido, os extremos da emoção como
tristeza e alegria;
- Com freqüência acidenta, derruba com facilidade objetos
das mãos, tropeça em objetos e colide com pessoas;
- Envolve com atividades perigosas, sem consideração quanto às possíveis conseqüências, por não ter medo do perigo;
- Freqüentemente dá respostas precipitadas antes das perguntas terem sido concluídas;
- Com freqüência tem dificuldade em esperar a sua vez;
- Freqüentemente interrompe conversas ou se mete em assuntos de outros;
- Age antes de pensar e freqüentemente também apresenta
dificuldades em planejar aquilo que quer ou precisa fazer;
- Tem rápidas e passageiras explosões de choro, birra ou explosão de raiva, às vezes, sob a forma de agressão direta ou
atacando o outro verbalmente e exibe tendências a explosões histéricas;
- Não consegue se conter, reagindo mesmo quando a situação
não a atinge diretamente ou quando sua reação pode até
prejudicá-la;
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- Constantemente é hiper-sensível à provocação, à crítica ou à
reação;
- Freqüentemente é impaciente e tem várias dificuldades
como de coordenação, para dormir e despertar do sono;
- Tem hiper-sensíbilidade a ruídos e ao tato, e mostra dificuldade na questão espacial e deficiência durante o tempo da
avaliação escrita;
- Constantemente oscila muito em suas atitudes: um dia parece estar bem e no outro demonstra ter dificuldades com a
mesma atividade, pois parece estar inconsistente em suas
respostas;
- Tem excesso de espontaneidade, chegando às raias da falta
de tato e de cerimônia.
O TDAH do Tipo combinado é caracterizado pela pessoa que apresenta os dois conjuntos de critérios dos tipos desatentos e hiperativo/
impulsivo.
No TDAH do Tipo não específico, a pessoa apresenta algumas
dificuldades, mas número insuficiente de sintomas para se chegar a um
diagnóstico completo. Esses sintomas, no entanto, desequilibram a vida
diária do indivíduo.
Entende-se que essas características e seus efeitos causam problemas nas crianças, prejudicando a convivência familiar, escolar e trazendo também prejuízos no processo ensino-aprendizagem. Embora os
sintomas sejam percebidos pelos profissionais da educação no dia-a-dia
em sala de aula, eles estão sempre julgando uma coisa ou outra, por não
ter conhecimento no assunto. Conforme já foi dito anteriormente, é necessário que a criança tenha pelo menos seis ou mais desses sintomas de
desatenção, e com uma freqüência de seis meses, para um possível diagnóstico.
De acordo com Schwartzman (2001), à medida que a criança fica
mais velha, começa a ficar evidente a hiperatividade, devido à agitação e
à dispersão. Entretanto, com o passar dos anos, na adolescência ou vida
adulta, os sinais e sintomas da hiperatividade e/ou distúrbio de atenção
tendem a diminuir, todavia, alguns traços característicos poderão permanecer por toda a vida. Hoje está claro que o problema transtorna também
a vida de adultos, embora o adulto com TDAH não tenha todos os sinais
manifestados na criança.
A hiperatividade também afeta os desenvolvimentos cognitivos,
afetivos e psicomotores da criança, isto porque as limitações em determinadas áreas desencadeiam dificuldades em outras. Ela não consegue termi19
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Ano V nº 7/8 (Jan./Dez. 2007)
nar uma tarefa, pois se cansa logo, e isto é chamado de fadiga precoce. O
que as crianças consideradas normais fazem automaticamente para dar
conta de uma tarefa de escola, pode exigir uma verdadeira batalha cerebral para quem tem TDAH (ABDA, 2005).
Mattos (2005) nos diz que a criança hiperativa, muitas vezes, tem
uma inteligência normal ou acima da média, mas ela é vista como criança
com problemas de aprendizado e comportamento. Os professores e pais
de criança hiperativa devem saber lidar com a falta de atenção,
impulsividade e instabilidade emocional da criança.
A impulsividade ou falta de autocontrole nas crianças é comportamento inicialmente controlado pelos adultos, desde a sua fase inicial
de vida, seguindo certas normas que, freqüentemente, vão contra os desejos da criança. E “tais normas externas ou impostas acabam internalizadas
pela criança no decorrer de seu desenvolvimento, de forma que o controle externo dá lugar ao autocontrole” (BENCZIK, 2002, p. 29). Elas têm dificuldades em se adaptarem ao meio em que vivem e também não
correspondem às expectativas dos adultos por causa do excesso de estresse
das pessoas que convivem com essas crianças.
As meninas têm menos sintomas de hiperatividadeimpulsividade que os meninos, embora sejam igualmente desatentas, o
que fez com que se acreditasse que o TDAH só ocorresse no sexo masculino. Na idade pré-escolar, estas crianças mostram-se agitadas, movendose sem parar pelo ambiente, mexendo em vários objetos ao mesmo tempo,
como se estivessem ligadas por um motorzinho e, constantemente, pedem para sair da sala ou da mesa de jantar.
Portanto, a hiperatividade é um problema que deve ser controlado e, é importante que os pais e seus filhos hiperativos desenvolvam
uma compreensão em nível de senso comum dos problemas hiperativos.
“Os múltiplos problemas de comportamento das crianças hiperativas podem facilmente ser mal-definidos e mal-interpretados, os pais precisam
compreender a questão da incapacidade” no controle de desobediência
em relação aos problemas (GOLDSTEIN & GOLDSTEIN, 2004, p. 229).
Para esses autores anteriormente citados, o TDAH não se associa
necessariamente às dificuldades na vida escolar da criança ou adolescente, mesmo que a dificuldade seja uma queixa freqüente de pais e professores. É mais comum que os problemas de aprendizagem na escola sejam
de comportamento, como desafiadoras, teimosas, provocadoras e desinteressadas. As crianças hiperativas também podem ter esses comportamentos. A manifestação dos sintomas de hiperatividade, como atividade
motora excessiva, é caracterizada em crianças hiperativas e recebeu o
nome de distúrbio por causa da manifestação da atividade corporal excessiva e por ser desorganizada.
20
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Revista da Faculdade de Educação
Na verdade, o TDAH é um transtorno com variedades de mudanças no quadro, com o tempo outros transtornos podem se associar ao
problema e muitas vezes se sobrepor a ele. Os sintomas do TDAH são
muito variados, de brandos a graves, podendo causar depressão, ansiedade, uso de drogas, principalmente em adolescentes e adultos. Muitos dos
adolescentes desistem dos estudos, ficam repetentes ou até são expulsos das escolas, diz-nos Souza (2000).
Armstrong (2003) acredita que as principais conseqüências dos
efeitos do TDAH é o baixo rendimento escolar, a dificuldade de relacionar-se com os colegas, principalmente com amigos, conflitos familiares,
sociais e emocionais, também a predisposição a distúrbios psiquiátricos.
As crianças que apresentam o TDAH são inteligentes e criativas, porém
seu desempenho sempre parece ser inferior ao que se espera para sua
capacidade intelectual.
As crianças com TDAH apresentam mais problemas psicológicos
do que as crianças que só possuem dificuldades escolares e que não são
portadoras de TDAH. Mattos diz que: “baixa auto-estima, oscilações grandes de humor, sensação de fracasso e instabilidade nas relações com os
demais colegas, são as queixas mais freqüentes. As crianças e os adolescentes com TDAH tendem a serem mais rejeitados pelos colegas” (2005, p. 35).
Ressalta-se que os problemas familiares, como: alto grau de discórdia conjugal, baixa instrução da mãe, famílias com apenas um dos pais,
funcionamento familiar caótico e famílias com nível socioeconômico mais
baixo, podem ser mais conseqüências do que causas do TDAH, afirmam os
pesquisadores em suas pesquisas recentes (Equipe da ABDA, 2005).
Entende-se que as variedades dos sintomas que caracterizam o
transtorno do déficit de atenção, hiperatividade/impulsividade causam
também os mais variados efeitos nas crianças portadoras dessa síndrome.
Neste caso, os autores e autoras nos apontam alguns dos efeitos que acarretam sérios prejuízos, como os conflitos com família, colegas, professores e amigos, dificuldade na aprendizagem, fadiga, baixa auto-estima,
ansiedade, depressão, desenvolvimento cognitivo, afetivo e psicomotor,
instabilidade emocional, uso de álcool, drogas etc. Por isso, entende-se o
porquê da importância dos cientistas estarem discutindo, buscando mais
informações e estudando as causas do TDAH e de estarem nos informando, pois com esclarecimentos fica mais fácil de se conviver e se lidar com
o portador, principalmente crianças, pois a falta de informação das pessoas sobre o assunto acaba, até mesmo, prejudicando ainda mais os portadores de TDAH.
Rohde e Mattos (2003) fazem a seguinte afirmação sobre os dois
distúrbios associados ao TDAH, o primeiro caso é o opositivo-desafiador, a
21
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criança é do tipo que desafia outras pessoas o tempo todo, arrisca-se em
atividades que colocam sua vida em perigo, mente e é desobediente aos
pais. E o segundo caso é o transtorno de conduta, a criança pode praticar atos
perversos e vândalos, como matar animais e até mesmo provocar incêndio.
Nesses dois casos é a forma com que a criança procura se defender, pois
durante a infância foi rotulada de problemática, desmotivada, avoada, malcriada, indisciplinada, irresponsável e até mesmo criticada de pouco inteligente. O que não é verdade e muitas vezes, o estresse provocado por essa
situação também leva o paciente a contra atacar.
Nesta afirmação esclarece-se que há outros distúrbios associados
ao TDAH tão prejudiciais aos indivíduos, que podem causar danos, até tragédias, levando-nos a pensar que é muito mais agravante do que imaginamos.
Mas quero frisar que nem todos os portadores têm esses distúrbios.
Rohde e Benczik (1999) nos dizem que os pais e os professores
devem saber que as crianças com TDAH têm muitas qualidades positivas.
Muitas vezes são atrevidas, curiosas, energéticas e até engraçadas, porém
espertas, sonhadoras e também, muitas vezes, o comportamento é espontâneo. As crianças trazem preocupações para a família, sendo um grande desafio para pais e professores, pois o TDAH causa um grande impacto
tanto na vida familiar como escolar e social da criança.
Neste sentido, percebe-se também, que apesar dos desafios para
pais e professores/as, lidarem com as dificuldades de comportamento e
com o baixo rendimento no ensino-aprendizagem das crianças não significa que eles não são capazes de trabalhar com elas. É preciso ter conhecimento sobre o TDAH para ajudar as crianças no processo educacional. E
quanto mais informado o profissional estiver a respeito do TDAH, suas
complicações e formas de manejos, maior será a chance de a criança conseguir um bom desempenho escolar.
É importante saber também que o TDAH se baseia na avaliação
da manifestação, relacionada à desatenção, à hiperatividade e à
impulsividade. E o diagnóstico só é realizado, até o presente momento,
com profissionais especialistas no assunto, como neurologistas, psiquiatras, psicólogos etc. Além do diagnóstico, deve-se fazer o reconhecimento do tipo de TDAH, que é extremamente fundamental, já que o profissional
poderá conduzir o caso, propondo estratégias e trabalhando de acordo
com as necessidades da criança/adolescente, sejam estas, escolares, emocionais e/ou sociais e também fazer os encaminhamentos necessários.
“Como conceito é bastante genérico e pode dar margem a compreensões
equivocadas. Até a presente data não existe qualquer método laboratorial,
de neuroimagem ou neurofisiológico entre os exames complementares
capaz de confirmar o diagnóstico[...]” (CYPEL, 2003, p. 21).
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Revista da Faculdade de Educação
Afirmam Rohde e Benczik (1999) que o TDAH é um problema
sério e que precisa de tratamento específico por longo prazo. O tratamento na criança deve ser iniciado após perceberem que ela é portadora de
algum tipo de transtorno, e somente o especialista no assunto poderá
comprovar se a criança é realmente hiperativa, pois, muitas vezes, ela é
agitada, teimosa e impulsiva, mas não é hiperativa. Ela pode ter sintoma
parecido com a hiperatividade devido à educação negligenciada ou à muita liberdade. É necessário fazer diagnóstico na criança para saber a causa
do não rendimento escolar, ou se ela tem outros tipos de dificuldades
específicas na aprendizagem. O TDAH não é um transtorno benigno e, sim,
maligno, quando não tratado.
Para esses autores citados, o tratamento mais eficiente para os
pacientes hiperativos é combinando uma série de fatores como: a ajuda
dos pais, professores, médicos e psicólogos e, em certos casos, com medicamentos. Cabe aos pais e professores aprenderem a lidar com o estresse
e dar instruções às crianças, encorajando-as e ensinando os comportamentos corretos.
E, de acordo com Rohde e Mattos (2003), a base do diagnóstico
está formada pela história, observação do comportamento atual do paciente e relato dos pais e professores sobre o comportamento da criança
nos diversos ambientes que freqüenta (casa, escola). E quanto às fontes
para a coleta de informações, sabe-se que existe baixa concordância entre os informantes, criança, pais e professores sobre a saúde mental de
crianças. Estas normalmente subinformam sintomas comportamentais e
apresentam baixa concordância teste-reteste para os sintomas de TDAH.
Os pais são os melhores informantes para os critérios diagnósticos do transtorno. Eles convivem mais tempo com as crianças. Os professores tendem a
superinformar os sintomas de TDAH, principalmente quando há presença
concomitante de outro transtorno disruptivo do comportamento.
Ressalta Furtado (2003) que nem todas as crianças com problemas de comportamentos são crianças hiperativas. É muito importante não
confundir com crianças sem limites, muitas vezes a família tem dificuldade em estabelecer regras na educação da criança, ou pode ser que a criança tenha problemas psicológicos, pois muitas crianças conviveram e
convivem em ambientes cheios de conflitos. Por isso, o rendimento escolar dessas crianças em relação às outras crianças é baixo.
Benczik (2002) nos fala que os sintomas de hiperatividade podem se manifestar em crianças que têm outros problemas da infância e é
necessário um exame cuidadoso. As informações médicas, pedagógicas e
comportamentais devem estar reunidas, organizadas e avaliadas. A avaliação é extremamente fundamental e cuidadosa com os pais e professores
23
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sobre todos os sintomas da criança. Como em qualquer avaliação em psiquiatria da infância e adolescência, a história do desenvolvimento, médica,
escolar, familiar, social e psiquiátrica da criança deve ser obtida com os pais.
Percebe-se que se deve ter um conhecimento mais profundo do
que é TDAH, uma conscientização da importância de se ter diagnósticos
precisos, específicos, precoces, terapêuticos e pedagógicos para se iniciar
os primeiros passos para o tratamento.
Mattos (2005) ressalta que o tratamento com medicamentos sempre deve ser feito, se o diagnóstico de TDAH estiver claro, se realmente
existir desatenção, hiperatividade e impulsividade que causam problemas significativos na escola, no ambiente familiar, no trabalho e no convívio com as outras pessoas. O uso de medicamento é importante à
individualização de cada caso, para se definir quais são as condições e
quais os fatores que participam na determinação da distorção do comportamento de cada um para fazer tratamento mais conveniente, nos diz
Cypel (2003):
O efeito de alguns medicamentos tem como mecanismo de ação favorecer uma maior concentração dos
neurotransmissores [...]. Este efeito medicamentoso
depende da droga utilizada e das características de
cada criança, isto é, duas crianças com sintomas semelhantes poderão ter respostas diferentes a um mesmo medicamento (p. 84).
Segundo o psiquiatra Andrade, (apud GENTILE, 2000, p. 31) em
casos leves o distúrbio pode ser tratado apenas com terapia e reorientação
pedagógica. “Os casos graves necessitam de tratamento com medicamentos”. O tratamento é feito por um período mínimo de dois anos, mas deve
durar até a adolescência, quando os sintomas diminuem ou desaparecem,
graças ao amadurecimento do cérebro, que equilibra a produção da
dopamina (substância presente no cérebro que transmite o impulso nervoso de uma célula para outra no cérebro). E em alguns casos o tratamento
é feito por toda a vida.
Visto que o tratamento do TDAH é medicamentoso e por muitos
anos. Nos casos em que os sintomas persistem de modo significativo na
vida adulta, o medicamento será tomado por toda a vida adulta.
A medicação deve ser correta, pois a dose varia de organismo
para organismo e o acompanhamento do tratamento é feito por meio da
avaliação.
Também é importante ouvir pais, professores e pessoas que convivem diretamente com o portador e principalmente, ouvir cuidadosamen24
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te o próprio portador. Além disso, é importante impor limites especiais às
crianças com TDAH, principalmente porque os medicamentos utilizados no
tratamento não curam a doença, somente amenizam os sintomas.
É preciso reorganizar a educação da criança conforme as literaturas, diante de uma criança com déficit de atenção e hiperatividade é necessário que seja adotada uma criteriosa avaliação multiprofissional,
procurando atender todas as circunstâncias que a cercam, tanto familiar,
escolar e social, pois dessa forma estarão colaborando para melhor compreensão de seu comportamento no meio em que vive.
Constatei que esta pesquisa é de extrema importância. Constitui-se em um dos possíveis caminhos para o conhecimento sobre o TDAH,
que está associado às dificuldades de convivência na sala de aula e o baixo
rendimento no ensino-aprendizagem das crianças portadoras de algum
tipo de transtorno. É necessário e urgente capacitar os profissionais da
educação para o conhecimento de Transtorno de Déficit de Atenção e
Hiperatividade, tendo em vista que eles são os primeiros a perceber as
dificuldades da criança em função do TDAH, e segurar essa criança em sala
de aula. E além disso, a importância também da inclusão em sala, porque
há a necessidade, até por uma questão social.
Portanto, é de extrema importância pais e profissionais da educação estarem sempre atualizados sobre o assunto, assim poderão ajudar
a criança, buscando subsídios para a solução das dificuldades de comportamento e ensino-aprendizagem.
Hoje, os profissionais da educação devem apresentar-se como
um elemento ativo, capacitado nas informações para compartilhar conhecimentos específicos e gerais para um melhor resultado do ensino x aprendizagem. A interação professor x professor, professor x família não deve
ser apenas conteudistas e, sim, uma comunicação efetiva entre família,
escola e aluno. É neste triângulo que deve haver um elo de cumplicidade
mútua entre os profissionais da educação, para que de alguma forma possa detectar, administrar e resolver os problemas da aprendizagem, assim
como os conflitos, a disciplina e o desenvolvimento das habilidades da
criança com Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade.
É importante também ressaltar que a convivência de uma criança portadora de algum tipo de transtorno torna-se difícil, à medida que
seus familiares, profissionais da educação e outros desconhecem os fatores causadores e os efeitos que implicam na alteração de seu comportamento, pois sabendo trabalhar com a criança portadora de TDAH, ela não
terá tantos problemas quanto ao rendimento da aprendizagem e nas relações interpessoais.
E foi a partir dos conhecimentos adquiridos nas literaturas que
cheguei à conclusão de que as dificuldades na convivência na sala de aula
25
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e baixo rendimento na aprendizagem é por não estarem, as escolas e as
famílias, preparadas. Pois, dificuldades de comportamento e de aprendizagem podem ser conseqüências da hiperatividade, que vem sendo um
caso preocupante na escola pública. Pois, enquanto houver problemas
como a falta de conhecimento da família, dos educadores e da sociedade
em si e uma população não conhecedora do assunto e sensibilizada para
mudança de novos tratamentos, novas técnicas e novas metodologias, a
falta de uma sala especial e com menos alunos na sala, a doença será mais
agravante. Visto que, o fracasso escolar não está associado às desordens
neurológicas, mas na maioria das vezes, o ambiente familiar tem grande
participação nesse fracasso, podendo ser falta de atenção e desinteresse.
Esses aspectos precisam ser trabalhados para se obter melhor rendimento intelectual. E a escola e o meio social também têm a sua responsabilidade no que se refere ao fracasso escolar.
Todos os profissionais da educação devem saber que portadores
de TDAH não são alunos diferentes, pois os bons profissionais da educação devem ser bons para todos ou tentar, na medida do possível, serem
flexíveis, ter um bom modo de observar e repensar seu trabalho.
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Ano V nº 7/8 (Jan./Dez. 2007)
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Revista da Faculdade de Educação
ENSINO ESPECIAL: A CONSTRUÇÃO DE PRÁTICAS INCLUSIVAS JUNTO A
DOCENTES DA ESCOLA PÚBLICA
Paulo César Moreira1
RESUMO: A partir do momento em que a escola passa de fato e de direito a ter a
nomenclatura de “Escola Inclusiva”, passa a haver a afirmação dessa necessidade, gerando no grupo de professores uma inquietação e ansiedade diante da necessidade da busca de base teórica, associada a uma prática diária. Com base nestes
fatos, o presente estudo discute a inclusão no Ensino Fundamental: sua fundamentação legal e sua implementação nas escolas públicas brasileiras que passaram a
ser, legalmente, consideradas como Escolas Inclusivas. No entanto, esse processo
pode decorrer em vários problemas relacionados à infra-estrutura, recursos físicos e profissionalização dos educadores para uma adequada interação do aluno
com necessidades especiais em escolas regulares, problemática ética a ser discutida ao longo desde estudo.
PALAVRAS-CHAVE: Inclusão; Educação; Portadores de necessidades especiais; docente.
ABSTRACT: From the moment the school passes in fact and law to take the
nomenclature of “Inclusive Schools”, will be the statement of that need, creating the
group of teachers a concern and anxiety in the face of the need to search for
theoretical basis, associated with a daily practice. Based on these facts, this study
discusses the inclusion in the elementary school: his legal reasoning and its
implementation in schools Brazilian public who came to be, legally, regarded as
Inclusive Schools. However, this process can take place in several problems related
to infrastructure, physical resources and professionalism of educators for adequate
interaction of the learner with special needs in regular schools, ethical issues
being discussed over from study.
KEYWORDS: Inclusion; Education; Persons with special needs; teacher.
Introdução
Nas últimas décadas, deu-se início a defesa de uma forma de
Ensino Especial desenvolvida com o objetivo de incluir e adaptar os alunos com necessidades especiais à escola e à sociedade. A partir deste
momento, a inclusão vem assumindo um papel de promover a inserção
dos alunos com necessidades especiais na sociedade. No entanto, essa
nova realidade gera, entre os profissionais, que atuam em escolas chama1
Mestre em Educação. Professor do curso de Pedagogia na Faculdade Santa
Terezinha–DF. E-mail: [email protected]
29
Revista da Faculdade de Educação
Ano V nº 7/8 (Jan./Dez. 2007)
das inclusivas, uma desconfortável sensação de mal estar, haja vista que a
falta de uma qualificação profissional adequada para atender aos alunos
com necessidades especiais tem causado, nestes profissionais, sentimentos como inseguranças e incertezas sobre como lidar com as divergências
decorrentes desse processo.
A realidade de muitas das escolas nas quais se impõe à
implementação da educação inclusiva é marcada por: turmas reduzidas,
professores sem o preparo adequado para atender aos alunos especiais,
infra-estrutura inadequada, que não facilita o acesso às dependências da
escola, e um currículo e proposta pedagógica que precisam ser adaptados.
Mediante esse quadro surgiu a necessidade de um estudo nessa
área, haja vista que a falta de uma capacitação real do grupo docente por
parte das instituições competentes e idealizadoras dessas propostas de
inclusão torna-se uma necessidade constante.
Diante dessa realidade, surgem as questões a serem abordadas
quanto à qualificação dos professores que atuam nestas escolas: qual a
postura do professor diante desta nova realidade? Como está sendo e/ou
como ocorreu a formação profissional dos professores que atuam com
alunos com necessidades especiais?
O objetivo geral deste estudo é analisar a fundamentação teórica, suas bases legais e a proposta oficial de implementação referente à
inclusão e o papel do docente nesse processo. Os objetivos específicos
são: conceituar e definir o termo inclusão; investigar/acompanhar a implantação da educação inclusiva nas escolas públicas de Taguatinga – Distrito Federal; avaliar a capacitação profissional dos professores no que se
refere à inclusão.
Para alcançar tais objetivos, buscou-se a construção de uma base
teórica em obras de autores como: Cavalcante(2005), Machado (2005),
Mantoan (2005), Nogueira (2004), Pinto (1999), Silva (2003) entre outros.
Movimento da inclusão de alunos com necessidades especiais
A obtenção de dados históricos específicos não é precisa quando
se estuda a ocorrência e a inter-relação da sociedade e a deficiência na
antiguidade de povos romanos e gregos. A economia nesses países se
fundamentava nas atividades de produção e de comércio agrícola, pecuária e de artesanato. A sociedade da época era dividida em nobreza e a
população das classes menos favorecidas. A esse segundo grupo era destinado à produção e ao primeiro os lucros. Esse povo era considerado
subumano, suas vidas não tinham valor, e este só era atribuído pelos nobres em função da sua utilidade prática.
As pessoas eram valorizadas pelo que produziam, portanto as
que não podiam produzir eram segregadas. Principalmente as pessoas
30
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Revista da Faculdade de Educação
diferentes, com limitações funcionais e necessidades diferenciadas, eram
exterminadas por meio do abandono. Em épocas passadas, isso era ético e
moral. Até mesmo nos relatos bíblicos faz-se referência aos portadores de
deficiência (cegos, cochos, leprosos) como pedintes, rejeitados ou amaldiçoados, mostrando a exclusão social. Segundo Kanner (1964, p. 5) “a única
ocupação para os retardados mentais, encontrada na literatura antiga é a de
bobo ou palhaço, para diversão dos senhores e de seus hóspedes.”
Na idade média, com o advento do Cristianismo, houve um fortalecimento da Igreja Católica e uma significativa mudança política administrativa da sociedade: o Clero, que comandava a nobreza e o povo. Neste
período, o povo continuava como na antiguidade, com a responsabilidade
do trabalho sem poder decisório. Mas mudou-se a concepção em relação
às pessoas doentes, defeituosas e mentalmente afetadas, pois já não poderiam ser exterminadas, uma vez que eram “Criaturas de Deus”; porém,
continuavam ignoradas à própria sorte ou dependentes da misericórdia
dos outros
A partir do século XIII, surgiram as primeiras instituições para
abrigar deficientes mentais e as primeiras legislações. Neste período, a
Igreja passou por mudanças, começando assim a perder poder político e
econômico, gerando dois movimentos: a Inquisição Católica e a Reforma
Protestante. Com a Inquisição, houve muitas perseguições, torturas e
exterminações das pessoas deficientes, principalmente os deficientes
mentais, que não conseguiam se justificar. Já na Reforma Protestante a
situação não melhorou, pois se instalou uma rigidez ética, com uma intolerância gritante aos deficientes que foram considerados demoníacos.
Estes fatos ficam evidenciados através das citações feitas por
diversos autores como:
[...] época dos açoites e das algemas [...] (PINTNER,
1933)
O homem é o próprio mal, quando lhe faleça a razão
ou lhe falte a graça celeste a iluminar-lhe o intelecto:
assim dementes e amentes são, em essência, seres diabólicos. (PESSOTTI, 1984, p.12).
[...] expiador de culpas alheias, ou um aplacador da
cólera divina a receber, em lugar da aldeia, a vingança, como um pára-raios [...] (PESSOTTI, 1984, p. 5).
A partir do século XVI, com a Revolução Burguesa, no que se
refere às causas da deficiência, novas idéias começaram a surgir referentes à sua natureza orgânica, como produto de causas naturais. Essa Revo31
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lução ocorreu no âmbito das idéias, derrubou as monarquias, destruiu a
hegemonia religiosa e implantou uma nova forma de produção que foi o
capitalismo mercantil. Surge então, uma nova divisão social do trabalho:
os donos de produção e os operários.
Segundo Silva (2003, p. 12):
[...] com base numa análise histórica e crítica dos processos de produção, acompanhamos como o homem,
na organização capitalista, passa a ser concebido
como homem-máquina e seu corpo, reduzido a um corpo funcional. Deste modo, o corpo torna-se corpo produtivo e nessa dimensão deve ser concebido e
abordado. O corpo, sobretudo daqueles destinados ao
trabalho material, passa a ser abordado como corpoobjeto, como um sistema constituído de partes [...].
Com os avanços da medicina, no século XVII, fortaleceu-se a tese
da organicidade, pois se defende que as deficiências são causadas por
fatores naturais e não espirituais, surgindo então as ações de tratamento
médico dessas pessoas deficientes, estimulando o seu desenvolvimento.
A partir do século XIX começaram a ser feitos estudos para estudar os deficientes, procurando formas mais adequadas de atendimento às
suas necessidades. Desenvolve-se, então, a segregação institucional: os
deficientes eram “tratados como um doente, excluído da família, e da
sociedade ou acolhidos em asilos de caráter religiosos e filantrópicos.”
Esta nova forma de atendimento ao deficiente tornou possível o
modelo de assistência institucionalidazada, que se consolidou por mais
de 500 anos, uma vez que as pessoas com deficiências eram segregadas
em Instituições, como conventos, instituições residenciais especiais, permanecendo isoladas como em prisões, longe do convívio social e familiar.
Este modelo começou a ser contestado criticamente a partir do século XX.
Vários autores publicaram estudos sobre o tema, apresentando dados
observados demonstravam a inadequação e ineficiência em realizar o que
era proposto: favorecer a preparação ou a recuperação das pessoas com
necessidades educacionais especiais para a vida em sociedade. O movimento contra a institucionalização foi fortalecido pelo capitalismo financeiro, pois manter estas pessoas nas instituições ficava muito caro.
No Brasil, o atendimento aos deficientes se deu oficialmente
em 12 de outubro de 1854, quando D. Pedro II fundou o Imperial Instituto
dos Meninos Cegos, no Rio de Janeiro. Em 1942, já havia 40 escolas públicas que prestavam algum tipo de atendimento a deficientes mentais.
32
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Revista da Faculdade de Educação
Pouco a pouco, as ONGs, como a Sociedade Pestalozzi, a AACD
(Associação de Assistência a Criança Defeituosa) e a APAE (Associação de
Pais e Amigos do Excepcional), realizaram um extenso trabalho de atendimento e tratamento de diversos tipos de deficiência, oportunizando às
pessoas com necessidades especiais maiores condições de ingresso nas
escolas, no mercado de trabalho e, principalmente, na garantia de seus
direitos como cidadãos. Assim a deficiência saiu do âmbito da saúde para
o âmbito da educação.
Outro fato que também contribuiu para este enfraquecimento,
por volta da década de 60, foi um processo geral de reflexão e crítica sobre
os direitos humanos, principalmente os direitos da minoria.
Surge, neste momento, um outro paradigma, denominado pelos
estudiosos no assunto de “Paradigma de serviços”, que significa localizar
no sujeito o alvo da mudança, tornando-se necessário, também, a
efetivação de mudanças na comunidade, objetivando oferecer às pessoas
com necessidades especiais os serviços e recursos de que necessitam para
viabilizar as modificações. Esse processo ocorreria de três formas: através
da avaliação feita por profissionais, da intervenção dessa equipe e da
integração desse indivíduo à comunidade.
Essa integração foi criada não no intuito de ajudar a pessoa com
necessidade especial e sim, para que fossem normalizados, cabendo à sociedade garantir o desenvolvimento de um movimento para assegurar a todos os cidadãos, inclusive aos com necessidades educacionais especiais, a
possibilidade de aprender a administrar a convivência digna e respeitosa
numa sociedade complexa e diversificada, proporcionando os suportes necessários nos aspectos social, econômico, físico e instrumental.
Nos anos 70, a necessidade de uma política educacional especial
foi se delineando quando o MEC assumia que a clientela da educação
especial é a que requer cuidados especiais no lar, na escola e na sociedade. Em 1986, a expressão “alunos excepcionais” foi substituída por “alunos portadores de necessidades especiais” Em 1990, o Brasil participou da
conferência Mundial sobre Educação para todos, já citada no início desse
texto, em que foram lançadas as sementes para a política de educação
inclusiva. A prática da inclusão social baseia-se em princípios: na aceitação das
diferenças individuais, na valorização de cada pessoa, na convivência dentro
da diversidade humana. e na aprendizagem por meio de cooperação.
Dentro desse contexto, a integração significa a inserção da pessoa com necessidades especiais no convívio social. Já a inclusão é um
termo que significa a transformação da sociedade como pré-requisito para
pessoas com necessidades especiais, podendo, assim, caminhar em busca
de seu desenvolvimento e, enfim, exercer sua cidadania.
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Neste momento, os termos inclusão/integração são usados no
mesmo sentido: o de inserir o portador de necessidades especiais numa
educação integrada, norteada pelo princípio da normatização, que significa não normalizar as pessoas, mas de normalizar o contexto em que se
desenvolvem. Este princípio implica num segundo que é o da
individualização, onde os apoios ou serviços organizar-se-ão de tal forma
que cheguem onde houver necessidade, ou seja, o atendimento educativo
se ajustará às características e particularidades de cada aluno.
A educação deve ser, por princípio, liberal, democrática e não
doutrinária. Dentro dessa concepção ideológica, o educando é, acima de
tudo, digno de respeito em suas características individuais como pessoa.
Tem deveres e direitos, constitucionalmente reconhecidos, e que precisam ser garantidos. A educação como sendo direito de todos, deve enquanto política se adequar para atender a toda e qualquer necessidade do
cidadão.
Desta forma, para falar de educação inclusiva, é preciso abordar,
antes, a questão da inclusão social, ou seja, o processo de se tornar participantes do ambiente social total (a sociedade humana vista como um todo,
incluindo todos os aspectos e dimensões da vida – o econômico, o cultural,
o político, o religioso e todos os demais, além do ambiental) todos aqueles
que se encontram, por razões de qualquer ordem, excluídos.
A educação inclusiva garante o cumprimento do direito constitucional de qualquer criança ter acesso ao Ensino Fundamental, já que pressupõe uma organização pedagógica das escolas e práticas de ensino que
atendam às diferenças entre os alunos, sem discriminações indevidas,
beneficiando a todos com o convívio e o crescimento na diversidade.
Acredita-se que a escola tem um papel fundamental no processo ensino-aprendizagem, pois depois da família é um espaço fundamental para a construção da subjetividade do aluno e também para o exercício
de sua socialização e cidadania. A escola pública de qualidade deve ser
construída a cada dia. Para isso é preciso preparar a escola para inserir nela
o aluno especial, realizando transformações que vão desde eliminar barreiras de acesso - construir rampas, construir toaletes especiais etc. – até
à adaptação curricular e, principalmente, formar educadores capazes de
promover um ensino de qualidade para esses alunos.
O primeiro passo será a conscientização dos padrões de dignidade. Vê-se que a defesa não se avançará na consolidação das garantias
sociais enquanto a sociedade civil não encaminhar um projeto solidário
nessa direção. A exigência de condições mínimas precisa fazer parte do
padrão de dignidade que a sociedade quer ver reconhecido. O Estado
deve consolidar e regular tais garantias, mas sua efetivação decorre de
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exigência da sociedade. É preciso construir uma pedagogia da inclusão,
não basta a palavra de ordem: “toda criança na escola”.
O processo de inclusão é complexo, porém não se pode deixar
de reconhecê-lo. Os educadores não têm o compromisso clínico e sim
educacional. Infelizmente, o sistema educacional vigente caminha lentamente em busca do “ideal” de inclusão, o que comprovadamente tem
gerado problemas da sociedade, uma vez que se deve canalizar os potenciais dos alunos em benefício do seu desenvolvimento pleno e, conseqüentemente, da sociedade.
Portanto, têm-se vários desafios. Considera-se que, a princípio,
os educadores devem conhecer experiências, buscar fundamentação teórica para que a partir daí possam cobrar dos governantes as medidas necessárias. Cabe a cada indivíduo desempenhar o seu papel, buscando
questões que devem ser tratadas na individualidade. A inclusão não é um
processo que ocorre apenas no Brasil. Os governos assumiram um compromisso social: inclusão com qualidade. Colocar o aluno na escola com
um trabalho que atenda a seus interesses e peculiaridades. O discurso
tem que ser compatível com a prática.
Desde então, a inclusão tem sido um tema constante. A Revista
Nova Escola (2005) traz a reportagem “A Escola que é de todas as crianças”
parte do pressuposto de que “ao conviver com as diferenças, alunos e
professores se tornam cidadãos solidários” (CAVALCANTE, 2005, p. 40). O
texto ainda nos diz que:
Por falta de informação ou omissão de pais, de educadores e do poder público, milhares de crianças ainda
vivem escondidas em casa ou isoladas em instituições
especializadas, situação que priva as crianças com ou
sem deficiência de conviver com a diversidade.
No entanto, percebe-se que a inclusão cresce a cada ano. Porém,
o desafio neste momento é oferecer a todos uma educação de qualidade.
A professora Maria Teresa Egler Mantoan (2005), após estudos realizados
desde 1989 e experiências em Portugal, conclui que a inclusão colabora
para a solidariedade humana.
Observa-se, então, que a angústia e insegurança dos educadores
frente a inclusão está associada, segundo a Psicóloga Adriana Marcondes
Machado (2005), ao fato de não sermos formados para conviver com as
diferenças, que compõem a sociedade em geral, pois não existem igualdades entre os seres humanos, mas sim algumas identificações ao longo
de suas trajetórias de vida.
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Não cabe à escola ou a seus educadores, a aceitação ou não da
inclusão de pessoas com necessidades educativas especiais, pois a Constituição Federal garante, em seu art. 205 “O Direito de todos à Educação,
visando o pleno desenvolvimento da pessoa, preparando-a para a cidadania e qualificando-a para o trabalho” (Brasil, 1988). Assim sendo, todos
devem se adaptar a essa nova realidade educacional, fazendo as mudanças necessárias e capacitando seus docentes para tal proposta.
Neste sentido, Pinto (1.999) ressalta que a inclusão consiste num
processo de cidadania inerente a todas as políticas sociais básicas: educação, saúde, segurança, moradia, lazer e trabalho. Exige uma nova arquitetura social, uma nova arquitetura para os processos e para as relações
entre as pessoas.
O ensino especial e sua fundamentação legal
É importante que a escola tenha conhecimento das leis já conquistadas pelas pessoas com necessidades especiais e contribua para seu
cumprimento. Destaca-se entre elas a Lei nº 7.853/91 que, além de reafirmar os direitos dessas pessoas, criminaliza o preconceito e prevê punição
de 1 a 4 anos de cadeia para a autoridade que impedir a matrícula de
crianças sob alegação das necessidades especiais.
A educação dos alunos com necessidades educacionais especiais, é importante lembrar, tem os mesmos objetivos da educação de qualquer cidadão. Algumas modificações são, às vezes, requeridas na
organização e no funcionamento da educação escolar para que tais alunos
usufruam dos recursos escolares de que necessitam para o alcance daqueles objetivos.
As necessidades educacionais especiais são definidas e
identificadas na relação concreta entre o educando e a educação escolar.
Assim, os recursos educacionais especiais requeridos em tal situação de
ensino-aprendizagem é que se configuram como Educação Especial e não
devem ser reduzidos a uma ou outra modalidade administrativa e pedagógica como classe especial ou escola especial.
Todavia, a presença de necessidades educacionais especiais, cujo
atendimento esteja além das condições e possibilidades dos professores
e dos demais recursos escolares comuns, demandará a provisão de auxílios e serviços educacionais propiciados por professores especialmente
preparados para atendê-las. Por outro lado, as necessidades educacionais
especiais são, às vezes, acompanhadas de necessidades especiais de outras ordens e que requerem também a intervenção da escola no sentido
de encaminhar, orientar ou viabilizar o atendimento necessário, ainda
que do âmbito social, médico ou outro, de forma indireta, cooperativa e
integrada à educação escolar.
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Neste sentido, fica claro a urgência dos educadores e pesquisadores, ligados principalmente à educação, juntarem esforços para
pesquisar e discutir esta temática, em todos os níveis e modalidades de
ensino. É com base nas declarações Universal e Americana dos direitos
humanos de 1948, na Declaração Mundial de Educação para Todos, de 1990,
na Declaração Mundial de Salamanca, de 1993, na Constituição do Brasil de
1988, na Reunião de Amã, na Convenção de Guatemala, na Lei 9.324/96 e
na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, que traduzem direitos
fundamentais para as pessoas com necessidades especiais.
A Constituição Federal brasileira, assim como a Lei de Diretrizes
e Bases da Educação Nacional, que são dispositivos legais já nos bastaram
para assegurar a pessoa com deficiência o acesso à mesma em sala de aula
de crianças ou adolescentes sem deficiência.
Os agrupamentos apontados por alguns educadores, entre eles
a impossibilidade prática da inclusão, já não justificam o não cumprimento da lei. Esta garante e educação para todos, em um mesmo ambiente de
forma mais diversificada possível objetivando atingir o pleno desenvolvimento humano e o preparo para a cidadania.
No Brasil, a Constituição de 1988, assim como a LDB 9.394/96 ( Lei
de Diretrizes e Bases da Educação Nacional ) destacam a importância e
urgência de promover-se a inclusão social educacional como elemento
formador da nacionalidade.
Os sistemas de educação federal, estadual e municipal, assim
como a rede privada de escolas têm empenhado esforços no sentido de
operacionalizar os dispositivos legais que exigem ou amparam iniciativas
no caminho da inclusão escolar.
A legislação a respeito, recente e ainda pouco conhecida até pelo
professorado, coloca a questão nos termos os mais amplos possíveis: a
inclusão escolar é para todos aqueles que se encontram à margem do
sistema educacional, independentemente de idade, gênero, etnia, condição econômica ou social, condição física ou mental.
A radicalidade com que a legislação contempla a inclusão escolar
– principalmente quanto à população com necessidades especiais, entre
eles os deficientes físicos e mentais – tem suscitado questionamentos da
sociedade e de grupos específicos – como os agentes educacionais, pais e
mesmo das clientelas-alvo sobre a forma de operacionalizar a inclusão,
mesmo sendo consenso geral a necessidade e o direito à inclusão.
Os questionamentos são de todo tipo – técnicos, administrativos, institucionais – e a maior parte revelando dois aspectos fundamentais: a ignorância sobre as características das clientelas a serem incluídas e
o preconceito gerado a partir dessa ignorância.
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A LDB 9.394/96 definiu a Educação Especial como uma modalidade de educação escolar que permeia todas as etapas e níveis de ensino e
a Resolução do CNE 02/2001 regulamentou seus artigos 58, 59 e 60, garantindo aos alunos com necessidades educacionais especiais o direito de
acesso e permanência no sistema regular de ensino.
Em seu artigo 208, inciso III, a Constituição Federal utiliza-se do
termo “preferencialmente” o que tem gerado um entendimento equivocado em relação a esse dispositivo. Esse atendimento previsto em lei não
admite a substituição do ensino regular pelo especial, pois ocorreria um
desacordo dentro da própria lei.
Pela Constituição Federal, Capitulo II, Seção I, art. – 205, “a educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e
incentivada com a colaboração da sociedade (...)” Por si, este artigo já
valeria para os deficientes. Além disso, o artigo 208, inciso III reassegura
“(...) o atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino”. Por último, a Lei
Federal 7.853/89 dispõe sobre o apoio aos deficientes e sua integração
social, definido o preconceito como crime. Nesse sentido, nenhuma escola ou creche pode recusar, sem justa causa, o acesso do deficiente à instituição. Existem penas aos infratores, de um a quatro anos, além de multa.
O termo especializado refere-se ao que é necessariamente diferente do ensino escolar para melhor atender às especificidades dos alunos
com deficiência. “O atendimento educacional especializado será feito em
classes, escolas ou serviços especializados, sempre que em função das condições específicas dos alunos não for possível a sua integração nas classes
comuns do ensino regular” (Constituição Federal, 1988, art. 59 § 2º).
O paradigma da inclusão dos alunos com necessidades especiais
implica a reestruturação dos sistemas de ensino, a partir da qualificação e
capacitação dos educadores, viabilizando a reorganização escolar de modo
a assegurar aos alunos as condições de acesso e, principalmente, de permanência, com sucesso nas classes do ensino regular.
A Lei n. 11.666/91, do Estado de Minas Gerais, prevê que todo
prédio público tenha as adaptações necessárias para facilitar o acesso das
pessoas com necessidades especiais. No entanto, tanto as escolas públicas estaduais e municipais, creches e postos de saúde, quanto outros prédios públicos, continuam a serem construídos com barreiras arquitetônicas.
A Lei 10.359/91 reconhece a Língua Brasileira de Sinais como a língua oficial
para educação de surdos, e mesmo nas escolas especializadas são poucos
os profissionais que dominam a LIBRAS.
Para ensinar a turma toda, parte-se da certeza de que as crianças
sempre sabem alguma coisa, de que todo educando pode aprender, mas
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no tempo e do jeito que lhe são próprios. É fundamental que o professor
tenha uma elevada expectativa pelo aluno. O sucesso da aprendizagem
está em explorar talentos, atualizar possibilidades, desenvolver predisposições naturais de cada aluno. As dificuldades, deficiências e limitações
precisam ser reconhecidas, mas não devem conduzir ou restringir o processo de ensino, como habitualmente acontece. Segundo a Revista Nova
Escola (2005, p. 40) “na escola que é de todas as crianças, o papel do professor é ensinar a ser solidário e a conviver com a diferença”.
Muitas pessoas ainda entendem a Educação Especial como uma
modalidade que substitui a escolarização, voltada exclusivamente para crianças com necessidades especiais. Aos poucos essa confusão está se esclarecendo. Hoje, a Educação Especial é entendida como modalidade de ensino
que tem como objetivo quebrar as barreiras que impedem a criança de
exercer a sua cidadania. Portanto, o atendimento educacional especializado é apenas um complemento da escolarização, e não substituto.
Em entrevista à Revista Nova Escola, a educadora Maria Teresa
Mantoan diz: “inclusão é o privilégio de conviver com as diferenças”. Para
ela, uma sociedade justa e que dê oportunidade para todos, sem qualquer
tipo de discriminação, começa na escola.
Na escola inclusiva, crianças e jovens aprendem a ser solidários,
mas todos ganham ao exercitar a tolerância e o respeito. Professores que
vivem diariamente a experiência afirmam: quem aprende somos nós. “Só
quem tem contato com essas crianças percebe que lidar com elas não é
difícil. É um privilégio” afirma a professora Simone, da Escola Viva.
As crianças também percebem o quanto é necessário observar e
respeitar as necessidades dos amigos. Esse senso de responsabilidade
pelo bem-estar do outro é um exercício constante nas escolas inclusivas.
As parcerias são fundamentais para garantir um bom atendimento e, quando a estrutura da escola não oferece o básico, as parcerias são
fundamentais, pois as crianças não podem esperar a construção de uma
estrutura “perfeita” ou “idealizada”. Por isso, na rede pública, feitas as
adaptações físicas adequadas e estabelecidas as parcerias, o passo seguinte é cobrar do poder público verba e apoio pedagógico.
Necessidades educativas especiais
O termo “criança excepcional” muitas vezes é utilizado para se
referir a uma criança particularmente inteligente ou a uma criança com
talentos pouco comuns. No entanto, o termo tem sido, geralmente, aceito para designar tanto a criança deficiente quanto à talentosa. Para os
objetivos deste estudo, se define como criança especial àquela que difere da criança típica ou normal por: características mentais; capacidades
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sensoriais; capacidades neuro-motoras ou físicas; comportamento social;
capacidades de comunicação e deficiências múltiplas.
Essas diferenças devem ser suficientemente notáveis a ponto
de requerer a modificação das práticas escolares, ou de necessitar serviços de educação especiais, para possibilitar o desenvolvimento até a sua
capacidade máxima.
Ao se definir uma criança excepcional como aquela que se desvia da normal do seu grupo, têm-se então muitos tipos de
excepcionalidades. As crianças são consideradas educacionalmente excepcionais somente quando as suas necessidades exigem a alteração do
programa, isto é, quando os desvios do seu desenvolvimento atingem um
tipo e um grau que requerem providências pedagógicas desnecessárias
para a maioria das crianças.
As crianças especiais ou excepcionais são com freqüência agrupadas para facilitar a comunicação entre os profissionais. É comum encontrar-se a seguinte classificação:
Fonte: (Pinto, 1999, p. 13).
Antes de começar a apresentar toda a investigação no campo da
educação especial, é preciso definir o que é ser deficiente e suas necessidades educativas especiais.
Entende-se por aluno que tem necessidades educativas especiais quando a sua deficiência ou a sua imperfeição física ou psicológica não
lhe permite atingir, da mesma forma que os outros, aquilo que lhes é
ensinado normalmente na escola. Estes alunos necessitam de um complemento educativo adicional e diferente, com o objetivo de promover o
seu desenvolvimento e a sua aprendizagem, utilizando todo o seu potencial físico, intelectual, estático, criativo, emocional, espiritual e social,
para que ele possa viver como cidadão válido, autônomo e ajustado.
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Contudo, ter necessidades educativas especiais não significa sempre ter deficiência física ou intelectual. Qualquer um de nós, numa dada altura da nossa vida podemos necessitar de um apoio suplementar para ultrapassar
determinadas barreiras que se nos apresentam na aprendizagem.
Para distinguir as causas de tais necessidades, tem-se de averiguar qual a natureza da necessidade, isto é, se é esporádica ou é permanente e se são ligeiras, médias ou profundas. Um aluno que tem
necessidades educativas pode ser motivo de uma diferença para os membros da turma, diferença essa, cada dia, acentuada pela desvalorização de
quem é alvo. Em geral, estes alunos são pouco solicitados para trabalhos
em grupo ou nas brincadeiras, pela sua falta de destreza, que os leva a não
demonstrarem e a não desenvolverem as suas possíveis aptidões.
Quando nasce uma criança deficiente, as pessoas tendem a mudar
o seu comportamento diante dela, tornando a entrada na escola uma das
situações mais difíceis para estas crianças. Daí a importância de a entrada na
escola ser prevista o mais cedo possível. Outro período crítico é o da adolescência, período no qual os valores sociais e as aspirações se chocam com
uma visão de personalidade dentro dessa realidade do deficiente.
Dentro dos estudos sobre a personalidade, os problemas psicológicos dos deficientes que têm sido investigados envolvem problemas
de personalidade, limitação da experiência e da exploração corporal
psicomotora, introversão, frustração e, por vezes, dificuldades em assumir responsabilidades.
A abordagem da problemática da deficiência deve e tem de ser
mais positiva em termos de direitos humanos. A intenção de ajudar ou de
rejeitar tem um papel fundamental na socialização do indivíduo, daí que a
opção seja não alimentar dicotomias: normal/anormal; mas superá-las,
avançando com a alternativa das necessidades individuais, ou melhor, das
necessidades educacionais especiais.
Por outro lado, tem-se que os inadaptados são os indivíduos cujas
atitudes e comportamentos ficam à margem do seu envolvimento. Quando se pensa em inadaptados pensa-se mais em normas e em valores sociais, e não em termos de independência funcional.
Por natureza, a inadaptação é uma condição de aprendizagem do
deficiente e do não deficiente. A noção de inadaptado parece confusa e
muito vaga, serve para tudo e para nada e não esclarece sobre as condições funcionais inerentes ao indivíduo deficiente ou não. Por isso, não se
pode confundir crianças inadaptadas com crianças deficientes.
A criança inadaptada pode não ser deficiente. Porém, pode-se
ter crianças deficientes perfeitamente adaptadas. A criança deficiente
envolve um aspecto biomédico enquanto que a criança inadaptada reflete um aspecto social.
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A definição de “criança deficiente” aceitada internacionalmente, e que foi aprovada pelo Council of Exceptional Children (CEC) no I
Congresso Mundial sobre o futuro da educação especial é o seguinte:
A criança deficiente é a criança que se desvia da média
ou da criança normal em: características mentais, aptidões sensoriais, características neuromusculares e
corporais, comportamento emocional e social, aptidões de comunicação e múltiplas deficiências, até ao
ponto de justificar e requerer a modificação das práticas educacionais ou a criação de serviços de educação especial no sentido de desenvolver ao máximo as
suas capacidades.
A partir desta definição, pode-se estruturar um critério para distinguir crianças deficientes de crianças não deficientes e crianças com ou
sem dificuldades de aprendizagem. A criança com dificuldades de aprendizagem não é deficiente. Na criança com dificuldades de aprendizagem verifica-se um perfil motor adequado, uma inteligência média, uma adequada
visão e audição, em conjunto com um ajustamento sócio-emocional.
Desta base, surge a necessidade de materializar a tendência mais
atual da integração do deficiente, conferindo-lhe as mesmas condições
de realização e de aprendizagem sócio-cultural, independentemente das
condições, limitações ou dificuldades que o ser humano apresenta.
O direito à igualdade de oportunidades educacionais é o resultado de uma luta histórica dos militantes dos direitos humanos, luta que
implica a obrigatoriedade do Estado garantir gratuitamente unidades de
ensino para todas as crianças quer sejam ou não deficientes.
Assim sendo, as principais transformações que a escola deve
apresentar para bem atender aos alunos com necessidades especiais são
apresentadas a seguir.
Adaptações curriculares
Na generalidade das escolas regulares a maioria das crianças e
jovens com sérias dificuldades educacionais ainda continua a receber uma
educação segregada. Mas, a “escola regular pode tornar-se especial”, não
só entendendo a idéia da escolaridade obrigatória e básica para todas as
crianças e jovens, mas também procurando atender às necessidades individuais de todos os alunos quaisquer que sejam as suas dificuldades. De
acordo com Mantoan (2005) as escolas especiais existem por causa das
limitações das escolas regulares em atenderem o complexo leque de capacidades e incapacidades entre alunos. Mesmo uma escola especial bem
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organizada não tem o direito de existir se uma escola regular garanta a
mesma qualidade de educação.
Na verdade, a maioria dos alunos com dificuldades educativas
especiais não necessita de integração, mas sim, que se evite a segregação,
que pode ser feita através de medidas de discriminação positiva (a aceitação de que a igualdade de oportunidades em educação implica em alguns
alunos que precisam receber mais do que outros, seja qual for o nível de
recursos que a escola possua).
No entanto, há alguns alunos que apresentam dificuldades
provocadas pela deficiência ou por problemas de comportamento que,
pondo em causa a integridade de professor e colegas, são colocados em
“meio da não-segregação para a integração ou, talvez, em última análise,
para a segregação”.
Por que incluir crianças com necessidades especiais na Escola
Regular? A integração de alunos com necessidades especiais no ensino
regular e - num contexto mais amplo - a integração na sociedade de toda a
espécie de grupos segregados tem sido debatido nas últimas décadas por
todo o mundo ocidental.
Na última década, no sistema Educativo Português, tem-se assistido a um incremento notável no movimento de crianças com necessidades especiais no contexto educativo regular.
Segundo os dados publicados pelo Ministério da Educação, o
número de alunos atendidos pelas equipas de Educação Especial (Ensino
Integrado) face aos alunos atendidos pelas Escolas Especiais (públicas e
privadas) intervêm a situação desde 1982 até 1992. Em 1982, o atendimento das escolas de ensino especial era de 79% contra 29% a freqüentar as
escolas separadas do sistema regular.
Toda esta tendência é baseada num sentimento de “normalidade” existente na sociedade em geral, ou seja, de acordo com esta idéia, as
crianças desenvolvem melhor as suas capacidades quando inseridas num
grupo com as mesmas capacidades, mas não é fácil explicar se se levar em
consideração que uma criança cega, surda ou com paralisia cerebral será
provavelmente muito diferente das outras crianças, em todos os aspectos.
Estas diferenças levam os pais e professores a proteger as crianças de insultos ou sarcasmos por parte dos colegas da escola regular. Desta
forma, pode-se considerar que este aluno estaria mais protegido e o seu
desenvolvimento seria melhor quando incluído num pequeno grupo orientado por pessoal técnico especializado.
Na realidade, pode-se constatar que hoje em dia, os alunos que
freqüentam uma escola especial sofrem as mesmas agressões verbais e
sarcasmos dos seus pares quando regressam ao seu seio, aparentando por
vezes um nível de auto-estima muito inferior ao dos outros alunos.
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Muitos destes jovens que passam os seus anos de escolaridade
em escolas especiais tornam-se dependentes do regime de proteção que
recebiam. Quando terminada a sua escolaridade mostraram-se incapazes
de tomar quaisquer decisões por iniciativa própria, necessitando sempre
de alguém que os defenda e os proteja nos diferentes meios em que se
encontra.
Mas, as crianças e os jovens com necessidades educativas especiais não podem simplesmente ser colocados numa sala regular e esperar
que a “normalidade” volte automaticamente. É necessário estruturar e
desenvolver estratégias adequadas para que uma pessoa “especial” possa
ser incluída” numa situação em que todos à sintam “mais normal” como a
planificação e desenvolvimento de arranjos no ambiente físico e no ambiente social, a escolha de materiais e equipamentos da sala de aula, manipulação do espaço disponível para os alunos, revisão do papel do professor
como iniciador das interações sociais ou como meio, gestos dessas
interações, a maior ou menor estruturação das atividades próprias na sala
de aula.
A política da segregação, da separação ou da exclusão é anti-humana, na medida em que a condição de ser “deficiente” é
inequivocadamente uma probabilidade da condição de “não-deficiente”.
De certa forma, a maioria dos seres humanos contêm a gênese da deficiência, motivo pelo qual a política do futuro, em termos de integração, deverá
orientar-se no sentido da anti-rejeição, ou seja, terá de adotar uma política
de integração onde a rejeição e a exclusão sejam iguais a zero.
A integração compreende um valor constitucional que se deve
consubstanciar a aceitação da diferença humana. Mas esse valor constitucional terá de respeitar a diversidade cultural e social e, em paralelo, a
unidade da pessoa humana. Para tornar possível uma política de integração
é fundamental que se alarguem as oportunidades educacionais.
Os programas e currículos terão de ser necessariamente diferentes, adaptados às necessidades educacionais específicas das crianças deficientes.
A filosofia e o fundamento científico que terão de presidir à elaboração do desenho curricular deverão respeitar os estilos e os biorritmos
preferenciais de cada criança, isto é, deverão adotar uma filosofia centrada
na semelhança diferenciada e não na semelhança indiferenciada que tem
caracterizado os programas escolares vigentes.
A integração não pode continuar a basear-se na sua ação em boas
intenções que inúmeras vezes escondem atitude de caridade, resignação
e comiseração. A integração subentende uma ação em prol de direitos
humanos e físicos, tendente a modificar a essência e a estrutura da pró44
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Revista da Faculdade de Educação
pria escola. A escola terá de adaptar-se a todas as crianças, ou melhor, a
variedade humana. Não se pode continuar a defender que tem de ser a
criança a adaptar-se às exigências escolares, mas sim o contrário. Efetivamente a escola, ou melhor, o sistema de ensino, não pode persistir excluindo sistematicamente as crianças deficientes, estigmatizando-as com a
desgraça, rotulando-as com uma doença incurável ou marcando-as com
um sinal de inferioridade permanente.
O sistema de ensino terá que equacionar o deficiente como um
ser humano possuidor de um potencial de aprendizagem, de um perfil
intra-individual e de um repertório de comportamentos que tem de ser
maximizados e otimizados pelo próprio processo educacional.
A integração, portanto, visa uma viagem de retorno, pretende
restituir à criança deficiente a “classe regular”, necessariamente com apoios, recursos, programas integrados, processo de avaliação, professores
com novas atitudes e competências e etc. Estas “classes regulares” terão
de alargar e expandir as oportunidades de aprendizagem a todas as crianças, incluindo as deficientes. Novos programas, novos currículos, novas
funções para os professores das classes regulares, novos conteúdos na
sua formação, novos suportes, novos processos de colaboração entre técnicos e etc são alguns dos setores de desenvolvimento educacional que o
conceito de integração arrasta consigo. Em resumo: falar em integração é
falar em novas alternativas e em novas vias, isto é, falar em desenvolvimento educacional e em progresso científico-pedagógico. Se a integração
for uma realidade, adotando um processo de mudança, as “classes especiais” desaparecerão e a segregação e a discriminação pertencerão à história. A mudança é urgente, possível e humanamente necessária.
O objetivo primordial da adaptação curricular é tornar o currículo
dinâmico e flexível atendendo as diferenças individuais e tornando as
atividades pedagógicas em algo prazeroso.
Com base na observação curricular é possível tornar o currículo
escolar mais dinâmico e flexível atendendo às diferenças individuais e
tornando as atividades pedagógicas em algo prazeroso.
Verifica-se que há necessidade de estimular a participação afetiva
e sua socialização, bem como criar condições para que os alunos obtenham
um melhor desempenho escolar, através das atividades mais criativas que
despertem o interesse do aluno. As adaptações curriculares menos significativas envolvem modificações menores no currículo regular e são fáceis de
serem realizadas. As modificações mais significativas devem ser adotadas,
quando as anteriores não conseguirem atender os objetivos propostos.
Gadotti (1994) considera que a escola constitui um filtro que
modela as mudanças que vêm do exterior, bloqueando-as ou dinamizan45
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do-as. Na organização desenvolvem-se padrões de relação, cultivam-se
modelos de ação e produz-se uma cultura própria, em função da qual os
indivíduos definem o seu mundo, elaboram juízos e interpretam as inovações; nesta perspectiva, a organização do currículo tem um papel inicial na
criação de um clima de mudança, na resposta às propostas.
E novas práticas são inventadas, conquistadas, construídas coletivamente, não no socialmente individual. Isso implica a capacidade de
reflexão sobre o próprio trabalho, o enfrentamento dos problemas (e não
mera adequação do novo às normas vigentes) troca e cooperação dos profissionais em torno de um trabalho coletivo, enfim, implica um projeto
pedagógico.
A escola é o lugar de realização do projeto educativo, devendo
organizar todas as ações em torno da educação de seus alunos. Nessa
perspectiva, é fundamental que a escola assuma o comando do processo,
sem esperar que instâncias superiores tomem essa iniciativa, mas sim
que lhe forneçam as condições necessárias para levá-lo adiante. A direção
dos estabelecimentos escolares assume, nesse panorama, um papel fundamental na articulação e liderança do projeto, de modo a permitir que
cada professor se sinta engajado e identificado com o coletivo da escola
no alcance de metas comuns.
De maneira geral, para que ocorra a inclusão de pessoas com
necessidades especiais em escolas regulares, estas devem realizar as seguintes adaptações:
1. Adaptação organizativa: inicialmente pode-se estimular os alunos se sente somente com outro colega, estimulando jogos e brincadeiras
em dupla. Gradativamente pode-se propor a organização da sala em grupos, sempre que possível.
2. Adaptações relativas aos objetivos e conteúdos: trabalhar com
textos menores e mais significativos para os alunos. Relacionar conteúdos
trabalhados com a realidade dos alunos, observando-se a série e o nível
de desenvolvimento cognitivo que ele apresenta.
3. Adaptações avaliativas: propor avaliações diversificadas que
levem em consideração as condições físicas do aluno, principalmente no
que e refere à fala e a visão. Estimular a auto-estima dos alunos, procurando avaliar as áreas que despertem maior interesse no aluno. Estimular
registros formais, gradativamente.
4. Adaptações nos procedimentos didáticos e nas atividades de
ensino-aprendizagem: desenvolver aulas mais dinâmicas de relaxamento, no caso do aluno de curto período. Jogos e brincadeiras que exijam
raciocínio lógico. Encurtar explicações e comandos, objetivando-os.
5. Adaptações de temporalidade: respeitar o ritmo dos alunos,
46
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organizando um maior tempo para atividades que assim o exijam.
O currículo da escola inclusiva deve adaptar-se a uma ampla variedade de diferenças existentes entre os alunos as muitas maneiras em
que os mesmos se diferenciam. O currículo deve atender a identidade
geral, englobando a realidade da criança, como aspectos da vida dentro e
fora da escola, portanto, o currículo inclusivo deve estar atento e sensível
a essas diferenças.
Os objetivos da escola inclusiva abordados, a partir das idéias de
Ramsey (1987), consistem em:
- Ajudar as crianças a desenvolver identidades positivas de
gênero, de raça, de cultura, de classe e individuais, e reconhecer e aceitar sua participação como membro de muitos
grupos diferentes.
- Capacitar as crianças a enxergarem-se como parte de uma
sociedade mais ampla; identificarem-se, empatizarem e relacionarem-se com indivíduos de outros grupos.
- Estimular o respeito e a apreciação pelos diversos modos de
viver das pessoas.
- Encorajar, nos primeiros relacionamentos sociais das crianças pequenas, uma abertura e um interesse pelos outros, uma
disposição para incluí-los e um desejo de cooperar.
- Promover o desenvolvimento de uma consciência realista
da sociedade contemporânea, um sentido de responsabilidade social e um interesse ativo que se estenda além da família ou do grupo da própria pessoa.
- Capacitar as crianças para tornarem-se analistas e ativistas
autônomos e críticos em seu ambiente social.
- Apoiar o desenvolvimento de habilidades educacionais e
sociais necessárias para as crianças tornarem-se participantes plenos da sociedade, de maneira mais adequada aos estilos, orientações culturais e origem lingüística individuais.
- Promover relacionamentos eficazes e recíprocos entre a escola e a família.
A escola é um espaço em que se encontram pessoas com realidades totalmente diferentes. Compartilha-se neste espaço concepções, idéias, princípios diversos daqueles que compartilha em família. Portanto, o
trabalho desenvolvido na escola verdadeiramente inclusiva deve ter uma
perspectiva multicultural, em que as crianças, desde cedo, aprendam a
criar concepções positivas das mais variadas diferenças.
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Aprender-se sujeito de um mundo imenso com culturas
construídas de forma diferente não pressupõe negar os próprios valores e
sim ampliá-los. Ao depararem-se com essa diversidade na escola, em um
primeiro momento, as crianças podem demonstrar curiosidade e até não
aceitar; cabe aos educadores a função de estimular o relacionamento entre todos, com base na realidade de cada um deles, no respeito mútuo e
na aceitação das diferenças. Não se pode negar a existência de crianças
pobres ou ricas, negras, brancas, mestiças, gordas, baixas, portadoras de
necessidades especiais, entre outros tipos de diferenças. Negar é fechar
os olhos à realidade, seria tornarmos indiferentes e desatentos à diversidade que nos cerca, o deixar de ver “o mais belo” nas diferenças. Finalmente, mesmo fazendo um trabalho com objetivos inclusivos, seria
impossível ampliar a educação para a realidade social se não fizer com que
a escola e a família participem juntas com o mesmo objetivo.
A educação inclusiva segundo os parâmetros curriculares nacionais
Segundo os Parâmetros Curriculares Nacionais - PCNs, a escola
que se espera para o século XXI tem compromisso não apenas com a produção e a difusão do saber culturalmente construído, mas com a formação
do cidadão crítico, participativo e criativo para fazer face às demandas
cada vez mais complexas da sociedade moderna.
Nessa perspectiva, o governo tem desencadeado movimentos
nacionais de democratização do ensino, atualmente representados pelo
Programa Toda Criança na Escola que preconiza a universalização do atendimento educacional com qualidade. Prioriza o ensino fundamental, contando-se com a expectativa de colaboração dos estados, municípios e da
sociedade civil, ao admitir que “[...] a não-garantia de acesso à escola na
idade própria, seja por incúria do Poder Público ou por omissão da família
e da sociedade, é a forma mais perversa e irremediável de exclusão social,
pois nega o direito elementar de cidadania” (MEC, 1997).
Assim, depreende-se a importância da educação escolar no exercício da cidadania que implica a efetiva participação da pessoa na vida
social resguardada a sua dignidade, a igualdade de direitos, a importância
da solidariedade e do respeito, bem como a recusa categórica de quaisquer formas de discriminação.
O movimento nacional para incluir todas as crianças na escola e o
ideal de uma escola para todos vêm dando novo rumo às expectativas
educacionais para os alunos com necessidades especiais.
Esses movimentos evidenciam grande impulso desde a década
de 90 no que se refere à inserção de alunos com deficiência na rede regular de ensino e têm avançado aceleradamente em alguns países desenvolvidos, constatando-se que a inclusão bem-sucedida de educandos requer
48
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um sistema educacional diferente do atualmente disponível. Implica a
inserção de todos, sem distinção de condições lingüísticas, sensoriais,
cognitivas, físicas, emocionais, étnicas, socioeconômicas ou outras e requer sistemas educacionais planejados e organizados que dêem conta da
diversidade dos alunos e ofereçam respostas adequadas às suas características e necessidades.
A inclusão escolar constitui, portanto, uma proposta politicamente correta que representa valores simbólicos importantes, condizentes
com a igualdade de direitos e de oportunidades educacionais para todos,
em um ambiente educacional favorável. Impõe-se como uma perspectiva
a ser pesquisada e experimentada na realidade brasileira, reconhecidamente ampla e diversificada.
Ao pensar a implementação imediata do modelo de educação
inclusiva nos sistemas educacionais de todo o país (nos estados e municípios), há que se contemplar alguns de seus pressupostos. Que professor o
modelo inclusivista prevê? O professor especializado em todos os alunos,
inclusive nos que apresentam deficiências?
O plano teórico-ideológico da escola inclusiva requer a superação dos obstáculos impostos pelas limitações do sistema regular de ensino. Seu ideário defronta-se com dificuldades operacionais e pragmáticas
reais e presentes, como recursos humanos, pedagógicos e físicos ainda
não contemplados nesse Brasil afora, mesmo nos grandes centros. Essas
condições, a serem plenamente conquistadas em futuro remoto, supõese, são exeqüíveis na atualidade, em condições restritamente específicas
de programas-modelos ou experimentais.
O que se afigura de maneira mais expressiva ao se pensar na
viabilidade do modelo de escola inclusiva para todo o país no momento é
a situação dos recursos humanos, especificamente dos professores das
classes regulares, que precisam ser efetivamente capacitados para transformar sua prática educativa. A formação e a capacitação docente impõemse como meta principal a ser alcançada na concretização do sistema
educacional que inclua a todos, verdadeiramente.
É indiscutível a dificuldade de efetuar mudanças, ainda mais
quando implicam novos desafios e inquestionáveis demandas
socioculturais. O que se pretende, numa fase de transição onde os avanços são inquietamente almejados, é o enfrentamento desses desafios
mantendo-se a continuidade entre as práticas passadas e as presentes,
vislumbrando o porvir; é procurar manter o equilíbrio cuidadoso entre o
que existe e as mudanças que se propõem.
A maioria dos sistemas educacionais ainda baseia-se na concepção médico-psicopedagógica quanto à identificação e ao atendimento de
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alunos com necessidades especiais.
Focaliza a deficiência como condição individual e minimiza a
importância do fator social na origem e manutenção do estigma que cerca
essa população específica. Essa visão está na base de expectativas
massificadas de desempenho escolar dos alunos, sem flexibilidade
curricular que contemple as diferenças individuais.
Outras análises levam à constatação de que a própria escola regular tem dificultado, para os alunos com necessidades especiais, as situações educacionais comuns propostas para os demais alunos. Direcionam
a prática pedagógica para alternativas exclusivamente especializadas, ou
seja, para alunos com necessidades especiais, a resposta educacional adequada consiste em serviços e recursos especializados.
Tais circunstâncias apontam para a necessidade de uma escola
transformada. Requerem a mudança de sua visão atual. A educação eficaz
supõe um projeto pedagógico que enseje o acesso e a permanência - com
êxito - do aluno no ambiente escolar; que assuma a diversidade dos
educandos, de modo a contemplar as suas necessidades e potencialidades.
A forma convencional da prática pedagógica e do exercício da ação docente é questionada, requerendo-se o aprimoramento permanente do contexto educacional. Nessa perspectiva é que a escola virá a cumprir o seu
papel, viabilizando as finalidades da educação.
Em uma dimensão globalizada da escola e no bojo do seu projeto
pedagógico, a gestão escolar, os currículos, os conselhos escolares, a parceria com a comunidade escolar e local, dentre outros, precisam ser revistos e redimensionados, para fazer frente ao contexto da educação para
todos. A lei nº 9.394 - de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - respalda, enseja e oferece elementos para a transformação requerida pela escola de modo que atenda aos princípios democráticos que a orientam.
Considerações finais
A realização desse trabalho “abre-nos os olhos” para a inclusão.
Tema discutido há mais de dez anos, de forma tímida e discreta em nossas
escolas. Porém, as crianças portadoras de necessidades especiais, assim
como adultos e idosos sempre estiveram e existiram na sociedade. Referindo-nos às crianças, vale enfatizar que a escola, apesar das limitações,
deve buscar atendê-las da melhor maneira, sendo que algumas vezes o
encaminhamento aos centros de Ensino Especial é a última opção frente à
gravidade ou comprometimento da situação do aluno.
Hoje já não podemos falar ou mesmo viver a inclusão como um
processo opcional, as leis existem, são claras, e devem ser obedecidas,
porém, só elas não garantem a inclusão que desejamos. Como educado50
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res, membros dessa sociedade, não podemos esperar estruturas “perfeitas”, “condições ideais para que a inclusão aconteça.
Um aspecto primordial discutido durante este estudo refere-se
a questão de educar na cidadania e não para a cidadania. A lei nos assegura
que somos iguais independente de sexo, idade, raça ou condição social,
somos iguais enquanto seres humanos, porém a realidade social ainda é
precária e desvirtuada em relação ao que a lei propõe.
O indivíduo PNEE já nasce cidadão, portanto seus direitos constitucionais devem ser garantidos. Neste momento, temos como referência
o conceito de cidadania segundo Marshall (apud Gentili e Alencar, 2002, p.
70) que diz: “A cidadania consiste em assegurar que cada qual seja tratado
como um membro pleno de uma sociedade de iguais”.
De acordo com Nogueira (2004), temos consciência que frente a
construção da cidadania e da efetivação da socialização da pessoa PNEE, a
escola tem fundamental significado e atuação, porém não é única; a aceitação, o incentivo e a busca do desenvolvimento pleno desse indivíduo
acontece inicialmente dentro da família, essa instituição social, atualmente
tão criticada e discutida, mas que sem sombra de dúvidas exerce grande
influência na vida de cada ser humano.
Outro aspecto a ser considerado é que o aluno PNEE não é “prioridade’ de um professor e que este por sua vez deva sofrer todas as “angústias e dificuldades” encontradas no trabalho do dia-a-dia. A proposta
inclusiva tem que ser entendida como filosófica. Desse modo, o aluno
PNEE pertence a toda a escola, é compromisso e responsabilidade de todos, sendo assim, é lógico que os aspectos emocionais de todos os envolvidos devem ser considerados, uma vez que as ansiedades, inseguranças,
tanto dos alunos, quanto dos pais e professores comprometem a qualidade do trabalho e geram instabilidade.
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Revista da Faculdade de Educação
FACES DA UNIVERSIDADE CONTEMPORÂNEA
Nilsa Brito Ribeiro1
RESUMO: Uma reflexão sobre a universidade contemporânea impõe que se pense
sobre as crises por ela vivenciadas ao longo de sua existência. Também, e talvez
por isso mesmo, seja necessário evidenciar a existência de crises externas à universidade. Com isso queremos dizer que, sendo a universidade uma organização
social, as crises por ela enfrentadas ao longo de sua existência nada mais são do
que uma reação às mudanças também operadas para além de seus muros. Cada
vez que a sociedade passa por mudanças profundas, a universidade se sente desafiada a se adequar ou a se rebelar frente à re-conformação social, justamente
porque à maneira de todas as instituições, a IU não passa incólume às mudanças
que se operam no seu entorno.
PALAVRAS-CHAVE: Sociedade; Universidade; Modernidade.
ABSTRACT: A reflection on the contemporary university imposes us to think on the
crises lived by the throughout its existence. Therefore it’s also necessary to evidence
the existence of external crises at the university. With this we want to say that,
being the university a social organization, the crises faced in the throughout of its
existence is nothing more than a reaction to the changes also operated beyond its
walls. Each time that society passes for deep changes, the university feels being
defiant in to adjust or to rebel in relation at social reconfirmation, exactly because
to the way of all the institutions, the IU does not pass uninjured to the changes that
it operates in its inside.
KEYWORDS: Society; University; Modernity
1. Introdução
Na década de 1960 assistiu-se, por imposição das transformações na divisão social do trabalho e no processo de trabalho, à democratização da universidade que abriu suas portas para um número crescente de
alunos pertencentes à classe trabalhadora. Com a democratização do ensino superior, no entanto, um conjunto de contradições veio à tona. A
partir do momento em que o acesso à universidade foi facultado também
à classe trabalhadora, este perdeu sua função seletiva, e, conseqüentemente, o diploma não mais correspondia a um critério forte de seleção
para o ingresso no mercado de trabalho. A universidade deveria, então,
redefinir critérios de seleção para superação das contradições motivadas
1
Professora da Universidade Federal do Pará/Campus de Marabá-PA.
53
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pela inserção de uma nova demanda social até então excluída dos seus
muros.
A própria seleção muda de sentido. Até pouco tempo
atrás, ela traduzia um estado de fato, a saber, a relação da sociedade com a universidade que recebia somente uma elite. Hoje, a universidade massificada vê-se
afligida pelo papel de criar em si mesma uma discriminação, e a cultura elaborada no passado pelo trabalho de uma minoria torna-se o instrumento de um
desempate a ser operado nas massas estudantes
(CERTEAU, 1993, p. 105).
Diante da incapacidade de produzir uma cultura útil, ou seja, não
fornecendo nem emprego nem prestígio, a instituição universitária procura trabalhar propostas de reformas como uma saída possível para manter o que Santos (1995) denomina mecanismo de controle. Se antes o
diploma era um mecanismo de promoção social, agora quando uma parcela considerável da sociedade pode ter acesso à universidade, é necessário
que esta faça repor outros mecanismos administrativos e de mercado. Um
dos mecanismos adotados é a desvalorização do diploma, e, conseqüentemente, o aviltamento do trabalho e dos salários universitários, resultando, finalmente, no desemprego (CHAUÍ, 2000). Além disso, podemos
pensar nas tantas formas disfarçadas de avaliações, seleções e tantos outros instrumentos capazes de produzir modelos ideais de universidades
e, assim, continuar o processo de exclusão, talvez agora muito mais intenso, pois se faz sob a máscara de “universidade aberta” a todos e com base
em critérios de rendimento e eficácia cada vez mais sofisticados, e por
isso mesmo, mais sutis. Sobre esse aspecto, Gentili (1995) diz que nessa
nova ordem econômica e política, as ideologias meritocráticas adquirem
papel fundamental, criando, inclusive, uma nova ordem cultural que vai
implicar numa redefinição na estrutura de qualificação das empresas. Essas exigências passam a ser requeridas também da universidade enquanto espaço de formação da mão-de-obra, e sob o princípio do mérito,
orientado pela lógica do mercado, legitimam-se a ineficiência de alguns e
a competência de outros enquanto participantes do sistema de trabalho
na sociedade. Trigueiro (1999) assinala que:
Os critérios de qualidade acadêmica tradicionais são
alterados, deixando de apoiarem-se apenas em avaliações interpares ou em critérios estabelecidos fundamentalmente pelas comunidades científicas, passando
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a incluir itens como custo, segurança, relevância social e outros indicadores, provenientes de ambientes de
fora dos laboratórios e centros de pesquisa. Verificase também, a diminuição de influência da hierarquia
acadêmica nas decisões e na condução da prática científico-tecnológica contemporânea, ampliando espaços para segmentos jovens e grupos emergentes, antes
considerados periféricos aos estratos dominantes do
campo científico (p. 23-24).
Desse modo a universidade vai buscando alternativas para responder mais agilmente a demandas que lhe são dirigidas, e cada vez mais
em maior consonância com as exigências de um mercado ávido por
‘tecnologia de ponta’. No intento de manter-se relevante face a seu papel
de agenciadora e propulsora de desenvolvimento, a universidade: i) empreende a sua reorganização interna divorciada de um debate que leve
em consideração uma avaliação acerca da sua função social e da necessidade de repensar o modelo acadêmico, caindo facilmente num modelo
de universidade prestadora de serviços; ii) pelo fato de as saídas para a
superação da sua crise virem de fora de seus muros, provocando conflitos
externos e internos, produz-se a cisão interna à própria instituição.
2. A crise da universidade advinda da condição pós-moderna
Na compreensão de Santos Filho (2000), a pós-modernidade2 é a
terceira grande mudança paradigmática que estamos vivendo a partir da
segunda metade do século XX. O capitalismo nacional, característica da
modernidade, cede lugar ao capitalismo multinacional, transnacional, na
pós-modernidade. Enquanto no passado o Estado predominava, assumindo o controle dos serviços essenciais, nesse novo momento histórico,
Estado e Mercado crescem sempre mais articulados, constatando-se cada
vez mais a predominância deste último. A transnacionalização reduz as
ações do Estado que não mais se define como soberano, agente econômico regulador do mercado, já que nesse novo cenário o capitalismo dispensa e rejeita a presença do Estado não só na economia, mas também nas
políticas sociais, se considerarmos que a privatização se estende também
aos serviços públicos. É nesse contexto que se desenvolve a universidade
contemporânea.
2
Adotando a definição de Lyotard (1979), ‘pós-modernidade’ designa o estado de
cultura após as transformações que afetam as regras do jogo da ciência, da
literatura e das artes a partir do final do século XIX.
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Para Feathestone (2000), “os processos de globalização que têm
levado os estados nacionais à mais ferrenha competição aumentou a necessidade deles investirem em educação como recurso para melhorar a
competitividade de suas indústrias e negócios” (p. 79). No entanto, a emergência de mercados financeiros globais cada vez mais diversificados impede que o Estado faça investimentos com soberania e eficácia na educação,
de modo que possa promover a formação profissional à altura das exigências desse mercado dinâmico. Assim, a crise científica e financeira dos
tempos atuais se transporta para o interior da universidade, atribuindolhe funções variadas, o que a leva a um processo de busca constante de reconfiguração de suas práticas e especificidades, re-configuração essa
sempre balizada pela pressão externa de um mercado que busca aumentar de forma acelerada a sua eficiência e produtividade. A exemplo de tais
re-configurações em favor de uma pressão externa, podemos pensar nas
formas de aceleramento de cursos de graduação e pós-graduação, nas
novas exigências para fomento à pesquisa, na desigual repartição de recursos pela criação de ‘centros de excelência’ etc.
Estas novas configurações adotadas entram em conflito com as
funções tradicionais da universidade e elas se apresentam como sintomas
de reprodução de uma dada crise da instituição universitária, traduzindose, segundo Santos (1995), em a) crise de hegemonia – em que a universidade, enquanto modelo de instituição dotada de grande prestígio social
que sempre se ocupou da produção de conhecimentos destinados à formação das elites, entra em crise com o surgimento de novas demandas
sociais emergentes a partir dos anos sessenta, e, desse modo, a crise de
hegemonia se caracteriza pela perda de prioridade e exclusividade de
uma dada condição social, de um dado grupo social, ou seja, a universidade, entendida como centro privilegiado de produção cultural, intelectual
e científica, exclusiva para a formação de uma elite, se depara com a emergência de uma cultura de massas que passa a exigir da universidade uma
nova forma cultural, com uma lógica de produção, de distribuição e de
consumo totalmente distinta da cultura até então produzida para a elite;
b) crise de legitimidade – instaura-se num momento em que a universidade, diante de seu compromisso com a formação cultural e de conhecimento de uma cultura por ela legitimada, depara-se com reivindicações de
outro grupo, socialmente legitimadas. Em contrapartida, a universidade
só pode legitimar-se incorporando essa nova demanda social através da
formação profissional, investigação aplicada e extensão universitária. A
crise de legitimidade é, em grande medida, resultado das lutas pelos direitos sociais, entre os quais o direito à educação; c) crise institucional - revela-se sempre quando os pressupostos que sustentam determinada
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organização social são postos em questão. No caso da universidade, o
valor posto em questão na crise institucional é a autonomia universitária,
uma vez que, ao deparar-se com a diminuição do Estado, a Instituição
Universitária tem sofrido os efeitos de cortes orçamentários drásticos,
interferindo, conseqüentemente, em sua autonomia.
A observação do autor nos faz ver que a crise de hegemonia de
um modelo de universidade, já em relativa desarmonia com as exigências
sociais que emergem no período pós-guerra, intensifica-se a partir dos
anos sessenta, atingindo e interferindo na especificidade da universidade. Na tentativa de solucionar seus conflitos com uma parte da sociedade
que luta pela sua inserção na universidade, esta acabou deslocando um
conflito que era externo para o seu interior. Como resultado da pressão
endereçada à universidade para atender a uma demanda popular, produzem-se dois tipos de universidade: um de formação mais geral e outro,
profissionalizante. Este último, com a finalidade de atender a uma necessidade imediata do mercado que exige formação profissional dessa parcela da sociedade, para ser absorvida como mão-de-obra qualificada. No
entanto, a abertura da universidade à classe popular, a ampliação dos
quadros docentes e/ou de pesquisadores, enfim, a escolarização universal não foi suficiente para a contenção do conflito. Ao contrário, o conflito
se aprofunda na medida em que a universidade passa a conviver com dois
mundos, em seu interior: o mundo da formação intelectual e o mundo do
trabalho. Nesse sentido, Chauí (2000) identifica como causa da crise que
enfrenta a universidade, a inversão de seu papel: em vez de desenvolver
um ensino com a finalidade de criar elites dirigentes, assume como finalidade treinar mão-de-obra para o mercado, sendo que a universidade
mesma não se sente preparada para isso.
3. Reconfigurações das bases de atuação da universidade: o ensino, a
pesquisa e a extensão
As três funções da universidade estabelecidas pelo modelo de
universidade alemão – investigação, educação cultural e ensino - parecem ter constituído a idéia da maioria das universidades por muito tempo,
vindo a ser abaladas em função de pressões e transformações da sociedade a que foi submetida a universidade, na década de sessenta, intensificando-se nas décadas de 1970 e 1980. Face aos valores da sociedade
moderna, a IU é, nesse novo contexto, convocada a privilegiar os aspectos
utilitário e produtivo, em detrimento da dimensão cultural. A unicidade,
ainda que abstrata, dessas funções, é alterada, principalmente no nível
das políticas universitárias concretas, as quais produziram a multiplicidade
de outras funções no interior da universidade (SANTOS, 1995).
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A prestação de serviços à comunidade, sob a rubrica de ‘extensão universitária’, surge nesse momento em que novas demandas sociais
são dirigidas à universidade e esta procura redefinir sua identidade de
modo a refletir sua condição de mais compromissada com os interesses
sociais, de garantir a continuidade de sua relevância na sociedade. A prestação de serviços seria então a manifestação do compromisso social da IU,
através de ações que vão além do ensino e da pesquisa.
Muitos estudos sobre a história social e política da instituição
universitária, desde o seu surgimento até os dias atuais, nos permite constatar que os discursos que tematizam a crise da universidade se centram
sempre nas esferas sociais com as quais a universidade, desde a sua origem, mantém uma relação paradoxal de absorção e conflito – A Religião,
O Estado e o Mercado. Nesse sentido, Le Goff (2003) assinala que na Idade
Média, especialmente no século XIII, a universidade já enfrenta uma série
de crises, dando sinais de amadurecimento e amoldando-se às estruturas
sociais e novas atitudes intelectuais. Já aí o poder da universidade, representado pelas corporações, ameaça e inquieta outros poderes. Assim, em
busca de sua autonomia, a universidade se vê obrigada a lutar ora contra
os poderes eclesiásticos, ora contra os poderes leigos.
Não obstante o esforço que a universidade sempre empreendeu para manter-se relevante em relação ao que a sociedade demanda, as
mudanças de centralidade de uma função para outra parecem ter sido
sempre permeadas de tensões, ao longo da existência da universidade.
Talvez se possa dizer que quando a universidade foi pressionada a deslocar o centro de suas ações do ensino para a pesquisa e desta para a extensão, tais mudanças se operaram sob o enfrentamento de conflitos entre a
ação que vinha sendo privilegiada e a que passava a exigir centralidade.
A seguir, discutiremos os movimentos internos a cada uma das
três funções principais da IU, observando que tais movimentos se efetivam justamente pelo confronto instalado entre elas a despeito do que à
universidade foi encaminhado enquanto demanda da sociedade.
3.1 O ensino
Com a criação da universidade moderna, novos modelos de universidade foram elaborados e cada um deles traz em si um tratamento
destinado à pesquisa e ao ensino. Alguns centraram o foco no ensino
profissional, como foi o modelo napoleônico, outros na produção de alto
conhecimento desinteressado de uma aplicação imediata, como postulava o modelo alemão, outros ainda na junção destes dois modelos. Santos
(1995, p. 193) afirma que
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A centralidade da universidade enquanto lugar privilegiado da produção da alta cultura e conhecimento
científico avançado é um fenômeno do século XIX, do
período do capitalismo liberal, e o modelo de universidade que melhor o traduz é o modelo alemão, a universidade de Humboldt.
Com a crise do capitalismo, na primeira metade do século XX momento em que o Estado passa a atuar como provedor de bem-estarsocial por meio de políticas sociais - essa concepção de universidade entra
em relativo descompasso com as novas exigências para fazer frente aos
processos de reestruturação produtiva em tempos de globalização. Nesse
período forjou-se o modelo de universidade a que Castanho (2002) denomina de democrático-nacional-participativo. Configura-se como um momento em que a sociedade liberal começa a exigir formas de
conhecimentos técnicos, conhecimentos que a universidade tem dificuldades de incorporar (SANTOS, 1995). A ciência e a tecnologia, antes encaradas como suporte do capital, nesse novo cenário se convertem em
agentes de acúmulo do capital, ou seja, ciência e tecnologia são produzidas de acordo com o que o mercado exige e não com o que a universidade
identifica e define como prioridade. Exigem-se agora conhecimentos produzidos também para a classe popular e não mais apenas a formação cultural e científica de uma elite, o que vai produzir alterações curriculares
no ensino superior, passa a contemplar, além da formação geral, também
a formação profissional específica.
Nesse contexto, a universidade procura reafirmar sua hegemonia
trazendo para o seu interior a cisão educação-trabalho. A educação antes
centrada na formação intelectual do indivíduo, na socialização adequada
para o desempenho da direção da sociedade, com a automatização das
empresas e, conseqüentemente, a exigência de um novo tipo de trabalhador, nesse novo cenário, passa a ser educação para o trabalho, ou seja,
a IU é pressionada a contemplar ensino de conhecimentos especializados
para atender às exigências do desenvolvimento tecnológico no espaço da
produção. O trabalho, antes restrito ao desempenho da força física, reveste-se agora de uma dimensão intelectual e, desse modo, a dicotomia não
mais se limita aos termos educação-trabalho, mas se aplica também internamente a cada termo da relação dicotômica, isto é, a educação antes
voltada exclusivamente para a formação intelectual passa a contemplar a
formação para o trabalho (eis aí a primeira dicotomia interna ao próprio
termo educação) e o trabalho antes reservado à força física passa a adquirir uma dimensão intelectual, uma vez que passa a ser exigida uma forma59
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ção profissional qualificada para certas profissões que antes adquiriam
treinamento na própria empresa (assim temos a segunda dicotomia interna ao termo trabalho). Verifica-se, então, a cisão entre cultura geral e
formação profissional, de um lado, e trabalho não qualificado e trabalho
qualificado, de outro (SANTOS, 1995).
Considerando todas as implicações advindas dessas dicotomias,
há ainda que considerar a posição da universidade no mercado de trabalho. Se por um lado a universidade não consegue manter o controle da
formação profissional - já que esta tarefa não está mais reservada somente a ela, mas também a outras instituições que se multiplicam para atender a um mercado a cada dia mais exigente - por outro, a universidade
também se sente abalada quanto ao desempenho de funções demandadas pelo mercado em relação à volatilidade e ao perfil da formação profissional. O tempo de formação do profissional pela universidade quase sempre
não corresponde ao tempo de absorção produtiva desse profissional, já que
as solicitações de profissionalizações pelo mercado não têm o mínimo de
estabilidade, dadas as constantes alterações do perfil profissional exigido,
e, por isso mesmo, a universidade, quanto ao alcance de seus objetivos, se
mostra sempre aquém das expectativas do setor produtivo.
Mesmo admitindo que a universidade tenha conseguido acomodar no seu interior a existência de dois mundos - o mundo da educação e
o mundo do trabalho - minimizando, assim, a perda de centralidade de
uma cultura de elite diante da emergência de uma cultura de massas e da
exigência cada vez mais sofisticada dos processos produtivos, a dicotomia
educação-trabalho também começa a ser questionada, no que diz respeito ao tempo de oferta de um e de outro segmento dessa dicotomia. A
busca crescente de produtividade industrial exige uma re-configuração
da dicotomia educação-trabalho, no sentido de que os dois segmentos da
dicotomia - educação-trabalho - deixam de ter uma relação seqüencial, ou
seja, uma relação que se configura na oferta da educação profissional
seguida do exercício da profissão, e exige-se que educação e trabalho
sejam ofertados a um só tempo - exigência incompatível com o tempo da
universidade, pelas suas especificidades. Nessa nova exigência, a formação e o desempenho da profissão devem fundir-se num mesmo processo
produtivo, o que se configura, hoje, como educação permanente ou educação continuada (SANTOS, 1995, p.193-198).
Em outros termos, o compromisso da universidade não se esgota mais ao ofertar uma formação profissional específica, mas consiste em
atender continuamente as demandas rotativas que o mercado apresenta.
Nesse sentido, parece razoável dizer que e a crise da universidade se
aprofunda nesse espaço entre o que ela forma e o que a sociedade quer
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que ela forme, o que vai ocorrer também, em grande medida, no espaço
da pesquisa, como veremos adiante.
Nessa nova ordem, a universidade, cuja tradição foi a de conservar e criar novos conhecimentos, tem seu sentido alterado quando se
exige que ela deve reunir formação e trabalho (num prazo recorde, nos
moldes da dinâmica do mercado e não dela própria), justamente porque a
empresa inserida na dinâmica de acúmulo rápido de capital, não quer
perder tempo com o treinamento em serviço. Por sua vez, a universidade,
sem querer perder a centralidade, enfrenta uma situação paradoxal que a
coloca numa posição entre seguir a sua tradição e atender a exigências
externas, pois como diz Santos (1995):
Dado o modo como se reproduzem as contradições e
as tensões nas dicotomias alta cultura-cultura popular, educação-trabalho, teoria-prática, em processos
sociais cada vez mais complexos e acelerados, a universidade não pode deixar de perder a centralidade,
quer porque ao seu lado vão surgindo outras instituições que lhe disputam com sucesso algumas das funções, quer porque, pressionada pela “sobrecarga
funcional”, é obrigada a diferenciar-se internamente
com o risco permanente de descaracterização (p. 210).
Ainda nas palavras de Santos, (1995, p. 187): duplamente desafiada pela sociedade e pelo Estado [e mais recentemente pelo Mercado], a
universidade não parece preparada para enfrentar os desafios, tanto mais
que estes apontam para transformações profundas e não para simples
reformas parcelares.
Desse modo, a universidade é chamada a atuar na formação de
competências capazes de atender à dinâmica do mercado competitivo.
Por essa via, cursos e disciplinas desaparecem e outros novos surgem
como formas de respostas a novas demandas de setores da sociedade.
Além disso, e talvez por isso mesmo, em concorrência com a universidade, instituições paralelas vão surgindo com o objetivo específico de qualificar essa mão-de-obra para o mercado.
3.2 A pesquisa
Sabe-se que desde o século XIX a universidade reclamou para si
o lugar privilegiado de produção do conhecimento que, no contexto de
uma visão liberal, se desenvolveu pautado na busca desinteressada do
saber e na não interferência do Estado. De acordo com o modelo alemão,
em nome da autonomia na busca da verdade, a universidade concentrou
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todos os seus esforços na investigação pura ou básica.
Ainda no século XIX e no século XX, vemos a expansão do papel
da universidade no desenvolvimento da pesquisa aberta a diferentes setores da sociedade. Para Featherstone (2000), até o momento em que o
Estado era atraído por grupos financeiros menores e as pressões se efetivavam no sentido de se tornar mais competitivo num contexto mais amplo, a ciência e a tecnologia eram encaradas como um recurso necessário
para o desenvolvimento econômico; com a expansão da cultura de consumo, surge também uma demanda maior por funcionários e técnicos que
pudessem produzir bens culturais. Momento em que as universidades
passam a responder às necessidades da tecnologia e da economia. Com
efeito, a produção científica é submetida a políticas que não emanam do
interior da universidade, mas resultam de orientações e interesses político-econômicos externos. Sobre esse aspecto, Chauí (2000) chama a atenção para a relação íntima entre produção do conhecimento e poder político.
Significa dizer, segundo a autora, que não apenas pela sua vocação política
a universidade tem revelado a sua estreita relação com o poder político,
mas também pela sua vocação científica, ainda que essa relação nem sempre tenha sido explicitada.
Nessa linha de pensamento, Santos (1995) observa que essa interpelação constantemente feita à universidade, no que diz respeito à
pesquisa, traduz-se em dois problemas principais: a natureza da investigação básica e os limites da investigação aplicada nas universidades. A
natureza da investigação básica se tornou um problema quando a crescente transformação da ciência em força produtiva veio produzir a distinção
entre investigação básica e aplicada. Com a multiplicação de cursos e universidades, na década de 1960, a dedicação à investigação básica, vista até
então como um benefício para as universidades, começou a ser pensada e
contabilizada como custo.
O autor verifica ainda que a centralidade da pesquisa até então
na universidade começa a se inverter. Em primeiro lugar, as grandes empresas criaram seus próprios centros de pesquisa; em segundo, o próprio
Estado criou centros de pesquisa não universitários especializados em
áreas de ponta (biotecnologia, robótica, energia, inteligência artificial,
etc.) e em terceiro lugar, o Estado passou a selecionar as universidades e
outros centros de investigação com maior capacidade de investigação científica e a concentrar neles maior investimento financeiro, produzindo,
também pela pesquisa, a estratificação de universidades. Como atesta
Santos (1995, p. 201): “enquanto os dois primeiros tipos de medida
afectaram a centralidade da universidade a partir de fora, o último afectou
a partir de dentro”.
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Por esse mecanismo, da mesma forma como ocorreu com a formação geral e a formação profissional, verifica-se a cisão entre universidades de ensino e universidade de pesquisa ou de ensino e pesquisa,
resultando na criação de poucos ‘centros de excelência’, universidades
insulares, cujo critério básico é a produtividade e a eficácia. É nesse contexto que prolifera a criação de fundações e institutos voltados para pesquisas aplicadas às necessidades imediatas do mercado, e, assim, a
universidade perde a cada dia a hegemonia da investigação científica.
Como afirma Lyotard (1979, p. 72): “Privadas da responsabilidade da pesquisa que o relato especulativo abafa, elas [as universidades] se limitam a
transmitir os saberes julgados estabelecidos e asseguram, pela didática,
mais a reprodução dos professores do que dos cientistas”.
Quando a universidade se insere numa política de investigação
sob o escrutínio do mercado, os procedimentos que orientam a pesquisa
(tema da pesquisa, tempo destinado à pesquisa, publicação dos resultados) passam a submeter-se aos mesmos critérios da empresa, isto é, a
critérios orientados por fatores econômicos (relevância econômica, perspectiva de lucros, rapidez, eficiência etc.) e, por esses critérios, a universidade perde o poder de definidora dos rumos da pesquisa (CHAUÍ, 2001).
Assim, com base em necessidades mercadológicas apresentadas a partir do século XX, a universidade é cada vez mais convocada a
participar do desenvolvimento tecnológico do sistema produtivo, o que
incorre no redimensionamento também da dinâmica de produção do conhecimento.
Estudiosos afirmam que a universidade brasileira, paulatinamente, tem assumido o papel de produtora de pesquisa, mas também são
unânimes em afirmar que esse papel ainda é incipiente, na maioria das
instituições, sendo mais fortalecido naquelas pertencentes aos grandes
centros, existentes já há algumas décadas. Nesse sentido, Diniz (1999)
mostra em seus estudos realizados sobre as universidades da Amazônia
brasileira o fosso acadêmico intra e inter-regional na pesquisa e na pósgraduação. Segundo o autor, 69,7% dos cursos de pós-graduação estão
distribuídos na região Sudeste, 13,5%, na região Sul e menos de 20% do
total dos cursos de pós-graduação strictu senso estão distribuídos nas demais regiões do país, o que evidencia as dimensões da assimetria na pósgraduação brasileira. Essa distorção é conseqüência e causa, ao mesmo
tempo, de uma espiral concentradora. Mais cursos de pós-graduação significam mais investimentos de pesquisa que, por sua vez, geram mais
cursos (DINIZ, 1999, p. 19).
Por enquanto, o que se pode concluir é que se a organização da
atividade de pesquisa, a partir do século XVIII, esteve reservada quase
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que exclusivamente ao domínio da universidade, hoje a pesquisa sofre,
cada vez mais, injunções da política científica governamental e produtiva.
Como nos diz Thayer (1996), aquilo que para Kant eram as margens da
universidade (institutos, sociedades de saberes especializados) não constituindo nenhuma ameaça nem competição para ela, hoje ter-se-ia convertido em lugar de conhecimento relevante. Não é preciso dizer que, na
contemporaneidade, a maior parte das pesquisas científicas estão confiadas aos grandes centros e institutos de pesquisa, encarados como ‘ilhas
de excelência’ científica.
3.3 A extensão
A nova forma de atuação da universidade, no sentido de re-configurar suas ações para atender a reivindicações de responsabilidade social, que vão além do ensino e da pesquisa, provocou interpretações distintas
no seio da comunidade universitária. Segundo Santos (1995), se para alguns tratou-se de pôr em questão o isolamento da universidade e de
colocá-la a serviço da sociedade de modo geral, para outros tratou-se de
denunciar que o isolamento da universidade era apenas aparente, uma
vez que o seu envolvimento, embora ocultado, era em favor de interesses
das classes dominantes.
Quando a universidade volta o foco de sua atuação para a extensão através da prestação de serviços, a sua crise parece efetivar-se, principalmente na medida em que ‘necessidade social’ é substituída (ou vista
como correlata) por ‘demanda social’, com refere Wolff (1993). Quando a
extensão é definida pela necessidade social, esta é feita a partir da detecção
da própria universidade, ao passo que quando a extensão se define por
demanda social, a orientação do que fazer vem de fora da universidade e
muitas vezes a IU não dispõe de capacidade necessária para atender a tal
demanda sem colocar em risco as suas especificidades. Esse se configura
como outro espaço de surgimento da crise da universidade.
Santos (1995, p. 208) afirma que “a teorização hoje dominante
dos programas de extensão é reveladora dos limites de abertura da universidade à comunidade e dos objetivos que lhe subjazem.” Primeiro,
porque a relação que a universidade estabelece com as comunidades é,
na verdade, uma forma de minimizar ressentimentos que esta nutre por
aquela; segundo, porque os serviços prestados à comunidade devem ter
um forte componente técnico de modo a evitar que a universidade substitua outras instituições ou se descaracterize no que diz respeito ao desempenho de suas funções. Por fim, deve-se privilegiar os programas que
envolvam poucos recursos. Agindo assim, a universidade não se isola das
pressões que lhe são feitas, reproduzindo a sua centralidade simbólica e
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prática sem comprometer em demasia a sua estabilidade social (SANTOS,
1995). No entanto, quando a pressão externa, especialmente do mercado,
se desloca para ações vinculadas à extensão universitária, é preciso admitir que a atuação da universidade na prestação de serviços ganha dimensões inestimáveis, nesse novo cenário sócio-econômico.
4. Conclusão
Essa breve reflexão sobre o esforço histórico que a IU envidou
para se fazer relevante diante das transformações da sociedade, mobilizando conhecimentos a favor de soluções de problemas que a sociedade
passa a enfrentar, permitiu-nos observar que a universidade foi ampliando suas funções, de modo que, para além da conservação do conhecimento, para o que ela surge, ela está hoje tripartida em ensino (espaço de
conservação do conhecimento), pesquisa (responsável pela produção do
conhecimento) e extensão (por cuja via a universidade exerce a prestação
de serviços à comunidade). Foi possível observar ainda que no interior de
cada uma das funções desse tripé há conflitos que se configuram, em
síntese, do seguinte modo: a) se, historicamente, a universidade sempre
esteve reservada ao ensino, isto é, à distribuição do conhecimento, ao
mesmo tempo que o conserva, hoje a exigência é que ela forme profissionais para atuarem no mercado profissional. Assim sendo, há a pressão
para que outros conhecimentos ocupem o lugar daqueles que eram conservados, do passado, e hoje pragmaticamente inúteis para o exercício da
profissão; b) a universidade que se dedicava à pesquisa voltada à ciência
pura, ao ‘conhecer’, hoje, é chamada a pesquisar soluções para problemas
enfrentados pela sociedade nos moldes da organização atual, deixando
de lado o que não tem aplicabilidade imediata; c) no campo da extensão,
a universidade enfrenta o confronto que a coloca entre a decisão de prestar serviços a quem financia (os convênios firmados entre universidade e
empresas a que ela presta serviços, por exemplo) e atender às necessidades sociais que sequer se organizam ainda como demandas.
A universidade enfrenta, portanto, a tensão produzida pelo
impasse entre atender às necessidades que ela detecta como um déficit
da sociedade e as demandas sociais que lhe são endereçadas como capazes de fazer frente aos processos de reestruturação produtiva em curso.
Há quem defenda que a extensão parece ser a via mais promissora da universidade, na sua relação estreita com as demandas externas3 .
3
Por essa via, a universidade é convocada a produzir economia, como assinala
Wolff (1993), ao tratar do terceiro modelo de universidade - a universidade como
prestadora de serviço.
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É pela extensão que parece estabelecer-se o vínculo mais forte entre universidade e mercado, via prestação de serviços, seja pela formação de
mão-de-obra, seja pelo fomento à pesquisa (aplicada, principalmente)
que advém muito mais de órgãos externos empresarias do que do Estado.
Desse modo, o questionamento feito à universidade sobre o que
ensinar, pesquisar ou oferecer como serviços de extensão é resultante de
pressões sociais a que a universidade de um modo ou de outro tem procurado dar respostas. Daí porque, face às novas exigências orientadas pela
globalização da economia, a universidade tem se lançado na luta pela
produtividade, estreitando vínculos cada vez mais fortes com a comunidade industrial, o que revela o firme propósito de se manter relevante face
às demandas sociais a cada contexto histórico em que ela se encontra
inserida.
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O PAPEL DA LUDICIDADE NO PROCESSO DE APRENDIZAGEM INFANTIL
Darlene Scholze1
Vantoir Roberto Brancher2
Cláudia Terra do Nascimento3
RESUMO: Este trabalho tem como objetivo investigar a importância da ludicidade
no processo de aprendizagem de crianças. Para realizá-lo, elaboramos uma pesquisa qualitativa de cunho bibliográfico, buscando entender o que alguns autores
compreendem sobre o jogo, os brinquedos e as brincadeiras para a aprendizagem
e o desenvolvimento infantil. Tentando apontar uma nova perspectiva para a
ludicidade construímos este trabalho, acreditando que, muitas vezes, não é levado
em conta que é na hora das brincadeiras que a criança tem oportunidade de
experimentar situações que ocorrem no seu dia-dia e transformá-las em novos
conhecimentos, através das trocas e re-criações que faz de sua realidade. Este
estudo traz alguns conceitos e concepções importantes que fazem parte da vida da
criança como: ludicidade, infância, educação, pedagogia, brincadeira, brinquedo
e jogos, bem como a importância da presença do lúdico na construção de conhecimentos infantis.
PALAVRAS-CHAVE: Infância; Ludicidade; Aprendizagem.
ABSTRACT: This work has as an objective to investigate the importance of ludicity on
children’s learning process. To do that, we elaborated a qualitative research based
on bibliography so that we searched to understand what some authors comprehend
about games, toys and plays to children’s learning process and development. Trying
to point out a new perspective to ludicity, we built this work believing that, many
times, it is not consired that it exactly in the plays time children have the opportunity
of experiencing situations that occur throughout their daily life and change them
into new knowledges, through changes and recreations they do from their own
reality. This study brings some important concepts and conceptions that are part of
children’s life, such as: ludicity, childhood, education, pedagogy, plays, toys and
games, as well as the importance of the ludic presence in the building of children’s
knowledges.
KEYWORDS: Childhood; Ludicity; Learning.
1
2
3
Autora da Pesquisa. Professora. E-mail: [email protected]
Professor Ms. em Educação, substituto do Departamento de Fundamentos da
Educação/UFSM. Orientador da Pesquisa. E-mail: [email protected]
Psicopedagoga. Professora Ms. substituta do Departamento de Fundamentos da
Educação/UFSM. Co-Orientadora da Pesquisa [email protected]
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Introdução
Esta pesquisa surgiu do desejo de conhecer o que diferentes
autores pensam e apontam sobre a ludicidade hoje, pois o ser humano
necessita cada vez mais, atingir metas, cumprir horários, o que pode deixálo automatizado. Em função disso, é importante apontar outra perspectiva existencial do ser humano: o homo ludens, tese pouco trabalhada na
contemporaneidade. Garcia (2002) vai apontar para a relevância do jogo e
das brincadeiras, enquanto espaço de ressignificação da realidade, bem
como de constituição do sentimento de si. Além disso, destaca a importância destes na construção subjetiva do ser no mundo.
Diante dessas questões indaga-se: e as nossas crianças? Será que
o nosso modo de viver mecanicamente não torna a educação escola algo
também mecânico? Estamos dando espaço para que a criança desenvolvase em todas suas possibilidades e dimensões, e em todos os contextos?
Sobre estas questões, Trindade; Santos (2000, p. 09) trazem a seguinte
reflexão:
[...] a gente olha e não vê, a gente vê, mas não percebe,
a gente percebe, mas não sente, a gente sente, mas não
ama e, se a gente não ama a criança, a vida que ela
representa, as infinitas possibilidades de manifestação dessa vida que ela traz, a gente não investe nessa
vida, a gente não educa e se a gente não educa no espaço tempo de educar, a gente mata, ou melhor, a gente
não educa para a vida; a gente educa para a morte das
infinitas possibilidade. A gente educa (se é que se pode
dizer assim) para uma morte em vida: a invisibilidade
(TRINDADE; SANTOS, 2000, p. 09).
Vive-se hoje em uma sociedade em que tempo é dinheiro, e
acaba-se submetendo as crianças a uma nova realidade. Assim desta realidade, está-se educando as crianças à competição, oferecendo-lhes muitas “oportunidades”, acreditando que elas, no futuro, trabalhem em prol
do cumprimento das metas dessa mesma sociedade. O que muitos não
enxergam é que estamos privando-as de sua especificidade infantil: imaginar e brincar.
Na escola, percebemos que as brincadeiras têm tempo e hora,
na medida em que se avança nas séries, ou fases subseqüentes. Nesse
contexto, o espaço de brincadeiras torna-se cada vez menor e, por fim,
acaba. Borba (2007, p. 33) também se pergunta sobre esta questão: “Por
que à medida que avançam os segmentos escolares se reduzem os espaços e tempos do brincar e as crianças vão deixando de ser crianças para
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serem alunos?” E, mais adiante, em seu texto, responde afirmando “[...] a
brincadeira está entre as atividades avaliadas por nós como tempo perdido” (p. 35). Pois, por muito tempo a brincadeira foi vista apenas como
aporte à frivolidade, como oposição ao trabalho.
Nas escolas, priorizam-se os conteúdos e os ensinamentos “sérios”, o brincar e a imaginação ficam limitados. E, somente na hora do recreio se pode viver aventuras e experimentar situações novas. Após este
período as crianças voltam a ser alunos e retornam aos assuntos considerados importantes. Garcia (2002, p. 76) afirma que, “a relação de oposição
entre a realidade e o brincar deve-se ao fato de que a atividade lúdica
apóia-se, fundamentalmente, no princípio do prazer”. E mais adiante continua dizendo que é através do jogo, num processo de inter-relação entre
consciente inconsciente, que a criança consegue elaborar a realidade e a
fantasia.
A criança, portanto, usa meios da realidade e insere-a em suas
brincadeiras. Nelas, ela pode experimentar, re-elaborar situações do seu
dia-dia e criar novas realidades. afirma que “O brincar envolve complexos
processos de articulação entre o já dado e o novo, entre experiência, a
memória e a imaginação, entre a realidade e a fantasia” (BORBA, 2007, p.
36). Assim, as crianças buscam em suas brincadeiras descobrir e construir
novas visões de sua realidade.
A ludicidade
O brincar sempre se fez presente na vida das crianças. Através
dele, elas viajam do mundo real para um mundo imaginário onde tudo
pode acontecer. Objetos criam vida, ao mesmo tempo em que desaparecem e adquirem novas formas e sentidos; lugares distantes ficam a ‘um
passo’ do alcance e até planetas desconhecidos viram ‘reais’. Pode-se
construir e desconstruir ‘mundos’ e objetos. Nas brincadeiras, pode-se
ser rainha ou bruxa, herói ou bandido, pequeno ou grande, pois elas nos
permitem ir além.
Garcia (2002, p. 56) comenta que “ao brincar, o sujeito ensaia,
treina, aprende, se distrai, sim; mas se constrói: afirma, assimila, reorganiza, descobre e inventa suas formas enfrenta os enigmas, os desafios, as
oportunidades e as imposições que a vida lhe apresenta”. As brincadeiras
permitem à criança imaginar e ao interagir nas brincadeiras. Ela, ao mesmo tempo em que cria ‘saídas’ para situações reais, assimila regras sociais,
observa o outro e elabora novos conhecimentos.
Brincar, contudo, não é apenas ‘coisa de criança’. A ludicidade faz
parte de toda a vida do homem e não é porque os adultos não brincam que
ela deixa de existir. Brancher (2007) entende o lúdico como atividade ine71
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rente ao ser humano. Nós educadores devemos percebê-lo não apenas
enquanto prática utilitarista, pois o jogo pelo jogo também pode promover produções de conhecimento. A prática do jogo nos proporciona essa
alegria; alegria que também é saber, saber viver e saber ser. Almeida (1990,
p. 11) enfoca que “ninguém é mais livre neste mundo do que aquele que
consegue viver a alegria na liberdade, a liberdade na alegria e a alegria no
viver”. O jogo exige que o jogador crie estratégias envolvendo seus conhecimentos na busca de soluções para sair-se bem. Ao conseguir resolver os problemas, o jogador assimila novos saberes e um sentimento de
poder vencer os desafios.
As atividades lúdicas, portanto, nos permitem experimentar,
sentir, criar e re-criar mundos e situações. Através dela podemos nos libertar da nossa realidade mecânica e ir muito além deste mundo, trocar
experiências, viver momentos de alegria e liberdade, enfim, aprender
com as situações.
Conceitos e concepções
Demorou muito tempo para que as crianças pudessem ser consideradas como ser histórico e de direitos, bem como sujeitos produtores
de culturas e sendo ‘construídos’ por estas. Também tem que se levar em
conta que existem diferentes processos na construção do que significa
infância4 , que varia de cultura para cultura e de sociedade para sociedade.
A própria palavra infância significa alguém que não possui fala. Segundo
Oliveira; Oliveira (2006, p. 42) “A infância é uma invenção, com isso, não
está garantida em nenhum momento histórico, nem mesmo na
contemporaneidade, com todos os direitos e deveres garantidos em lei
pela sociedade com relação às crianças e jovens. Não basta ser criança
para ter uma infância”.
Uma primeira concepção de infância surge no século XVII, quando os adultos passaram a observar os movimentos de dependência das
crianças pequenas e preocuparam-se com as mesmas enquanto seres dependentes e fracos. É a partir daí que “a infância foi designada como primeira idade de vida: a idade da necessidade e da proteção que perdura
até hoje” (NASCIMENTO; BRANCHER; OLIVEIRA, 2007, p. 05).
Pode-se dizer, então, que a primeira preocupação com a infância
foi no sentido ligado à disciplina e à difusão da cultura existente, que
4
Quando usamos infância, no singular, ou infâncias no plural, queremos dizer que
não acreditamos em uma única concepção de infância. Ela diferencia conforme o
contexto em que a criança está inserida.
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Revista da Faculdade de Educação
limitava os movimentos infantis ligados ao aprendizado e ao prazer. As
crianças eram vistas como seres irracionais, que não pensavam e, sendo
assim, não eram vistas como seres sociais.
Foi com Rousseau (1995) que a criança passou a ser vista de maneira diferente da concepção então existente. Foi ele quem propôs uma
Educação Infantil sem juizes, sem prisões e sem exercícios. Em 1789, com
a Revolução Francesa, modificou-se a função do Estado, com isso, houve
uma preocupação dos governantes com o bem estar e a educação das
crianças.
Embora indiferente aos ideais democráticos tributários dos princípios de liberdade, igualdade e fraternidade, promulgadas pela Revolução Francesa, bem como contrário à necessidade de respeitar os elementos
constitutivos do ser criança, Durkheim (1978) foi quem primeiro buscou
tecer os fios da infância aos fios da escola, com objetivos de “moralizar” e
disciplinar a criança. Segundo Durkheim (1978), a criança além de
questionadora, passa de uma impressão para outra, de um sentimento
para outro, de uma ocupação para outra, com a mais extraordinária rapidez. Seu humor não tem nada de fixo: a cólera nasce e aquieta-se com a
mesma instantaneidade; as lágrimas sucedem-se ao riso, a simpatia ao
ódio, ou inversamente, sem razão objetiva ou sob a influência da circunstância mais tênue. Portanto, educar a criança passa a significar moralizá-la
no sentido de inscrever na subjetividade desta os elementos da
moralidade.
A infância, no século XIX, tornou-se problema social. Porém, isso
não foi motivo para que fossem feitas investigações científicas sobre ela.
Educação e infância, até a década de 60, eram vistas como dois campos
distintos. A educação, entre o final do século XIX e início do século XX,
segundo Ghiraldelli (1988, p.10) é definida como “o fato social pelo qual
uma sociedade transmite o seu patrimônio cultural e suas experiências de
uma geração mais velha para uma mais nova, garantindo sua continuidade
histórica”. Todavia, não há uma única forma de educação, cada grupo social possui fatores culturais distintos que considera importante para formar
seus cidadãos.
A educação, portanto, é uma forma de transmissão de cultura
entre os povos. Ela também está em todo lugar. A escola não é o único
lugar que propícia construção de conhecimentos, pois a educação acontece em todo lugar em que existam pessoas convivendo (BRANDÃO, 1981).
Ainda conforme o autor supracitado, a pedagogia, é “[...] (a teoria da educação) cria situações próprias para o seu exercício, produz métodos, estabelece suas regras e tempos, e constitui executores especializados” (1981.
p. 26). A pedagogia, então, trabalha para que a educação seja transmitida.
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Assim, ao mesmo tempo em que se reconheceu a infância, surgiram instituições protetoras para cuidar e formar os mais jovens. Foi a partir da escolarização das crianças e do desenvolvimento de uma pedagogia
para elas que se pode dizer que houve uma construção social da infância.
A construção social da infância se concretiza pelo estabelecimento de
valores morais e expectativas de conduta para ela. Podemos falar de uma
invenção social da infância a partir do século XVIII, em que há uma fundação de um estatuto para essa faixa etária. Com a mudança da concepção da
criança, reconheceu-se aquilo que é específico da infância, nas palavras
de Kramer (2006, p.15):
[...] seu poder de imaginação, a fantasia, a criação, a
brincadeira entendida como experiência de cultura.
Crianças são cidadãs, pessoas detentoras de direitos,
que produzem cultura e são nela produzidas. Esse modo
de ver as crianças favorece entendê-las e também ver o
mundo a partir do seu ponto de vista. A infância, mais
que estágio, é categoria da história: existe uma história humana porque o homem tem infância. As crianças
brincam, isso é o que as caracteriza.
Além de produzir cultura, a brincadeira faz com que a criança se
confronte com a cultura. “Na brincadeira, a criança se relaciona com conteúdos culturais que ela produz e transforma dos quais ela se apropria e
lhes dá uma significação” (BROUGÈRE, 2004, p.77). Tratando o brincar como
atividade humana criadora, Borba afirma que:
O brincar é uma atividade humana criadora, na qual
imaginação, fantasia e realidade interagem na produção de novas possibilidades de interpretação, de expressão e de ação pelas crianças assim como de novas
formas de construir relações sociais com outros sujeitos, crianças e adultos. Tal concepção se afasta da
visão predominante da brincadeira com atividade restrita à assimilação de códigos e papéis sociais e culturais, cuja função principal seria facilitar o processo
de socialização da criança e sua integração à sociedade. Ultrapassando essa idéia, o autor compreende que,
se por um lado a criança de fato reproduz e representa
o mundo por meio das situações criadas nas atividades de brincadeiras, por outro lado tal reprodução não
se faz passivamente, mas mediante um processo ativo
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de reinterpretarão do mundo, que abre lugar para a
invenção e a produção de novos significados, saberes
e práticas (2007, p.35).
Sendo assim, a criança ao se deparar com situações reais que ela
já experimentou em suas brincadeiras e já produziu novos significados e
saberes poderá aplicar seus novos conhecimentos na prática.
Ao brincar as crianças criam uma nova forma de comunicação
entre elas. Percebemos a partir da obra de Brougère (2004, p. 99) que, “A
brincadeira só é possível se os seres que a ela se dedicam forem capazes
de certo grau de metacomunicação, ou seja, se forem capazes de trocar
sinais que veiculem a mensagem isto é uma brincadeira.” Além da
metacomunicação, a brincadeira exige que sejam formuladas regras a seu
respeito. “Uma regra da brincadeira só tem valor se for aceita por aqueles
que brincam e só vale durante a brincadeira” (BROUGÈRE, 2004, p.101). É
brincando que a criança representa através da imaginação ou da imitação,
novas situações ou situações do seu cotidiano.
O brinquedo apareceu para dar à brincadeira “possibilidades de
ações coerentes com a representação” (BROUGÈRE, 2004, p.15). Pode-se
afirmar que o brinquedo adquire valor simbólico enquanto objeto da brincadeira, que só terá sentido enquanto durar a brincadeira e para quem
estiver participando dela. Uma vassoura só serve para varrer, quando ela
está na mão de uma criança pode ‘transformar-se’ em cavalo, fuzil, ou, até
em uma árvore. É através da imaginação da criança que o objeto passa a
‘ter vida’. A criança, através da brincadeira, transforma o ser inanimado
em ativo.
A criança dispõe de um acervo de significado. Ela deve
interpretá-los: a criança deve conferir significados ao
brinquedo, durante sua brincadeira. Neste sentido, o
brinquedo não condiciona a ação da criança: ele lhe
oferece um suporte determinado, mas que ganhará
novos significados através da brincadeira (BROUGERE,
2004, p.09).
O brinquedo, como objeto, dá à brincadeira uma representação.
Ele traz imagens que a farão dar sentido à brincadeira, traduzindo o real ou
imaginário. “A brincadeira pode ser considerada como uma forma de interpretação dos significados contidos no brinquedo” (BROUGERE, 2004,
p.08). “Os objetos têm uma tal força motivadora inerente, no que diz respeito às ações de uma criança muito pequena e determinam tão extensivamente o comportamento da criança” (VIGOTSKY, 1987, p.110). Como por
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exemplo, uma boneca, como representa uma criança, faz com que quem
esteja brincando tenha cuidados específicos que se tem com um bebê,
como: ninar, cuidar, trocar roupas etc.
Kishimoto (2003, p.07) aponta o brinquedo como “objeto, suporte de brincadeira, quer seja concreto ou ideológico, concebido ou simplesmente utilizado como tal ou mesmo puramente fortuito.” Diz ele “esta
definição, bastante completa, incorpora não só brinquedos criados pelo
mundo adulto, concebidos especialmente para brincadeiras infantis, como
os que a própria criança produz a partir de qualquer material ou investe de
sentido lúdico.” Então, um qualquer objeto pode servir como brinquedo,
desde que a criança atribua um significado a ele. Esse significado só servirá para o objeto enquanto durar a brincadeira.
Além de objeto representativo, o brinquedo também exerce uma
função social, perante a criança. Essa relação entre criança e objeto o inscreve no processo de socialização. E como afirma Brougère (2004), “com o
brinquedo, a criança constrói suas relações com o objeto, relações de posse, de utilização, de abandono, de perda, de desestruturação, que constituem, na mesma proporção, os esquemas que ela produzirá com outros
objetos na sua vida futura” (BROUGÈRE, 2004, p.64). Então, é através do
brinquedo que a criança experimenta relações sociais que no seu dia-dia
ela viverá.
Dentro deste mundo de brinquedos e brincadeiras, ainda podemos encontrar os jogos que também são representações, momento em
que a criança assimila e transforma sua realidade.
O brinquedo é um objeto infantil e falar em brinquedo
para um adulto torna-se, sempre, um motivo de zombaria, de ligação com a infância. O jogo ao contrário, pode
ser destinado tanto à criança quanto ao adulto: ele não é
restrito a uma faixa etária. Os objetos lúdicos dos adultos são chamados exclusivamente de jogos, definindo-se
assim pela sua função lúdica (BROUGÈRE, 2004, p.13).
Percebemos que a diferenciação de jogo e brinquedo surge a
partir de diferentes concepções culturais. Enquanto a criança brinca, o
adulto joga; o brinquedo torna-se próprio do mundo infantil. A partir disso poderíamos perguntar e inferir se já não estaria na concessão de brincar
a dificuldade enfrentada por muitos professores de trabalhar ludicamente
com seus alunos? Podemos pensar, assim, que talvez até inconscientemente alguns adultos pensassem que brincar com a criança seria sinônimo de infantilidade e/ou loucura?
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Porém, como afirma Vigotsky (1987, p.108), “poder-se-ia ir mais
além, e propor que não existe brinquedo sem regra. A situação imaginária
de qualquer forma de brinquedo contém regras de comportamento, embora possa não ser um jogo com regras formais estabelecidas a priori”. E continua, “os assim chamados jogos puros com regras são, essencialmente, jogos
com situações imaginárias. Da mesma forma que uma situação imaginária
tem que conter regras de comportamento, todo jogo com regras contém
uma situação imaginária” (VIGOTSKY, 1987, p.109). Ao jogar a criança cria
regras, sejam elas reais ou imaginárias, para que o jogo tenha sentido.
O jogo é para a criança a representação e comunicação, abertura
ao imaginário, à fantasia e à criatividade; mas também unificação e
integração da personalidade, fator de interação com os outros. O jogo
possibilita experimentar, criar e reconhecer-se. Contudo, Kishimoto destaca que:
[...] embora predomine, na maioria das situações, o
prazer como distintivo do jogo, há casos em que o
desprazer é o elemento que caracteriza a situação
lúdica. Vigotsky é um dos que afirmam que nem sempre o jogo possui essa característica porque em certos
casos há esforço e desprazer na busca do objetivo da
brincadeira. A psicanálise também acrescenta o
desprazer como constitutivo do jogo [...] (2003, p. 04).
Quando a criança se vê forçada a fazer o que não quer, ou quando
se depara com situações desagradáveis para ela, o jogo torna-se algo ruim,
sem nenhum sentido de aprendizagem. Por isso é que, se deve permitir
que a criança crie as regras da brincadeira, mesmo que não sejam os objetivos específicos a ser atingidos. Também deve-se propiciar a experimentação, pois é errando e acertando que a criança tira suas conclusões sobre
como agir. Portanto, o jogo, o brinquedo e as brincadeiras proporcionam
para a criança aprendizagens, que lhes permitem construir as relações
sociais que serão aplicadas na vida real.
A ludicidade e a aprendizagem infantil
Podemos dizer que não existe uma única maneira de aprender e
que não existe uma idade determinada para que se comece a aprender ou
para que se pare de aprender. A aprendizagem é uma mudança relativamente permanente no comportamento que resulta da experiência. Ela
ocorre durante todo o tempo no desenvolvimento normal durante toda a
vida, desde que alguma coisa desperte nosso interesse. Segundo Vigotsky
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(1987, p. 94-95), “[...] o aprendizado das crianças começa muito antes delas freqüentarem a escola. [...] quando a criança assimila os nomes de
objetos em seu ambiente, ela está aprendendo”.
Enquanto brinca, a criança aprende e percebe-se que há motivação e satisfação nesse tipo de aprendizagem, pois ela pode basear sua
‘nova aprendizagem’ em algo que lhes dá prazer e é familiar. Porém, temos que levar em conta que, como afirma Vigotsky (1987, p.105), “o brincar nem sempre representa para a criança, uma atividade que lhe dá prazer.
O brincar só trará prazer para criança quando seu resultado for interessante para ela”. Então, se o resultado das brincadeiras for ruim, se a criança
perder essa atividade não terá prazer. De acordo com Vigotsky (1987) a
brincadeira cria uma zona de desenvolvimento proximal, que possibilitará ao individuo cheguar a uma zona real do desenvolvimento.
É através da brincadeira que a criança vai confrontando idéias
sobre sua realidade, apropriando-se da cultura, construindo conhecimentos, bem como, tenta resolver problemas que lhe são propostos pelos que
lhe rodeiam – pessoas e realidade. A brincadeira proporciona para a criança um aprendizado de relações com o mundo, baseado em sua realidade.
Antunes (2004) afirma que é através do brincar que a criança se apropria
do mundo, o que significa dizer que não existe brincar sem aprender.
Quando brinca a criança aciona vários elementos (sentir, imaginar, falar, experimentar, etc.) estes elementos quando atrelados aos conhecimentos que a criança já possui transformam-se em novas significações
que serão aplicadas no cotidiano da criança. Wajskop cita Vigotsky para
ressaltar a importância da brincadeira na aprendizagem:
[...] para Vigotsky, a aprendizagem configura-se no desenvolvimento das funções superiores através da apropriação e internalizarão de signos e instrumentos em
um contexto de interação. A aprendizagem humana
pressupõe uma natureza social especifica e um processo mediante o qual a crianças acedem à vida intelectual daqueles que a rodeiam. A brincadeira é
partilhada pelas crianças, supondo um sistema de
comunicação e interação da realidade que vai sendo
negociado passo a passo pelos pares à medida que
este se desenrola. Da mesma forma implica uma atividade consciente e não evasiva, dando a cada gesto
significativo, cada uso de objetos implica a (re) elaboração constante das hipóteses da realidade com as
quais esta confrontando (2001, p. 34).
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A aprendizagem acontece, então, quando a criança experimenta
a realidade e os objetos durante as brincadeiras, quando ela troca experiências brincando com outras crianças. Enfim, é enquanto brinca que ela
cria e re-cria conceitos.
No momento em que cria e recria sua realidade, a criança desenvolve sua imaginação e sua capacidade de abstração, além de possibilitar
a produção de experiências, tanto em termos de conteúdos escolares quanto no desenvolvimento psíquico. Pois, os jogos permitem estimular o estudante a ter atitude de cooperação, responsabilidade, participação,
respeito, iniciativa, tomada de decisão. Enfim, “ajuda o sujeito a tornar-se
um ser autônomo embora socializado” (ASCOLI; BRANCHER, 2006, p.05). O
jogador depara-se com muitas possibilidades de jogadas, ao escolher uma,
ele deverá arcar com as conseqüências dessa escolha, seja ela boa ou
ruim, assim aprenderá. Assim, o brincar pode ser um exercício de autonomia e de auto-controle infantil.
A criança precisará analisar as possibilidades rapidamente, criando estratégia para atingir seus objetivos, bem como encontrar maneiras de dificultar as possibilidades positivas de seu oponente. A criança
aprenderá dentro de um quadro imaginário (o jogo) com as trocas de experiências entre seus colegas. Dessa forma, é através das brincadeiras
que o aluno constrói seus conhecimentos com maior facilidade.
Com os jogos, os estudantes também podem adquirir uma visão
mais aprofundada do meio em que vivem, de forma que, o educando
adquira noções de socialização, lealdade, espírito crítico, competitividade
e descubra-se como um ser diferente dos outros. Ou seja, “trabalhamos a
coletividade e a subjetividade concomitantemente” (ASCOLI; BRANCHER,
2006, p.05). A realidade nunca fica fora das brincadeiras. Ela está presente
em cada jogada, pois, quem joga não consegue separar-se de suas experiências para entrar no mundo imaginário do jogo.
Temos que levar em conta que a escola “acolhe crianças cuja
atividade fundamental, do ponto de vista afetivo, social e cognitivo é a
brincadeira de faz-de-conta, marcada pelos acontecimentos e relações
sociais vividas por elas” (WAJSKOP, 2001, p.17). Por isso, os jogos e/ou
brincadeiras devem ser vistos por estas instituições como recursos para
uma aprendizagem diferenciada, significativa e prazerosa. O jogo possui
algumas características essenciais que fazem com que o sujeito que joga
reencontre-se a si mesmo no transcorrer das jogadas. Entre estas características estão a liberdade de ação do jogador, os limites de tempo e espaço, a existência de regras. Regras estas, que podem ser seguidas ou
reinventadas pelos jogadores. Conforme Ascoli et al (2006) ao seguir ou
reinventar regras que o aluno constrói sua aprendizagem.
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O jogo e o brincar proporcionam à criança constituição de conhecimentos, no âmbito da cognição, da linguagem e da sociabilidade. Esses
conhecimentos, ao se juntarem com os conhecimentos que a criança já
possui do seu dia-dia, proporcionam para ela pensar o mundo e interpretálo de formas diferentes. Uma aprendizagem significativa que amplia e
afirma o conhecimento sobre o mundo.
Como afirma Kishimoto (2003, p. 22) “qualquer jogo empregado
na escola, desde que respeite a natureza do ato lúdico, apresenta o caráter educativo e pode receber também a denominação de jogo educativo”.
Então, podemos afirmar que os jogos e as brincadeiras são possibilidades
de aprendizagem – dentro e fora da escola. Desde que neles esteja presente a imaginação, o sentir, o olhar, o criar, o re-criar, o prazer; permitindo que a criança interaja com novos e velhos conhecimentos, podendo ser
autônoma em suas decisões.
Algumas considerações finais
Considerando as leituras realizadas, pode-se perceber que a
ludicidade está presente na vida de todos nós, especialmente no desenvolvimento infantil, já que através dela a realidade pode ser assimilada,
decodificada e recriada, estabelecendo novas formas de entendê-la. Tendo em vista os fatos históricos, sabe-se que a infância é uma invenção
moderna e que a partir dela surgiram problemáticas sobre como tratar a
criança. Precisou-se também criar concepções (o jogo, o brinquedo, as
brincadeiras, a educação e a pedagogia) em torno do mundo infantil, para
melhor entender a criança e suas relações com o mundo. Mas, com o passar dos anos, esse mundo de imaginação e brincadeiras deu espaço para
uma rotina de ‘treinamento’, cujo objetivo expresso era a criação de adultos com prestígio.
A educação passou a ser uma forma de exclusão (só tem lugar na
sociedade quem estuda) e as brincadeiras passaram a ter tempo e hora
determinada nas escolas. A criança não tinha mais tempo de ser criança,
pois precisava ‘correr’ para ser um adulto melhor que seu colega.
Atualmente, a educação vem passando novamente por transformações, no seu modo de ver a criança e de entender as suas
especificidades. As brincadeiras infantis estão voltando a ser vistas como
fatores importantes e indispensáveis para a aprendizagem e o desenvolvimento infantil. A ludicidade voltou a ser entendida não apenas como
oposição às coisas sérias, mas como fator de experimentação, troca, sentimento, criação, re-criação, momento em que a criança pode viver suas
aventuras e aprender com elas.
Permitamo-nos, adultos e crianças, a viver um pouco mais essa
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magia e trazer que a ludicidade nos proporciona. Transformar realidade
em imaginação, viajar por terras desconhecidas, acreditar que sonhos podem se tornar reais, olhar, brincar, pular, jogar, trocar, sentir, sorrir. Enfim,
sermos mais humanos e menos mecânicos.
Por fim, deixo marcado o questionamento de Kramer (2006, p.16):
“será que é possível trabalhar com crianças sem saber brincar, sem nunca
ter brincado?” E pergunto: Será que nós, professores, sabemos brincar?
Será que motivamos ou podamos nossas crianças quando estabelecemos
momentos adequados para as brincadeiras?
Acredito que precisamos mudar nossa necessidade de ensinar
baseados em livros didáticos, não que eles não sejam importantes, mas
deixá-los de lado a fim de perceber e conhecer quem são nossos alunos, o
que eles pensam e gostam. Proporcionar momentos de trocas, em que
eles nos ensinem algumas coisas como, por exemplo, brincar. Deixar de
lado a idéia de que isso é coisa de criança, arrancar as amarras de uma
sociedade que se baseia no TER e não no SER. Enfim, construir um mundo
melhor para se viver através da educação e da imaginação.
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Ano V nº 7/8 (Jan./Dez. 2007)
Revista da Faculdade de Educação
UMA REFLEXÃO SOBRE OS LIMITES DA FUNÇÃO DOCENTE
Osmar Quim1
RESUMO: O presente trabalho consiste numa reflexão de alguns estudos sobre a
profissão docente, os novos conceitos/modelos do trabalho docente e de professor que se encontram presentes na literatura que versa sobre o tema e são alvos de
discussões em diversos textos. Sem necessariamente esgotar o tema, que é bastante complexo, este texto busca tratar sucintamente o assunto em questão, apresentando algumas concepções de professor e do trabalho docente. Pautado nas
considerações feitas por André e Contreras, dentre outros, pretende-se mostrar a
problemática encontrada nas pesquisas atuais, que de uma forma ou de outra,
encontram-se presentes nos estudos sistemáticos sobre o trabalho docente, pois,
na maioria das vezes ele é visto apenas por uma perspectiva, o que pode limitar
muito a formação de um conceito de profissionalidade, dada à complexidade do
trabalho realizado pelos professores em sala de aula.
PALAVRAS-CHAVE: Trabalho docente; formação de professores; racionalidade técnica; racionalidade prática; prático reflexivo.
ABSTRACT: This paper is a result of some studies about new concepts/models about
teaching profession. It presents a discussion about the professors’ presence in the
literature that deals with teaching profession subject and shows how the authors
of this kind of academic articles see them. This theme is really complex, and it is
important to mention that this paper has as a goal to present some professors’
conceptions and some conceptions about their work as well. Many authors have
being writing about this subject and according to what André and Contreras (1997)
presented in their research, we are going to show how complex is the teaching
profession and how having a simplest vision of it can limit the creation of a
professional concept of being a professor. We also are going to discuss how
limitation can not show properly the real and global complexity of the professors’
work inside the classroom.
KEYWORDS: teaching profession, teaching formation, technical rationality,
rationality practice, practical reflective.
Ser professor: uma difícil tarefa
Este texto foi produzido como resultado de uma série de discussões em torno da confrontação do trabalho docente – feita de forma
1
Professor do Departamento de Letras da UNEMAT – Campus Universitário de Alto
Araguaia. Mestre em Educação Escolar pela UNESP – Campus de Araraquara – email: [email protected]
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Ano V nº 7/8 (Jan./Dez. 2007)
assistemática durante vários anos – e a leitura de teóricos que trazem à luz
essas mesmas questões, observadas de modo científico. Esse momento
se deu em 2001, durante o curso de Mestrado em Educação Escolar, na
UNESP-FCLAr.
O presente trabalho consiste, então, num apanhado aos estudos
que vinham então, ao encontro dos problemas observados em relação à
profissão docente, observada numa pesquisa que se realizava paralelamente às discussões do/no grupo, ou seja, dos novos conceitos/modelos
do trabalho docente e de professor que se encontram presentes na literatura sobre o tema e são alvos de discussões em diversos textos.
Apresentamos aqui uma breve referência aos estudos realizados na área da educação, com reflexões sobre o artigo de Feldens (1983),
no qual a autora faz uma síntese da produção realizada de 1972 a 1981,
enfoques trabalhados ao longo desse período e suas relações com os momentos em que se encontrava a Educação. Nessa mesma linha, podemos
citar também o artigo de André (s/d), que apresenta um levantamento da
pesquisa sobre formação de professores de 1990 a 1998, os temas mais
trabalhados e os que, por um motivo ou outro, foram silenciados.
Este texto objetiva, ainda, chamar a atenção para um outro aspecto importante – embora não se tenha aqui a pretensão de discuti-lo
em profundidade, que é a problemática apresentada pelas autoras em
relação às pesquisas existentes.
André (s/d, p. 95), aponta o seguinte:
O que se pode dizer pela análise dos tipos de estudo
realizados pelos alunos dos programas de pós-graduação em educação na década de 1990 é o que se constatou na análise acerca dos temas, subtemas e
conteúdos abordados nas pesquisas. A produção discente sobre formação de professores prioriza estudos
pontuais, voltados ao conhecimento e realidades locais, deixando abertas muitas indagações sobre a problemática mais global da formação, assim como sobre
as ações a serem tomadas para seu aprimoramento.
A autora chama a atenção para um fato essencial, ou seja, a falta
de um trabalho mais amplo, talvez mais “coletivo”, que busque estudar as
problemáticas que envolvem a educação não simplesmente numa localidade apenas, sem fazer a devida relação com a problemática mais ampla,
ou seja, que certamente aflige a todos aqueles que trabalham com a educação em várias localidades, simultaneamente. Tal fato dificulta o
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Revista da Faculdade de Educação
aprofundamento dos temas trabalhados, a sistematização do conhecimento
e, conseqüentemente, a elaboração de propostas que possam, efetivamente, contribuir para o aperfeiçoamento e a mudança da educação em
nosso país.
Feldens (1983, p. 40), também chama a atenção para alguns problemas como: “a pesquisa tem sido um esforço fragmentado”, “a ausência
de teoria fundamental tem sido um recuo na Pesquisa em Educação de
Professores”, e que “a pesquisa tem sido dificultada por uma falta de consenso, ou de conhecimento, sobre as metas relevantes da educação de
professores, as metas educacionais e as prioridades dentre estas metas”.
Os problemas encontrados pelas pesquisadoras são bem semelhantes entre si, se não, os mesmos, ou, pelo menos, suas origens são as
mesmas. Problemas estes que podem estar presentes ainda em nosso
meio, porém, com sua elucidação, talvez possamos partir para a
minimização ou a superação dos mesmos.
Feldens apresenta algumas sugestões para a superação dos referidos problemas, como por exemplo: “articulação de problemas específicos da matéria com as habilidades de ensino”, e ainda considera que se
deve “perceber a educação de professores relacionada a agências outras
que não somente as institucionalizadas”, bem como, “desenvolver estudos sobre o treinamento de educadores dos professores”, entre outros.
É certo que alguns pesquisadores, assim como Feldens, preocupam-se em mostrar as dificuldades, mas também em apontar caminhos
para uma melhor estruturação das pesquisas em educação, caminhos estes, tão necessários quanto difíceis, pois exigem muitas mudanças tanto
na postura dos pesquisadores como em seus conceitos.
Este trabalho enfoca a problemática de formação de professores, relaciona algumas pesquisas sobre o tema e trata de questões de
extrema importância para aqueles que desenvolvem estudos com professores, ou seja, as concepções/modelos de professores e da profissão docente, presentes em nossos dias, como o da racionalidade técnica, o da
racionalidade prática e do prático reflexivo. Tais concepções serão brevemente analisadas, assim como, as lacunas ainda existentes nesses trabalhos, buscando relacioná-los às pesquisas sobre o tema, mais
especificamente à de Cunha (2001).
Oliveira (1993) discute o tema a sala de aula como objeto de
análise na área de didática, no qual ele arrola três pontos que mantêm
relação estreita com o tema aqui tratado, do qual destacamos que “a discussão desse tema na área da didática explicita o reconhecimento da importância da pesquisa sobre a sala de aula no fornecimento de subsídios
para a formação do educador” (1993, p.36).
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Tal afirmação vem ao encontro de vários estudos que têm mostrado que os cursos de formação inicial de professores, bem como as práticas de formação continuada, até o momento, não têm sido eficientes
para garantir a formação do educador (MARIN, 1996; CANDAU, 1996). Toda
a discussão teórica feita nos cursos de formação parece não surtir efeito
na prática.
Marin (1996, p. 162) afirma que “um processo de formação, qualquer que seja ele, tem sua história”, assim, certamente não será num
curso de quatro anos de duração que o professor será formado, pois, “quando os alunos chegam aos cursos de formação básica, já têm anos de formação, de imagens, de crenças, de valores, de gostos ou desgostos, de
preferências ou preconceitos em relação às profissões”. A autora sugere
que os cursos de formação adotem um novo paradigma que contemple
esses aspectos e assim possa subsidiar o trabalho nos cursos de formação
de professores, tornando-os mais eficazes.
Outros estudos, como os de Cavaco (1995); Huberman (2000) e
Nóvoa (1995) apontam os ciclos da profissão docente sobre como a identidade do professor vai se formando na prática, dentro da realidade em que
atua e na relação com outros professores. Mostram também que a profissão
docente possui uma gênese e uma história e que muitos aspectos da profissão vivenciados pelos docentes de hoje, iniciaram-se há muito tempo e
outros, apesar de aparentemente esquecidos, apresentam-se de forma
velada, como, por exemplo, o fato de que ser professor é exercer um ofício
divino, um sacerdócio e, todas as conseqüências decorrentes dessa idéia.
As pesquisas supracitadas mostram a necessidade de um novo
caminho para a formação básica de professores, bem como a necessidade
de uma educação continuada pautada em novos rumos, como a prática
reflexiva, por exemplo, a possibilidade de o professor tornar-se um pesquisador da/na própria prática, refletindo sobre ela, problematizando-a e
buscando os caminhos, as soluções viáveis.
Entendemos, como Oliveira (1993, p. 40), que a pesquisa sobre
trabalho docente, mais especificamente sobre a “caixa preta sala de aula,
passa a ser fundamental à implementação de propostas pedagógicas”,
pois pode levar a um entendimento maior sobre a figura do professor,
bem como, das relações que se estabelecem dentro do espaço “sala de
aula”. Poderia auxiliar também para que se mantivesse presente a idéia
de um professor que traga consigo um saber que lhe é próprio, que faz
parte de sua profissão e que o torna capaz de desenvolvê-la; um profissional que norteia seu trabalho em pressupostos teórico-metodológicos,
muitas vezes tácitos, implícitos, que foram adquiridos ao longo do desenvolvimento de sua vida profissional e que, por isso, o professor não deve
ser considerado vazio, sem identidade e muito menos sem conhecimen86
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to, portanto, capaz de discutir também novas propostas pedagógicas que
possam ser implantadas.
Certamente os estudos realizados sobre o trabalho docente têm
contribuído para um novo entendimento da profissão e caminham para uma
nova concepção do trabalho docente e conseqüentemente de professor.
Como lembra Chakur (2000a, p. 16), “podemos observar que o conceito de profissionalidade docente é constantemente retomado e reelaborado,
sendo necessário analisá-lo em função do momento histórico e da realidade
social que lhe dão sentido”, certamente a(s) concepção (ões) atual (is) de professor, de sua função, precisam ser pensadas de acordo com o momento atual,
com as exigências que se colocam frente à escola, à educação.
A mesma autora, em artigo que discute a formação dos professores,
apresenta, segundo uma leitura de diversos autores, dois modelos, duas concepções de professores. Um desses modelos concebe o professor como um
“técnico-especialista”, o outro como um “prático reflexivo, investigador, profissional clínico”, são eles, respectivamente, os modelos de racionalidade
técnica e o de racionalidade prática (CHAKUR, 2000b, p.82-83).
Contreras (1997, p.64) apresenta a concepção de racionalidade
técnica da seguinte forma: “a idéia básica do modelo de racionalidade
técnica é que a prática profissional consiste na solução instrumental de
problemas mediante a aplicação de um conhecimento teórico e técnico,
previamente disponível, que procede da investigação científica”2 .
O modelo de racionalidade técnica concebe o professor como
um profissional que deve estar apto a difundir um conhecimento já instituído pela ciência, sem possibilidade de mudanças. Não há como repensar
esse conhecimento, pois ele é tido como único e verdadeiro. Ao professor
cabe estar preparado para levar o conteúdo até o aluno, dominando suas
teorias e as técnicas de difusão, como afirma Pérez Gómez (1992, p.96):
Segundo o modelo da racionalidade técnica, a
actividade profissional é sobretudo instrumental,
dirigida para a solução de problemas mediante a aplicação rigorosa de teorias e técnicas científicas. Para
serem eficazes, os profissionais da área das ciências
sociais devem enfrentar os problemas concretos que
encontram na prática, aplicando princípios gerais e
conhecimentos científicos derivados da investigação.
2
Do original: “La idea básica del modelo de racionalidad técnica es que la práctica
profesional consiste em la solucion instrumental de problemas mediante la
aplicación de un conocimiento teórico y técnico, previamente disponible, que
procede de la investigación científica”
87
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De acordo com esse modelo, o professor deve dispor de um rol
de técnicas, de soluções prontas para os possíveis problemas que possam
surgir no dia-a-dia da profissão, bastando, então, dispor de alguma técnica que possa ser aplicada para solucionar o problema a ser enfrentado.
Um exemplo claro disso está presente em Cunha (1989, p. 164),
que se propõe a estudar o bom professor e uma de suas conclusões demonstra que: “os nossos BONS PROFESSORES manifestaram inúmeras habilidades de ensino. Elas podem ser reunidas em cinco grupos: organização
do contexto da aula, incentivo à participação do aluno, trato da matéria de
ensino, variação de estímulo e uso da linguagem”3 .
Não poderíamos dizer que o domínio de todas essas habilidades
seja pouco, na medida em que sejam também necessárias para compor a
atuação docente, entretanto, não parecem ser suficientes, visto que, sozinhas, essas habilidades acabam por colocar o professor dentro de um
modelo de racionalidade técnica, capaz somente de pensar sobre qual a
melhor estratégia de ensino, mas não as suas implicações filosóficas e
políticas.
Tal fato, não pode ser visto fora de um contexto, no qual o trabalho docente é influenciado por uma visão positivista, que considera “os
docentes, enquanto especialistas no ensino, não dispõem das habilidades para a elaboração das técnicas, somente para sua aplicação”
(CONTRERAS, 1997, p. 68)4 .
A elaboração das técnicas não cabe aos professores, mas aos especialistas, pois, os professores não estão preparados para esta atividade.
Tal situação gera uma hierarquia entre especialistas e professores, ou seja,
aqueles que fazem a ciência, portanto, “as regras”, “as leis”, são os cientistas, considerados produtores de conhecimento; e, aqueles que executam
essas regras e leis, ou seja, os técnicos, nesse caso, os professores são os
“aplicadores” das técnicas e ficam, portanto, limitados.
Segundo Contreras (1997, p. 68), isso cria uma dependência dos
segundos em relação aos primeiros, bem como uma subordinação às condições implícitas no conhecimento técnico.
Pérez Gómez (1992, p.98) ratifica o que dissemos acima, quando
este estabelece dois grandes componentes, que a prática do profissional
dentro do modelo de racionalidade técnica deve abranger:
3
4
Grifos da autora.
Do original: “Los docentes, en cuanto que expertos en enseñanza, no disponen en
principio de las destrezas para la elaboración de las técnicas, sino sólo para su
aplicación.”
88
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- um componente científico-cultural, que pretende assegurar o conhecimento do conteúdo a ensinar;
- um componente psicopedagógico, que permite aprender como actuar eficazmente na sala de aula.
No componente psicopedagógico é preciso distinguir
duas fases principais: na primeira adquire-se o conhecimento dos princípios, leis e teorias que explicam
os processos de ensino-aprendizagem e oferecem normas e regras para a sua aplicação racional; na segunda, tem lugar a aplicação na prática real ou simulada
de tais normas e regras, de modo a que o docente adquira as competências e capacidades requeridas para
uma intervenção eficaz5 .
Cabe lembrar que a concepção de professor como um “técnicoespecialista”, contida em Pérez Gómez, traz algumas implicações dentre
as quais gostaríamos de destacar a afirmação de Contreras (1997, p.68)
“[...] para poder servir-se das técnicas cientificamente validadas, há de
pretender as mesmas finalidades que já vêm estabelecidas com elas”6 .
Embora possa existir um número infinito de técnicas a serem utilizadas pelo professor, os fins a serem atingidos são estáveis, previamente
definidos. Pressupõe-se que o professor compartilhe desses objetivos, que
saiba previamente todos os resultados a que irá chegar, o que já está definido junto às regras já estabelecidas. Certamente esta concepção não considera a sala de aula como um lugar singular, imprevisível, ou como afirma
Pérez Gómez não considera nos fenômenos práticos a “complexidade, incerteza, instabilidade, singularidade e conflito de valores” (1992, p. 99).
Outro fator interessante de ser lembrado é que nem sempre o
professor tem uma concepção política de educação, que possa levá-lo a
dominar as habilidades “para ministrar uma boa aula”, assim, limita-se à
exposição do conteúdo, sem fazer com que os alunos possam refletir sobre o assunto trabalhado (CUNHA, 1989, p. 113-114).
Pode-se destacar também que o professor visto segundo o modelo da racionalidade técnica, deixa a desejar quando se considera a
multiplicidade de fatores que compõem a sala de aula. Se existem regras
prontas para atingir fins específicos, como o professor agiria diante do
imprevisto?
5
6
Grifos do autor.
Do original: “[...] para poder servise de las técnicas cientificamente contrastadas,
há de pretender las mismas finalidades que ya vienen estabelecidas em ellas.”
89
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Quanto a isso, Contreras (1997, p.76) mostra que “é necessário
resgatar a base reflexiva da atuação profissional, com o objetivo de entender a forma como realmente se abordam as situações problemáticas
da prática”7 .
Com isso, podemos falar da concepção que trata o professor
como um profissional reflexivo, investigador, o modelo de racionalidade
prática (ZEICHNER, 1993). Tal concepção visa entender como o professor
age frente às situações em que as regras já estabelecidas não são
satisfatórias.
Pensar, analisar ações, escolher o melhor caminho, o melhor
momento para agir é refletir, e a reflexão faz parte da vida do ser humano,
como um momento de buscar na experiência, nos conhecimentos adquiridos, soluções viáveis aos problemas que se apresentam.
Quanto a isso, Pérez Gómez (1992, p. 100) afirma que: “[...] o que
não podemos é considerar a actividade profissional (prática) do professor,
como uma actividade exclusiva e prioritariamente técnica. É mais correcto
encará-la como uma atividade reflexiva e artística, na qual cabem algumas
aplicações concretas de caráter técnico”.
Parece certo que o professor também é adepto da reflexão enquanto ação inerente ao homem, entretanto, transferir tal conceito para a
concepção de professor reflexivo não se mostra assim tão simples.
Como analisa Chakur (2000b, p. 83-84):
Cabe salientar, no entanto, que o modelo de
racionalidade prática também apresenta problemas.
Um deles é que parece não haver consenso quanto ao
que se entende por prática reflexiva, questão já levantada por alguns autores. Constatamos, porém, o que é
mais grave, que é comum a ausência de preocupação
com o conceito mesmo de reflexão.
Também na análise feita por Contreras (1997), fica claro que não
há um consenso sobre o que seja o processo de reflexão, talvez esse seja
um dos maiores problemas desta concepção, junto a outras questões,
como: quais parâmetros serão usados para essa reflexão? Qual deve ser o
conteúdo dessa reflexão? São questões que precisam ainda de respostas,
trabalho que alguns teóricos já estão se propondo a realizar.
7
No original: “[...] es necesario recatar la base reflexiva de la actuacion profesional,
com objeto de entender la forma em que realmente se abordan las situaciones
problematicas de la práctica.”
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Nesse sentido, destaca-se a pesquisa de Cunha (1989, p. 162),
mais especificamente uma de suas conclusões a respeito dos bons professores estudados:
Na relação com o fazer há um esforço de coerência
entre o que ele faz e o que ele pensa. Vejo, entretanto,
que o professor em geral não faz uma análise reflexiva
de sua prática. O seu fazer é muito intuitivo. Por isso,
também, nem sempre estabelece relações claras entre
a prática e os pressupostos teóricos que a embasam. A
prática tende a repetir a prática.
A discussão gira em torno da amplitude do processo de reflexão
desencadeado pelo professor. A reflexão se limitaria as quatro paredes da
sala de aula? A reflexão não deveria ser mais ampla, sobre a instituição
escolar como um todo? Pensar o papel da instituição, o compromisso que
os dois – professor e instituição, possuem frente à sociedade, seria conceber o professor não simplesmente como um técnico capaz de aplicar normas estabelecidas, ou ainda, como um profissional capaz de refletir sobre
os fatos que se apresentam em sala de aula - o professor reflexivo, mas
encará-los como considera Giroux (1997, p. 162-163), intelectuais transformadores:
Num sentido mais amplo, os professores como intelectuais devem ser vistos em termos dos interesses políticos e ideológicos que estruturam a natureza do
discurso, relações sociais em sala de aula e valores
que eles legitimam em sua atividade de ensino. Com
esta perspectiva em mente, gostaria de concluir que os
professores deveriam se tornar intelectuais transformadores se quiserem educar os estudantes para serem cidadãos ativos e críticos.
Amplia-se, assim, o conteúdo da reflexão para além da sala de
aula, das atividades práticas do professor, colocando-o frente a uma escola que está inserida num contexto social e, por isso, deve ser analisada
levando em consideração tal fator; uma escola que pode e deve ser uma
peça fundamental para a transformação social, preparando os alunos para
serem cidadãos ativos e críticos.
Certamente essa concepção apresentada por Giroux, também
apresenta problemas, assim como assinala Contreras (1997, p. 120):
91
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Mas este desenvolvimento teórico também apresenta
seus problemas. O caráter programático da obra de
Giroux apresenta qual deveria ser a situação dos professores enquanto intelectuais, porém não como aqueles professores que vemos nas fronteiras de suas aulas
podem chegar a construir semelhante posição crítica
a respeito de sua profissão8 .
Na verdade, não é fácil para o professor soltar as amarras que lhe
prendem, tanto da instituição em que trabalha, quanto da pressão social
que sofre, quando a sociedade o coloca como o grande responsável pelos
problemas educacionais, ou ainda, quando o Estado pensa a educação e
entrega ao professor um calhamaço de papéis que definem as metas e os
respectivos procedimentos que devem ser seguidos para atingi-las, cabendo à instituição escolar a função de fiscalizar se o trabalho está sendo
feito de acordo com o estabelecido.
Cunha (1989) também identifica nos bons professores
posicionamentos políticos mais definidos, porém não em todos, entretanto, no geral todos os professores percebem a relação escola-sociedade
(p.97), ou, ainda que o descaso do governo com a educação influencia no
trabalho do professor (p.98), porém, um posicionamento mais consistente é atribuído àqueles que possuem alguma influência dos movimentos
sindicais e militância em partidos políticos (p.101).
Podemos, portanto, concluir que formar/moldar um profissional
dotado de todas as características necessárias para ser um bom professor e,
conseqüentemente, cumprir, a contento, sua função, não é tarefa fácil.
As concepções apresentadas, ainda que superficialmente, apresentam certas limitações, na verdade, são idéias que estão sendo
construídas num processo de pensar e repensar o papel do professor, no
sentido de superar o que está posto no meio educacional, buscando uma
nova definição em relação aos limites de atuação, ou seja, da verdadeira
função do profissional da educação.
[...] Acredito que é importante não apenas encarar os
professores como intelectuais, mas também
8
No original: “Pero este desarrollo teórico también apresenta sus problemas. El
carácter programático de la obra de Giroux presenta cuál debería ser la situación
de los profesores em cuanto que intelectuais, pero no cómo aquellos profesores
que veíamos atrapados en las fronteras de sus aulas puedem llegar a construir
semejante posición crítica respecto a su profesión.”
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contextualizar em termos políticos e normativos as
funções sociais concretas desempenhadas pelos mesmos. Desta forma, podemos ser mais específicos acerca das diferentes relações que os professores têm tanto
com seu trabalho como com a sociedade dominante
(GIROUX, 1997, p. 162).
Certamente muitas questões ainda necessitam de respostas dentro dessas perspectivas apontadas; respostas que surgirão de pesquisas
que possam estudar a prática docente, conhecendo-a profundamente,
teorizando-a e socializando novas descobertas que possam contribuir efetivamente para a educação. Entretanto, como a afirmação acima deixa
claro, não podemos velar as relações estabelecidas entre o professor/
escola e a classe dominante, se pretendermos que os professores possam
ser intelectuais transformadores, já que para transformar é preciso conhecer profundamente a situação em que se encontra. Para tanto, o processo de reflexão sistematizado, amplo e profundo, pode contribuir
essencialmente para a tomada de decisão.
Manter presente a idéia de um professor que traz consigo um
saber que lhe é próprio, que faz parte de sua profissão e que o torna capaz
de desenvolvê-la, um profissional que norteia seu trabalho em pressupostos teórico-metodológicos, muitas vezes tácitos, implícitos, que foram adquiridos ao longo do desenvolvimento de sua vida profissional e
que, por isso, não deve ser considerado vazio, sem identidade e muito
menos sem conhecimento, pode ser caminho para considerá-lo um ser
capaz de pensar e propor formas de participação ativa para a transformação social.
Assim diz Giroux (1997, p. 163): “os intelectuais transformadores
precisam desenvolver um discurso que una a linguagem da crítica e a linguagem da possibilidade, de forma que os educadores sociais reconheçam que podem promover mudanças”.
Caminhos existem
Acreditar na possibilidade de participar do processo de transformação social e fazer com que seus alunos possam também acreditar nisso,
não perder a esperança na possibilidade de mudança, é primordial para
que se desencadeie o processo de pensar e propor novos caminhos, novos objetivos para o trabalho educativo e para as instituições escolares
como um todo.
Certamente essas transformações são propostas que trazem ainda uma dificuldade de sistematização das pesquisas já realizadas, uma
93
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certa “confusão” de conceitos, uma falta de continuidade nos estudos,
falta de relação entre os mesmos que possam somar em favor de um
objetivo comum, entretanto, somos adeptos da idéia de que o conhecimento se faz por meio de um processo. Assim, acreditamos que estamos
num processo de construção de uma nova concepção de professor e, conseqüentemente de trabalho docente. De acordo com as novas expectativas da sociedade frente à escola e, dependendo do caminho teórico
escolhido, podemos servir à classe dominante. Porém, temos a possibilidade da escolha que nos leve à não perpetuar a ideologia dominante, mas
para podermos fazer a escolha, é preciso ter clareza que a dominação e a
conseqüente submissão são patentes em nossa sociedade.
Sem ter tido a pretensão, nesse curto espaço, de teorizar sobre a
educação ou sobre o professor, mais longe ainda fica a idéia de esgotarmos o assunto. A principal intenção aqui foi mostrar que existem caminhos, que muitas pessoas estão pensando esses caminhos e que podemos
contribuir para isso através de nosso compromisso com a educação e também com a busca incessante de novos dados, novas idéias que surgirão
(assim o esperamos) a partir de trabalhos sérios de pesquisa.
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FORMAÇÃO DE PROFESSORES: UMA ANÁLISE DE DOCUMENTOS1
Manoel dos Santos Gomes2
RESUMO: Trata-se de um estudo teórico-documental que analisa dois cursos denominados: Formação de Professores em Educação Infantil e séries iniciais do Ensino Fundamental no campus da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia – UESB
e Licenciatura Plena em Pedagogia com habilitação nas séries iniciais do Ensino
Fundamental no campus da Universidade do Estado da Bahia - UNEB. Entre os
objetivos destacamos: desvelar as contradições e pressupostos teóricoepistemológicos que norteiam esses cursos, contribuir nas discussões sobre os
cursos de formação docente da educação básica e refletir criticamente sobre as
políticas educacionais que tratam da formação de professores. Utilizamos como
fontes de análise as propostas de formação de professores da UNEB, campus de
Ipiaú-BA, e UESB, campus de Jequié-BA, além de documentos legais como a LDBEN e
as resoluções CNE/C1/2002, CNE/C2/2002. A discussão se referencia nos documentos que instrumentalizam os cursos.
PALAVRAS-CHAVE: Educação Infantil; LDBEN; UNEB; UESB; Ensino Fundamental.
ABSTRACT: This is a theoretical study that analyzes Documentary-called two courses:
Training of Teachers in Education and Children’s initial series of basic education
on the campus of State University of Southwest Bahia - UESB and Full Degree in
Education with initial clearance in the series of education key on the campus of the
University of the State of Bahia - UNEB. Among the objectives highlighted: unveiling
the contradictions and theoretical and epistemological assumptions that guide
these courses, contribute in discussions about the training courses teaching basic
education and reflect critically on the educational policies that deal with the training
of teachers. We used as sources of examining the proposals for teacher of UNEB,
campus of Ipiaú-BA, and UESB, campus of Jequié-BA, and legal documents such as
LDBEN and resolutions CNE/C1/2002, CNE/C2/2002 . The discussion was reference
in the documents that empower the courses.
KEYWORDS: Child Education; LDBEN; UNEB; UESB; Elementary School.
1. Preâmbulo
A pesquisa, da qual este artigo se origina, é um estudo de caso
ainda em andamento, dividido em dois momentos que se complementam.
1
2
Este artigo é fruto do projeto de pesquisa: Formação de Professores para a Educação Infantil: um estudo de caso.
Doutorando no PPGE/UFSC - Professor da Universidade Estadual do Sudoeste da
Bahia- [email protected]
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O primeiro consta de um levantamento de documentos, resoluções, pareceres, periódicos e livros, com o objetivo de analisar propostas de formação de professores, referenciadas nas prescrições da LDBEN 9394/96.
Elegemos como foco de investigação as propostas de formação de professores da UNEB, campus de Ipiaú-BA e a da UESB, campus de Jequié-BA, por
suas peculiaridades e proximidade espacial. O segundo momento constará de entrevistas com 10 professores-estudantes de cada curso, selecionados aleatoriamente, aplicação de questionário a professores
formadores, coordenadores e comissão de elaboração dos projetos e análise das monografias de final de curso dos 20 professores selecionados.
Neste momento, estamos apresentando as conclusões da etapa inicial
que definimos como teórico/documental.
1.1 Delimitação do assunto
Diversas Universidades, com o intuito de cumprir o que a legislação determina, fizeram parcerias com as prefeituras locais com o escopo
de atender às imposições trazidas pela LDBEN 9394/96 referentes à formação de professores da educação infantil e séries iniciais do ensino fundamental. Nosso intuito é levantar a discussão e reflexão em torno dos cursos
de formação de professores, tendo como referência as propostas da UNEB
(campus de Ipiaú/BA) e UESB (campus de Jequié/BA), mas sem perder de
vista outros cursos com a mesma característica e finalidade de outros espaços do país e que seguem a mesma trilha. A análise dos dados iniciais
mostra que existe o risco desses cursos, ao invés de avançar no
aprofundamento de estudos dos professores da Educação Infantil e das
séries iniciais do ensino fundamental, possibilitando-lhes uma formação
superior com qualidade social, servirem apenas para atender às estatísticas governamentais e acadêmicas.
1.2 Objetivos
Para esta primeira fase da investigação, estabelecemos os seguintes objetivos:
- Identificar as contradições e pressupostos teóricoepistemológicos que norteiam os projetos de formação de
professores da UNEB/UESB;
- Contribuir na discussão sobre os cursos de formação docente da educação básica;
- Refletir criticamente sobre as políticas educacionais que tratam da formação de professores; e
- Apresentar proposições que sinalizem para uma superação
do formato UNEB/UESB.
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Revista da Faculdade de Educação
1.3 Contextualização do tema
É quase lugar comum falar da carência de arcabouço teórico dos
professores que atuam na educação básica, mais precisamente na educação infantil e nas primeiras séries do ensino fundamental. Há um número
considerável de professores que trabalha nos níveis de ensino anunciados, cuja formação profissional traz uma série de carências, o que, sem
dúvida, empobrece a organização do trabalho pedagógico. Quanto a isso,
vejamos o que está posto no projeto do curso da UESB, 2004, p.37:
Na região Nordeste, 25,7% dos docentes possuem nível
superior completo, 57,9% possuem nível médio completo e 15,9% possuem nível fundamental incompleto
ou completo. Observando-se os dados relativos à formação dos docentes do Estado da Bahia, ainda no ano
de 1996 (Brasil, 1997, p. 25), é possível verificar que o
Estado possuía 18,2% das funções docentes com nível
superior completo, 69,2% com nível médio completo e
12% nível fundamental incompleto ou completo.
Diante desse quadro, uma preocupação se apresenta: como
instrumentalizar esses profissionais no sentido de que tenham uma fundamentação teórica que lhes possibilite uma compreensão aprofundada
das questões didático-pedagógicas?
O texto da LDBEN 9394/96 tenta resolver essa questão, ao propor/impor novas veredas a serem seguidas, ao anunciar a necessidade da
formação superior para os profissionais que atuam na educação básica,
note-se o seu art. 62:
A formação de docentes para atuar na educação básica far-se-á em nível superior, em curso de licenciatura,
e graduação plena, em universidades e institutos superiores de educação, admitida, como formação mínima para o exercício do magistério na educação infantil e
nas quatro séries do ensino fundamental, a oferecida
em nível médio, na modalidade normal (LDBEN, 1996,
p.48, grifo nosso).
No artigo em relevo, é visível o “descaso” do Estado na elaboração da política que deverá nortear a educação de indivíduos entre 0 e 10
anos (faixa etária atendida por esse artigo). Nota-se, nestes termos, que a
educação da criança pequena é secundarizada, admite-se que os profissionais que educarão esses sujeitos tenham sua formação referenciada no
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Revista da Faculdade de Educação
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ensino médio! Com todo o respeito que merecem os profissionais apenas
com o ensino médio, não seria importante que, para atuar na educação da
criança pequena, houvesse uma fundamentação mais aprofundada? Por
que a LDBEN deixa essa “janela” aberta? Para salvaguardar os antigos cursos de magistério, ainda em curso naquele momento? Não esqueçamos
que ao longo do tempo não houve investimentos significativos na formação dos profissionais da educação infantil e séries iniciais, haja vista a
necessidade de cursos como o que estamos discutindo aqui. “Um fenômeno social deve ser submetido à crítica de modo que suas potencialidades
possam ser reveladas e, assim, atualizadas numa forma mais evoluída”
(OLIVEIRA; QUINTANEIRO, 1999, p. 66).
Cabe às universidades, neste momento, a preparação desses
profissionais, mostrando inclusive a importância de uma fundamentação
teórico-metodológica consistente para se trabalhar com a criança pequena, para não cairmos na mesma indiferença das LDBEN anteriores: 4024/61
e 5692/71. A primeira sequer tocou no assunto e a segunda sugeriu que
velássemos pelas crianças. Vital Didonet salienta que “a importância dos
seis primeiros anos de vida para o desenvolvimento e aprendizagem ainda é desconhecida por grande parte dos profissionais e subestimada por
muitos que formulam políticas educacionais” (DIDONET, 2001, p.7). Não
mereceria, então, a educação infantil e as primeiras séries do ensino fundamental um tratamento mais cuidadoso por parte dos legisladores?
A Universidade do Estado da Bahia – UNEB e a Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia - UESB estão realizando os cursos de nível superior, sugeridos pela LDBEN 9394/96, que habilitam os profissionais que já
militam na educação básica, mas que não possuem formação superior.
Contudo esses cursos apresentam, na sua estrutura curricular, elementos
que merecem atenção, esses elementos vão desde a organização didático-pedagógica até o tempo pedagógico necessário para as realizações das
atividades curriculares.
1.4 Recursos metodológicos
A compreensão que temos de metodologia não está focada apenas nos métodos e técnicas utilizados, a concepção teórica de abordagem
e a criatividade do pesquisador também fazem parte desse universo. Neste sentido, esta pesquisa se caracteriza como exploratória, sendo o estudo de caso seu delineamento. A primeira etapa consistiu em analisar os
projetos dos cursos da UNEB e UESB, pareceres e resoluções que tratam do
assunto, tendo como finalidade responder ao problema: quais as contradições compõem o eixo teórico/metodológico dos projetos de formação de
professores da UNEB/UESB?
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Ano V nº 7/8 (Jan./Dez. 2007)
Revista da Faculdade de Educação
A matriz epistemológica que orienta o trabalho é o materialismo
histórico/dialético. A primeira razão da escolha dessa matriz
epistemológica se deu porque “para o materialismo dialético, o esforço
de conhecimento se manifesta sempre na forma de uma ‘critica’. Crítica ao
saber dominante, à ciência tradicional e às noções do senso comum”
(MALAGODI, 1995, p.72). A segunda razão foi a busca radical pela superação idealista de ciência, por uma ciência comprometida com as classes
populares. Utilizamos os seguintes instrumentos para este primeiro momento: levantamento bibliográfico, leitura e análise das propostas dos
dois cursos e dos pareceres e resoluções do CNE e fichamento do material
coletado.
1.5 Limitação da abordagem
Analisar e discutir propostas de formação profissional toca em
pontos categóricos. Não podemos deixar de levar em consideração o
referencial teórico que sustenta as propostas em questão e o que estas
propostas visam atender. Por outro lado, tem as próprias limitações do
tipo de pesquisa que se está utilizando. “As críticas mais freqüentes a este
tipo de pesquisa referem-se à não-representatividade e à subjetividade
dos documentos”, (GIL, 1993, p.52), não se pode perder de vista o quanto
o problema da objetividade é difícil, mas “este aspecto é mais ou menos
presente em toda investigação social”, (GIL, 1993, p.53). Portanto, não se
espera com este artigo contemplar todas as lacunas que a discussão levanta, mas manter acesa as inquietações provocadas pelas análises dos projetos de formação de professores que, muitas vezes, visam a atender as
estatísticas de organismos internacionais (o Banco Mundial é um deles)
mais do que os principais interessados, que são os professores.
A elaboração de currículos e programas, a valorização
de seus elementos, a hierarquização das disciplinas obedecem a modelos estandardizados de educação de massas, com normas, critérios, padrões estabelecidos por
organismos internacionais. (SAVIANI, N., 2003, p. 19).
2. Formação de professores: o caso UNEB/UESB
Analisar os cursos de formação de professores para educação
infantil e séries iniciais, com o firme propósito de apresentar suas contradições, mostra uma preocupação, não só com os professores formados
nestes cursos, como também com as crianças que, em linhas gerais, serão
educados por esses professores, além de possibilitar uma reflexão sobre
a educação no sentido lato. Nesta primeira fase, a discussão está pautada
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Revista da Faculdade de Educação
Ano V nº 7/8 (Jan./Dez. 2007)
exclusivamente sobre as propostas dos referidos cursos e documentos
legais que sinalizam para a formação de professores, como as resoluções
01 e 02 do CNE, 2002, entre outros. A primeira das resoluções institui Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores da Educação
Básica, em nível superior, curso de licenciatura, de graduação plena; enquanto a segunda institui a duração e carga horária dos cursos de licenciatura, de graduação plena, de formação de professores da educação básica
em nível superior. A elaboração dos dois cursos acontece por uma necessidade legal, sinalizada na LDBEN 9.394/96 que, no seu artigo 87, § 4º, afirma
que “até o fim da década da educação somente serão admitidos professores habilitados em nível superior ou formados em treinamento em serviço” (LDBEN, 1996, p.62). Contudo, em 2001, há uma mudança na legislação
e o limite se estende no corpo do texto do Plano Nacional de Educação
(Lei 10.172/2001) na sua meta de número 5, sendo acrescidos mais dez
anos para a formação específica em nível superior de apenas 70% dos
professores da Educação Infantil e Ensino Fundamental.
Visando atender ao que a lei impõe, a UNEB criou o curso de
Licenciatura Plena em Pedagogia com Habilitação nas Series Iniciais do
Ensino Fundamental, com uma carga horária de 3.300 horas, distribuídas
em 6 semestres e 4 núcleos temáticos.
Seguindo a mesma linha, a UESB implantou seu curso de licenciatura, contudo o projeto uesbiano é mais ambicioso. A UESB pretende, em
2.865 horas e 6 semestres, instrumentalizar tanto os professores da Educação Infantil, quanto os das primeiras séries do Ensino Fundamental.
A primeira contradição surge quando se faz a comparação entre
as cargas horárias estabelecidas pelos dois cursos. A UESB pretende dar
conta de duas habilitações em 2.885 horas, enquanto a UNEB, com apenas
uma habilitação, precisa de 3.300 horas! Será que a UNEB superestima seu
curso ou a UESB subestima a formação ao achar suficientes apenas 2.885
horas para as duas habilitações?
Manoel Gomes (2003) já assinalava que era urgente pensar em
investimentos mais efetivos na formação dos professores da Educação
Infantil, principalmente no segmento de 0-3 anos e afirmava:
Uma explicação possível, para entender esta situação,
pode estar ligada às ações das políticas públicas que,
hoje, estão voltadas, quase que totalmente, para o ensino fundamental, embora no Plano Nacional de Educação (PNE) (BRASIL, 2001) esteja escrito que os
municípios devem assegurar, além de outros recursos
municipais, os 10% dos recursos de manutenção e de102
Ano V nº 7/8 (Jan./Dez. 2007)
Revista da Faculdade de Educação
senvolvimento do ensino não vinculados ao Fundo de
Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (FUNDEF). (GOMES,
2003, p.16).
Uma resposta inicial para a questão pode estar atrelada à obtenção de recursos do FUNDEF. UNEB e UESB, cada uma do seu jeito, não
perdem isso de vista, um só momento. Os dois cursos são contemplados
com os recursos advindos do FUNDEF e a UESB ainda faz uma “boa ação” ao
possibilitar habilitação para os professores da Educação Infantil! Em tese,
a UNEB só precisaria de, tendo a UESB como referência, 1.443 horas, aproximadamente, para a realização de seu curso. Ironias à parte, sabe-se que
a carga horária mínima para a implementação de um curso é de 2800 horas,
(Resolução CNE/CP2, 2002). Por que a UNEB não investiu na Educação Infantil? E a UESB ao investir não estaria correndo o risco de formar
insatisfatoriamente o professor para trabalhar com a criança pequena?
2.1 Currículo/disciplinas
As interrogações que fecharam o tópico anterior nos remetem
para uma verificação do leque de disciplinas, no sentido de examinar se
elas conseguem atender às formações almejadas. Ao analisar as disciplinas dos dois cursos, evidenciamos os elementos que achamos mais relevantes para o entendimento do projeto de formação de professores
implícito/explícito presente tanto na proposta da UNEB quanto na da UESB.
Significa dizer que não estaremos falando de todas as disciplinas, mas
daquelas que, do nosso ponto de vista, apresentam maiores dificuldades
de materialização de suas propostas, Nereide Saviani faz uma observação
significativa a respeito da formatação de currículo:
Há diferentes modos de se entender a elaboração do
currículo. Por exemplo, há quem considere possível a
elaboração de currículos ideais, aplicáveis tal como
concebidos, resultantes de decisões científico-racionais, baseadas no consenso entre especialistas (trabalhos “de gabinete”, sem consulta ao professorado,
ou quando muito, com consulta a posteriori). (SAVIANI,
N., 2003, p. 9)
À primeira vista, é essa a formatação dos dois cursos, embora o
leque de disciplinas oferecido pelo curso da UNEB demonstre uma preocupação em atender as demandas necessárias à formação docente. Perce103
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be-se a tentativa de contemplar as mais diversas necessidades acadêmicas. Disciplinas como: Visita de Observação, Reflexão do Fazer Pedagógico/Seminários Temáticos, Estágio Supervisionado visam, em última
instância, demonstrar uma ligação intrínseca entre teoria e prática, pela
forma como aparecem no quadro de disciplinas, mas não é dessa forma
que se estrutura a educação atual, ou seja, apresenta um novo modelo,
dentro do modelo antigo, “uma vez que são as condições materiais que
determinam a consciência e não o contrário, a desconsideração em relação à materialidade da prática pedagógica e seu caráter determinante
pode, mesmo, ser interpretada como inconsistência teórica” (SAVIANI,
2003, p.122). Quando entrevistarmos os professores, analisarmos suas
monografias poderemos ter uma percepção mais clara desse conflito. Existe um dado que não pode ser desconsiderado: muitos dos professores
que ministram aulas no curso da UNEB não pertencem ao seu quadro efetivo. Há um deslocamento contínuo dos professores formadores entre as
cidades de Jequié e Ipiaú. Será que os professores formadores terão condições de atender a todos os professores-estudantes nos seus espaços de
trabalho? Será que a quantidade de estudantes não vai inviabilizar uma
articulação mais efetiva entre o espaço da sala de aula e o espaço de
trabalho? Para nós esta é uma questão chave.
No caso da UESB, existe uma vantagem inicial, pois os docentes
do curso fazem parte do seu quadro, não havendo, a princípio, necessidade de deslocamento.
Na maioria das licenciaturas o grande problema é o Estágio Supervisionado, este geralmente se encontra no fim do curso com a responsabilidade de articular o conhecimento realizado ao longo do curso. No
projeto da UESB, a nomenclatura desaparece e o objetivo é que, desde o
IV semestre, a prática de ensino seja enfatizada com as disciplinas Prática
de ensino nas séries iniciais do ensino fundamental e Prática de ensino na
Educação Infantil I e II. Em linhas gerais, a primeira está voltada para o
ensino fundamental, enquanto as outras duas trabalham com as questões
da creche e pré-escola. A concretização desse objetivo, no caso do ensino
fundamental é possível que se realize, porque a grande maioria das disciplinas dá aporte para este nível de ensino, até que se prove o contrário.
No caso da educação infantil, as possibilidades são bem menores. Nota-se
que de um total de 42 disciplinas, tem-se apenas para educação infantil,
especificamente, Educação Infantil, com 60 horas e, possivelmente, Atividades Lúdicas: processo ensino-aprendizagem, também com 60 horas. Com
essas disciplinas será que a formação de professores para a Educação Infantil se materializará? Teremos carga horária suficiente para
instrumentalizar os professores para a Educação Infantil?
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Revista da Faculdade de Educação
Entre as disciplinas do curso da UNEB, uma chama a atenção por
suas características, a inserção da disciplina Oficina de Leitura e Produção
Textual era fundamental porque foi detectada uma deficiência dos estudantes quanto ao trabalho de leitura e interpretação de textos (UNEB,
2004). Além de outras indagações possíveis, uma é crucial: é possível uma
disciplina de 60 horas resolver problema tão complexo?
É bem provável que elementos como esse sejam iluminados
enfaticamente na segunda fase da pesquisa, a partir das análises das entrevistas e das monografias de final de curso dos professores-estudantes.
2.2 Matriz epistemológica
Entendemos que a matriz epistemológica que sustenta uma proposta teórico-metodológica tem como pressuposto apontar que projeto
de sociedade é defendido e isso, sem dúvida, define qual o perfil dos
professores que serão formados. As propostas da UNEB e UESB trazem
uma indicação de onde se ancoram seus pressupostos epistemológicos.
No caso da UNEB, as análises demonstram um certo ecletismo,
mas há uma possível direção na perspectiva da formação de um professor
construtivista, embora essa sinalização não esteja explícita. O que está
claro é que em alguns momentos, a idéia que se tem é de uma verdadeira
“colcha de retalhos”, “o ensino não pode se limitar a copiar, a ler, a decorar,
reduzindo assim o aluno a um simples ‘objeto recebedor’, mas transformálo em ‘sujeito’ participante e parceiro de sua aprendizagem” (UNEB, 2004,
p.14). Os elementos anunciados no trecho em destaque indicam os pressupostos do “aprender a aprender”, nesta perspectiva a “a saída passa a
ser a de atribuir à escola a tarefa de preparar os indivíduos para estarem
sempre aptos a aprender aquilo que for necessário em determinado contexto e momento de sua vida. A saída é o ‘aprender a aprender’”. (DUARTE,
2001, p.49).
O projeto da UESB se referencia em dois modelos. Um de forma
implícita, o professor construtivista, outro de forma explícita, o professor
reflexivo, referenciado em Donald Schön, sob a inspiração do português
Antônio Nóvoa. Note-se o que anuncia a proposta da UESB:
Em busca da superação da dicotomia existente entre
teoria e prática, é preciso considerar que a capacidade de intervenção do professor na prática escolar e na
prática social dependerá de conhecimentos prévios
dessa realidade, mediante atos concretos, sintetizados no princípio ação-reflexão-ação, na perspectiva
de uma fazer crítico, consciente, capaz de produzir
transformações. (UESB, 2004, p.42).
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Ano V nº 7/8 (Jan./Dez. 2007)
O que se percebe nas duas propostas é uma tentativa de estar
dentro do ambiente dos “modismos” contemporâneos sobre a formação
do professor. Tanto o modelo do professor construtivista, quanto do professor reflexivo esvazia a ação docente ao tirar do professor seu papel de
transmitir o conhecimento e não leva em conta as contradições da sociedade capitalista. No modelo construtivista, o foco é dirigido ao estudante;
no modelo reflexivo, o foco central é o professor. Ouçamos o que diz
Marilda Facci:
A proposta de formação de professores, nessa perspectiva, salienta o aspecto da prática como fonte de
conhecimento por meio da reflexão e experimentação.
A tarefa do formador consiste mais em facilitar a aprendizagem, em ajudar a aprender. Para Alarcão (1996,
p.18), Schön ‘retoma assim a pedagogia deweyana, e
também rogeriana, ao afirmar que não se pode ensinar ao aluno aquilo que ele vai ter necessidade de
saber, embora se possa ajudá-lo a adquirir esse conhecimento’. (FACCI, 2004, p.49).
O projeto da UESB se enquadra dentro desse modelo na tentativa de superar modelos estabelecidos, o grande paradoxo é que “essa escola tem seu foco de idéias difundidas por pesquisadores como Antonio
Nóvoa, Zeichner, Donald Schön e tantos outros que, retomando as idéias
de Dewey, buscam uma nova epistemologia que seja mais afetiva, emocional e mais humana” (FACCI, 2004, p.59), mas perde de vista que “vivemos
em uma realidade na qual os professores não são proprietários dos meios
de produção e, conseqüentemente, dos produtos por eles produzidos.
Eles necessitam sim, vender o que têm: a força de trabalho. (FACCI, 2004,
p.63). Em síntese, o modelo que a UESB estrutura sua proposta, ao invés
de valorizar a ação primordial do professor que é ensinar, esvazia essa
importância.
O conhecimento, desta forma, depende única e exclusivamente do aluno, pois é ele quem, em última instância, tem potencial para desenvolver suas estruturas
mentais. Professores e alunos, portanto, precisam ser
valorizados nas suas experiências cotidianas, e o verbo ‘ensinar’ passa a ser substituído por ‘construir’.
Construir conhecimento e não se apropriar da produção científica que os homens já tiveram necessidade e
possibilidade de desenvolver. (FACCI, 2004, p. 74).
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Revista da Faculdade de Educação
2.3 Formação de professores: o que fazer?
Não se pode perder de vista que muitos dos professores-estudantes, nesses cursos de formação, já estão há muitos anos no espaço da
sala de aula, conhecem o “chão da escola”. Os dois cursos têm objetivos
bem claros no sentido de possibilitar que esses professores possam, por
um lado, ampliar suas perspectivas e horizontes, inserindo estudos e teorias antes desconhecidos ou utilizados sem uma sistematização consistente e/ou coerente; e por outro, atender o que a LDBEN - Lei de Diretrizes
e Bases da Educação Nacional - exige, formar em nível superior estes profissionais, sendo atendidas, com isso, as prerrogativas legais.
Não significa dizer que, para atender a essas prerrogativas, outros requisitos não sejam levados em conta. Por exemplo, para que alguém possa aprender e desenvolver-se é preciso não esquecer as condições
que lhes são oferecidas, para não se correr o risco de, ao final do processo,
formados os professores, muito pouco tenha ficado no sentido da apreensão do conhecimento por parte deles, contudo as estatísticas vão mostrar
que X % desses docentes já têm o nível superior.
Há que se pensar no professor que está sendo formado para além
da perspectiva laboral. Se a carga horária de trabalho gira em torno de uma
média semanal de 40 horas, o tempo que lhe é resta é suficiente para
cumprir as tarefas de sua formação no curso de nível superior? Ademais o
professor trabalha geralmente nos turnos matutino e vespertino, neste
sentido, há tempo para outras atividades, como o lazer e/ou as relações
afetivas? Se não se levar em consideração todas essas variáveis, pode-se
confundir educação com linha de produção. Entendemos que não se quer
formar professor em série, não estamos falando de automóvel!
Estas são reflexões ainda provisórias, precisamos de outros dados, poderíamos dizer que este momento se caracteriza como de observação sistemática, é cedo ainda para conclusões apressadas. Entretanto, o
contato com os professores em sala de aula, nos corredores etc., possibilita-nos algumas ponderações. Imaginem pessoas que depois de anos sem
o exercício de determinadas atividades, são levadas a fazê-las repentinamente. Leituras de textos, escrever resenhas, apresentar seminários, agora
fazem parte do seu cotidiano, coisas que estavam afastadas ou nunca fizeram. Esta preocupação é perceptível nos dois cursos, haja vista a inserção
da disciplina Leitura e Produção de Texto, na grade da UESB, e Oficina de
Leitura e Produção Textual, na UNEB. A questão central é: será que esses
professores estão assimilando o que lhes está sendo proposto pela grade
curricular? A necessidade do nível superior exigido pelo Plano Nacional
de Educação vai se materializar?
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2.4 Primeiras Conclusões
Neste primeiro momento o objetivo foi levantar as contradições
que, presentes nesse tipo de curso, são aprisionadas, ou melhor, escondidas no discurso patente tanto nos projetos dos cursos, quanto nos documentos que lhes servem de suporte. A perspectiva é possibilitar aos
professores que militam na Educação Infantil e nas séries iniciais do Ensino Fundamental o acesso ao nível superior, tendo como corolário uma
educação com qualidade social.
Na realidade, o que se espera é que, se antes os professores não
tinham formação superior, com suas inserções nesses cursos, haja uma
mudança significativa na aprendizagem nos níveis de ensino anunciados.
É como se, de forma bem simplória, fosse uma equação de 1º grau em que
se resolvendo a incógnita, a equação está resolvida.
Nessa constatação, não se em leva em consideração outros elementos, tais como: tempo para estudar, tempo para trabalhar, tempo para
o lazer, tempo para as questões afetivas e por fim, tempo para as questões
salariais. À primeira vista, parece uma linha de produção em que as “partes” não fazem parte do todo, por exemplo, o planejamento em sala de
aula não estivesse interligado com o tempo para estudar, ou o tempo para
o lazer não se conectasse com as questões afetivas, e tudo isso estivesse
descolado das relações histórico-sociais, nesse sentido, é significativa a
reflexão de Facci, diz ela:
Se em épocas anteriores vimos e ainda hoje assistimos
à culpabilização do fracasso escolar em termos individuais (ora o aluno, ora o professor, ora a escola), no
que se refere ao trabalho do professor, também estamos
assistindo à responsabilidade sendo transportada do
nível social para o individual. (FACCI, 2004, p.67).
Está claro que se estabeleceu uma hierarquia entre os diversos
níveis de ensino e à medida que este nível se afasta da base da pirâmide,
muda-se o tratamento aos seus profissionais. Os professores que se encontram na Educação Básica seriam os executores, os que fazem; na outra ponta, os de nível superior, aqueles que pensam, elaboram, produzem
conhecimento, nesta relação fica muito clara a divisão social do trabalho.
Sem esquecer que todos os níveis têm seus salários aviltados, condições de
trabalho perversas, todavia no caso dos professores do ensino superior,
estes são liberados de suas funções quando vão estudar, além de, na sua
grande maioria, receberem bolsa de estudos. Questiona-se: por que não se
pensar nestas possibilidades também para o professor da educação básica?
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Revista da Faculdade de Educação
Há questões que precisam de respostas imediatas. Por que para
freqüentar os cursos da UNEB/UESB os professores não podem ser liberados da sala de aula? Por que não lhes dar tempo para estudar de forma
digna e séria? Será que na formação de professores pressuposta pelos
cursos da UNEB/UESB não há necessidade de comprar livros (a questão
econômica não pode ser esquecida) e outros materiais fundamentais na
formação docente? Essas são questões-chave sobre as quais as Secretarias Municipais de Educação e as Universidades supracitadas, mantenedoras
do curso, deveriam se debruçar, afinal ninguém melhor do que professores para pensar as questões docentes, não é?
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110
Ano V nº 7/8 (Jan./Dez. 2007)
Revista da Faculdade de Educação
ÉTICA E CIÊNCIA EM MODELOS RETARDATÁRIOS
Jadir de Morais Pessoa1
Você teve inducação, aprendeu munta ciença
Mas das coisas do sertão não tem boa experiença
Nunca fez uma paioça, nunca trabaiou na roça,
Não pode conhecê bem, pois nesta penosa vida,
Só o que provou da comida sabe o gôsto que ela tem.
(Patativa do Assaré)
RESUMO: Seguindo a teoria da prática do sociólogo francês Pierre Bourdieu, especialmente no tocante ao conceito de campo, este breve ensaio toma a produção
científica e tecnológica como campo em duas perspectivas: como campo científico
e como campo político. No sentido de campo político, a ciência é uma situação
concorrencial, na qual estão vários agentes em disputa pela melhor representação
de uma parte significativa ou de todos os cidadãos. Mas as pesquisas científicas
bem como os seus produtos veiculados via mercado devem ser sempre confrontados com princípios éticos, entendendo-se aqui a ética numa perspectiva social e
não na perspectiva de aperfeiçoamento de valores individuais. Nesse sentido, a
ciência não pode negligenciar: a centralidade de homens e mulheres enquanto
totalidades físicas, espirituais, culturais e políticas; as condições ambientais nas
quais vivem esses homens e mulheres; e a urgência de uma compreensão
intercultural da sociedade.
PALAVRAS-CHAVE: Ética; Ciência; Produção do conhecimento; Campo científico; Desenvolvimento desigual.
ABSTRACT: Following french sociologist Pierre Bourdieu’s theory of practice, this
brief essay looks at scientific and technological production from two perspectives:
as a scientific field and as a political field. As a political field, science is a competitive
situation, in which a number of agents vie to provide the best representation for
many or all citizens. But scientific research, as well as its products distributed
through the markctplace, must always be e000valuated according to ethical
principles. Ethics, here, is understood from a social perspective and not from the
perspective of realizing individual values. In this sense, science cannot neglect the
centrality of men and women as physical, spiritual, cultural and political totalities;
the environmental conditions in which these men and women live; and the urgency
of reaching an intercultural understanding of society.
KEYWORDS: Ethics; Science; Production of knowledge; Scientific field; Unequal
development.
1
Doutor em Ciências Sociais pela UNICAMP, Professor Titular na Faculdade de
Educação da Universidade Federal de Goiás – UFG. [email protected]
111
Revista da Faculdade de Educação
Ano V nº 7/8 (Jan./Dez. 2007)
O Brasil começou o terceiro milênio numa posição extremamente desconfortável na divisão internacional do poder político e econômico.
Tendo que jogar dois terços de tudo o que produzimos no pagamento
apenas dos serviços da dívida, nossa tarefa nesta divisão é a de produzir
riquezas para a sustentação de moedas, de investimentos financeiros, de
marcas e das mesas dos outros países, especialmente daqueles que, nesta
mesma divisão, inescrupulosamente, transformam hegemonia política em
extorsão de toda a riqueza produzida alhures. Nesta condição, a dignidade de homens e mulheres, o respeito para com as escolhas políticas locais
e as condições naturais de continuidade da vida não têm a menor importância – não lhes dizem respeito.
Como falar de ciência, ou, mais genericamente, como falar da
produção de conhecimento em tais condições? É preciso antes acreditar
que estas condições não são definitivas. É preciso acreditar que ainda é
possível a recomposição das formas de organização da vida de sujeitos
concretos e das condições ambientais em que vivem. Só assim serão possíveis ações coletivas organizadas, buscando estabelecer princípios,
parâmetros para o desenvolvimento científico e tecnológico. A produção
do conhecimento necessita de um horizonte ético, para não se deixar
ofuscar pela moralidade freqüentemente capitulada pelo lucro a qualquer custo. O que vem a seguir é um esforço de reflexão sobre esta difícil,
mas, ao mesmo tempo, instigante interface entre a ciência e a ética.
Produção ou consumo de conhecimento?
O continente europeu saiu da segunda grande guerra destruído
e com grande carência de alimentos. Era necessário intensificar o desenvolvimento tecnológico para sair de tal situação. Com isso, o desenvolvimento foi a idéia-força para o pós-guerra, que passou, por extensão, a
mobilizar também os países pobres do mundo capitalista. O grande problema que se põe para nós é que estávamos entrando no processo de
industrialização exatamente naquele momento, enquanto que os países
europeus e os Estados Unidos já eram competidores nos mercados mundiais de produtos industrializados. Por isso, como assinala o economista
Eduardo Viotti (2001), o Brasil, no quadro geral do processo de industrialização, é considerado um caso de industrialização retardatária.
Isso nos obriga a reconhecer que, em termos de produção de
conhecimento, especialmente de conhecimento científico, padecemos
de um problema estrutural.
A competitividade das economias industrializadas é
baseada no emprego de tecnologias inovadoras e, por
112
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isso, essas economias são adequadamente caracterizadas como Sistemas Nacionais de Inovação. Economias retardatárias como a do Brasil, no entanto,
baseiam seu sistema de mudança técnica na absorção
e no aperfeiçoamento de inovações geradas nas economias industrializadas e, por isso, são melhor caracterizadas como Sistemas Nacionais de Aprendizado
Tecnológico (VIOTTI, 2001, p. 144).
Como nossa inserção no comércio de produtos industriais é baseada no aprendizado tecnológico e não na produção de inovações
tecnológicas, nossas chances de competitividade são muito limitadas. Mais
que isso, essa condição estrutural nos impõe uma terrível perversidade,
pois temos que compensar, de alguma forma, a não-produção de inovações tecnológicas. Ou seja, nossas estratégias de competitividade passam
necessariamente pela contenção salarial e pela degradação dos recursos
naturais. Isso “é competir pela miséria e não pelo desenvolvimento” diz
ainda Viotti (2001, p. 145).
Qual seria a saída para esta condição estrutural, de aprendizado
passivo de tecnologias produtivas? Só teríamos alguma possibilidade de,
a médio e a longo prazo, sairmos dessa condição passiva, mediante investimento obstinado nas nossas instituições de pesquisa. Tal como acontece
com a saúde e a segurança, a educação é mercadoria: quem quiser que
compre. Nesta rota, continuaríamos também eternamente no consumo
passivo de pesquisas realizadas lá fora, em muitos casos, feitas por brasileiros e a partir de matéria-prima expropriada do Brasil. Assim, resumindo, ainda com o mesmo autor, o modelo de desenvolvimento brasileiro
das décadas de 1980 e 1990 “[...] não reduziu, antes agravou, a desigualdade da distribuição da renda nacional, além de não ter sido capaz de eliminar a miséria. Mostrou-se, ademais, pouco responsável do pondo de vista
ambiental” (VIOTTI, 2001, p. 151).
Mas, o que é que ciência tem a ver com distribuição de renda, com
superação da miséria e com o respeito às condições ambientais? Para responder a esta pergunta, é necessário dizer antes o que é ciência. E o faço
recorrendo a dois importantes epistemólogos da ciência. O primeiro,
Leônidas Hegenberg, por ter sido o pioneiro nesta área da filosofia no Brasil,
com o seu livro Explicações científicas, de 1969, e, por isso, foi formador de
vários gerações de filósofos a partir da USP. O segundo, Rubem Alves, na sua
fase áurea na UNICAMP, tornou-se, por sua grande erudição e capacidade de
escrita, um importante “tradutor” de questões complexas nos campos da
Teologia, da Educação e da Filosofia, para os leitores inclusive não-acadê113
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micos. E o fez magistralmente também, na sua preocupação em explicar o
que é a ciência, no livro Filosofia da ciência, publicado em 1981.
Pois bem. Conforme nos alerta Patativa do Assaré (epígrafe), o
conhecimento científico é apenas um entre tantos outros. E também não
é a primeira forma de conhecimento com que nos deparamos. Ao longo
de nossas vidas, estamos constantemente enfrentando pequenos, médios e grandes problemas. Alguns são tão simples que, como diz Hegenberg,
nem nos preocupamos muito com eles – apenas damos a eles uma sumária resposta na base do “ir vivendo” (HEGENBERG, 1969, p. 13). Outros são
mais complicados, com interferência mais direta em nossas circunstâncias
de vida, como as pedras, os paus e as pessoas que aparecem à nossa volta.
Como utilizar tais objetos e como nos relacionar com as pessoas? São
perguntas que, para serem respondidas, exigem de nós observação, classificação, explicação.
E tudo começa pelo senso comum (Rubem Alves) ou pelo bom
senso (Hegenberg). Ou seja, de tanto repetir a nossa observação dos fatos
corriqueiros do dia-a-dia, relacionando repetições e não-repetições, começamos a elaborar algumas classificações e estas classificações já começam a ser armazenadas em forma de conhecimento. Rubem Alves dá dois
exemplos simples e muito afeitos ao nosso dia-a-dia. O primeiro é verificado no cotidiano da vida de uma doméstica. De tanto a dona de casa ir à
feira e comparar os preços, entre uma ida e outra, ela começa a concluir
que produtos fora da estação são mais caros e produtos da estação são
mais baratos (ALVES, 1981, p. 13). O segundo, também muito em voga nas
práticas de lazer de hoje em dia, é extraído do cotidiano do pescador. De
tanto voltar para casa sem peixe, ele acaba desenvolvendo importantes
saberes sobre os hábitos dos peixes – o que comem, a que horas comem,
onde ficam, se mordem ou não o anzol (ALVES, 1981, p. 93).
É justamente aí que nasce o conhecimento científico. Ele não é
uma outra coisa, vinda de algum outro planeta. É apenas uma especialização disciplinada do conhecimento do senso comum, (ALVES, 1981, p. 14)
ou o bom senso mais sofisticado, mais organizado, submetido a investigações mais minuciosas (HEBEMBERG, 1969, p. 16-17). Há, portanto, uma
continuidade entre os conhecimentos produzidos e trocados entre as pessoas no seu cotidiano de trabalho, de convivência familiar e de festas. É a
partir de uma elaboração mais rigorosa e sistemática desses conhecimentos que nasce a ciência, Ou, concluindo ainda com Hegenberg: “É justamente do desejo de obter explicações a um tempo sistemáticas e
controláveis pela evidência fatual que gera a ciência” (p. 17).
Pensar a ciência a partir da necessidade de solução de problemas para o nosso dia-a-dia é da maior importância política. Isso deve ser o
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ponto de partida para o redimensionamento da política de ciência e
tecnologia do país. É só a partir da consciência de que temos condições e
precisamos ter vontade política para resolver os nossos problemas que
vamos sair da condição de consumidores de pacotes de conhecimentos e
de tecnologias. Vontade política significa definir como prioritários os investimentos constantes nas instituições de pesquisa. Uma universidade
não pode aceitar ser reduzida a instituição de ensino, ou seja, instituição
meramente repassadora de conhecimentos absorvidos, sabe-se lá em que
condições de interação política. Ela precisa ser decididamente instituição
de pesquisa, socialmente referenciada. Isso quer dizer, interessada na
solução dos problemas concretos da população, especialmente da sua
parcela estruturalmente empobrecida.
O mundo globalizado descobriu que os recursos naturais não são
inesgotáveis. Por isso inventou-se o conceito de sustentabilidade, com o
qual, aliás, os países ricos, especialmente os Estados Unidos, não assumem o menor compromisso. Isso aconteceu na Rio-92, repetiu-se na Conferência de Kioto e, por último, na Rio + 10, na África do Sul. Aqui nos
trópicos, sustentabilidade está sendo muito útil para inviabilizar as lutas
sociais, como é o caso da exigência de um Plano de Desenvolvimento
ecologicamente correto para se instalar um assentamento rural, enquanto que os grandes fazendeiros continuam instalando pivôs-centrais e jogando veneno de avião, livremente. Além do mais, a sustentabilidade
não pode estar referida apenas à exigência de produtividade. É preciso
pensar também na sustentabilidade do homem e da mulher trabalhadores, no respeito à sua cultura, nos seus espaços que são também espaços
de convivência e não apenas de produção. Por isso, quero voltar à leitura
de Viotti para concluir este item:
A construção dessa nova política precisa não só superar as limitações que a herança do velho estilo de desenvolvimento nos deixou como, também, construir as
bases técnicas e científicas necessárias à
sustentabilidade social, econômica, espacial, política
e cultural (VIOTTI, 2001, p. 154).
A ciência como campo
A pesquisa científica e o desenvolvimento tecnológico não podem ser discutidos fora do contexto de mundialização da economia e da
cultura. A concentração dos investimentos em pesquisa, assim como a
escolha dos setores prioritários, fazem parte do processo de globalização,
que não é novo, mas que se acentuou bastante nesta passagem de milê115
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nio. Não se pode esquecer também da sua grande contradição. O que é
realmente globalizado são os custos econômicos, sociais, culturais e
ambientais do processo de desenvolvimento. Seus benefícios nunca foram tão concentrados nas mãos de tão poucos. Mas, na compreensão do
que se passa com o conhecimento científico, há um risco traiçoeiro a se
evitar. É o perigo da simplificação das análises, de feição maniqueísta, ou
seja, de interpretar os sujeitos desse processo como se fossem todos
mocinhos ou bandidos. Há um jogo muito complexo a ser jogado, compreendendo inúmeras posições que representam cada uma um tipo de interesse. Para escapar do ardil da simplificação é que recorro, resumidamente,
ao método de análise do sociólogo francês Pierre Bourdieu.
No estudo que fez de vários fenômenos sociais, desde a migração de camponeses na Argélia, passando pelos estudantes e as grandes
escolas francesas, a religião, o direito, a alta costura, e chegando ao final
de sua fertilíssima carreira como intelectual ao fenômeno da miséria nos
países ricos da Europa, Bourdieu celebrizou o seu método chamado de
teoria da prática (MARTINS, 1987). Reconheceu a importância do
objetivismo durkheimiano e da estrutura social na produção do conhecimento, mas, ao mesmo tempo, via a importância do subjetivismo
weberiano, ou seja, a importância da ação do sujeito. Assim, o conhecimento não estaria nem em um nem no outro pólo, mas na relação dialética
entre os dois, isto é, na relação entre a estrutura social e o agente social.
Levar em conta a ação dos atores sociais significa tomar como
parte importante para o conhecimento os sujeitos sociais concretos, com
um passado, um presente e um sonho de futuro. Os sujeitos sociais não
são apenas força de trabalho, mas exteriorização da sua interioridade. Nascia aí, na teoria de Bourdieu, um conceito-chave de sua análise, que é a
idéia de habitus. Habitus são disposições duráveis ou significações aprendidas pelo indivíduo desde o início do seu processo de socialização, no
contexto familiar, de vizinhança, na escola etc. E são essas disposições
que vão orientar a compreensão de mundo, a percepção e as ações dos
sujeitos socais. Ou, como diz Carlos Benedito Martins (1987, p. 40):
[...] o habitus adquirido pelo ator social através da
sua inserção em diferentes espaços sociais constitui
uma matriz de percepção, de apreciação e de ação que
se realiza em determinadas condições sociais. Ele informa a conduta do ator, as suas estratégias de conservação e/ou de transformação das estruturas que estão
no princípio de sua produção (MARTINS, 1987, p. 40).
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Mas não importa que tipo de disposições os atores sociais apresentem, trazidas da família ou da escola, estas disposições só se tornam
prática à medida que esses atores entram em contato com uma dada situação – prática é sempre produto de uma relação dialética entre uma situação e um habitus. Esta situação ganhou, já desde os primeiros escritos de
Bourdieu, o nome de campo, significando
[...] um espaço social que possui uma estrutura própria, relativamente autônoma em relação a outros espaços sociais, isto é, em relação a outros campos
sociais. Mesmo mantendo uma relação entre si, os diversos campos sociais se definem através de objetivos
específicos, o que lhes garante uma lógica particular
de funcionamento e de estruturação. É característica
do campo possuir suas disputas e hierarquias internas, assim como princípios que lhe são inerentes cujos
conteúdos estruturam as relações que os atores estabelecem entre si no seu interior (MARTINS, 1987, p. 42).
Pois bem! A ciência é, na obra de Bourdieu, um campo.
Explicitando um pouco mais, o campo científico é uma situação relacional,
na qual estão vários agentes. O que constitui o campo é a existência de um
objetivo comum entre esses agentes. No caso do campo científico, o que
está em jogo, especificamente, é o monopólio da autoridade científica.
Dito de outra forma, todos os agentes – pesquisadores, governo, laboratórios etc. – estão buscando demonstrar “maior competência científica,
compreendida enquanto capacidade de falar e de agir legitimamente” em
nome da ciência (BOURDIEU, 1983, p. 122-123). E esta situação é dinâmica.
Se num dado momento ela apresenta uma determinada configuração,
alguns meses depois ela pode se modificar, à medida que um ou mais
agentes conseguir aumentar a sua força dentro do campo – esta força,
Bourdieu chama de capital.
Numa outra perspectiva, tudo o que envolve a pesquisa, o comércio de produtos, o consumo etc. pode ser pensado também como um
outro tipo de campo, também estudado por Bourdieu, que é o campo
político. Nele ocorre sempre uma concorrência pelo monopólio do direito
de falar e de agir em nome de uma parte ou da totalidade dos cidadãos
comuns (BOURDIEU, 1989, p. 185).
Pensando a ciência desta forma, escapamos da simplificação que
é pensar a pesquisa como uma polaridade entre, de um lado, um laboratório muito rico e, do outro, um consumidor pobre sufocado pelos custos do
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produto daquele laboratório. A ciência nem está completamente a serviço das necessidades sociais, nem está completamente a serviço das demandas político-econômicas (BOURDIEU, 1997, p. 15). No campo das
pesquisas científicas e da utilização dos seus produtos, pensado enquanto
campo político, estão vários laboratórios, várias outras instituições de pesquisa, inclusive universidades, estão os governos, estão os consumidores, estão os movimentos sociais e as ONGs. A mobilização popular pode
alterar os rumos de uma determinada pesquisa, como vêm tentando várias organizações no mundo inteiro, contra os produtos geneticamente
modificados – os transgênicos. Curiosamente, estas manifestações são
mais intensas nos países ricos. Isso parece uma contradição, e é. Mas essa
contradição é própria do campo, pois um campo é sempre o espaço de
uma luta concorrencial, entre interesses divergentes.
Ética e recomposição do mundo
Uma realidade parece inegável nesse começo de milênio: o problema do mundo não é a falta de conhecimentos capazes de superar os
nossos grandes problemas. Com muitíssimo menos, em termos de informação e equipamentos, Louis Pasteur afastou, na segunda metade do
século XIX, as ameaças terríveis à alimentação dos franceses, especialmente a “peste do carvão” nos carneiros e as várias doenças que dizimavam os parreirais (DUBY e WALLON, 1976, p. 194-2001). Conhecimento
tecnológico e equipamentos capazes de resolver o problema da produção
de alimentos, da cura de novas doenças e tantos outros já existem. O mais
grave problema dessa nossa quadra é que todo esse conhecimento e seus
produtos, nos termos de Theodor Adorno, parecem estar muito mais orientados para a barbárie que para a civilização. O próprio Adorno o explica bem:
Entendo por barbárie algo muito simples, ou seja, que,
estando na civilização do mais alto desenvolvimento
tecnológico, as pessoas se encontrem atrasadas, de
um modo peculiarmente disforme em relação a sua
própria civilização – e não apenas por não terem em
sua arrasadora maioria experimentado a formação
nos termos correspondentes ao conceito de civilização, mas também por se encontrarem tomadas por uma
agressividade primitiva, um ódio primitivo ou, na terminologia culta, um impulso de destruição, que contribui para aumentar ainda mais o perigo de que toda
esta civilização venha a explodir, aliás, uma tendência
imanente que a caracteriza (ADORNO, 1995, p. 155).
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Urge, então, uma mudança de rota, em direção à civilização. Isso
significa dizer que todas as ações humanas, individuais e coletivas; todos
os planos governamentais de desenvolvimento, incluindo-se aí a política
de ciência e tecnologia; sejam norteados por outros parâmetros, por novos princípios de vida em sociedade. Dito de outra forma, o desenvolvimento científico e tecnológico carece de um horizonte ético. Trata-se de
uma tomada de posição difícil porque tem que ser uma construção coletiva e, se acontecer, terá que se confrontar com interesses continuístas e
terá que supor uma grande dose de indignação, talvez, mesmo, de revolta, recordando a origem do próprio termo, na cultura grega, como nos
mostra Edvino Rabuske:
O termo ‘Ética’ provém do termo grego ‘ethos’: lugar de
moradia, costume, caráter, mentalidade. Mas, propriamente, a Ética nasceu, quando SÓCRATES se revoltou
contra os costumes vigentes na sociedade ateniense
do seu tempo e procurou descobrir com a sua razão
autônoma o que é virtude, o que aperfeiçoa o homem
como homem (RABUSKE, 1986, p. 174).
Depois disso, no longo processo de desenvolvimento da humanidade, a ética veio gradativamente tomando o sentido de ciência
normativa, pois aponta deveres e valores, que são impositivos, como acrescenta Rabuske: “A Ética é uma ciência categórico-normativa. Implica em
normas em sentido categórico, incondicional” (RABUSKE, 1986, p. 175). Na
era contemporânea, após o advento das ciências humanas e sociais, o
desenvolvimento dos homens e mulheres passou a ser visto não mais
como aperfeiçoamento de virtudes individuais, mas como totalidade –
física, mental, política, cultural, ambiental etc. A ética precisa ser tomada
numa perspectiva social, de coletividade.
A dimensão social da Ética, característica de nossa
época, deriva da confluência de dois fatores: a) Hoje
tudo se tornou interdependente; as minhas ações têm
repercussão, maior ou menor, sobre o tecido social
inteiro. b) O homem é uma unidade. Se quero respeitálo e promovê-lo na sua dignidade de pessoa, também
devo interessar-me por seu bem-estar corporal e suas
condições materiais de vida (RABUSKE, 1986, p. 179).
Em outros termos, significa dizer que no terceiro milênio não
poderemos assistir de braços cruzados a dissolução das condições gerais
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de vida no planeta e que nosso engajamento numa oposição a esta real
possibilidade não deverá passar apenas por uma reconstrução do sujeito
individual – das virtudes dos homens e mulheres. Nos termos de Alain
Touraine, numa perspectiva de superação dos erros cometidos pela
modernidade, a obra a ser feita agora é mesmo uma recomposição do
mundo, assim explicada pelo autor:
“Esta obra consiste em reunir o que foi separado, em reconhecer o
que foi recalcado ou reprimido, em tratar como parte de nós mesmos o que
rejeitamos como estrangeiro, inferior ou tradicional” (TOURAINE, 1998, p. 214).
Seguindo a idéia de Touraine, esta recomposição do mundo deverá compreender alguns princípios éticos, repito, valores coletivos, que
entendo serem imprescindíveis e que receberão em seguida um ligeiro
destaque.
Uma recomposição antropocêntrica. O fundamento maior, o critério último desta ética coletiva são os homens e mulheres, na sua totalidade, ou seja, como seres por inteiro – corpo, espiritualidade, razão,
liberdade e interação com a totalidade da vida ao seu redor (RABUSKE,
1986, p. 193-194). É para e com homens e mulheres – a partir dos seus
anseios e necessidades – que esta grande obra precisa ser feita.
Mas este antropocentrismo significa necessariamente a integração
ativa de homens e mulheres. A sociedade industrial foi uma sociedade de
homens (TOURAINE, 1998, p. 221), dando aos homens uma situação confortável, ancorada apenas na dimensão produtiva. Ao passo que as mulheres,
historicamente, tiveram que construir arduamente a integração entre a dimensão pessoal e familiar, e a dimensão social da existência. Por isso, elas
têm hoje muito mais condições que os homens de trabalharem por esta
recomposição do mundo. Mas, tão logo nós, os homens, consigamos nos
recompor a nós mesmos, teremos muito a fazer nessa recomposição do
mundo, que, ou é masculina e feminina, ou não acontecerá.
Uma recomposição referenciada na natureza. Tudo o que existe
pré-existe, coexiste e subsiste, afirma Leonardo Boff. E é Frei Betto (2001)
quem explica seu colega teólogo: desde o barro e sopro da narrativa bíblica da criação; ou desde o Tao – princípio único que governa todas as coisas,
segundo Lao-Tsé (China), há seis séculos antes de Cristo, passando por
todas as coisas são uma só coisa de Heráclito, no século IV antes de Cristo,
até as elaborações modernas da Física Quântica, há uma realidade ante a
qual não podemos mais continuar de olhos vendados – cegos por não
querermos ver: nós fazemos parte de uma unidade cósmica – tudo está
interconectado.
A modernidade nos deu um poder absoluto sobre os outros seres da natureza – eles lá, distantes e destinados a satisfazerem os nossos
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caprichos. Ou nós nos abdicamos desse poder absoluto ou a vida na terra
se tornará inviável, como nos adverte Touraine:
Aprendemos que nosso objetivo principal não devia
mais ser o domínio da natureza, mas o domínio deste
domínio, que nossas civilizações são mortais, que nosso planeta pode se tornar inviável, que nossas cidades
podem se incendiar sob o desencadeamento da violência (TOURAINE, 1998, p. 213).
Uma recomposição intercultural. Além de ter sido uma sociedade de homens e para os homens, a sociedade industrial foi uma sociedade
monocultural – homogeneizadora da cultura.
Os poderes autoritários querem unificar culturalmente a sociedade para impor um controle absoluto a indivíduos e a grupos cujos interesses, opiniões e crenças
são sempre diversos. Quanto mais os poderes se identificam com um princípio cultural unificador, seja ele
a razão, a nação, a raça ou a religião, mais depressa
arrastam a sociedade que dirigem para o inferno totalitário (TOURAINE, 1998, p. 191).
Os países que passaram a ter o domínio da máquina e dos seus
produtos sempre se julgaram também no direito de impor a sua cultura
sobre os países consumidores e, portanto, seus dependentes. É ainda Alain
Touraine quem define essa equivalência entre dominação econômica e
dominação cultural, como uma colonização cultural. E acrescenta:
É necessário opor-se com força à colonização cultural
e à imposição de determinado modo de vida dominante no mundo inteiro, mas também é preciso estar atento ao fato de que não existe mais o isolamento das
culturas e que opor simplesmente precauções culturais
dominadas e cultura dominante é sempre a expressão
dum projeto político autoritário que, afinal, se preocupa pouco com a tradição (TOURAINE, 1998, p. 202).
O século da faxina étnica, que foi o século XX, precisa ser substituído por um outro, o da convivência entre seres diferentes. As diferenças
culturais não podem nos impedir de vivermos juntos. E mesmo no interior
das nações há diferenças culturais regionais, religiosas, de concepções
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políticas e outras. É urgente aprendermos que elas são antes um valor e
não um problema de nossa condição humana.
Mas a perspectiva multicultural ainda é insuficiente. Não basta
aceitarmos que somos uma diversidade de culturas, se não somos capazes
de construir formas eficazes e respeitosas de comunicação entre elas. Por
isso, no horizonte último de uma compreensão multicultural da sociedade está a necessidade de uma comunicação intercultural:
O multiculturalismo não pode ser reduzido a um
pluralismo sem limite. Ao contrário, deve ser definido
como a busca duma comunicação e integração parcial
entre conjuntos culturais há muito tempo separados,
como foram os homens e as mulheres, os adultos e as
crianças, os proprietários e os trabalhadores dependentes (TOURAINE, 1998, p. 215).
[...] será vigorosa uma sociedade capaz de reconhecer
a diversidade dos indivíduos, dos grupos sociais e dos
culturais, ao mesmo tempo em que souber fazer com
que se comuniquem entre si, suscitando em cada um o
desejo de reconhecer no outro o mesmo trabalho de
construção que faz em si próprio (p. 217).
Enfim, somos homens e mulheres, brancos e negros, pedras e
paus, água e animais – somos iguais e somos diferentes – e poderemos
viver juntos. Mas essa possibilidade é uma construção que deve estar
acima do lucro e da concentração de poder, e que espera por todos nós.
Considerações finais
Um novo século, um novo milênio, um momento mais que propício para nos engajarmos organizadamente na recomposição da sociedade brasileira. A igualdade de gêneros, o respeito a todos os seres que
compõem a natureza e a tolerância entre seres iguais e diferentes são
princípios ético-sociais imprescindíveis nesta recomposição. Mas isso nunca
nos será dado pronto nem será concedido com facilidade pelos que concentram o poder econômico e buscam sempre a standardização cultural
entre as sociedades. Junto com a dominação política e econômica vem
sempre também uma privatização da ética, ou seja, a transformação do
oportunismo e do comportamento falso e ardiloso, em virtudes políticas
incontestáveis (SOARES, 2000, p. 65).
Para fazermos frente a esta privatização da ética, como núcleo
ético criativo e contagiante, expressão ainda de Luiz Eduardo Soares, temos que responder com ações coletivamente solidárias. Nosso passado
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Revista da Faculdade de Educação
recente – luta pela anistia, pelas liberdades democráticas, por eleições
diretas – prova que isso é possível; é lento, mas produz efeitos e significações eloqüentes. É uma questão apenas de nos convencermos de que
esse é o caminho.
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Revista da Faculdade de Educação
ESCOLARIZAÇÃO, INFÂNCIA E PÓS-MODERNIDADE:
PEQUENOS RECORTES, GRANDES CONTRIBUIÇÕES
Leonardo Cappi Manzini1
RESUMO: Neste artigo, partimos do pressuposto de que é necessário
redimensionarmos nossos posicionamentos e concepções acerca da Infância e
seu processo histórico, entendendo que as transformações culturais, econômicas
e tecnológicas ocorridas na atualidade desempenham um papel importante nas
condições infantis. Assim, são considerados pontos relevantes a apropriação capitalista dos meios de subjetivação infantil, seu processo de escolarização e sua
identidade social fragilizada por relações de poder e saber convertidas em mecanismos de reprodução e dominação.
PALAVRAS-CHAVE: infância; transformações; escolarização; pós-modernidade.
ABSTRACT: In this article I had the preconceived understanding that it is necessary
to focus my position with concepts concerning infancy and its historical process.
Although, understanding of cultural, economic and technological transformations
occur that play an important role in infant growing conditions. An excellent initiative
for a country to strengthen its population structure is to appropriate funds to
infants as they grow. Stressing correct behaviour for infants creates a social identity
through power and knowledge instilled by their teachers.
KEYWORDS: infancy, transformations, schoolarly, post- modern.
Antes mesmo de contextualizar historicamente o que se entende por infância, cabe esclarecer a acepção terminológica
(etimologicamente) do sentido do termo ‘infância’, ou seja, in-fans, do
latim, que significa “sem linguagem”.
Não é nenhuma novidade dizer que a ‘infância’ ou o território
denominado ‘criança’ é um artefato histórico/cultural e não simplesmente uma temporalidade evolutiva e biológica, embora fosse por muito tempo concebida de tal forma, isto é, como uma fase ou período evolutivo
natural e inalterável.
1
Bacharel em Psicologia pela Universidade Regional de Blumenau (FURB) SC, Especialista em Psicologia do Ensino e da Aprendizagem pela Universidade do Estado de Mato Grosso (UNEMAT). Professor de Psicologia nos cursos de Psicologia e
Serviço Social do Instituto de Educação da Amazônia (IESA) RO, e Coordenador da
Clínica de Psicologia dessa mesma universidade. E-mail:[email protected]
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Apesar de seu aspecto evolutivo e biológico inquestionável, trata-se de compreender que, nesse processo único, os elementos sócioculturais que estão à sua volta produzem ‘esta’ ou ‘aquela’ maneira de se
relacionar com esse território, com essa temporalidade e corporeidade específica, definindo, assim, como cada tempo histórico se apropria dessa dimensão. Portanto, a trajetória de significação do termo infância é inerente à sua
época e contexto cultural, o que equivale dizer que a infância no período
medieval não é a mesma infância concebida no final do século XVIII.
Na verdade, aquilo que nesses últimos anos do século XX é chamado de ‘infância tradicional’ tem apenas 150 anos, período entendido
entre 1850 e 1950. “A concepção de infância como uma categoria particular
que exige um cuidado especial não tinha ainda se desenvolvido na idade
média” (STEINBERG, 1990). A infância, portanto, é uma criação da sociedade e está sujeita a mudanças sempre que ocorrerem importantes transformações sociais. Por volta de 1900, muitos acreditavam que a infância
era uma fase natural. Sendo a infância um artefato social investida por
suas peculiaridades históricas e culturais, como a partir do século XIX segmentou-se em termos de valores e de representação de uma categoria
social própria?
Sem tentar produzir uma resposta conclusiva, parte-se do princípio de que mesmo a infância sendo um mecanismo social moderno e
passível de mudanças, nota-se que, para ser legitimada e aceita necessitase de um aparelho que, ao produzir um saber sobre a mesma, produza
simultaneamente um modelo específico de infância.
Segundo o historiador Philippe Ariès (1978), cujos trabalhos possuem relevância acerca dos temas relacionados à ‘criança’ e à ‘família’ e
seu desenvolvimento histórico, a noção de infância se desenvolve aliada
às mudanças ocorridas na família, na sociedade do fim do século XVII. Até
então, essa instituição social (a família) mantinha uma relação especificamente com as crianças, cujo trato não incluía aspectos afetivos ou de aprendizagem dos valores respectivos ao modo de vida praticada. Nesse contexto
histórico, “as trocas afetivas e as comunicações sociais eram realizadas,
portanto, fora da família, num meio composto por vizinhos, amigos, amos
e criados, onde a família ‘conjugal’ dividia-se em termos de uma atenção
específica as crianças” (ARIÈS, 1978, p.11).
É importante deixar claro que as alterações desses fatos ou eventos sociais passam a ser considerados afetivos, ou a serem notados, a
partir do século XVII, como afirma Ariès. De modo geral, as transformações no ‘seio’ das relações familiares com as crianças nunca mais foram as
mesmas. Tanto a concepção de ‘família’, como a concepção de ‘infância’
assumiram um outro papel social, ou seja, ambas protagonizaram simulta126
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neamente sua ‘nova’ identidade social e seus novos ‘valores’ culturais. É
interessante destacar, pelo próprio propósito desse trabalho, que um dos
eventos que contribuiu de forma definitiva para as relações sociais da
criança foi o início da ‘escolarização’.
A escola substituiu a aprendizagem como modo de educação, onde as crianças deixaram de ser misturadas
aos adultos. Começou, então, um longo processo de
enclausuramento das crianças, estendendo-se até os
nossos dias, denominado como ‘escolarização’. (ARIÈS,
1978, p. 14).
Outro efeito apontado por Áries (1978), cuja importância revelou-se imprescindível à ‘nova’ concepção de infância, reside no fato da
afeição atribuída à importância dada à educação, por parte da família; na
cumplicidade da ‘família’, reorganizada como um lugar de afeição entre os
cônjuges e entre pais e filhos, algo que ela não era antes.
Embora essa escolarização concebida como parte do processo de
reorganização das relações com a criança, deve-se considerar que essa era
uma realidade ‘européia’, mesmo sendo do século XVIII. Realidade essa,
muito diferente do contexto brasileiro, mesmo no século XX, ou seja, a
escolarização infantil como parte inerente da ‘nova’ concepção de infância foi interrompida por décadas no Brasil, bloqueada pelo trabalho infantil, pela miséria, pela ausência da saúde básica, assim como por outras
‘barbáries’ cometidas por aqueles que deveriam amparar e assegurar os
direitos da criança. Apesar de tal fato apresentar uma outra problemática,
distinta aos objetivos principais do trabalho em questão, serve como reflexão suplementar, no sentido de distinguir uma realidade da outra, aproximando-se da realidade brasileira, onde representamos uma
possibilidade de mudança. Mesmo assim, considera-se o fato de que as
mudanças ocorridas nos séculos XVIII e XIX na Europa propagaram definitivamente o ‘novo’ modo de se conceber a criança.
A família passou a organizar-se em torno da criança,
tal feito, tirou a criança do anonimato, atribuindo-lhe
um valor insubstituível. Definitivamente tratou-se de
uma revolução afetiva, educacional e psicológica.
(ARIÈS, 1978, p. 16)
Desse modo, pode-se compreender o nascimento de uma ‘nova
criança’, de um novo ‘lugar’ subjetivo antes ignorado. Como conseqüên127
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cia disso, a sociabilidade passou pela polarização de dois valores principais, isto é, a família e a profissão. Nota-se, com isso, a simultaneidade
dos eventos históricos ocorridos na sociedade, efeito que possibilita a
integração dos fatos, pois a fragmentação deles provoca uma espécie de
congelamento histórico, tornando-se eventos isolados. Nesse caso, as
transformações nas concepções de ‘criança’, família e escolarização pertencem a um mesmo fluxo de acontecimentos sociais: a modernidade.
1. A criança inventada: considerações acerca do olhar ‘científico’ sobre a
criança
Ao apropriar-se um pouco dos fatores pertinentes às transformações, no trato com a criança, desde os séculos XVII e XVIII, é interessante mencionar que, na medida em que nos aproximamos da atualidade,
podemos verificar que, após o advento da ciência como legitimação do
saber e dos valores burgueses, a criança tornou-se objeto de investigação.
Assim, a noção de infância ou ‘o ser criança’ é relativamente algo
recente, configurando-se em decorrência de mudanças sociais significativas no trato tanto da família, da escolarização, do afeto dos cônjuges para
com a criança, resultando, historicamente, em uma nova concepção, por
parte dos adultos em geral, do que é ser criança ou ter uma infância. Sendo assim, a infância tornou-se um território social e cultural específico,
exigindo cuidados condizentes, cujos elementos possuem um determinado modo afetivo, subjetivo e moral, que a sociedade ‘adulta’ haveria,
como num caminho sem volta, tomá-la para si como algo imprescindível.
No decorrer dos tempos, mais precisamente a partir do século
XX, tornou-se possível, com o advento da ciência consagrada como método legitimador do saber e da verdade, beneficiar as relações psicossociais
da criança.
De modo geral, tratava-se da incorporação ou da transformação
da criança como objeto de estudo da ciência, a qual se encarregaria de
produzir um conhecimento objetivo específico às crianças, ou ao modo de
lidar com elas. Esse saber direcionado à criança envolve desde sua origem
e desenvolvimento biológico, até sua educação, seu desenvolvimento
psicológico e toda uma cultura de ritos de passagem, de entretenimento e
de valores próprios. É importante mencionar que, neste contexto, a constituição da identidade social e individual da criança, é incorporada ao meio
social e ao modo de produção e subjetividade.
Sucintamente, o saber produzido pela ciência moderna sobre a
criança possui certas peculiaridades, as quais correspondem a um determinado tempo histórico, mesmo sendo relevantes e praticados na atualidade, referindo-nos, especificamente, ao advento da psicologia moderna
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e aos eminentes trabalhos de E. Erikson, J. Piaget e A. Gesel que consolidaram um determinado saber sobre a criança, como afirma Steinberg (1998).
Os grandes psicólogos infantis viram o desenvolvimento infantil
moldado por forças biológicas, o que hoje é considerado como uma visão
parcial, prejudicada por sua abordagem científica e socialmente
descontextualizada. Generalizou-se, para todas as culturas e eras históricas, aquilo que os grandes psicólogos observaram como a expressão genérica do comportamento infantil no início do século XX. Embora não se
trate de tornar essas concepções irrelevantes ou equivocadas, deve-se
entender que foram constituídas segundo um aparato ou um paradigma
científico disposto na época. Apesar disso, a contemporaneidade das teorias possibilitou novas formas de problematizar o saber acerca da infância,
evidenciando seus efeitos e conseqüências nas relações socioculturais
inerentes à infância.
As conseqüências da visão enfatizada e centrada nos estágios
biológicos considerados imutáveis promoveram, principalmente em educadores, psicólogos, pais e mães e a comunidade em geral, equívocos
quanto à educação infantil. Vêem e julgam as crianças de acordo com uma
taxionomia fictícia de suas capacidades, ou seja, as crianças que não se
ajustam ao padrão imposto são relegadas ao território das expectativas
baixas. Já as crianças ‘aceitas’ descobrirão que seu privilégio econômico e
racial são confundidas com capacidade (STEINBERG, 1998).
O autor, contundente na produção de saber e seus efeitos nas
relações com a criança, aponta, entre outras coisas, a segregação, fato
criador de uma ‘minoria’ excluída, cujo estigma de desajustamento tem
implicações diretas na subjetividade e identidade infantis. Por isso, é possível dizer que se trata da ‘invenção’ da criança, por parte da criança moderna, criança essa, que foi meticulosamente quantificada, classificada e
padronizada, estando implícito nesse sistema, uma criança idealizada,
segundo um determinado modo de produção social, econômico, cultural
e subjetivo.
De fato, segundo o pensamento pós-estruturalista, esses são os
efeitos causados por um saber baseado pelas ‘grandes narrativas’
universalizantes e pela lógica ‘binária’ dos valores, do qual o ‘modernismo’ fez parte, legitimando-os. A referência à lógica binária dos valores,
principalmente aquela pela qual a psicologia moderna inevitavelmente
baseou-se e reproduziu, submetendo-os à lógica dos contrários, isto é,
racional/irracional, normal/anormal, vencedor/fracassado.
Em termos gerais, as crianças não são as únicas afetadas por esse
sistema de valores classificatórios, padecem tanto a família como os educadores, que sofrem enquanto instituições sociais diretamente responsá129
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veis pelas vivências infantis. Todo esse discurso sobre o melhor para a
infância resume-se em uma visão ‘adultocêntrica’ sobre a criança, mantendo distante suas inquietações e desejos, o que, em suma, impede a
constituição de valores pelos quais a produção infantil atue e participe de
suas próprias transformações.
A partir do século XVII e XVIII assiste-se ao ‘parto’ histórico da
criança como criança. Posteriormente, um outro ‘nascimento’ da criança,
agora como objeto de estudo da ciência moderna, cujo teor idealista inventou ou recriou uma nova concepção de criança padrão. Há ainda a criança
‘real’ existente em todas as camadas ou situações socioculturais, a criança
de ‘carne e osso’, que vive e se transforma sem se dar conta de seu tempo.
2. A infância e a pós-modernidade
2.1 Conceituação de pós - modernidade
Atualmente, seja na educação, na política ou na dimensão sóciocultural, é importante compreender as implicações das concepções que
estão sob o jugo da pós-modernidade. Embora essas concepções estejam
muitas vezes confusas ou questionadas por outros posicionamentos teóricos, tornou-se relevante concebê-las, tanto em suas teorias, como pelas
transformações que as sociedades desenvolvidas e subdesenvolvidas estão vivendo.
Assim, em consonância com a atualidade de nosso paradigma
cultural e político e, sendo ele único, o ‘olhar’ pós-moderno surge como
uma alternativa crítica, para a apropriação da melhor maneira possível das
transformações a que estamos sujeitos.
De fato, o termo ‘pós-moderno’ não é novo e está presente nas
leituras e discussões de diversas áreas do conhecimento, mais precisamente na área da educação. É utilizado explicitamente como ‘ícone’ das
transformações culturais e, implicitamente, fornecendo subsídios teóricos e críticos no fazer educacional, elaborando, de forma geral, a influência das concepções pós-modernas que permeiam a produção de
conhecimento, problematizando o atual cenário da educação
institucionalizada. Mesmo assim, são encontradas resistências no que diz
respeito ao papel ou impacto das concepções pós-modernas. As divergências levantadas percorrem do radicalismo de alguns teóricos, que afirmam a
inexistência do pós-modernismo como construto teórico, até outras formas
menos radicais que relativisam a ‘ótica’ pós-moderna. Sendo assim, antes
da tentativa de sistematizar as implicações das concepções pós-modernas
ou pós-estruturalistas na educação, faz-se oportuno à visualização, de forma categórica, o que é pós-modernidade e pós-estruturalismo e como ocorreram as suas constituições históricas, culturais e filosóficas.
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De modo geral, são essas as indagações essenciais cujo desdobramento possibilita-nos evitar alguns equívocos e apropriarmos de outros, tornando, assim, as implicações do pós-moderno na educação, algo
muito mais palpável e passível de questionamentos.
Em se tratando de concepções teóricas, escolas filosóficas e
epistemologias, toda cautela é pouca, considerando suas complexidades
e desafios que tanto produzem divergências entre teóricos e suas concepções, entre ‘modelos’ e ‘modelados’ e entre ‘pensadores’ e ‘analfabetos’.
Para Michael Peters (2000, p.9), “o pós-estruturalismo tem sido confundido com o termo afim, pós-modernismo, sendo o primeiro subordinado ao
segundo. Assim, precisamos distingui-los [...]”.
Sendo assim, antes de adentrar nas especificidades do tema, é
imprescindível distinguir certas noções que tornam rebuscadas quaisquer
tentativas de reflexões. No entanto, para que haja essa distinção, é também necessário diferenciar tanto o estruturalismo como o modernismo,
assim como o tipo de relação que cada um deles tem com seus objetos
teóricos.
O termo ‘modernismo’ possui duas acepções, sendo a
primeira referente aos movimentos artísticos dos meados do século XIX, já a segunda refere-se ao termo de
forma histórica e filosófica, cujo significado de
‘modernidade’ como época seguinte a medieval [...]
(PETERS, 2000, p.12).
De modo geral, o termo ‘modernidade’ expressa a idéia de ruptura com o velho, o clássico e o tradicional. Inerente a essa idéia passa-se
a conceber a modernidade como algo melhor que o velho e o tradicional.
Filosoficamente, a modernidade começa com o pensamento de Francis
Bacon, na Inglaterra, e o de René Descartes, na França.
De acordo com a primeira utilização do termo modernismo como
uma nova maneira de conceber os movimentos artísticos de meados do
século XIX e suas produções artísticas é a mesma coisa dizer que, sobretudo, o modernismo implica posição de rompimento, de liberdade, de transformação dos métodos clássicos e tradicionais.
As rupturas, as divergências, os direitos e valores que a noção de
modernidade pressupunha, por vários motivos distanciavam-se do ‘ethos’,
até então, denominado como clássico ou ultrapassado, seja na vanguarda
artística ou em seus pressupostos filosóficos.
Esses movimentos, como vimos, apresentaram-se em vários
modos de expressão artística, equivalendo-se por assim dizer, nos modos
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de subjetivação e de relação tanto coletiva como pessoal de indivíduos,
diante não só de conceitos filosóficos e de obras de arte, mas também de
transformações socioculturais, tecnológicas e econômicas, diga-se, a partir do século XX.
Uma vez que a modernidade, segundo os seus princípios filosóficos produzia uma nova ‘forma’ de relacionar-se com o conhecimento,
marcado principalmente pela razão ‘Kantiana’ de que a ‘crítica aos instrumentos da crítica, o uso do método e o modelo cientifico’ provam a verdade ou conduzem a um conhecimento sistematizado das coisas.
As características que marcaram as produções artísticas em meados do século XIX em diante fornecem alguns elementos que marcam o
termo ‘modernidade’, mas, apesar disso, há outras características que fundamentam os objetivos modernos. Filosoficamente, segundo Peters (2000,
p.13), a modernidade:
Envolve uma ruptura com a tradição, com o progresso,
com o desenvolvimento contínuo e com qualquer conhecimento que não tenha como pressupostos a soberania do sujeito ou a uma suposta objetividade,
considerando os processos narrativos [...].
O dicionário Oxford English Dictionary (OED) define pósmodernidade como “subseqüente ou posterior ao que é “moderno”, uma
reação ao que é moderno” enquanto que o termo “pós-modernismo” passou a ser aplicado de diversas formas ou significados mais voltado para as
artes, a literatura.
Segundo os registros de seu uso entre 1949 e 1980, ele
é aplicado primeiro à arquitetura, depois a história, à
sociologia, à literatura e às artes, sendo utilizado para
denominar uma nova “época”, um novo estilo [...]
(PETERS, 2000, p.16).
Outros estudiosos participaram dessas concepções e, entre eles,
é importante destacar a fala do filósofo Frederic Jameson em sua obra ‘A
lógica Cultural do Capitalismo Tardio’, que, segundo Peters (2000), sugere-se que o modernismo envolve uma ruptura autoconsciente e radical
com as bases tradicionais da cultura e da arte ocidental, questionando
nossas certezas culturais, principalmente nossas concepções sobre o eu.
De acordo com o autor, o questionamento de nossas certezas
culturais, entre eles não só a noção de ‘eu’, mas a noção de sujeito, de
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ideologia, de gênero e de multiculturalismo exerceu e exerce o papel de
interlocutor entre o conhecimento e a realidade, levando seus pressupostos como fundamentos para quaisquer tipos de reflexões sobre a condição humana.
Considerando a modernidade como um termo ‘chave’ para denominar a produção de conhecimento a partir de meados do século XIX,
podemos dizer, a priori, que a ‘pós-modernidade’ seria uma mudança radical no sistema de valores e práticas subjacentes à ‘modernidade’.
Como sugere a própria palavra, essa ruptura é muito
freqüentemente relacionada com o atenuamento ou a
extinção (ou repúdio ideológico ou estético do centenário movimento moderno). Assim, tanto o
expressionismo, o abstrato em pintura, o
existencialismo em filosofia e a escola de poesia moderna são vistos agora como uma floração final do
impulso do alto modernismo que se desgasta e se exaure
com essas obras (JAMENSON, 1988, p. 27).
As noções preliminares que ambos os autores colocam a respeito da pós-modernidade fornece, de forma relevante, a complexidade acerca dessas definições, pois como vemos, elas não representam um conceito
‘estático’, embora, a partir de suas concepções, podemos contextualizálas. Mas, será que podemos distinguir de forma clara os termos
‘modernidade’ e ‘pós-modernidade’, bem como seus pressupostos fundamentais, ou seja, qual é a reação pós-moderna à noção de modernidade?
O pós-modernismo é reconhecido, primeiro realmente
a partir de sua afirmação de que não existe qualquer
denominador comum - à ‘natureza’ ou a ‘verdade’ ou
‘Deus’ ou ao futuro – que garanta que o mundo seja
uno ou tenha um pensamento natural ao objetivo [...]
(PETERS, 2000, p.16).
Outro ponto importante para essa distinção é a denúncia para
com as modernas democracias liberais. É importante mencionar que o
pós-modernismo buscou denunciar e fragilizar as democracias liberais em
sua articulação micro-política, em suas sanções de poder e em sua moral.
Nesse sentido,
O pós-moderno busca denunciar como, nas modernas
democracias liberais, a construção da identidade po133
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lítica e a operacionalização dos valores básicos ocorreram por meio dos binários conceituais tais como:
nós/eles, racional/irracional, normal/anormal, etc. Os
pós-modernos chamam a atenção para as formas pelas quais a fronteira entre esses termos é socialmente
reproduzida e policiada. (LILLIY, 1998, p.591; apud
PETERS, 2000).
Assim, apesar do pós-modernismo e do pós-estruturalismo convergirem-se, de maneira crítica, a seus objetos de estudo, permitindo
peculiaridades filosóficas, o pós-estruturalismo como movimento, teve
início na França nos anos 60, teve fontes especificas de inspiração nos
filósofos alemães F. Nietzsche e Martin Heidegger. Já o pós-modernismo,
em contraste, desenvolveu-se a partir do contexto do alto-modernismo
estético, culminando em movimentos como o cubismo, o dadaísmo e o
surrealismo, podendo ser representado também pelo construtivismo, pelo
expressionismo abstrato e pelo movimento denominado conceitualismo.
Percorrendo a trajetória inicial desse capítulo, cabe enfatizar as
discussões dos principais pós-estruturalistas. De forma sistemática, o termo ‘pós-moderno’ que, de forma geral, considera que a ruptura de
paradigma direcionou, não só a ‘era moderna’, mas também, com várias
formas tradicionalmente ‘modernas’ de ver o mundo. Assim, quando essa
meta discurso recorre a algum grande relato, como a dialética do espírito,
a hermenêutica do sentido, a emancipação do sujeito racional ou trabalhador, decide-se chamar moderna, a ciência que a isto se refere, para se
legitimar, conforme Lyotard, (1984).
Desta forma, Lyotard (1984) por meio de sua crítica, vai direto à
credibilidade das grandes narrativas e discursos que marcaram os ideais
‘modernos’, principalmente relacionados à emancipação progressiva da
razão e da liberdade, bem como das formas totalitaristas e universalistas
das concepções pertinentes à ciência moderna.
As grandes narrativas são, pois, histórias que as culturas contam sobre suas práticas e crenças, com a
finalidade de legitimá-las, cujo propósito é fundar uma
série de práticas, uma auto imagem cultural, um discurso ou uma instituição. (PETERS, 2000, p.18).
Dessa forma, Peters (2000) sugere que o pós-moderno seja uma
categoria estética, definindo-a como um estilo ou ethos e não um período
histórico, embora seja inútil ignorá-lo como uma episteme, uma posição
filosófica que produz um saber sobre o saber, uma ciência sobre a ciência
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desdobrando-se sobre a realidade e dialogando com os principais territórios da sociedade atual, ou seja, locais conceituais, posicionamentos filosóficos, ideológicos e estéticos.
2.1.1 A emergência do pós-estruturalismo: a gênese inevitável
Como toda forma de movimento ou discurso filosófico, o pósestruturalismo foi concebido em determinado contexto histórico e social,
pertencendo, de início, a um local específico, opondo-se a uma tradição
filosófica ou ‘modo de pensar’ que também possui seu momento e contexto histórico, mais precisamente, as concepções ‘estruturalistas’. Sendo
assim, afirma Peters (2000, p. 18):
O pós-estruturalismo pode ser caracterizado como um
modo de pensamento, um estilo de filosofar e uma forma de escrita, embora o termo não deva ser utilizado
para dar qualquer idéia de homogeneidade, singularidade, unidade ou totalidade.
De forma geral, a proposta ‘pós-estruturalista’ ao ‘estruturalismo’ caracteriza-se principalmente pelos trabalhos de Claude Levi-Strauss
(antropologia), Louis Althusser (marxismo), Jacques Lacan (psicanálise) e
Roland Bartes (literatura). Assim,
[...] O pós estruturalismo é uma crítica ao ‘estruturalismo’, feita a partir de seu interior, isto é, ele vota alguns
dos argumentos do ‘estruturalismo’ contra o próprio
‘estruturalismo’ e aponta certas consistências fundamentais em seu método, as quais foram ignoradas.
(STEINBERG, 1986, p. 137).
O ‘estruturalismo’ está representado por pensadores como Levi
Strauss, Jacques Lacan e Althusser, entre outros, cada um influenciado por
seus esclarecimentos e pressupostos. Na psicanálise, com seus conceitos
de ‘inconsciente’ e aparelho ‘psíquico’, Lacan fez uma leitura ‘estruturalista’, enfatizando a linguagem e desejo e operacionalizando os conceitos de
significado e significante. Althusser produziu uma leitura ou reeleitura
marxista de sua época e contexto filosófico. A abordagem lacaniana e o
trabalho de Althusser foram tão importantes quanto os trabalhos realizados por Martin Heidegger acerca da importância de F. Nietzsche, do mesmo modo que as leituras ‘estruturalistas’ tanto de Freud como de Marx,
cujo teor prioriza a idéia de desejo de Freud e a questão do poder privilegiada por Marx (PETERS, 2000).
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Portanto, as colocações pós-modernistas sobre as inconsistências do modo de pensar ‘estruturalista’ seguem uma trajetória de
descontração das grandes narrativas ou narrativas mestras que norteavam
a concepção ‘estruturalista’, cujo teor mantinha um entendimento que
em suma caracterizava-se por preceitos de ‘universalidade’ ou totalidades e hegemônicos, privilegiando uma cartografia baseada sempre numa
idéia de ‘centro’, de ‘estrutura’ e de ‘verdade’.
Essa idéia, apesar de complexa e inconclusa, ou seja, sem estar
teoricamente esgotada, está posicionada no centro das atenções pós-estruturalistas norteando sua crítica ao estruturalismo e ao próprio conceito
de ‘estruturalidade da estrutura’, ou a idéia de ‘centro’. Teoricamente,
quem enfatizou criticamente esses pressupostos foram os trabalhos de J.
Derrida sobre “A Estrutura, o Signo e o Jogo”, afirmando:
Acerca do tema de descentramento, vimos que o conceito de estrutura possui duas interpretações, sendo a
primeira de origem hegeliana, presente nos trabalhos
de Levi-Strauss em que sonha decifrar uma verdade
que escape ao jogo e a ordem do signo. A segunda não
está voltada para o jogo e procura superar o homem e
o humanismo. (PETERS, 2000, p. 40).
Embora o pós-estruturalismo passe a reconsiderar criticamente
alguns aspectos do modo ‘estruturalista’, ambos possuem certas afinidades, partilhando suas críticas principalmente acerca da filosofia humanista
do renascimento e do sujeito racional, autônomo e autotransparente do
pensamento humanista. Neste caso, ambos passam a suspeitar do privilégio da consciência humana, que caracteriza tanto a fenomenologia quanto
o existencialismo, partindo da perspectiva que não considera a consciência humana como diretamente acessível, e, como única base da compreensão e da ação, assim como a existência de um ‘eu’ estável sobre si próprio
e sobre o mundo por meio da hegemonia e da razão. As implicações desse
pensamento exerceram um papel relevante nas concepções do conhecimento, verdade e ciência até então concedidos e legitimados.
Essa tradição, pelo menos na era moderna, remonta a
Bacon e Descartes, enfatizando uma forma ‘cientifica’
de conhecimento, um conhecimento produzido por um
eu racional e objetivo, capaz de fornecer verdades universais sobre o mundo, supostamente podendo ser
aplicado a todas as práticas e instituições humanas,
portanto, como base última ao que é certo e bom.
(PETERS, 2000, p. 35).
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Com isso, ambos produzem um enérgico ataque aos pressupostos ‘universalistas’ da racionalidade, sugerindo que as estruturas
socioculturais exercem um papel importante na formação da
autoconsciência, enfatizando a constituição discursiva do ‘eu’, sua
corporeidade, temporalidade e a localização histórica e cultural do sujeito.
Notam-se algumas semelhanças nas críticas estruturalistas e pósestruturalistas, assim como a relevante influência dos trabalhos de S. Freud,
de F. Nietzsche, J. Lacan e M. Heidegger, cujo teor forneceu novas possibilidades de se conceber e contextualizar a produção e apropriação do conhecimento e suas relações com a natureza humana, social, histórica e
cultural da sociedade e dos seus processos civilizadores.
Apesar disso, a oposição pós-estruturalista ao estruturalismo,
enraíza-se, de modo que, ao efetivar-se, produz uma divergência categórica ao modo de pensar ‘estruturalista’. Essa diferença ao pensamento
estruturalista, como expressada até o momento, vai adquirindo mais rigor
e especificidade. Dessa forma, para se constituir um entendimento efetivo sobre tais questionamentos, é necessário finalizarmos objetivamente,
tanto a oposição conceitual feita pelo pensamento pós-estruturalista como
as inovações teóricas inauguradas pelo mesmo.
Enquanto o estruturalismo buscava apagar a história em nome
das análises estruturais, o pós-estruturalismo mostra um renovado interesse por uma história crítica, por uma análise da inovação, da transformação e da descontinuidade das estruturas, enfatizando também as formas
de serialização e repetição do discurso e da prática estruturalista. Nesse
sentido,
O movimento pós-estruturalista questiona o
racionalismo e o realismo retomado do positivismo
pelos estruturalistas, com sua fé no progresso e com
seu método científico, cuja pretensão tinha como objetivo identificar as estruturas universais que seriam
comuns a todas as culturas e à mente humana em geral. (PETERS, 2000, p. 39).
Outro ponto importante desse posicionamento teórico referese à lógica dicotômica ou binária das definições de conceitos ou do ‘modus
operand’ estruturalista, ou seja, toda legitimidade produzida de tal modo,
opera-se por seu contrário, isto é, bem/mal, racional/irracional, bom/ruim,
significante/significado, bonito/feio, entre outros.
Esse binarismo, empregado pelas definições estruturalistas produz uma determinada identidade política do sujeito, que em suma, está
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sujeito a reproduzi-la e a naturalizá-la enquanto fenômeno social e cultural. Assim,
Ao efetuar uma crítica política aos valores iluministas,
o pós-estruturalismo aprofunda a noção de democracia, questionando que as democracias liberais modernas constroem a identidade política com base em uma
série de oposições binárias como nós/eles, cidadão/
não cidadão, legítimo/ilegítimo, cujo efeito termina por
excluir certos grupos sócio-culturais, isto é os estrangeiros, os homossexuais, os loucos e os normais.
(PETERS 2000, p.45)
Daí surge então o interesse em examinar como tais fronteiras
são socialmente construídas, mantidas e policiadas. Essa característica acaba sendo muito importante, na medida em que esse trabalho, que busca
fornecer uma contextualização ou integração dos fatos que envolvem a
pós-modernidade; a educação e a infância contemporâneas foram se solidificando, ficando evidente de quais binarismos, fronteiras e mecanismos disciplinares estamos falando, ou seja, quais e como, culminam por
influenciar na educação institucionalizada ou na noção de infância atual,
assim como, sua manutenção e policiamentos. De certa forma, trata-se
tanto de identificar a possível lógica dicotômica privilegiada nas relações
entre saber e educação institucionalizada, assim como, sua relação com a
subjetivação e produção de uma identidade política e cultural, cuja ressonância implica o papel da educação nesse processo.
Portanto, tanto essas implicações como outras adquirem relevância nessa ocasião, ou seja, a partir do momento em que se traçam os
objetivos desse trabalho, o qual consiste no agrupamento de questões
acerca do pensamento pós-moderno, no que tange à infância ou à produção de uma cultura infantil e à própria educação infantil instituída e
governamentalizada.
Se, de fato, como sugere Peters (2000) é inegável o valor dos
questionamentos nas noções de representação e de consenso feitas pelo
‘pós-estruturalismo’ ou ‘filosofia da diferença’, isto é, que tais
questionamentos têm enorme influência nas diversas análises das configurações políticas e micro-políticas contemporâneas. O valor semântico
dessa premissa permite especular nesse sentido, e verificar a
sustentabilidade, seja de um discurso ou de uma prática. Assim, automaticamente, partilha-se um pressuposto fundamental do pensamento pósestruturalista, o qual sugere que,
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Pela própria condição de existência do discurso, ou
seja, a de que não existe, em geral, uma regra universal
de julgamento que permita decidir entre gêneros heterogêneos de discurso. Nessa perspectiva, suspeita-se
de pontos de vista transcendentais ou canônicos, em
particular as grandes narrativas que são utilizadas na
legitimação do poder, seja em qualquer concepção de
estado ou de democracia. (LYOTARD, 1988, p. 45).
Dessa forma, assume-se o fato de que, mesmo num
posicionamento crítico, é impossível articular um discurso que possa ser
considerado ‘neutro’, ou que possa representar uma síntese consensual.
Mesmo considerando os posicionamentos de uma perspectiva crítica, não
quer dizer que ela seja ‘neutra’ epistemologicamente ou politicamente.
Trata-se, pois, de ‘especular’, de ‘verificar’ e ‘suspeitar’ e não de instaurar
qualquer forma de totalitarismo teórico, mesmo porque, o próprio pósestruturalismo parte da noção da relação entre poder-saber efetuada por
Foucault [...], consistindo que, dentro da constelação saber-poder, o saber, no sentido das práticas discursivas, é produzido por meio do exercício
do poder, a serviço do controle do corpo.
Em síntese, esta parte do trabalho consistiu em percebermos
algumas semelhanças e diferenças entre o pós-modernismo e o pós-estruturalismo e seus respectivos objetos de estudo, isto é, a modernidade
e o estruturalismo. Ressaltamos, neste contexto, quais foram as direções
das críticas realizadas por cada uma dessas’ linhas de pensamento’, seja
contra o sujeito humanista, no caso do ‘estruturalismo’ ou no sentido de
relativizar a lógica dicotômica, como é o caso da argumentação ‘pós-estruturalista’, demonstrado também suas respectivas similaridades ou heranças teóricas, fornecendo assim, uma continuidade histórica e discursiva
entre elas. Entretanto, o distanciamento do pensamento pós-estruturalista ficou evidente quanto ao que o antecede, principalmente pelo fato
de, escapando a qualquer tentativa de uma definição única, o pensamento pós-estruturalista é uma obra em andamento. Podemos perceber o
entendimento sobre a noção do poder e suas relações (e de como é exercido), policiado e reproduzido, principalmente no contexto da educação e
da infância. Esse prévio entendimento precisa estar apropriado, pois, seu
relacionamento estará conduzindo a articulação do presente trabalho.
2.1.2 A criança como espetáculo: efeitos e possibilidades no devir tecnológico
Considerando as questões acima referentes à discussão sobre
pós-modernidade como algo relevante e, embora sem a intenção de formular respostas conclusivas, pode-se verificar o fato de que, após a infân139
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cia tornar-se um objeto da ciência moderna, é possível ainda que tenha se
tornado um produto na ordem sociopolítica recente. E como isso ocorreu?
Sabe-se que nas últimas décadas o mundo passou e passa por transformações significativas, efetivando mudanças nos modos de viver das populações. Tais mudanças envolvem vários fatores do cotidiano e da realidade
social em termos globais, incluindo seu sistema de valores, crenças e códigos culturais.
As instituições sociais foram ressignificadas; as noções de sujeito, indivíduo e identidade social flutuam de acordo com a logística econômica globalizada, cujo principio de que todos são consumidores, e se não
o são, tornam-se excluídos, negando-lhes, em suma, a ficção de que não
podem expressar seus desejos, suas idéias, ‘seu estilo’ e sua identidade.
Simplesmente, pelo fato de que expressar tais instâncias exige consumo
de produtos variados, desde um determinado estilo musical, até um determinado modo de se vestir, cria-se a impressão de que só possui identidade aqueles que possuem um mínimo de poder de consumo.
Autores como Zigmant Bauman (1988), e Fridman (2000), teóricos que são denominados ícones do pensamento pós-moderno, partilham
a idéia de que, além do comércio de mercadorias em geral, trata-se de
algo muito mais sério, isto é, comercializa-se a subjetividade humana.
Instâncias como a identidade, a emotividade, a educação, a informação, a
privacidade e o desejo, só são adquiridos por meio do consumo de bens
materiais e simbólicos. O contrário pode ser visto como uma existência
descaracterizada, sem referências, para aceitar-se a si mesmo e ao ‘outro’.
Assim, pode-se assegurar que a infância enquanto artefato social está sujeita ao mesmo destino, pois, sabe-se que grandes corporações
vêem nela um ‘nicho’ de mercado promissor, criando uma cultura industrial específica, que em geral, dita as regras infantis para a representação
da infância.
As categorias de desenvolvimento da psicologia modernista talvez tenham pouca relevância para criar e
educar as crianças contemporâneas. Nos anos 50, 80%
das crianças viviam em lares cujos pais biológicos
viviam casados com outras pessoas. No fim dos anos
80, as crianças que viviam com seus pais biológicos
representavam apenas 12%. Considerando que crianças que vivem com pais divorciados estão três vezes
mais sujeitas a sofrer conflitos emocionais e
comportamentais. (STEINBERG, 1998, p.100).
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Mesmo ciente desses fatos, as instituições sociais tem sido lentas
para resolvê-los, deixando as famílias dos anos 1990, ou pós-modernas desamparadas; fato esse, que contribui para a vulnerabilidade da infância, abrindo espaço para as corporações industriais assumirem o papel de educar,
subjetivar e fornecer um denso repertório de valores e práticas que reproduzem em longo prazo a representação de infância como consumidora.
Percebe-se que a infância agora, além de constituir um legado
teórico e um território social específico pertence também a uma ética do
capital de consumo, compreendida como uma população consumidora,
como outras que exigem uma constante atualização de produtos e
referenciais mercadológicos.
Com a crise das instituições sociais, incapazes de fornecer
referenciais e valores para a constituição da identidade infantil, surge a
necessidade por parte das grandes corporações de promoção de cultura
infantil, fornecer a seu modo tais referências, inclusive a responsabilidade sobre a aprendizagem infantil e seu currículo cultural.
As organizações que criam esse currículo cultural não
são as instituições educacionais, mas interesses comerciais que agem em favor da vantagem individual,
sendo estruturada por forças que se impõem a todos
os aspectos de nossas vidas e a de nossos filhos. Tais
padrões de consumo aliados à publicidade fortalecem
essas instituições como os novos professores do milênio (GIROUX, apud STEINBERG, 1998, p.102).
A preocupação quanto à mercantilização cultural dos principais
elementos da infância, inclusive a educação, torna-se mais assimilável na
medida em que os conflitos sócio-familiares envolvendo as crianças tomam proporções graves. Atribuiu-se a esses conflitos certos níveis de
agressividade ou isolamento, sexualidade e erotização infantil, comportamentos aversivos de todo tipo, hiper estimulação e, principalmente, a
necessidade pela criança, de consumir e adquirir ‘novidades’ do entretenimento infantil, sem que pais/mães possam avaliá-los adequadamente.
Essa preocupação começa a generalizar-se e a atenção antes dada por
pesquisadores e estudiosos no assunto agora é reforçada pela comunidade em geral, pelos pais/mães e pelos educadores.
A América das grandes corporações empresariais tem
revolucionado a infância, explorando a fantasia e o desejo, tais corporações criaram uma perspectiva cultural
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que se funde às ideologias e valores do livre mercado,
convencendo as crianças que as coisas mais excitantes
na vida são produzidas pelas grandes corporações empresariais do ramo. (STEINBERG, 1998, p.103).
Como colocou a autora, ‘explora-se’ a fantasia e o desejo das
crianças, fato crucial, quando se procura entender os efeitos de uma produção cultural industrializada da infância, sem restrições, é importante
deixar isso claro. Pois, além de comercializar bens materiais para as crianças, supostamente interessadas em seu ávido desenvolvimento, acabam
desencadeando um processo grave, ou mesmo ‘bárbaro’, ou seja, ‘povoase’, de forma arbitrária, numa espécie de ‘colonização’ do imaginário infantil, incluindo sua capacidade de fantasiar, de desejar, de escolher. Tal
efeito impede que a criança deseje ou fantasie por si, isto é, há uma grande cultura que deseja e fantasia por elas.
Meu argumento sustenta que é nossa responsabilidade alertar a sociedade quanto a esses efeitos e as várias formas de opressão operadas por essa cultura
empresarial da infância, que em longo prazo aniquila
os potenciais exclusivos da infância, inclusive sua identidade social. (STEINBERG, 1998, p.105).
Compreende-se que em meio a essa situação emergem alguns
direcionamentos importantes para com as relações atuais com a infância.
Destacamos assim, a responsabilidade de que a ‘família’, antes desamparada, agora, de acordo com estudos atuais em relação a esse assunto, deve
se apropriar enquanto forma de resistência e consciência crítica às formas
de ‘opressão’ operacionalizadas pela excessiva noção de meros ‘consumidores’ da infância.
Outro direcionamento diz respeito ao papel da educação neste
contexto que, apesar de não totalmente esclarecido, torna-se inevitável
problematizá-los, criando oportunidades de práticas e resistências aos
efeitos nocivos de verem suas práticas substituídas por um imenso repertório industrial contaminado que, em suma, intenta substituir a função
social da educação infantil, mesmo sabendo que não se trata de exterminar uma lógica de mercado, o que é impossível, mas reduzir seus efeitos
alienantes e investigar seus interesses.
É inegável que tal manipulação de desejo e imaginário infantil
exerça uma poderosa influência sobre sua auto-definição e sobre as formas com que as crianças escolherão viver suas vidas. A colonização do
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desejo não é o fim das contas. “Os efeitos do coquetel poder/desejo nas
relações sociais de infância podem produzir, também, culpa e ansiedade
na criança, manifestada de várias formas” (STEINBERG, 1998, p. 110).
É consensual, de acordo com os fatos, de que essas preocupações transformem-se em medidas de resistência. Visualizar esses dados
implica aceitar as transformações culturais dos tempos atuais revendo
teorias acerca da infância e suas contribuições, senão cuidar de transcendêlas criando novos rumos e práticas, incluindo-as ao currículo e responsabilidades educacionais.
Como enfatizamos até aqui, a infância como uma população ‘consumidora’, na qual foi evidenciada a crise das instituições sociais como a
‘família’ e ‘educação’ como espaço que favoreceu e ampliou o descontrole das influências corporativas e empresariais no alicerce das representações infantis. Torna-se importante, de forma breve, compreender como a
criança ganhou um espaço mediático exclusivo e, possivelmente, perdem-se em seu contato com a realidade, ou melhor, as realidades
tecnológicas da informação no fim do século XX.
Sabe-se que o fim século XX foi marcado pela explosão da informação e a saturação da mídia com seu acesso e domínios privados da consciência e valores humanos, criando-se uma espécie de vertigem social,
denominada como a hiper-realidade. Tal paradigma instituído inaugurou
novas formas de comunicação e de relações sociais, sendo a informação
um ‘status’ de necessidade básica para a reorganização dos modos de
produção de identidade, conseqüentemente, tanto adultos como crianças viram-se necessitados de apropriarem-se e serem apropriados por
tais transformações. Além da televisão, as crianças agora podiam contar
com o redimensionar da realidade tempo/espacial fornecida pela
‘internet’, cujo poder rompeu fronteiras de tempo e espaço,
disponibilizando acesso ao acervo global de informação e ‘operando fora
dos padrões tradicionais de tempo/espaço’ na sociedade.
Atualmente criou-se, principalmente nas crianças, um
alfabetismo pela mídia, ou seja, elas vêem a necessidade de desenvolver
habilidades de análise na mídia, análise esta, restrita a operacionizá-la
apenas para torná-la umas habilidades básicas que, no fundo, traduz-se
como única maneira de negociar a identidade, os valores e o bem estar da
pessoa nessa hiper realidade (GIROUX, 1996).
Os impactos nas crianças não são maiores do que nas instituições
educacionais, as quais se vêem despreparadas perante uma criança que
cresceu lidando culturalmente com os meios midiáticos, sendo por eles
‘educados’. Esse despreparo revela uma carência teórica, pois, os instrumentos fornecidos pela ‘psicologia moderna’ e pelo ‘construtivismo’ tornam-se ineficientes nesse caso.
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A própria noção de habilidades corporais e intelectuais
enfatizadas nos trabalhos de Jean Piaget (1984), ou H. Wallon (1980), não
incluem a aquisição ou sustentabilidade dos códigos e signos impregnados e operacionalizados pelas novas tecnologias, na qual a criança encontra e interage em seu cotidiano. Da mesma forma, a linguagem e sua
construção de significados adquirem uma lógica impensável para os lingüistas modernos, baseados numa noção ‘Lacaniana’ da relação
significante/significado na construção da linguagem.
As narrativas da TV, videoclipes, propagandas e filmes destacam-se na influência sobre a cognição e das formas de percepção em condições pós-modernas. Nelas, por rotação incessante dos elementos, tudo
é desalojado no momento seguinte. Essa linguagem midiática, composta
de puros presentes, assemelha-se à vivência dos esquizofrênicos. Tal fenômeno leva F. Jamenson a remeter-se aos estudos de Lacan, acerca da ruptura na cadeia dos significantes, onde a incapacidade de unificar passado,
presente e futuro na frase, remete à abstração da associação entre passado,
presente e futuro na vida psíquica, “conduzindo a um imediatismo isolado,
baseado no vigor e na intensidade momentânea” (FRIDMAN, 2000, p. 73).
Como podemos notar, a cognição e a percepção da criança frente
à cultura midiática e sua forma de linguagem adquiriu um novo modo de
perceber e sentir qualquer informação. Isso implica numa ‘nova’ exigência educacional para com a aprendizagem das experiências vivenciadas
pelas crianças na constituição de sua visão de mundo.
Portanto, instrumentalizar a aprendizagem nas crianças atuais
não é a mesma coisa do que num passado próximo, tem exigido, tem
exigido um esforço significativo dos educadores (as) e de suas instituições. Operar nesse contexto a habilidade em análise da mídia inclui compreender as formas pelas quais professores e alunos consomem e investem
eficazmente na mídia.
Um tal esforço encoraja tanto um pensamento crítico
como a auto-análise, na medida que compreendem que
as decisões cotidianas não são feitas de forma livre e
racional. Em vez disso, são codificadas e inscritas por
compromissos emocionais a produção do desejo e do
afeto, numa espécie de ‘fabricação’ do consentimento.
(STEINBERG, 1998, p. 112).
Instrumentalizar, desde a infância, uma certa habilidade de análise da mídia fundamenta-se pelo fato de que a combinação entre a manipulação midiática e interesses ideológicos adquirem o objetivo de
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fragmentar e descontextualizar a realidade, abstraindo dos eventos seus
reais significados, demarcando e privilegiando qualquer iniciativa de entendimento. “No caso das crianças que dependem fortemente da TV para
construir sua visão de mundo, são cognitivamente prejudicadas por essa
dinâmica” (STEINBERG, 1998, p. 112).
De forma geral, a criança fomentada pela mídia, imagina e deseja de forma intensa, multicolorida, a-histórica e supostamente ingênua e
sem crítica. A criança hiper-real da mídia fantasia, sonha e sente de forma
espetacular e sedutora. Se não o fazem desse modo, não são crianças, não
são alegres, simpáticas e possivelmente são classificadas de acordo com
os manuais de patologias. Do mesmo modo acontece com àquelas crianças que ao serem ‘bombardeadas’ por um volume intenso de informações
e estímulos inapropriados, sintomatizam suas frustrações em algo palpável, real, algo sendo o próprio corpo, como nas meninas cujo ciclo menstrual, que aparece de forma precoce, resultado comprovado nas
estimulações sexuais intensas provocadas pela TV e seus conteúdos
‘fetichentos’. Outro exemplo claro, discutido pela UNESCO quanto às mídias
infantis, é o elemento gerador da violência e agressividade infantil, em
que, acostumados com as ‘armas’ e influenciados pela lógica do mocinho/
bandido, reproduzem tais valores na vida real. De qualquer forma, esses
efeitos comprometem o desenvolvimento e a sociabilidade da criança,
tornando-a mais suscetível aos agravantes e às exigências da
contemporaneidade.
Na tentativa de finalizar a discussão sobre a criança fomentada
pela mídia (sem um ‘final’ estático e ‘conclusivo’, mesmo porque tais
problematizações possuem interesses que acabam por culminar na urgência
de entendimento e conhecimento desses fenômenos) consideramos que,
em particular, seus efeitos surgem na população infantil e nas instituições
cujas práticas estão diretamente ligadas às crianças.
Parte-se do principio que os dados mencionados até então, são
suficientes para traçar novos rumos e desafios pertinentes às condições
socioculturais, subjetivas e cognitivas vivenciadas na infância contemporânea. Em geral, nesse contexto, os novos rumos direcionam-se no sentido de ocuparem-se das considerações e perspectivas teóricas atuais,
dialogando e verificando sua credibilidade e eficiência e assim, poder
visualizar sem equívocos os desafios apresentados e diagnosticados na
situação atual das condições e relações sociais inerentes à infância.
Tendo conhecimento desses fatos, pretende-se em meio a tantas incertezas, situar e contextualizar aqueles, cujo destino ou desejo encontra-se em fogo cruzado e sob territórios contestados, isto é, que
inevitavelmente assumiram o papel profissional ou pessoal de contribuírem, seja na educação infantil, seja na família ou na comunidade em geral
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com a participação efetiva no estabelecimento do bem estar social, afetivo,
cultural e educacional das crianças.
2.1.3 Infância e poder: quem dá as cartas?
À procura de um problema chave que considere e se ocupe da
argumentação pós-moderna acerca da produção de conhecimento e de
uma cultura infantil, principalmente, a partir dos anos 50, em que a ‘psicologia moderna’ teve o início de uma corrida, cujo intento era produzir uma
denominada cultura que se desdobrasse numa produção industrializada
de cultura infantil, tem como meta questionar a sustentabilidade em ambos os discursos mencionados. Esse questionamento leva em conta a
relativização dos pressupostos e significados que sustentam a noção de
infância e o modo como ‘educá-las.
As idealizações da infância como um espaço utópico - o reino da
infância, da sensibilidade e desproteção, como também de sua progressão cognitiva, deram lugar a uma visão de criança como sujeito de seu
tempo pressionada pelas condições do início, marcadas por diferenças de
gênero, etnia, classe, idade e corpo.
A concepção de criança como sujeito da educação
moderna-transcedental, unitária, racional, estável foi
posta em questão junto às metanarrativas
emancipatórias do iluminismo esgotando essa perspectiva como única possibilidade. (EDELWEISS, 2001, p.25).
De acordo com a autora, é possível, de forma simplificada, entender os efeitos do pensamento pós-moderno ou das teorias pós-estruturalistas na desconstrução crítica das metanarrativas e pressupostos da
noção de infância produzidas na visão ‘moderna’ e suas possibilidades de
intervenções educacionais na infância.
O pensamento pós-estruturalista mostra, em tempos pós-modernos, os efeitos da visão cientificizada da infância, de sua visão de sujeito de consumo e de sua concepção especularizada ou hiper-real causada
pela tecnologia midiática, que acabaram por desalojar os pressupostos da
racionalidade e de suas certezas sobre as crianças, assim como os ideais
iluministas de ‘emancipação’ e ‘escolha’ nas possibilidades de educação e
bem estar infantil. Tudo isso, acabou por prejudicar a avaliação das condições de subjetivação e constituição de identidade social das crianças.
Discutir as noções correntes de infância e perguntar, o
quanto elas correspondem às infâncias que conhece146
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mos, é nos questionarmos sobre os efeitos de tal modo de
significar a infância nas práticas que historicamente organizamos para elas e naquelas vigentes na sociedade,
cujo poder determinam os significados e práticas na constituição da identidade infantil. (EDELWEISS, 2001, p. 26).
Colocando os efeitos de um determinado modo de significação
da infância vigentes na sociedade atual, implica em compreendermos
como são as crianças e o que elas fazem, o que a sociedade espera delas.
De acordo com tais significados atribuídos à infância, é que se delineiam
as políticas públicas e as políticas de identidade que promovem um determinado tipo de intervenção e modelo de atenção, cuidado e educação a
este segmento populacional.
Com isso, percebe-se que os discursos, narrativas e significados
atribuídos à infância determinam os elementos e os modos de atenção ou
formas de fabricação do que é viver e passar pelo momento psicossocial
de infância. Estão assim, inerentemente ligados às relações de poder/
verdade de outros ‘lugares’, isto é, a mídia, as estratégias de consumo, o
estado, a escola e a família.
Nesse sentido, pergunta-se: Se esses discursos são constituidores,
como nos ensina Foucault – a que interesses de poder estão conectados e
como eles estão implicados na invenção de tais infâncias?
Portanto, na manutenção das relações de poder entre os distintos ‘lugares’ sociais, fato evidente, embora invisível no jogo das relações
sociais, como afirma Foucault (1984), tem profundas influências nos interesses gerais sobre o ‘espaço’ infantil ou o ‘lugar’ social, infância.
Tais significados não representam um processo de evolução. São modelados no interior das relações de poder e representam interesses manifestos da igreja, do
estado, da sociedade civil, da mídia, da psicologia, da
medicina, do sistema jurídico e da pedagogia. Contudo, esses significados não são estáveis nem únicos.
(EDELWEISS, 2001, p.32).
De qualquer modo, cada uma das instituições referidas acima,
sozinha ou de forma conjunta, propõe um ‘lugar do sujeito infantil’ ou
uma ‘posição de sujeito’ específico. Tal perspectiva tende a naturalizar a
inscrição no sujeito, especificamente na concepção que temos da infância, no modelo ou valores propostos de acordo com os interesses de poder, mascarando seu caráter ‘fabricado’. Além de determinar o que é ser
criança, determinam-se também as tecnologias e estratégias para governá-las.
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Lembre-se que os questionamentos feitos até aqui, a respeito
do modo pelo qual a infância constituiu-se e foi governada a partir dos
pressupostos e das relações de poder que a precedeu, constituiu-se diante da perspectiva ‘moderna’ de produção do conhecimento. Enfatizando a
idéia geral do trabalho, que é evidenciar a oposição das argumentações e
pressupostos do pensamento ‘moderno’ perante o pensamento pós-moderno, Edelweiss (2001, p. 38) comenta: “Ocupo-me, em traçar, a partir da
inspiração Foucaultiana, relação entre a invenção do ‘moderno’sentimento
de infância e o afã de governo das populações infantis”.
Todas as transformações na concepção de infância e nos valores e
cuidados direcionados a ela foram frutos das também transformações nas
relações de poder, diretas e indiretamente implicadas em sua constituição.
Dentro do quadro sóciopolítico da sociedade na era
moderna, a educação da infância insere-se, pois, no
conjunto de tecnologias políticas que vão investir na
regulação das populações, efetivando mecanismos de
controle e de normalização. (EDELWEISS, 2001, p.43).
A implantação de novos modos de educação infantil não seria
possível se a infância não se tornasse objeto de estudo da ciência, qual
produziu um saber prévio de desenvolvimento infantil, sofisticando as
possibilidades de regulação das condutas dos sujeitos infantis. A infância
tornou-se domínio de interesse, e o corpo da criança constituiu-se em
foco de poder-saber. “O corpo, tornando-se alvo de novos mecanismos de
poder, oferece-se alvo a novas formas de saber” (FOUCAULT, 1995, p.140).
Essa afirmação permite lembrar o quanto o corpo infantil assumiu um papel relevante na produção de saber-poder sobre a criança, pois,
sabe-se que, tanto a pedagogia como a psicologia moderna cuidou de
investigar e fornecer a importância do corpo na constituição da criança em
‘homem’ ou em seu processo de ‘homogeneização’.
Nesse sentido, vale lembrar os saberes subsidiados pela
‘psicomotricidade’ e pela ‘psicologia corporal’ que, apesar de inegável
contribuição à educação, disseminou eficazmente, nas práticas educativas,
mais um modo de domínio, regulação e controle das condutas infantis, via
de regra, viabilizou a ‘docilizaçao’ e legitimou práticas de acomodação,
interpretação e estimulação do corpo infantil que, em geral, são idéias
postas com valor ‘universal’ atendendo a padrões de sujeitos específicos
ao ideal interesse do poder dominante. Foucault vai além e ressalta que:
O poder disciplinar produz sujeitos determinados e
também saberes. Quando aplicadas ao corpo permi148
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tem extrair saberes sobre o sujeito, saberes que, ao
serem devolvidos aos sujeitos, os constituem como
indivíduo, constroem o seu eu. (FOUCAULT, apud
EDELWEISS, 2001, p. 44).
Percebe-se a conexão entre as relações de poder que permeiam
a sociedade com o aprimoramento dos mecanismos disciplinares, em que
a educação conecta-se e repassa de forma institucionalizada os valores, as
condutas, os saberes e as concepções de individualidade, de privacidade,
e de afeto, que em suma correspondem a determinados interesses na
‘governamentalidade’ dos sujeitos desde a sua infância, onde as características de fragilidade e carência automatizam facilmente as capacidades de
‘modelagem’ e ‘formatação’ da população infantil. A infância segundo esse
entendimento, passa a ser um campo privilegiado de intervenção social de
controle e regulação, de exercício de poder e de saber (EDELWEISS, 2001).
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WALKERDINE, Valèrie. Uma análise foucaultiana da pedagogia construtivista.
In: SILVA, T. T. da (Org.). Liberdades reguladas: a pedagogia construtivista e
outras formas de governo do eu. Petrópolis, RJ: Vozes, 1998.
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AS TICs E A (RE) DESCOBERTA DO CONHECIMENTO PELA
“ALFABETIZAÇÃO TECNOLÓGICA DOCENTE”
Carlos Henrique Medeiros de Souza1
Fernanda Castro Manhães2
RESUMO: O presente texto procura retratar a importância e relevância dos cursos
de formação de professores mediante a utilização das Novas Tecnologias de Informação e Comunicação na educação. O impacto causado pelas tecnologias, não
apenas na educação, mas na sociedade como um todo, é o alvo deste texto que
pretende abranger a importância da formação do professor crítico como uma forma
de estabelecer uma conexão entre os anseios e as necessidades sociais e o papel da
escola enquanto colaboradora na inserção do ser humano no meio social. Por este
motivo, enfoca-se a idéia de que tanto a formação inicial quanto à formação continuada do professor deve ser o ponto de partida para estas transformações.
PALAVRAS-CHAVE: tecnologias, formação docente, sociedade e informação.
ABSTRACT: This text seeks to portray the importance and relevance of teacher training
courses through the use of New Information and Communication Technologies in
education. The impact caused by there Technologies, not only in education but in
society as a whole, is the target of this text that is intended to cover the importance
of teacher training as a critical way to establish a connection between the aspirations
and social needs and the role of the school as a collaborator in the insertion of
human beings in the social environment. For this reason, in focuses the idea that
both the initial training and the continuous training of teachers should be the
starting point for these changes.
KEYWORDS: technology, teacher training, society and information.
As tecnologias e a educação: uma relação instigante e conflituosa que
exige “alfabetização tecnológica do professor”
As Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs) vêm
redimensionando a prática pedagógica costumeiramente ocorrida nos mais
diversos níveis de ensino.
1
2
Doutor em Midia Digital – UFRJ. Professor colaborador dos programas de Mestrado
e Doutorado da Universidad Autônoma de Assuncion – UAA/PY. Sub -coordenador
do Mestrado – UENF. Avaliador Institucional – INEP/MEC.
Mestranda em Cognição e Linguagem – UENF. Professora Auxiliar – UNIG. Email:
[email protected]
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As implicações epistemológicas das tecnologias na educação propõem uma reestruturação radical no interior das relações acadêmicas e
sociais uma vez que, não se pode atribuir a elas o poder de alterar a prática
docente, mas pode ser atribuído o poder de auxiliar na construção de uma
aprendizagem significativa a partir do momento em que ocorre a
mediatização do ensino através das mais diversas técnicas (Belloni, 2001).
O professor visto como “tecnólogo” agora desempenha dupla
função: o de ser professor em toda a sua essência, e o de ser um facilitador
da aprendizagem, usando de todos os meios e métodos disponíveis que
possam vir a interferir em sua ação docente.
O professor passa a assumir então uma “postura de
aquisição, criticidade e de dúvida diante das informações – novas e velhas – e, ao mesmo tempo, exercer
papel de orientação e cooperação com os alunos.
Ensiná-los a aprender e (...) aprender, ensinando”.
(KENSKI, 2003).
Esse desafio colocado aos educadores faz parte de uma política
instalada de caráter nada recente. O discurso sobre o uso das tecnologias
na educação não se constitui um discurso novo. Há décadas tem se tentado, mesmo sem muito sucesso, instaurar uma política de uso de recursos
tecnológicos na ação dos professores de forma a proporcionar uma aprendizagem mais significativa aos educandos e, consequentemente, propor uma
ação docente mediada pelo uso cada vez mais constante dos recursos
tecnológicos. Podemos dizer que, com o desencadear da Tendência
Tecnicista3 , houve um crescente movimento em torno da utilização de técnicas e de recursos com o objetivo de auxiliar qualitativamente o processo
ensino-aprendizagem. Nunca se falou tanto em uso de recursos/técnicas.
Talvez tenha ocorrido uma má interpretação quanto à concepção
do uso de recursos tecnológicos na educação e isso veio atribuindo um
péssimo uso dos mesmos, fazendo com que boa parte dos professores
atribuíssem a eles a “função de ensinar”. Esta imagem negativa ocorre em
3
Tendência Liberal Tecnicista propõe que o professor assuma o papel de organizar
o processo de aquisição de habilidades, atitudes e conhecimentos específicos
úteis e necessários para que cada indivíduo se integre na máquina do sistema
global onde se visa a qualificação para o trabalho através das técnicas. O material instrucional encontra-se sistematizado em manuais, livros didáticos, nos
módulos de ensino, nos dispositivos audiovisuais. Acontece então a transmissão/recepção de informações. Libâneo, J.C. Tendências pedagógicas na pratica
escolar. In: Revista Nacional de Educação Cortez, nº 6, São Paulo, 1983.
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vários setores. Podemos citar, por exemplo, o uso dos recursos
audiovisuais que, de tanto serem mal utilizados em sala de aula, tornaram-se em boa parte, banalizados, desconsiderando assim a sua importância e a intenção de sua criação. A mesma falha é percebida quando se
fala em construtivismo4 . Por ter sido mal interpretado pela maioria dos
professores, acabou sofrendo forte crítica e diante disso, a escola vem
adquirindo uma cultura escolar bem distante da proposta construtivista.
O aprimoramento dessa discussão vem gerando desde então a
busca por uma política de conscientização que tende a querer atingir a
escola, em todo seu contexto, e, principalmente, os professores.
Tal necessidade fez com que a discussão ganhasse um espaço
maior e que passasse, então, a pensar estas questões tão relacionadas à
educação e principalmente referentes à ação docente no âmbito dos cursos de formação de professores. A formação inicial e a formação continuada passaram a vislumbrar a necessidade de propor esta “alfabetização
tecnológica do professor”5 .
Mas, será mesmo que o professor necessita desta alfabetização
tecnológica? Talvez essa seja uma das maiores perguntas a serem feitas
nos dias atuais, em que a mudança acelerada e o maior acesso a informações têm provocado instabilidade em todas as estruturas sociais vigentes,
desde o mercado de produção, economia, saúde à escola.
O professor, mediante a necessidade e oportunidade de
redimensionar, a sua prática docente podendo fazer uso das tecnologias
disponíveis, encontra uma série de barreiras. Uma delas, e talvez uma das
mais comprometedoras, está diretamente ligada à concepção de educação, escola e prática docente. Porque se resolve adotar novos meios de
trabalhar se as escolas ainda operam em velhas estruturas? E, se essas
velhas estruturas não proporcionam um ambiente motivador de mudanças, para que pensar, então, em dinamizar a prática docente, em um espaço nada facilitador destas mudanças? Cabe ainda um terceiro
questionamento: se a prática docente aliada às velhas estruturas das es-
4
5
O construtivismo, sobretudo, uma posição epistemológica, isto é, refere-se à
forma como o conhecimento se origina e se modifica. Como tal não deve ser
confundido com uma posição pedagógica. Delval, Juan. Teses sobre o
construtivismo, in Conhecimento cotidiano, escolar e cientifico: representação e
mudança.
O conceito de alfabetização tecnológica esta diretamente relacionado a um outro
conceito que vem evoluindo nas últimas décadas: Tecnologia Educacional. Para
compreender o primeiro é necessário relacioná-lo a este último, tendo-se como
pano de fundo a escola e a sociedade. Sampaio, 2001.
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colas, não proporciona momentos de reflexão para se redimensionar o
processo ensino-aprendizagem, então, qual será o futuro da educação em
tempos de instabilidade social, acesso cada vez maior às informações e,
consequentemente, a desapropriação de sua própria identidade, uma vez
que a escola deixa de atender as expectativas de seu alunado, provocando assim um considerável distanciamento entre dois pólos que devem
estar permanentemente conectados:
escola --------> sociedade.
A escola não pode ignorar o que se passa no mundo. As novas
tecnologias de informação e da comunicação transformam espetacularmente não só a maneira de comunicar, mas também de trabalhar, de decidir, de pensar, e ainda, de introduzir forçosamente um novo quadro para o
sistema educacional, justamente por estarem representando uma escola
paralela (Pretto, 2002). Sendo assim, a escola precisa aliar-se a elas e propor uma nova estratégia educativa, travando com elas um jogo dialético.
As respostas propõem um exercício de grande reflexão. Porém,
partir da análise da vivência é algo ainda muito imaturo, tendo em vista o
passo lento com o qual a educação se desenvolve no Brasil, principalmente
quando se fala das TICs. Parece talvez um pouco utópico falar em tecnologias
educacionais no nosso país, uma vez que muitas escolas não possuem sequer giz. Porém, enquanto existe utopia, existe a possibilidade de desvendar os mistérios que camuflam o caminhar da educação no Brasil, bem como
do surgimento de novas dúvidas e inquietações que, uma vez postas em
questão poderão nortear um vasto campo ainda pouco explorado.
Segundo o professor Marco Antônio da Silva6 :
Parece uma afronta, uma ironia falar das tecnologias
para as escolas por este país afora onde muitas não
tem giz, ou pelo menos infra-estrutura básica para fazer educação. O que se faz na escola inforica com todas
as tecnologias digitais se faz também na escola
infopobre. (grifos nosso)
Partindo destas palavras, pode-se afirmar que fazer educação
não está relacionado ao uso de recursos tecnológicos avançados. Fazer
6
Professor da Estácio de Sá em participação no Programa Salto para o Futuro –
série: Integração das mídias. Canal TV Escola. Programa veiculado dia 20 de novembro de 2003 no horário das 11:00 às 12:00 horas.
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educação está relacionado à forma como se utilizam os mais diversos recursos. “Isto pode acontecer até mesmo embaixo de uma árvore usando dos
recursos disponíveis” (Silva, 2003). É preciso resgatar que as tecnologias não
se limitam às mais novas invenções, mas, que tecnologias são recursos utilizados para permear e mediatizar o processo ensino-aprendizagem.
Buscando então respaldo para explicar a necessidade de insistir
nesta utopia, apoiamo-nos nas palavras de Eduardo Galeano, que considera a utopia como:
[...] ela está no horizonte [...]. Me aproximo dois passos, ela se afasta dois passos.
Por mais que eu caminhe, jamais a alcançarei. Para
que serve a utopia?
Serve para isso, para caminhar.
Sob essa perspectiva, a prática docente tem sido atingida por
vários ângulos. Talvez seja difícil para educadores acreditar que a ação
docente possa ser modificada diante da democratização e conscientização
do uso de recursos tecnológicos na educação. Porém, esta é uma realidade e não uma utopia.
Diante desta propositura, os cursos de formação de professores
(inicial ou continuada) deverão assumir uma posição autocrítica em favor
da negação da exclusão tecnológica, procurando com isso atender às demandas sociais, pois a escola como sub-sistema interdependente da sociedade não pode deixar de ser atingida pelas mais diversas transformações
e continuar a ser o utensílio artesanal que era, uma vez que deixou de
responder às necessidades sociais, pedagógicas e psicológicas expressas
pela nova sociedade escolar. Talvez sejamos ainda os mesmos professores. A estrutura escolar continua sendo a mesma, mas nossos alunos são
outros. Vivem na chamada Sociedade da Informação, rodeados das facilidades propostas pela modernização e do aumento do fluxo não só das
informações mas da própria parafernália de artefatos hoje disponíveis
nos mais diversos ambientes públicos e privados.
Talvez seja necessário repensar a estrutura atual vigente nos cursos de formação de professores para que se possa agir, então, em favor da
formação de sujeitos críticos de sua própria prática docente e da utilização
de recursos que a permeiam sobre ela.
Segundo Kenski (2001):
Estes posicionamentos críticos em relação às
tecnologias são fundamentais na orientação de um
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programa de formação de professores para a sociedade contemporânea, sobretudo no Brasil. Trata-se de
formar professores que não sejam apenas usuários
ingênuos das tecnologias, mas profissionais conscientes e críticos que saibam utilizar suas possibilidades de acordo com a realidade em que atuam.
É comum termos relações conflituosas quando falamos em
tecnologias. São muitos os discursos voltados para a aparição das
tecnologias como uma forma de invasão em um espaço. É justamente esta
invasão que a classe docente teme. Ao falar que as tecnologias estão “invadindo a escola”, causa-se um certo temor, medo, receio, angústia e, inclusive, desconforto já que nos sentimos ameaçados por essa prerrogativa.
Talvez não se possa afirmar que as tecnologias invadem o ambiente escolar, mas pode-se afirmar que estas causam mudanças significativas
em diversos olhares e reflexão sobre o que vem a ser a instituição escolar e
qual o papel a desenvolver mediante a sociedade que anseia não somente
por transformações significativas, mas também pela maior “interatividade”
e “reciprocidade” entre as ações da educação mediante seus principais parceiros: a sociedade à qual a mesma é responsável por atender.
Se as tecnologias invadem o âmbito escolar, talvez seja necessário entendê-las como aliadas, e não como uma escola paralela (Pretto, 2002).
Do ponto de vista significativo para a educação, integralizar as TICs no projeto pedagógico das escolas estabelecerá uma parceria e não uma competição
gerada pelo mau entendimento da gestão tecnológica na educação.
Mas falar sobre esta “Alfabetização Tecnológica” requer pensar a
formação de professores, ou seja, as licenciaturas deverão ser repensadas. Quando Chauí fala sobre a universidade operacional7 , a mesma ressalta pontos interessantes que nos fazerem concluir que realmente os cursos
de formação de professores deverão ser repensados. Segundo Chauí (1999):
A docência é pensada como habilitação rápida para
graduados, que precisam entrar rapidamente no mercado de trabalho do qual serão expulsos em poucos
anos, pois tornam-se pouco tempo, jovens obsoletos e
descartáveis [...].Desapareceu, portanto a marca essencial da docência: a formação.
7
Chauí, M. A universidade operacional. Folha de São Paulo, Caderno Mais! Maio de
1999.
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Portanto, pensar na formação de professores como uma das possibilidades de inserção das tecnologias de informação e de comunicação e
conseqüentemente desta alfabetização tecnológica, requer pensar um
pouco qual tem sido a formação ocorrida nos últimos anos, sobretudo no Brasil.
Para nos situarmos no tempo e espaço contemporâneo daquilo
que chamamos de cursos de formação de professores, podemos pensar,
portanto, na formação de professores nas últimas três décadas, para, a
partir daí, buscarmos a compreensão dos cursos hoje oferecidos e conseqüentemente fazer sentido à Universidade Operacional de Chauí.
A formação de professores nas últimas três décadas
Com este texto, pretendemos, de forma sintetizada, apenas situar o que vem acontecendo em torno dos cursos de formação de professores nas ultimas três décadas para que a partir de então possamos pensar
na contemporaneidade e nas questões que circundam o papel das instituições de ensino superior frente à formação de professores, e claro, frente ao
desafio de “formá-los” para atuar na Sociedade da Informação ou Digital.
Durante a década de 70, devido à forte presença da Tendência
Tecnicista na educação advinda da década anterior a esta, o processo de
formação de professores estava muito voltado para a instrumentalização,
privilegiando assim toda uma dimensão técnica sobre influência da
tecnologia educacional 8 . Para Candau (1982), a grande preocupação no
que se refere à formação de professores era justamente esta
instrumentalização técnica que dava primazia ao uso cada vez mais crescente de uma racionalidade instrumental-técnica. Nesta concepção de
racionalidade, a idéia de se adquirir “pacotes prontos” de fácil aplicação e
resultados imediatos era uma das principais funções da educação. Segundo a mesma autora, em meados da década de 70, passou-se a pensar uma
outra vertente sobre a formação de professores: a educação passa a ser
vista como uma prática social em íntima conexão com o sistema político e
econômico vigente. Assim, os cursos de formação de professores passam
a se basear fundamentalmente nos seus aspectos funcionais e
operacionais9 . Não se pode negar, portanto, que foi a partir desta década
é que se passou a pensar e analisar o uso das tecnologias educacionais
como proposta pedagógica a ser inserida tanto na formação de professo8
9
A presença da tecnologia educacional e a discussão mais sistematizada sobre o
assunto nas instituições educacionais foi iniciada no Brasil a partir dos anos 60.
A sua utilização naquele momento era fundada no tecnicismo. SAMPAIO, 2001.
Vera Maria Ferrão Candau (coord). Novos rumos da licenciatura. Brasília: INEP,
1987, p.93.
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res quanto na prática docente. Mesmo de forma equivocada e sem muito
sucesso durante esta década, vivenciamos hoje a volta dessa discussão, o
que vem a ser exatamente o nosso alvo neste trabalho.
O final da década de 70 e início da década de 80 foi marcado por
uma série de debates a respeito da formação docente. A educação passou
a ser pensada em função das classes sociais e populares e em conseqüência disso, ampliou-se a discussão sobre os cursos de formação de professores. Começaram, portanto a aparecer os vários indícios de uma crise na
educação brasileira uma vez que se passaram a vincular problemas na
formação dos professores às dificuldades gerais enfrentadas pela educação na nossa sociedade.
Segundo Gadotti (1998):
Nos anos 80 a educação popular ultrapassa o nível da
comunidade e do poder local, a educação de adultos e
a educação não formal, para influir diretamente nos
sistemas educacionais públicos e estabelecer-se como
educação pública popular.
Nesta década, foram muitas as transformações no sistema de
ensino: aumento da oferta do número de vagas na rede pública de ensino,
expansão da rede de ensino, porém esses aumentos não foram acompanhados de investimentos por parte do governo na área educacional. Isto
acarretou uma série de problemas na educação na década de 80, e, tais
problemas se prolongaram até os dias atuais.
Para Gadotti (1998), “Houve uma deteriorização da educação:
privilegiou-se a quantidade e não a qualidade; a educação como mercadoria incentivou a privatização do ensino”.
Privatizar o ensino reforça o pensamento da divisão do que vem
a ser ensino de qualidade. Houve a partir daí não apenas o fortalecimento
da rede privada de ensino como também reforçaram as desigualdades
sociais, principalmente educacionais. Diante deste crescimento quantitativo, houve necessidade de maior número de professores. Para atender a
demanda da época valia-se de tudo: do professor leigo, o aumento dos
cursos de licenciaturas em faculdade isoladas, etc.
Segundo Cury (1982) “o professor foi sendo paulatinamente esvaziado dos seus instrumentos de trabalho: do conteúdo (saber), dos
métodos (saber fazer), restando-lhe agora, quando muito, uma técnica
sem competência”.
Nesta perspectiva, o final da década de 70 e início da década de
80 foi marcado pela própria banalização do magistério: o exercício da
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docência como bico1 0, a falta de profissionais formados para exercer a
docência, o crescente número dos chamados professores leigos. Já que na
década de 80 a função era educação na prática social, a docência passou a
ter uma responsabilidade que ultrapassava a competência técnica, para
agregá-la à consciência e exercício da competência política e social. Passou-se a pensar na relação teoria e prática. Diante desta relação, muitas
críticas circundaram o eixo das discussões a nível superior de ensino. Até
então, a relação teoria e prática era esvaziada de fundamentos, pois cabia
à universidade o papel de realizar e difundir o resultado de pesquisas,
enquanto isso, cabia ao professor apropriar-se das pesquisas produzidas e
saber aplicá-las cotidianamente. Havia nesta perspectiva um
distanciamento entre quem “pensa” a educação e entre quem “pratica” a
educação, ou seja, quem produz a teoria e quem se apropria da mesma
para aplicá-la em sala de aula. A universidade não demonstrou assim sua
função de “formar educadores”.
Segundo Pereira (2002):
O que se ouve, então, é um grito indignado por parte da
comunidade acadêmica em relação ao descaso das
universidades brasileiras com as questões que envolvem o ensino de gradação e, especialmente, os cursos
de formação docente. Ressalta-se nessas falas situação de menos prestígio acadêmico das licenciaturas
em relação aos cursos de formação de pesquisadores
e essa discussão voltará a ocorrer nos anos 90, levantando a questão do ensino e da pesquisa na universidade e seus reflexos nos cursos de formação
profissional.
Entrando agora na década de 90, o que se pode perceber é que a
mesma é marcada pela relação ensino-pesquisa na formação de professores. Pensa-se agora no professor como questionador e ao mesmo tempo
construtor de sua prática docente. O professor nesse momento é um pesquisador. Incentiva-se agora a formação continuada e a capacitação em
serviço em detrimento da antiga reciclagem.
Segundo Tardif (2002), “o saber é um construto social produzido
pela racionalidade concreta dos atores, por usar deliberações, realizações
e motivações que constituem a fonte de seus julgamentos, escolhas e
decisões”.
10
Metáfora atribuída para inserir a intenção de reforçar o descompromisso profissiona l.
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Ainda este mesmo autor afirma que existem duas teses sobre os
saberes docentes: na primeira os professores são sujeitos do conhecimento
e possuem saberes específicos ao seu oficio; na segunda tese, a prática
deles, ou seja, seu trabalho cotidiano, não é somente um lugar de aplicação
de saberes produzidos por outros, mas também um espaço de produção, de
transformação e de mobilização de saberes que lhe são próprios.
Para Contreras (2000):
Não é possível falar de autonomia de professores sem
fazer referência ao contexto trabalhista, institucional
e social em que os professores realizam seu trabalho.
[...] é importante ter isso claro, porque a perspectiva
de autonomia dos professores mudou nos últimos tempos, tanto no que se refere à literatura pedagógica,
quanto as formulações políticas sobre a educação e o
trabalho dos professores.
Mas ainda temos muito a pensar. Na contemporaneidade do século XXI, a educação se encontra em uma grande encruzilhada: de um
lado, o desempenho do sistema escolar não tem dado conta da
universalização da educação básica de qualidade e nem mesmo de erradicar
um problema crucial que ocorre principalmente nos países de terceiro
mundo que é o analfabetismo; de outro, as teorias e concepções pedagógicas clássicas e novas não apresentam a consistência global necessária
para indicar caminhos realmente seguros numa época de profundas e rápidas transformações que estão ocorrendo não somente no eixo das instituições escolares, mas em toda a sociedade.
A educação opera com a linguagem escrita e a nossa
cultura atual dominante vive impregnada por uma nova
linguagem, a da televisão e a da informática. Os sistemas educacionais ainda não conseguiram avaliar o
poder da comunicação audiovisual e da informática,
seja para informar, seja para bitolar mentes. Trabalhamos ainda com recursos tradicionais que não tem
apelo para crianças e jovens. É preciso mudar profundamente os métodos de ensino para reservar ao cérebro humano o que lhe é peculiar – a capacidade de
pensar – em vez de desenvolver a memória. Para isso é
preciso dominar a linguagem, inclusive a linguagem
eletrônica. (GADOTTI, 1998).
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Pensar, portanto, nos cursos de formação de professores requer
pensar políticas públicas voltadas para isto. Na verdade, a grande inquietação nos dias atuais é que esta nova geração, mesmo não tendo computador em casa, já está de alguma forma “antenada” com algum tipo de recurso
tecnológico, seja o videogame, sejam os bichinhos virtuais (que custam
muito barato e todos podem ter acesso), seja pela própria mídia de massa.
Desta forma, esta nova geração estará exigindo cada vez mais um outro
tipo de comportamento advindo da escola. Esta geração é bem diferente
da geração dos nossos avós, onde a educação se fazia apenas por transmissão, e hoje, a mera transmissão se tornou inaceitável.
Mesmo sem ter acesso às mais diversas tecnologias, o professor
tem que saber o que é cibercultura, sociedade da informação, sociedade
digital, AlTv, ou seja, ele tem que ter consciência do que é a sociedade
contemporânea para que ele possa atuar na mesma. Caso isto não aconteça, o professor estará cada vez mais distante do seu alunado e desta forma, a escola se tornará cada vez mais chata1 1 (SILVA, 2003).
A informação e as múltiplas linguagens advindas da comunicação: a formação do professor crítico diante das informações e das tecnologias
A inserção da qual falávamos anteriormente não se limitará somente ao uso de recursos. Integrar as TICs na ação docente requer um vôo
mais alto. É preciso integrar e criticar as TICs principalmente no que se
refere à acessibilidade ao grande volume de informações. O professor
passa a ter agora a necessidade de adquirir o entendimento das múltiplas
linguagens: a linguagem multimídia, polifônica, virtual, cooperativa, recíproca. Afinal, para que tudo isto? O trabalho docente não mais se limitará
ao repasse das informações, pois, as informações estão por aí nos mais
diversos veículos midiáticos: tv, rádio, imprensa, internet, dentre outros.
Não precisamos de ninguém para repassar informações, pois as fontes são
acessíveis, muitas vezes dinâmicas e bem mais interessantes do que o
estabelecimento do próprio diálogo.
É importante ressaltar aqui, que as questões relacionadas à comunicação e informação ganharam muito espaço principalmente depois
da maior acessibilidade à internet. A partir de então, vários conceitos
foram sendo desenvolvidos, como por exemplo, os conceitos de interação
e interatividade. Distinguindo então estes dois conceitos, temos que, a
interação ocorre sem que exista uma predisposição para isto. O simples
11
Professor da Estácio de Sá em participação no Programa Salto para o Futuro –
série: Integração das mídias. Canal TV Escola. Programa veiculado dia 20 de novembro de 2003 no horário das 11:00 às 12:00 horas.
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fato de nos depararmos com alguém, seja para repassar, dialogar ou transmitir já significa que ocorre interação. Já a interatividade, que é uma palavra que está “na moda” e que não é um conceito criado a partir da
informática, mas foi ela quem soube melhor se apropriar do mesmo, significa buscar alcançar o mais comunicacional, ou seja, interagir significa não
apenas repassar ou transmitir, mas, a partir do momento em que isso ocorre, espera-se uma troca, uma resposta ou pelo menos um estímulo (ibdem).
Diante disso encontramo-nos frente a um novo papel, por sinal
bastante desafiador, importe ao trabalho docente: criticar as informações,
filtrá-las, intervir no aprendizado provocado por elas e, principalmente,
transformar estas informações em conhecimento. Este é um dos pontos
cruciais: fazer a leitura crítica das mídias não requer somente habilidade. Requer, antes de tudo, a junção de vários hábitos: impessoalidade, ética, conhecimento, pluralidade e, o principal de todos, o hábito da leitura crítica.
Em países como o Brasil, onde o hábito da leitura é escasso, falar
em leitor crítico das mídias requer uma atenção especial à definição das
mídias. Afinal, de que mídias estamos falando?
O importante aqui não é definir a mídia alvo para procurarmos
uma resposta. Levaremos em consideração todas as fontes por onde chegam as informações. Devemos ficar bem atentos quanto a essa questão,
uma vez que as mídias, sejam massivas ou interativas, resultam em um
grande esforço mental para serem analisadas criticamente.
No entanto, o discurso feito até aqui traz consigo inquietações
consideráveis que permeiam dentre os mais diversos níveis de ensino. Se
as tecnologias não invadem o ambiente escolar, para que discutirmos sobre elas? Retomo aqui a pergunta feita como título deste trabalho: A formação de professores relacionada à ação docente mediada pelas
tecnologias de informação e comunicação: afinal, para que tecnologias?
Esta é uma pergunta ainda em discussão e sem resposta plausível aos segmentos escolares. Negligenciar a existência ou ignorar a necessidade de seu uso significa adotar uma postura antidialética da educação e
passar a ver a escola como algo pronto e imutável. A sociedade em constante
estado de mutação requer, porém uma outra postura advinda da escola.
O mundo virtual possui várias linguagens, mas a escola não pode
aderir ao esquema das “tribos”1 2 adotando as várias linguagens subentendidas usadas por um determinado grupo para se comunicar. Há que se
12
Metáfora atribuída aos grupos que adotam as mesmas linguagens para se comunicar. Por exemplo, os sinais utilizados nos correios eletrônicos, na maioria das
vezes, são adotados por um certo grupo que entende e se comunica através
daquela linguagem.
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considerar que a comunicação, como um processo tão antigo quanto à
existência do próprio homem, sofre e vem sofrendo alterações enquadradas em seus mais diversos contextos. Mas a escola, como sistema
norteador e inter-relacionado com a sociedade na qual está inserida, deve
estabelecer padrões de linguagem pelo menos assemelhados, pois acredita-se que, tendo a própria escola caído em contradição quanto à construção de seus conceitos, ela estará fadada ao mesmo destino que
tomaram as diversas tentativas de normatizar um ensino padrão e a educação para todos. É preciso respeitar a diversidade. (DANIEL, 2003)1 3.
Portanto, a normatização requer ainda um outro tipo de consciência: a consciência política.
As múltiplas linguagens presentes na sociedade “digitalizada”
não devem servir de parâmetro para o avanço da “exclusão dos já excluídos”. Cabe, portanto à escola estabelecer uma linguagem única para garantir a democracia e o acesso de quaisquer cidadãos. Por esse motivo, exige-se
a consciência política: estabelecer uma linguagem democrática em eras de
modernização, informatização e automação, torna-se uma função a ser desenvolvida com grande urgência, pois se pode, a partir daí, tornar possível
reduzir a discrepância existente entre os sistemas educacionais.
Se colocarmos então o nosso alvo de estudo, a formação e a ação
docente no eixo dessa intriga, chegaremos a uma conclusão: a
integralização das tecnologias de informação e comunicação nos cursos
de formação de professores (seja formação inicial ou formação continuada) é o ponto de partida destas transformações.
Para Belloni (2001):
Os desafios que estas mudanças na estrutura das demandas sociais de educação pós-secundária (formação
inicial e continuada) significam para os sistemas educacionais são enormes: de um lado, na formação inicial,
será preciso reformular radicalmente currículos e métodos de ensino, enfatizando mais a aquisição de habilidades de aprendizagem e a interdisciplinaridade (o que
implica diminuir a quantidade de conhecimentos), sem,
no entanto negligenciar a formação do espírito científico
e das competências de pesquisa; de outro, as demandas
crescentes de formação ao longo da vida terão que ser
atendidas. (grifos da autora)
13
Reunião de Ministros Nórdicos, Oslo, 3 de junho de 2002. Texto publicado no livro
Educação e Tecnologia num mundo globalizado.
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E é nesta perspectiva que a educação superior deve se respaldar.
Os cursos de formação de professores terão que dar respostas às exigências desta sociedade. A sociedade da informação surge na década de 70
devido a uma revolução tecnológica sem precedentes. Houve a partir de
então uma rápida passagem da sociedade industrial à sociedade
informatizada. Toda a revolução advinda através das mais variadas transformações, incluindo aqui o sistema capitalista, ganhou ênfase na medida
em que a sociedade se tornava cada vez mais consumista e conseqüentemente produtiva.
O que se pode notar é que, a partir de então, a grande força do
capitalismo unida ao processo de globalização, provocou um dualismo
nessa sociedade.
Em educação, essa dualização é concretizada no fato
de que a sociedade da informação prioriza o domínio
de certas habilidades. As pessoas que não possuem as
competências para criar e tratar a informação ou aqueles conhecimentos que a rede valoriza, ficam excluídas. (TARTOJADA, 2000).
Mais uma vez as tecnologias afetam diretamente a educação.
Mas é preciso refletir que essa dualidade, imposta pelos novos meios de
produção e pelo fortalecimento do capitalismo não se constitui em nenhuma novidade para os educadores. A dualidade educacional 1 4 é tão
antiga quanto o próprio conceito de educação, principalmente no Brasil. O
que deve ser considerado é que através desses avanços estão sendo criadas novas dualidades, e, conseqüentemente, está se formando agora uma
nova geração de analfabetos: o analfabeto digital.
Esse ponto torna-se crucial na medida em que a própria educação não consegue atender às expectativas do seu alunado. Por isso, pensar a educação requer investir em pesquisa na área. Pesquisar pode ser
uma saída para a implementação de uma nova concepção de formação de
professores que venha a atender todos os anseios.
14
A nomenclatura “dualismo educacional” ficou popularmente concretizada na
década de 70, com a aprovação da lei 5692/71, a qual regulamentou os cursos de
formação técnica em nível médio de ensino. O chamado “dualismo” caracterizava
a divisão da sociedade em dois pólos: o primeiro daqueles que iriam concluir o
ensino secundário e seguir carreira nos cursos superiores e o segundo daqueles
que faziam parte da camada economicamente menos favorecida que iriam fazer
cursos técnicos para ingressar no mercado de trabalho e atender as exigências
da mão-de-obra qualificada e barata.
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Mas nós, educadores, ainda trabalhamos erroneamente diante
das nossas próprias concepções de ensino. Temos ainda uma visão limitada sobre o uso das tecnologias na educação e suas possíveis contribuições
para a melhoria do processo ensino-aprendizagem. Investir na formação
de professores, seja formação inicial ou continuada, é um dos fatores
primordiais para se procurar instigar uma mudança tanto conceitual quanto prática.
Repensar a formação e a ação docente pode proporcionar uma
nova visão da utilização das tecnologias educacionais. A contribuição que
os cursos de formação de professores tem a oferecer é imensa: é preciso
estimular, orientar, criar e inovar propostas, unir as novas e as velhas
tecnologias, fazer da escola um ambiente de reflexão da própria prática
docente, o que Lévy (1999) nos coloca de forma muito clara dizendo que:
É preciso colocar as pessoas nessa situação de curiosidade, nessa possibilidade de exploração. Não individualmente, não sozinhas, mas juntas, em grupo. Para
que tentem se conhecer e conhecer o mundo a sua volta. E, uma vez compreendido esse principio de base,
todos os meios servem, os meios técnicos servem. Os
meios audiovisuais, interativos, os mundos virtuais,
os grupo de discussão, tudo o que quisermos (LÉVY
apud KENSKI, 2001).
A importância que isso representa na formação do professor traz
contribuições não somente à escola, mas à sociedade na qual a mesma
está inserida, uma vez que a integração dos professores em uma nova
ação docente mediada pelas tecnologias gera o desejo de participar do
processo de intercâmbio de conhecimentos, a vontade de apresentar contribuições originais, transmitir e trocar idéias, de forma cooperativa e aberta. Isto significa incentivar e estimular a busca por uma educação que
atenda e seja compatível com os anseios da sociedade. Pois segundo Lévy
(ibdem), “quem aprende mais e mais depressa são as crianças mais novas”. Isto ocorre porque elas têm um instinto de curiosidade, de busca,
não sentem medo de errar e são mais abertas a receber aquilo que para
elas é novidade. Talvez, seja isto que esteja faltando aos professores:
coragem e não ter medo de errar.
Pretendemos encerrar este trabalho, ressaltando que as
tecnologias na educação são apenas tecnologias. Elas não falam por si,
elas não agem sozinhas, elas não funcionam sem planejamento, e, por
esse motivo, para lidar com as mesmas deve haver preparação e formação
docente propícia a isso.
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Como diz Penteado (1998):
Todavia é preciso considerar que a simples presença
desses recursos no trabalho pedagógico não é sinônimo de mudanças significativas na qualidade de tal
trabalho. Inicialmente é preciso lembrar que as novas
tecnologias comunicacionais são apenas e tão-somente prolongamentos refinados, recursos sofisticados,
aptos a potencializar a capacidade comunicacional
inerente ao ser humano, que o caracteriza como animal social por excelência e produtor de cultura. Portanto, será tão somente na vivência de uma didática
que exercite a capacidade comunicacional humana e
pratique a educação como um processo específico de
comunicação que as tecnologias comunicacionais ganharão a possibilidade de exercer o seu poder transformador, rumo a uma educação escolar formadora,
reveladora, suporte para o exercício pleno da verdadeira cidadania.
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O FUTURO DE UMA ILUSÃO
Maria da Penha Fornanciari Antunes1
FREUD, Sigmund. O futuro de uma ilusão. O mal-estar na civilização e outros trabalhos. Volume XXI (1927-1931). Traduzido do alemão e do inglês,
sob direção de Jayme Salomão. Tradução de José Octávio de Aguiar Abreu.
Rio de Janeiro: Imago Editora Ltda., 1969.
Com o conhecimento que adquiriu sobre a origem e o processo
de evolução do homem, Freud (1927) esboçou na obra O futuro de uma
ilusão, a preocupação sobre as tantas transformações que a humanidade
ainda sofreria no contínuo processo civilizatório.
Até o momento em que escreveu esta obra ele observou que as
previsões que os homens eram capazes de fazer sobre o futuro originavam-se, conforme suas experiências pessoais, seu temperamento, acesso aos conhecimentos existentes, e amadurecimento, em termos de
distanciamento das vivências ocorridas. Ou seja, nenhuma análise provinha de sabedoria diferente (poder extra-sensorial), que não tomasse como
base os conhecimentos empíricos e/ou científicos já produzidos pela humanidade.
Freud argumentou, então, que emitir um juízo sobre o destino
dos homens era uma grande e séria tarefa, e essa seriedade determina,
conforme o autor, o que irá falar sobre a civilização humana, considerando
que a expressão civilização significava tudo o que evoluíra no ser humano
e o diferenciava dos animais. Neste sentido dois aspectos foram destacados: os conhecimentos desenvolvidos no controle e exploração da natureza em seu benefício; e as leis criadas para normatizar a convivência social.
Esses dois aspectos estão interligados, pois o homem, apesar da
evolução que sofreu e das normas de convivência que estabeleceu, não
deixou de trazer consigo desejos instintivos, que precisam ser a todos os
momentos dominados para que seja possível a vida em comunidade.
As leis e os conhecimentos cumprem o papel de proteger a civilização contra o próprio indivíduo, que apesar de não ter condições de
sobreviver só, precisa fazer sacrifícios para cumprir as normas de convivência comunitária.
Freud afirma que a civilização foi imposta à maioria por uma minoria que com os conhecimentos científicos/tecnológicos e legais, desco1
Mestre em Educação pela UFMT, professora da Universidade do Estado de Mato
Grosso.
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briu como explorar a natureza, obter riquezas e bens necessários à vida
confortável, estabelecer relações de poder, coagir os homens a respeitar
as leis e produzir riquezas através do trabalho, convencendo-os da necessidade de controlar os instintos e sobre a importância de conviver socialmente, com distribuição de benefícios e riqueza de forma desigual.
Argumenta que as formas culturais desenvolvidas são imperfeitas, sendo discutível a idéia de que, se fosse abolido o estado de coerção
e a repressão dos instintos, os homens viveriam em harmonia, e que a
exploração e distribuição de riquezas seriam feitas de forma que todos
pudessem usufruir seus benefícios. Acredita que se faz necessário considerar que os homens possuem tendências destrutivas e anti-sociais, e
que em um número bastante elevado, essas tendências poderiam determinar o comportamento das pessoas em sociedade, caso cessassem as
normas de coerção.
O maior problema da civilização, segundo Freud, não reside na
desigualdade material e sim na mental. São necessárias lideranças que
controlem as massas, dêem exemplos de renúncia instintual e disposição
para o trabalho, pois os homens por si só, não gostam do trabalho e não
dominam suas paixões por crer em argumentos, cujas pretensões sejam
definir (abstratamente) o que é melhor ou pior para a vida humana.
Existem teorias a respeito da educação baseadas no amor em
equilíbrio com a razão, para preparar massas dispostas às convivências
sem coerção, porém Freud questiona: quais seriam esses educadores que
não teriam sofrido coerção para serem capazes de educar desta forma?
Toda civilização para o autor, repousa “numa compulsão a trabalhar e numa renúncia ao instinto” (p.21), porém isso não é espontâneo, e
para que os homens se disponham a cumpri-las, necessário se faz a coerção que reconcilie os homens com a civilização e recompense pelos sacrifícios das repressões. Os regulamentos se baseiam na frustração, proibição
e privação.
Na categoria de privações que afetam a todos, estão as que separam o homem de sua condição animal, ou seja, os desejos instintuais
que cada criança traz ao nascer. As primeiras renúncias instintuais impostas pela civilização são o canibalismo, o incesto e o desejo de matar os
semelhantes.
A mente humana evoluiu, conforme o desenvolvimento científico e tecnológico, pois o superego é responsável por assumir e incluir em
seus mandamentos, os regulamentos para tornar o homem um ser moral
e social.
A maioria dos homens reprime seus desejos instintuais primitivos (pela coerção), porém satisfazem outros desejos ou impulsos que
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prejudicam os semelhantes, mas que podem ser, de certa forma, camuflados e livres de punição. Isso demonstra a incapacidade do homem de ser
totalmente moralizado. Outro fator bastante comum é o das restrições
que se aplicam a grupos provenientes de classes pouco favorecidas, às
quais é imposto um excesso de privações e trabalho, para manter privilégios dos mais ricos ou detentores do poder, que não sofrem iguais imposições e privações.
Os grupos oprimidos podem desenvolver certo grau de hostilidade a ponto de sentirem revolta e desejo de destruir os postulados nos
quais se baseia a civilização.
A civilização foi criada pelo homem para defender-se do poder
da natureza e para possibilitar a vida comunitária, isso num processo longo de compreensão das leis naturais. Quando, no entanto, ela (a natureza)
decide enfurecer-se, torna-se incontrolável e mostra ao homem que este
é fraco e desamparado diante de seu poder superior. A civilização defende o homem contra a natureza e contra os terrores invisíveis que enfraquecem sua auto-estima.
A fim de aliviar o sofrimento humano, ou para que este sofrimento seja aceito com mais naturalidade, foi criada já por antigas civilizações a figura de um pai universal que deve ser amado e temido, que pode
castigar, mas protege. O sofrimento deste mundo será recompensado por
nova vida após a morte. Tudo que acontece aos homens é determinado
pela sabedoria de um ser superior, que não se pode ver, mas com o qual se
pode falar, e clamar por ajuda em momentos de aflição.
As idéias religiosas como as outras realizações da civilização, surgiram pela necessidade de defesa contra a superioridade da natureza,
como também para justificar os sacrifícios advindos das desigualdades e
injustiças, ou seja, “as deficiências da civilização, que se faziam sentir
penosamente” (p. 33).
A figura de Deus, segundo Freud, foi criada para substituir a do
pai. Na infância a criança sentia-se protegida pelo pai. Quando adulta sentindo-se desamparada, precisando da proteção de alguém mais forte contra “as conseqüências de sua debilidade humana” (p.36), transfere esse
poder do pai para Deus.
As idéias religiosas só possuem significação psicológica. Não existe nenhuma idéia ou argumento que a razão possa aceitar como prova das
verdades das doutrinas religiosas. As igrejas sustentam que as doutrinas
religiosas estão fora da jurisdição da razão, e a filosofia argumenta que
nossas atividades cognitivas incluem hipóteses para as quais não possuímos fundamentos racionais, mas os compreendemos “como se” fossem
válidos.
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As idéias religiosas têm origem psíquica. São ilusões dos desejos
do homem de, na vida adulta, continuar a receber proteção de alguém
que possua força para garanti-la como seu pai o fazia na infância.
Como a vida terrena é dura e acompanhada de muita injustiça
nas relações de toda natureza, os homens encontram forças para suportála acreditando na existência da justa e benevolente providência divina.
Esse desejo de amparo, amor e proteção paterna que leva o homem a crer num deus, pai poderoso, apesar de ser uma ilusão que alimenta a “psiquê individual” (p.43), não é considerado por Freud como um
erro. São ilusões porque são “insuscetíveis de provas” (p.44), se derivam
dos desejos humanos, não podem ser cientificamente comprovadas.
Considerando como se um interlocutor o questionasse, sobre as
inúmeras pessoas que encontram forças nas doutrinas religiosas para suportar as dificuldades da vida, Freud argumenta que se mantendo atrelada
à ilusão religiosa da existência de Deus, a civilização correria maior risco.
Apesar de a religião ter contribuído para o processo civilizatório,
principalmente para domar os instintos associais, para o autor, o principal
objetivo da religião deveria ser o de reconciliar o homem com a vida e com
as condições por ela imposta, e fazê-lo sentir-se feliz aceitando a vida com
naturalidade. E isso ela não conseguiu.
Os representantes da religião só conseguiram seguidores, propagando a imagem de um deus forte e poderoso, que pode castigar o
homem fraco e pecador.
Desta forma, os homens não se sentem felizes e seguros com
esse pai. A religião criou e disseminou a idéia de que a vida na terra é um
sofrimento que só pode ter fim com a morte, com a promessa de que
existe outra vida, a qual seria enfim, de felicidade eterna. Ainda assim, só
teria direito a essa vida feliz após a morte, aqueles que não tivessem
pecados.
A idéia de que Deus cobra sacrifícios para perdoar os pecadores,
faz o homem sentir-se vulnerável perante a força de Deus, e também de
certa forma, com liberdade para pecar novamente. Para que a benção de
Deus seja concedida é, então, necessário pecar.
E ainda, o castigo de Deus pode ocorrer nesta vida ou na futura.
Matar o semelhante é proibido por Deus e para isso não tem perdão.
Então, esse desejo instintual é controlado.
Mas Freud questiona: e se a Ciência um dia provar que Deus não
existe? Se os homens viverem iludidos apenas com a promessa da compensação de Deus por uma vida melhor após a morte, e a Ciência um dia
provar que isso não passou de delírios ou artifícios dos doutrinadores religiosos? Então, os homens não terão outras esperanças a que se agarrar e
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nem os castigos a que temer, e se destruirão, pois os sentimentos não
foram corretamente desenvolvidos e a instrução (educação) para a compreensão do mundo não foi realizada.
O pensamento cientifico, as descobertas que já foram feitas, inclusive demonstrando inveracidades de documentos religiosos, e o espírito cientifico que cada vez mais desmistifica os dogmas, mostram que os
homens instruídos são civilizados pelos conhecimentos que lhes dão a
compreensão das coisas do mundo.
Freud finaliza a obra fazendo uma critica a religião no sentido de
que os valores humanos, ou que humanizam o homem, não foram desenvolvidos pela religião, ou a religião não teve competência para fazê-lo.
O sentimento de amor pelo semelhante a ponto de lhe querer
bem, não se deu de forma pura e natural como deveria ser. Os instintos
são mais fortes do que os sentimentos de amor, solidariedade e
fraternidade.
O mandamento de amar uns aos outros não foi corretamente
assimilado. A religião só conseguiu fazer com que houvesse respeito à
imagem de Deus pai, que como o pai terreno castiga pelo erro cometido.
Não foi possível desta forma, convencer o homem pelo que era melhor ou
mais adequado socialmente, mas sim pelo que era proibido por Deus.
Apesar do poder que a religião teve nesse processo de convencimento, Freud a compara à neurose. Os seres humanos passam, desde
criança até se tornarem adultos, vivendo certas neuroses, as quais em sua
maioria são superadas naturalmente, e em alguns casos, restam conflitos
que necessitam de ajuda psicanalítica.
Assim, Freud considera que a religião “seria a neurose obsessiva
universal da humanidade” (p.57).
O afastamento da humanidade da religião libertando-se da submissão aos poderes divinos, à medida que esta amadurece e desvenda os
enigmas da natureza através do conhecimento cientifico, faria o homem
evoluir racionalmente. Traria a possibilidade do desenvolvimento do intelecto não embaçado pela doutrina religiosa. Se a criança pudesse ser
educada, justamente na fase em que seu intelecto está em pleno desenvolvimento, sem os ensinamentos religiosos que permeiam os científicos
e que, geralmente, causam confusão sobre o que é real e o que não é,
seria natural quando adulta, ver a vida terrena como a única que possuímos e, por isso, ser preciso aproveitá-la numa vivência harmoniosa com
todos os homens, por convivermos no mesmo planeta que tem o privilégio da vida. E esta vida é que precisa ser bem vivida, com a sublimação dos
desejos instintuais e o cultivo dos sentimentos, ações, e valores que nos
humanizam, pois esta seria a chance única de uma vida.
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Os avanços do desenvolvimento intelectual e científico e o
desvendamento dos fenômenos naturais trariam revelações concretas,
dando provas de que isso não é uma ilusão.
Esse conhecimento concreto do mundo não faria, segundo Freud,
o homem perder o interesse pela vida terrena ou desacreditar nos homens, como as doutrinas impuseram: que só a esperança de ganhar a vida
após a morte ou a crença no castigo, podendo perdê-la, conseguiria o
domínio psicológico dos instintos humanos e o respeito e o amor de uns
pelos outros, porque Deus pai assim determinou.
Apesar dos religiosos terem se esforçado para desmentir,
desprestigiar, descaracterizar as verdades científicas que advieram todas
da observação e interesse prático do ser humano, elas evoluíram precisamente por causa desse interesse utilitarista do homem pelas coisas da
natureza.
As percepções humanas e o “aparelho psíquico” se desenvolveram justamente porque o homem é parte integrante da natureza, necessitou de utilizá-la em seu beneficio, e isso o forçou a abstrair os
conhecimentos que o beneficiassem.
Assim, a ciência não é ilusão, mas a religião sim o seria, pois
promete benefícios que só poderão ser adquiridos pela subjetividade da
fé e não apresenta nenhuma prova concreta de que isso seja realmente
possível.
Ao escrever essa obra, Freud argumenta que as pessoas crentes
provavelmente não seriam influenciadas ou deixariam de crer pelo que
ele escrevera. Se alguém pudesse ser prejudicado com suas idéias seria
ele mesmo (o autor), considerando que poderiam julgá-lo ou recriminálo, associando a Psicanálise (criada por ele), à negação de Deus à idéias
morais.
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das palavras-chave, seguindo as mesmas orientações do resumo.
Referência de citações: deve conter o sobrenome do autor e, entre parênteses, ano de publicação da obra, seguido de vírgula e número da página.
Referências bibliográficas: a expressão REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS em
letras maiúsculas, sem adentramento, a um espaço duplo após o final do
texto. A primeira obra deve vir a um espaço duplo abaixo da expressão
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS. As referências devem seguir a NBR 6023/
02 da ABNT. Exemplos:
Um autor:
QUEIROZ, E. O crime do padre amaro. 25. ed. Rio de Janeiro: Ediouro, 2000.
277p.
Dois ou três autores:
VIGOTSKY, L. S.; LURIA, A. R. Estudos sobre a história do comportamento.
Porto Alegre: Artes Médicas, 1996.
Mais de três autores:
CASTORINA, J. A. et al. Piaget-Vigotsky: novas contribuições para o debate. São Paulo: Ática, 1995.
Serão fornecidos gratuitamente ao autor principal de cada artigo, dois exemplares do número da Revista da Faculdade de Educação em
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