Identificando as competências organizacionais de uma empresa do ramo da alimentação Poliana Neubert Maschmann1 Elenice Gonçalves Cunha 2 Resumo: Trata-se de uma pesquisa exploratório-descritiva, que tem por objetivo identificar as competências essenciais de uma empresa do ramo da alimentação. Os dados foram coletados através de entrevistas semi-estruturadas, aplicadas aos funcionários e ao proprietário da organização em estudo. A metodologia utilizada para a análise dos dados foi a de análise de conteúdo. Os resultados são apresentados em seis categorias iniciais, três categorias intermediárias e duas categorias finais: organização do trabalho e aprendizagem. A problemática parte do pressuposto que, a partir da identificação das competências essenciais seja possível a formulação de estratégias, capazes de gerar vantagens competitivas para a organização. Os resultados obtidos mostram que a empresa em estudo apresenta competências capazes de gerar vantagens competitivas sustentáveis se, trabalhadas de forma a estimular o aprimoramento constante da organização. Abstract: This is an exploratory-descriptive research, which aims to identify core competencies of a company working with feeding business. The data were collected through semi-structured interviews, applied to employees and the owner of the organization under study. The methodology used for data analysis was the content analysis. The results are presented in six initial categories, three categories intermediate and two final categories: work organization and learning. The problem assumes that, from the identification of core competencies is possible to formulate strategies that can generate competitive advantages for the organization. The results show that the studied company presents skills that can generate sustainable competitive advantages if, worked so as to encourage the constant improvement of the organization. Introdução A globalização dos mercados fez o ambiente organizacional tornar-se mais dinâmico, exigindo que as empresas respondam de maneira eficaz às mudanças ocorridas. Como as organizações têm acesso ao mesmo nível de informação, às mesmas circunstâncias ambientais e a insumos materiais semelhantes. O que irá diferenciá-las é a forma pela qual estes recursos serão organizados, a fim de gerar produtos e serviços úteis aos consumidores. Por isso, a importância dada a Gestão de Pessoas nas organizações, já que os colaboradores são os detentores do conhecimento necessário, para desenvolver as empresas e formular estratégias capazes de distingui-las. 1 Bacharel em Administração – Faculdade Cenecista de Osório - FACOS. Doutora em administração – Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS/Escola de Administração – EA/ Programa de Pós-Graduação em Administração – PPGA. Professora Faculdade Cenecista de Osório FACOS. 2 68 Com o advento da economia baseada no conhecimento, que passa a ser considerado o principal fator da produção, as organizações procuram focar nas atividades que fazem maior uso da inteligência, com o intuito de diferenciar-se dos seus concorrentes. Para tanto, mais do que oferecer produtos de qualidade a preços baixos, as organizações precisam identificar e desenvolver as suas competências mais rapidamente do que os seus concorrentes. Por isso, este projeto tem como objetivo a identificação das competências individuais e organizacionais de uma empresa de pequeno porte do ramo da alimentação, assim como, avaliar essas competências, a fim de propor diretrizes para a formulação de um planejamento de gestão. Sabendo que o Restaurante e Pizzaria Sabor é uma empresa familiar que está no mercado há dezoito anos, considera-se que possui um modelo de gestão centralizador, no qual as decisões são tomadas pelo sócio-fundador de forma subjetiva e que não são levados em consideração os aspectos prescritivos da empresa ou do ambiente. Foi constatado como problema, o fato de a empresa está centrada nas pessoas de modo que existem atividades que somente a pessoa que a realiza sabe como fazê-la, pois possui os conhecimentos necessários. Esta problemática é de suma importância, pois, a partir do momento que estas pessoas saem da organização o saber-fazer vai embora. Diante disto pergunta-se: a empresa em questão possui competências capazes de gerar vantagem competitiva? Justifica-se a escolha do tema pela necessidade de desenvolver as vantagens competitivas sustentáveis, que viabilizam a diferenciação da empresa diante de seus concorrentes e pela constatação que através da utilização da lógica das competências será possível desenvolver os pontos fortes da empresa, pois conforme Hamel e Prahalad (1998, p. 297) “A longo prazo, a competitividade deriva de uma capacidade de formar, a custos menores e com mais velocidade do que os concorrentes, as competências essenciais, que geram produtos que não podem ser antecipados”. 69 2 Criação do conhecimento organizacional Senge (2005), afirma que nos mercados extremamente competitivos e complexos no qual as empresas operam, só existe espaço para as organizações que criam um ambiente para impulsionar o compromisso do seu pessoal com a mudança, e que, seja capaz de mantê-lo sempre ativo. O autor afirma também, que neste contexto não é possível considerar as pessoas como se fossem máquinas. Por isso, para manterem-se competitivas no mercado, as empresas precisam inovar constantemente. Estas afirmações são reforçadas por Nonaka e Takeuchi (1997), quando as empresas inovam, elas criam novos conhecimentos e informações, em uma perspectiva de dentro para fora, com o objetivo de redefinir tanto os problemas quanto às soluções. A teoria da criação do conhecimento organizacional é proposta por estes autores a partir de duas dimensões da criação do conhecimento: a epistemológica e a ontológica. De acordo com a dimensão ontológica o conhecimento só pode ser criado pelos indivíduos, cabe a organização proporcionar-lhes contextos ou apoiar os indivíduos criativos para desenvolver–lhes conhecimentos. Dessa forma, a criação do conhecimento organizacional é o processo que amplia o conhecimento individual, de modo que, se torne parte da rede de conhecimento da empresa. Já, a visão epistemológica parte da distinção entre o conhecimento explícito e o conhecimento tácito. Conforme Fleury e Fleury (2000), o conhecimento tácito é inconsciente, se apóia em crenças, normas e é difícil de ser formulado e comunicado. Por outro lado, o conhecimento explícito é aquele que pode ser explicado e codificado. Estes dois tipos de conhecimento são mutuamente complementares, embora sociedades diferentes atribuam maior valor a um ou a outro. Segundo Nonaka e Takeuchi (1997), a mobilização e a conversão do conhecimento tácito é o segredo para a criação do conhecimento organizacional. Este tipo de conhecimento inclui elementos cognitivos e técnicos. Os elementos cognitivos 70 centram-se nos modelos-mentais que Johnson-Laird apud Nonaka e Takeuchi (1997), denomina como o modelo pelo qual o indivíduo percebe o mundo e manipula analogias, com base em suas crenças e paradigmas. Por outro lado, as habilidades, o know-how concreto e as técnicas irão constituir os elementos técnicos do conhecimento tácito. Por conseguinte, o modelo dinâmico de criação de conhecimento tem como pressuposto que o conhecimento humano é criado e expandido através de um processo de integração social entre o conhecimento tácito e o conhecimento explícito que ocorre entre os indivíduos e não apenas dentro do indivíduo. Denomina-se esta interação como conversão do conhecimento (NONAKA E TAKEUCHI, 1997). Os autores destacam que é possível definir quatro modos de conversão do conhecimento: Socialização, Externalização, Combinação e Internalização. A socialização consiste na conversão do conhecimento tácito em conhecimento tácito, ou seja, refere-se ao processo no qual as experiências são compartilhadas. Esta é a forma pela qual os aprendizes aprendem os conhecimentos transmitidos por seus mestres, porém, esta aprendizagem não ocorre através da transmissão verbal do conhecimento e sim pela observação, imitação e prática. Assim, o segredo para a apreensão do conhecimento tácito está na experiência. De acordo com Nonaka e Takeuchi (1997, p.73) a externalização “(...) é a chave para a criação do conhecimento organizacional”, uma vez que consiste em transformar o conhecimento tácito em conhecimento explícito, expressando o conhecimento que até então é inconsciente, difícil de ser formulado e comunicado através de metáforas, analogias, conceitos, hipóteses ou modelos. Entre estas maneiras de comunicação do conhecimento geralmente são mais utilizadas as metáforas e analogias, já que, estimulam o compromisso direto com a criatividade e são eficazes na elaboração de conceitos de produtos. O terceiro modo de conversão do conhecimento organizacional é a combinação que segundo Nonaka e Takeuchi (1997, p.75) “(...) é um processo de sistematização de 71 conceitos em um sistema de conhecimento”, este modo de conversão do conhecimento organizacional envolve a combinação de diferentes conhecimentos explícitos, os indivíduos compartilham conhecimentos através de documentos, reuniões, conversas pelo telefone ou redes de comunicação computadorizadas. Finalmente, a internalização consiste em um processo de conversão de conhecimento explícito em conhecimento tácito e para que isso aconteça é necessário verbalizar as experiências através de histórias orais ou documentos, para que os indivíduos internalizem suas experiências. Em suas citações os autores, afirmam que quando a experiência é internalizada nas bases do conhecimento tácito, sob a forma de know-how técnico compartilhado ou de modelos mentais, através da socialização, externalização e combinação, ela se torna um ativo intangível valioso para a organização. Portanto, a ampliação do conhecimento tácito através dos quatro modos de conversão do conhecimento é o que os autores denominam de espiral do conhecimento. Este conhecimento tácito precisa ser socializado com os outros integrantes da empresa para que possa viabilizar o desenvolvimento do conhecimento organizacional, dando início a uma nova espiral do conhecimento. A criação do conhecimento organizacional, conforme Nonaka e Takeuchi (1997) é uma constante integração entre o conhecimento tácito e o explícito, moldada através de mudanças entre os quatro modos de conversão do conhecimento organizacional, iniciada através do processo de socialização, que pode ser chamado de conhecimento compartilhado; passa pelo modo de externalização no qual o uso de metáforas ou analogias facilita a articulação do conhecimento tácito, gerando o conhecimento conceitual; a combinação, que dá origem ao conhecimento sistêmico, o modo pelo qual o conhecimento recém criado e o já existente na organização são colocados em uma rede, e, por fim, a internalização provocada pelo aprender fazendo, criando o conhecimento operacional que vai dar origem a outro ciclo de criação do conhecimento organizacional. Entretanto uma organização não tem como criar conhecimento sozinha, o conhecimento tácito dos indivíduos que integram a empresa é a base da criação do conhecimento organizacional. A empresa precisa mobilizar e ampliar 72 organizacionalmente os conhecimentos acumulados individualmente, através dos quatro modos de conversão do conhecimento (NONAKA E TAKEUCHI,1997). Assim, a interação entre o conhecimento tácito e explícito terá escalas cada vez maiores à medida que aumentam seus níveis ontológicos, iniciando no nível individual e vai aumentando, cruzando fronteiras entre departamentos da empresa e até entre organizações. (NONAKA E TAKEUCHI, 1997). 3 Aprendizagem organizacional Segundo Argyris apud Fleury e Fleury (2000, p.30), aprendizagem organizacional pode ser conceituada como: “(...) um processo de identificação e correção de erros”. Conforme Argyris e Schön apud Freire [S.d.], existem três ciclos de aprendizagem: a aprendizagem de circuito simples (single-loop), de circuito duplo (double-loop) e do tipo deutero (deutero learning). O primeiro tipo de aprendizagem ocorre quando depois de detectados os erros a organização tenta corrigi-los. Já a de circuito duplo ocorre quando para solucionar os erros identificados há a necessidade de mudar as normas, os objetivos e as políticas da organização. E por último, a aprendizagem do tipo deutero ocorre quando a organização cria contextos para a aprendizagem a partir da identificação dos elementos facilitadores e/ou inibidores da aprendizagem. As empresas precisam aprender a superar a single-loop e a double-loop visando alcançar o terceiro estágio de aprendizagem podendo, desta forma, implementar a capacidade de aprendizagem a partir de contextos pré-determinados. (ARGYRIS E SCHÖN apud FREIRE, S.d.) O modelo de aprendizagem apresentado por Argyris e Schön apud Nonaka e Takeuchi (1997), propõe que pode se difícil para as empresas a implementação do aprendizado de circuito duplo. Para superar esta dificuldade é recomendada a realização de algum tipo de intervenção artificial, como o uso de programa de desenvolvimento organizacional. Mas, Nonaka e Takeuchi (1997), discorrem a respeito da limitação deste argumento, pois o modelo parte do pressuposto de que 73 alguém dentro ou fora da organização sabe o momento e o método certo para colocar em prática o circuito duplo. Já na visão da teoria da criação do conhecimento organizacional, a aprendizagem de circuito duplo não é algo difícil, mas sim, uma atividade cotidiana da empresa. Pois, a capacidade de aprendizagem de circuito duplo está embutida na organização que gera conhecimento. Para Fleury e Fleury (2000), o processo de aprendizagem pode ocorrer em vários níveis, entre eles os autores destacam: o individual que é o primeiro nível no qual a aprendizagem acontece; nível do grupo, já que a aprendizagem pode constituir-se em um processo social, e para compreendê-lo, torna-se necessário observar a forma como grupo aprende, a combinação de conhecimentos e crenças individuais, de forma a constituir esquemas coletivos integrados; e por último, o nível organizacional que é quando a organização institucionaliza por meio de artefatos organizacionais: regras, estrutura e procedimentos, o processo de “aprendizagem individual de compreensão e interpretação partilhados pelo grupo”. Senge (2005) coloca que os indivíduos aprendem o tempo todo, mas que esta aprendizagem individual não necessariamente se transformará em aprendizagem organizacional. Entretanto, quando as equipes aprendem se tornam como um microcosmo para a aprendizagem em toda a empresa, de forma que, as habilidades desenvolvidas podem um padrão para a aprendizagem conjunta em toda organização. De acordo com o mesmo autor, a capacidade de adaptação às mudanças ocorridas no ambiente é uma das definições mais comuns para a organização que aprende. Porém, este é somente o primeiro passo no processo de aprendizagem. Gold apud Espinosa e Correia (2004), afirma que somente as organizações que têm em sua cultura o elemento da aprendizagem conseguirão gerar vantagem competitiva a partir dos conhecimentos e distinguir-se de seus concorrentes. O autor afirma ainda que todas as organizações aprendem, todavia, o que as diferencia é a natureza do aprendizado, seu impacto sobre a cultura organizacional e o seu comportamento. 74 Cultura é o conjunto de crenças e valores compartilhados e interiorizados por um grande grupo de pessoas. Bertero (1996), aponta que na fase inicial da empresa, o fundador forma a cultura organizacional, ou seja, a sua visão de mundo, os seus valores e a sua visão do negócio moldam a organização e vão lentamente se impondo como valores e crenças organizacionais que influenciam na seleção de funcionários, fazendo que sejam escolhidas para trabalhar na empresa pessoas que compartilham dos mesmos valores ou pelo menos que sejam adaptáveis ao que o fundador entende como uma postura organizacional adequada. Conforme Easterby-Smith e Araújo (2001), a aprendizagem organizacional vista como um processo social, considera a forma que as pessoas atribuem significado às experiências no trabalho, e que, pode decorrer de fontes explícitas como em um processo conjunto de interpretação de dados, ou tácitas como a observação de profissionais competentes. Os mesmos autores afirmam que uma contribuição significativa desta perspectiva social é o entendimento da aprendizagem como um artefato cultural, já que, a aprendizagem é o resultado da interação entre as pessoas e manifesta-se no comportamento das mesmas durante a realização do trabalho em equipe, sendo este padrão de comportamento aprendido pelos novos membros da organização de forma natural e pelo processo de socialização. Bittencourt apud Espinosa e Correa (2004), discorre sobre a formação do ciclo virtuoso formado entre a aprendizagem e o desenvolvimento das competências, uma vez que a aprendizagem contribui para o desenvolvimento das competências ao mesmo tempo em que há a necessidade de investir em competências para que a aprendizagem seja realizável 4 Competências individual e organizacional De acordo com Fleury e Fleury (2000), a palavra competência é utilizada no senso comum para definir uma pessoa qualificada, capaz de realizar determinada tarefa. Entre os profissionais de Gestão de Pessoas, a definição utilizada é a de um conjunto de conhecimentos, habilidades e atitudes que influencia em grande parte 75 no trabalho das pessoas, relacionando-se com o seu desempenho, é passível de mensuração e de desenvolvimento por meio de treinamento. Conforme Lê Boterf apud Fleury e Fleury (2000), a competência de um indivíduo não se limita a um saber-fazer específico, mas é o resultado da interação de três aspectos: a biografia da pessoa, a sua formação educacional e das experiências profissionais. A competência é o saber agir responsável que é reconhecido pelas outras pessoas e implica em saber mobilizar, integrar e transferir conhecimentos, recursos e habilidades em um dado contexto profissional. Para Zarifian (2001), embora a competência venha a se manifestar em relação a um indivíduo e seja expressa no seu comportamento, na sua atitude diante de situações profissionais, ainda assim, ela é o resultado de uma série de interações de saberes e de várias conexões entre diferentes atividades. Assim, cada indivíduo constrói a sua competência em contato com várias fontes de conhecimento, especialidades e experiências. O mesmo autor ressalta que em uma equipe de trabalho, a competência coletiva é maior do que a soma das competências individuais Isso ocorre devido à sinergia ocasionada pela interação das competências individuais, quando da realização de trabalho em grupo. Segundo Hamel e Prahalad (1998), competência essencial é o aprendizado coletivo da organização, é comunicação, é o comprometimento em trabalhar através das fronteiras organizacionais, envolvendo pessoas de todos os níveis hierárquicos da organização. Conforme os autores já mencionados, as competências essenciais não são como os outros ativos da organização que se deterioram com o uso, pelo contrário, elas se desenvolvem na medida em que são aplicadas e compartilhadas. Segundo Ruas (2001), a expressão competência tem sido bastante utilizada no mundo dos negócios e no ambiente acadêmico, sendo atribuída a esta, vários conceitos e dimensões, mas na opinião do autor, a dimensão mais abrangente é a noção de competências essenciais, desenvolvida por Hamel e Prahalad, que expressa uma dimensão organizacional do conceito, as outras dimensões existentes são as funcionais e as individuais. 76 As competências funcionais são as competências necessárias para o desenvolvimento das áreas vitais da empresa, como a necessária para vender seus produtos ou serviços, neste caso a competência é desenvolvida e apropriada nos grupos de trabalho. Por último, a dimensão das competências individuais; dentre elas, Ruas (2001), dá ênfase às competências gerenciais, fundamentais nos processos de mudanças devido ao papel da liderança e também pela sua função de mobilizar as outras dimensões de competência. Zarifian (2001, p.68), propõe a seguinte definição: A competência é o “tomar iniciativa” e “o assumir responsabilidade”, do indivíduo diante de situações profissionais com as quais se depara. De acordo com Zarifian (2001), a lógica das competências permite substituir o conceito de posto de trabalho, de uma atividade engessada para uma atividade dinâmica a ser estabelecida pelos indivíduos. À medida que o trabalho é passível de ser aperfeiçoado de acordo com os conhecimentos do próprio trabalhador, possibilitando assim, a tomada de iniciativa e de responsabilidade diante de situações variadas, permite também a simplificação das estruturas organizacionais, uma vez que o foco passa a ser: o modo de combinar as competências individuais; a sistematização dos processos de aprendizagem e o sentido ao trabalho dado pelo trabalhador que passa a ser a referência da ação coletiva. O mesmo autor salienta que na competência de serviços e no contato direto entre o funcionário da empresa e o consumidor final, existe uma tomada de iniciativa e de responsabilidade que é sentida pelo cliente e reflete no que este espera do representante da empresa. Este assumir responsabilidade não é somente uma postura do funcionário da empresa, mas é na verdade, o reflexo de um conjunto de regras organizacionais que norteiam o comportamento do colaborador diante das situações de trabalho. De acordo com Zarifian (2001), o conhecimento a respeito do uso dos produtos e serviços comercializados, assim como o das expectativas dos clientes é de relevância para a organização, como também o saber técnico e deveria ser 77 disseminado, quando da sua existência, por todos os níveis hierárquicos da organização. Dessa forma, nenhum tipo de conhecimento deve ser desprezado. 4.1 Identificando Competências Essenciais Fleury e Fleury (2000), afirmam que uma competência essencial pode estar associada ao domínio de qualquer estágio do ciclo de negócios, desde que esteja associada a um processo de aprendizagem que envolva o descobrimento, inovação e capacitação de pessoas. Hamel e Prahalad (1998), afirmam que existem três testes que podem ser realizados para identificar as competências essenciais em uma organização. O primeiro teste aponta que uma competência deve fornecer o acesso a diferentes mercados; o segundo que a competência deve contribuir para o desenvolvimento dos benefícios que os clientes percebem como valor no produto final e o último teste aponta que uma competência deve ser de difícil imitação. King et al (2002), sugerem quatro aspectos para auxiliar na tarefa de avaliar o valor de uma competência como fonte de vantagem competitiva sustentável, como também identificar os pontos de vulnerabilidade das competências, são eles: caráter tácito, robustez, fixação e consenso. De acordo com os autores, o caráter tácito se refere ao quanto a competência se baseia em conhecimentos intuitivos, que não podem ser totalmente expressos, ou seja, conhecimento tácito. As competências tácitas são importantes para a vantagem competitiva, pois são difíceis de serem imitadas, uma vez que são específicas com relação ao contexto de trabalho, ao contrário das competências que têm como base o conhecimento explícito que são mais facilmente copiadas. A robustez trata da vulnerabilidade da competência às mudanças ambientais. Quanto menos vulnerável for a competência, maior a probabilidade de manutenção do seu valor frente às mudanças no ambiente externo à organização. 78 O terceiro aspecto comentado pelos autores, a fixação refere-se à mobilidade da competência, ou seja, a possibilidade dela ser transferida para outra organização. É a localização desta competência que irá definir a sua fixação ou não. A competência que está vinculada ao conhecimento e às habilidades dos funcionários são consideradas móveis devido à mobilidade do indivíduo que a detém. Este tipo de competência é fácil de ser imitada e pode desaparecer com a saída do funcionário da organização. Já a competência que está vinculada à missão, cultura e valores da empresa é extremamente fixa e difícil de ser imitada. Por fim, o último aspecto a que se referem os autores é o consenso que diz respeito ao quanto os gerentes têm a mesma opinião com relação à vantagem competitiva da organização e se eles concordam com as qualificações necessárias. 4.2 Aplicação de estratégias baseadas em competência Conforme Terra (2005, p.266), “A gestão do conhecimento implica, necessariamente, no desenvolvimento de competências inter-relacionadas nos planos estratégicos, organizacionais e individuais”. Para o autor, o sucesso competitivo está relacionado a uma sólida estratégia corporativa que coloque como ponto central, a aquisição, desenvolvimento e manutenção de competências individuais e coletivas. Segundo Hamel e Prahalad apud Cooper e Argyris (2003), o termo competências essenciais estratégicas foi criado para se referir ao conjunto de competências. São necessárias para que as empresas no futuro venham a conquistar ou criar novos mercados de atuação. Os autores fazem uma analogia na qual comparam as competências essenciais de uma organização com as raízes de uma árvore, pois são responsáveis por sustentar e fornecer nutrientes para o desenvolvimento futuro da empresa, através de produtos e serviços essenciais, que são representados pelo tronco da árvore. De acordo com estes autores, depois de identificadas, estas competências precisam ser nutridas por meio de investimentos estratégicos em pessoal, processos e infraestrutura, para alavancar os benefícios provenientes delas por meio de seu “intento estratégico”. 79 O “Intento estratégico” mobiliza a organização para que ela acione as suas competências estratégicas, ou as que ela precisa possuir para atingir os seus objetivos estratégicos, o que significa, assumir uma postura estratégica diferente (HAMEL e PRAHALAD apud COOPER e ARGYRIS, 2003). 5 Mudanças na organização do trabalho Segundo Terra (2005), a organização do trabalho de acordo com os paradigmas industrial, burocrático e taylorista não oferecem condições para o desenvolvimento da Gestão de conhecimento, uma vez que não permite o enriquecimento das atividades e o compartilhamento de informações entre os trabalhadores, ficando limitado à execução de tarefas pré-determinadas. De acordo com Morgan (1996), o enriquecimento do trabalho, a autonomia, a responsabilidade e o reconhecimento combinado com um estilo de liderança mais participativo surgem como alternativa à orientação desumana e autoritária proposta pela administração científica e pela teoria clássica da administração. 5.1 Organização celular Conforme Zarifian (2001), a organização celular tem sua origem na década de 50, é uma forma de organização em pequenas equipes que têm autonomia para autoorganizar o trabalho, sendo responsável pelo seu desempenho diante da organização com relação à quantidade, qualidade, prazo e custo de produção. O aspecto mais importante da organização em equipes semi-autonômas está no modo de controle do trabalho que passa a ser por objetivos / resultados, ou seja, a equipe é responsável pelos objetivos que lhe são estabelecidos e é avaliada conforme o nível de alcance destes objetivos (ZARIFIAN, 2001). De acordo com o mesmo autor, esta forma de organização do trabalho pode estimular a competência individual com base na competência coletiva, ou seja, o 80 estímulo ao compartilhamento do conhecimento permite a sinergia entre os conhecimentos individuais de modo que o resultado do trabalho em grupo seja mais rico do que a soma do desempenho individual. Entretanto, Zarifian (2001) coloca que a organização celular também contém limitações. Entre elas cabe ressaltar: o risco de vir a tornar-se uma reprodução do modelo Taylorista, acabando com o compartilhamento de conhecimentos, onde cada célula se preocupa apenas com o seu desempenho individual, sem ser solidária com as outras equipes da organização. Outra limitação se refere ao fato da empresa não conseguir produzir uma visão do todo da organização, podendo ocorrer disfunções e perdas de eficácia na interação entre as equipes. 5.2 Organização em rede Segundo Zarifian (2001), a organização em rede foi desenvolvida para resolver questões que não eram contempladas com a organização celular. O princípio de organização é o mesmo: equipes articuladas em uma rede de trabalho, voltadas para uma determinada categoria de clientes e é enfatizada a responsabilidade de cada equipe em face ao resultado conjunto. A diferença entre as duas está no objetivo, que neste caso é estimular as interações entre as equipes e possibilitar ganhos em termos de desempenho através de uma estrutura que permita a comunicação entre as equipes e interocupações. O controle desloca-se da célula (equipe) para a rede (ZARIFIAN, 2001). 5.3 Organização por projeto Esta forma de organização do trabalho tem origem nos centros de pesquisa e desenvolvimento, nos escritórios de estudantes e de métodos, para estimular e acelerar os processos de inovação. Trata-se de reunir em torno de um projeto de inovação uma equipe multiocupacional, com objetivos definidos e por um período de tempo determinado, do início ao fim do projeto. Buscam-se diferentes competências e habilidades para desenvolver determinado projeto (ZARIFIAN, 2001) 81 Segundo Zarifian (2001), a organização do trabalho por projeto tem como vantagem a possibilidade de fazer convergir competências e investimentos subjetivos dos membros do projeto. As pessoas se apropriam dele e, como sabem o que fazem e porque fazem, aplicam muita energia e entusiasmo, mantendo grande domínio sobre a organização interna do projeto. Esta forma de organização do trabalho também estimula a comunicação interocupações, uma vez que todas as áreas da empresa estão representadas no projeto. Buscando fazer da organização por projeto um modelo que se espalhe pela empresa como um todo, de forma não restrita aos idealizadores do projeto, mas que uma ampla parcela dos colaboradores participe do processo de inovação, Zarifian (2001) menciona que inicia-se com força a idéia de reunir estas três formas de organização do trabalho, utilizando as qualidades de cada e minimizando as suas limitações, a fim de formar uma organização celular, em rede, animada por projeto. Estes três modelos podem ser aplicados, por exemplo, na perspectiva de produção do serviço. Este conceito reúne práticas que têm por objetivo a satisfação das necessidades dos clientes. Todos os integrantes da empresa contribuem para a geração de um serviço útil para o seu destinatário e o serviço dá sentido à unidade, à convergência coletiva das ações do trabalho (ZARIFIAN, 2001). Conforme o mesmo autor, existem dois elementos que estão presentes nas mudanças que ocorreram na organização do trabalho: o deslocamento da prescrição e o assumir competência por um coletivo. Zarifian (2001), afirma que a prescrição não desaparece, mas desloca-se, ou seja, ela é formalizada nos objetivos e nos resultados a serem alcançados através da atividade profissional, ao invés de prescrever o trabalho a ser realizado. Assim, o espaço é aberto à iniciativa dos trabalhadores que poderão decidir como atingir os objetivos propostos e a competência aparece como o tomar iniciativa. O outro elemento comentado pelo autor trata da competência que é assumida pelo coletivo, embora, dependa de cada indivíduo. O sucesso da ação coletiva nos 82 modelos de organização do trabalho (celular, em rede, por projeto), depende da competência de cada integrante da equipe, no sentido do valor das iniciativas tomadas por cada um diante das situações de trabalho. Isto significa que a subjetividade de cada um está envolvida, não permitindo que a questão do indivíduo seja reduzida a ação do grupo a que ele pertence. 6. Metodologia 6.1 Situação problemática Tendo em vista as mudanças ocorridas no mundo do trabalho, a lógica Taylorista/ Fordista passa a não responder com a eficácia original às condições ambientais extremamente competitivas da atualidade, por isso, com o passar dos anos novas abordagens que possibilitam a valorização do capital humanoi foram ascendendo. Os novos modelos de Gestão, desenvolvidos principalmente por empresas orientais, trabalham com a primasia de que o homem é parte integrante da empresa, que pode colaborar efetivamente para o desenvolvimento da mesma e para a geração de vantagens competitivas. De acordo com os novos paradigmas e com a realidade encontrada na empresa, percebe-se a necessidade de identificar as competências essenciais que se pressupõem existir na organização, pois a partir desta etapa de identificação será possível formular estratégias a fim de desenvolvê-las, utilizando como ferramenta a Gestão da Competência. Segundo Zarifian (2001), um dos efeitos mais importantes da lógica das competências, é a possibilidade do indivíduo manifestar-se, reagir às diferentes demandas dos clientes com autonomia de ação, o que permite a melhoria dos serviços prestados, pois isto pode levar a organização a desenvolver uma vantagem competitiva. 6.2 Coleta e análise dos dados Para a realização desta pesquisa foram realizadas oito entrevistas semiestruturadas. As entrevistas presenciais foram gravadas após a permissão do 83 entrevistado e foram posteriormente transcritas. Já nas entrevistas realizadas pelo telefone, as informações foram anotadas pela autora da pesquisa. O método utilizado para a análise dos dados foi o da análise de conteúdo que segundo Weber apud Roesch (2005, p.170), “usa uma série de procedimentos para levantar inferências válidas a partir de um texto”, buscando classificar em categorias de conteúdo as palavras, frases e parágrafos. O processo de análise de conteúdo utilizado nesta pesquisa foi o desenvolvido por Moraes (1999), que apresenta a seguinte seqüência de passos: preparação, unitarização, categorização, descrição e interpretação. A partir das categorias encontradas através da análise de conteúdo, as categorias iniciais e intermediárias foram sintetizadas em duas categorias finais: a organização do trabalho e a aprendizagem. 7 As categorias finais 7.1 Organização do trabalho Quadro 1 – Processo de Derivação da Categoria Final: Organização do trabalho CATEGORIAS INICIAIS CATEGORIAS INTERMEDIÁRIAS CATEGORIAS FINAIS I. Organização do trabalho 1. O trabalho e sua organização Síntese Em uma situação de caos cabe ao funcionário com base A. Organização do trabalho na divisão das tarefas que é de conhecimento de todos, 2. Valores cultivados organiza-se para realizar as atividades necessárias. A forma como ele organiza o seu trabalho é reflexo dos valores cultivados na empresa. Fonte: Quadro elaborado pela autora, a partir dos dados das pesquisas. Esta categoria final refere-se ao modo pelo qual o trabalho é organizado na empresa, a forma como as atividades são divididas e como as pessoas respondem a situações de muito movimento. Dependendo do horário e do dia da semana, a organização do trabalho se dá de forma diferente. No caso do restaurante, por exemplo, durante o turno da manhã cada funcionário sabe as atividades que precisa 84 desenvolver e organiza o seu trabalho da forma que preferir. Os chefes de setor controlam os demais funcionários, para saber se o trabalho está sendo feito de forma que os alimentos estejam prontos no horário de atendimento aos clientes, além de fazer as atividades que lhes são destinadas. No horário de atendimento aos clientes, mesmo que cada colaborador tenha a sua atividade pré-determinada, quando se faz necessário (aumento do movimento, por exemplo), o chefe do setor tem liberdade para reorganizar o trabalho, de forma a atender com mais eficiência à demanda. Depois do horário de atendimento aos clientes, todos cooperam para fazer a limpeza e organizar o que deve ficar adiantado para o dia seguinte. A forma de organização do trabalho, encontrada na empresa, pode ser comparada com a organização celular que, de acordo com Zarifian (2001), é uma forma de organização em pequenas equipes que têm autonomia para auto-organizar o trabalho, sendo responsável pelo seu desempenho diante da organização. O aspecto mais importante da organização em equipes semi-autonômas, está na forma de controle do trabalho, que passa a ser por objetivos / resultados, ou seja, a equipe é responsável pelos objetivos que lhes são estabelecidos e é avaliada conforme o nível de alcance destes objetivos. (ZARIFIAN, 2001). A competência individual é muito importante para um melhor desempenho do grupo. No que se refere à qualidade do serviço realizado, e permite o compartilhamento de informações entre os integrantes do grupo. Para Zarifian (2001), esta forma de organização do trabalho pode estimular a competência individual com base na competência coletiva, ou seja, o estímulo ao compartilhamento do conhecimento permite a sinergia entre os conhecimentos individuais de modo que o resultado do trabalho em grupo seja mais rico do que a soma do desempenho individual. Uma das limitações da organização celular comentada pelo autor é o risco de vir a tornar-se uma reprodução do modelo Taylorista, acabando com o compartilhamento de conhecimentos, onde cada célula se preocupa apenas com o seu desempenho individual, sem ser solidária com as outras equipes da organização. Outra limitação refere-se ao fato da empresa não conseguir produzir uma visão do todo da 85 organização, podendo ocorrer disfunções e perdas de eficácia na interação entre as equipes. Na empresa em questão, corre-se o risco de perder a visão do todo quando da existência de problemas de relacionamento entre as equipes do restaurante e da pizzaria, já que existe a necessidade de comunicação entre elas, no que tange, por exemplo, a utilização de ingredientes e materiais, visto que existe um único estoque. Esta comunicação é prejudicada na ocorrência de problemas de relacionamento entre os integrantes da empresa. De acordo com Zarifian (2001), como a prescrição se desloca para os objetivos / resultados, o espaço é aberto à iniciativa dos trabalhadores que podem decidir como atingir os objetivos propostos. A competência aparece como o tomar iniciativa. Na empresa, as pessoas que não têm experiência de trabalhos anteriores são ensinadas a como desenvolver as atividades, mas não é prescrito como nas indústrias de produção em massa, cada movimento que o funcionário deve fazer e os funcionários não têm espaço para organizar o seu trabalho da forma que melhor lhe convir. Assim, conforme o mesmo autor, a subjetividade de cada um está envolvida, e, o sucesso da ação coletiva nos modelos de organização de trabalho (celular, em rede e por projeto), depende da competência de cada integrante da equipe, no sentido do valor das iniciativas tomadas por cada um diante das situações de trabalho. O mesmo autor afirma que a lógica das competências permite substituir o conceito de posto de trabalho, de uma atividade engessada para uma atividade dinâmica a ser estabelecida pelos indivíduos, à medida que o trabalho é passível de ser aperfeiçoado de acordo com os conhecimentos do próprio trabalhador, possibilitando a tomada de iniciativa e de responsabilidade, diante de situações variadas, como também a simplificação das estruturas organizacionais. 7.2 Aprendizagem Quadro 2 – Processo de Derivação da Categoria Final: Aprendizagem CATEGORIAS INICIAIS CATEGORIAS CATEGORIAS FINAIS 86 INTERMEDIÁRIAS 3. Avaliação das competências individuais 4. Competências e habilidades desejadas 5. Competências organizacionais II. Aprendizagem Síntese: As pessoas que trabalham na equipe compartilham conhecimento, fazem sugestões, testes, para melhorar a forma de trabalho como um todo de modo que as pessoas 6. Processo de aprendizagem aumentam sua gama de C. Processo de conhecimentos e a organização também, já que seus processos e aprendizagem produtos são aprimorados. Fonte: Quadro elaborado pela autora, a partir dos dados das pesquisas. Esta categoria final B. Competências originou-se da junção das categorias intermediárias Competências e Processo de Aprendizagem, devido ao ciclo virtuoso formado entre a aprendizagem e o desenvolvimento de competências, comentado por Bittencourt apud Espinosa e Correa (2004). Uma vez que a aprendizagem contribui para o desenvolvimento das competências ao mesmo tempo em que há necessidade de investir em competências para que a aprendizagem seja realizável. Esta categoria refere-se a como ocorre o processo de aprendizagem na organização em estudo, sendo que este processo dá origem a novas competências organizacionais ao mesmo tempo em que a ocorrência deste processo acontece pela existência do conjunto de competências individuais. Para Zarifian (2001), em uma equipe de trabalho, a competência coletiva é maior do que a soma das competências individuais, isso ocorre devido à sinergia ocasionada pela interação das competências individuais quando da realização do trabalho em grupo. Na empresa em questão, a sua capacidade de inovação, de estar constantemente revendo a sua forma de fazer os pratos, de organizar os processos, pode ser considerada uma fonte de vantagem competitiva, uma competência organizacional, assim como o compartilhamento de informações existentes, pois permite o aprimoramento profissional das pessoas envolvidas no trabalho. Segundo King et al (2002), a competência que está vinculada à missão, valores e cultura organizacional é extremamente fixa e difícil de ser imitada. Entende-se que a capacidade de aperfeiçoamento da empresa se enquadra nesta situação. 87 De acordo com Nonaka e Takeuchi (1997), quando as empresas inovam, criam novos conhecimentos e informações, em uma perspectiva de dentro para fora, com o objetivo de redefinir tanto os problemas quanto às soluções. A partir das entrevistas, foi possível a identificação de dois dos quatro modos de conversão do conhecimento propostos por Nonaka e Takeuchi (1997): a socialização e a combinação. A socialização, de acordo com estes autores é a forma pela qual os aprendizes aprendem os conhecimentos transmitidos por seus mestres. Porém, esta aprendizagem não ocorre através da transmissão verbal do conhecimento, mas sim, pela observação, imitação e prática. Assim, o segredo para a apreensão do conhecimento tácito está na experiência. Na empresa é desta forma que os novos funcionários aprendem o modo de funcionamento da organização. Já a combinação, segundo os mesmos autores, envolve a combinação de diferentes conhecimentos explícitos. Os indivíduos compartilham conhecimentos através de documentos, reuniões, conversas pelo telefone ou redes de comunicação computadorizadas. No caso da empresa em questão, a combinação de conhecimentos ocorre através do diálogo, no dia a dia de trabalho. De acordo com os entrevistados, todos os funcionários têm conhecimento de todos os processos da empresa. Somente um entrevistado afirmou que apenas ele sabe fazer a massa da pizza. O proprietário conhece esta receita de fazer a massa, mas mesmo assim não consegue chegar a um resultado idêntico ao alcançado pelo pizzaiolo, pois de acordo com o mesmo, os demais integrantes da empresa não têm a paciência necessária para seguir todos os passos da receita. Isto é um problema para a empresa, pois a partir do momento que este funcionário se desligar da organização, esta vantagem competitiva que é a massa das pizzas vai embora junto com ele. Entre os aspectos comentados por King et al (2002), para avaliar o valor das competências como fonte de vantagem competitiva para a organização está a fixação que se refere à possibilidade dela ser transferida para outra empresa. A 88 competência que está vinculada ao conhecimento e às habilidades dos funcionários é considerada móvel, devido à mobilidade do indivíduo que a detém. Este tipo de competência é fácil de ser imitada e pode desaparecer com a saída do funcionário. Assim como existem pratos e processos que foram aperfeiçoados ao longo dos anos, também há na empresa receitas que continuam iguais desde a época da criação da organização. Estas receitas foram formuladas a partir da experiência que o proprietário da empresa adquiriu ao longo dos anos, trabalhando em restaurantes e pizzarias como funcionário. Um exemplo é o filé de traíra frito, sem espinhas, que todos os funcionários conhecem a forma de fazer e mesmo depois de quase vinte anos, continua gerando vantagem competitiva para a organização. É possível considerá-lo uma vantagem competitiva para a organização, já que de acordo com o proprietário da empresa grande parte dos clientes comenta que não encontra um filé de peixe como o feito na empresa em outros restaurantes. Com relação ao atendimento ao consumidor, são transmitidas aos funcionários que irão trabalhar neste setor, todas as informações a respeito do funcionamento da empresa, de como ele deve proceder no atendimento, corrigindo-o quando necessário, para que seja possível atender às necessidades do cliente e fidelizá-lo, já que o trabalhador que trata diretamente com o cliente é o reflexo da organização. Por isso, como relatou o proprietário, há uma preocupação com relação à aparência desta pessoa e com relação à postura que ela adota diante do consumidor. De acordo com Zarifian (2001), na competência de serviços no que diz respeito ao contato direto entre o funcionário da empresa e o consumidor, existe uma tomada de iniciativa e de responsabilidade que é sentida pelo cliente e reflete no que este espera do representante da empresa. Este assumir responsabilidade não é somente uma postura do funcionário da empresa, mas um reflexo das regras organizacionais que norteiam o comportamento do colaborador diante das situações de trabalho. Esta categoria também engloba as características que os funcionários precisam apresentar para vir a trabalhar na empresa que são: capacidade de tomar iniciativa; disposição para aprender com os colegas de trabalho; habilidade de se relacionar com os demais integrantes da equipe; a agilidade com que as atividades são 89 desenvolvidas também é avaliada. Todos estes itens são observados nos dois primeiros dias em que o funcionário trabalha na empresa, ou seja, na prática. Zarifian (2001), sugere que a competência somente pode ser avaliada em situações profissionais, quando da sua utilização, uma vez que a forma que a pessoa se comporta em diferentes situações profissionais é a essência do conceito de competência. De acordo com Lê Boterf apud Fleury e Fleury (2000), a competência é o saber agir responsável que é reconhecido por outras pessoas, implicando em saber mobilizar, integrar e transferir conhecimentos, recursos e habilidades em um dado contexto profissional. Considerações finais No decorrer desta pesquisa, procurou-se mostrar que diante das mudanças ocorridas na forma de organizar o trabalho e na importância dada a determinados recursos, como o capital humano, por exemplo, surge uma nova forma de pensar a respeito da organização, numa perspectiva de dentro para fora, mas sem desprezar o ambiente no qual ela está inserida, enfatizadas a partir das teorias de aprendizagem organizacional e criação do conhecimento organizacional, que são a base da gestão por competências. O objetivo desta pesquisa era identificar as competências essenciais do Restaurante e Pizzaria Sabor. Para isso, o conteúdo das entrevistas foi analisado de acordo com o método de análise de conteúdo. No processo de categorização, foram identificadas seis categorias iniciais, três categorias intermediárias e duas finais: organização do trabalho e aprendizagem, devido ao entendimento que através da análise destas categorias, seja possível identificar as competências essenciais da organização. A categoria organização do trabalho se refere a como o trabalho é organizado na empresa, a como os funcionários se comportam em uma situação de muito movimento. Na organização em estudo, o trabalho é organizado de forma diferente 90 dependendo do turno, pois ao longo do dia mudam as atividades que precisam ser desenvolvidas. Assim, a forma de organização do trabalho encontrada na empresa pode ser comparada com a forma de organização celular, que de acordo com Zarifian (2001), é uma forma de organização em pequenas equipes que têm autonomia para autoorganizar o trabalho, sendo responsável pelo seu desempenho diante da organização. Nesta forma de organização, a prescrição se desloca para os objetivos/ resultados, o espaço é aberto à iniciativa dos trabalhadores que podem decidir como atingir os objetivos propostos. A competência aparece como o tomar iniciativa, que foi citado pelos entrevistados como uma característica que a pessoa precisa possuir para trabalhar na empresa. As pessoas que não têm experiência de trabalhos anteriores são ensinadas a como desenvolver as atividades, mas não é prescrito como nas indústrias de produção em massa, cada movimento que o funcionário deve fazer. Na empresa em estudo, os funcionários têm espaço para organizar o seu trabalho da forma que melhor lhe convir. Assim, segundo Zarifian (2001), a subjetividade de cada um está envolvida, e, o sucesso da ação coletiva de acordo com os modelos de organização de trabalho (celular, em rede e por projeto), depende da competência de cada integrante da equipe, no sentido do valor das iniciativas tomadas por cada um diante das situações de trabalho. A última categoria final identificada é a aprendizagem, que se refere a como ocorre o processo de aprendizagem na empresa e a forma pela qual os indivíduos compartilham os seus conhecimentos. Todavia, este processo somente ocorre quando da existência de competências individuais e organizacionais que possibilitem o aprendizado, Bittencourt apud Espinosa e Correa (2004), comenta a existência de um ciclo virtuoso formado entre a aprendizagem e o desenvolvimento de competências, uma vez que a aprendizagem contribui para o desenvolvimento das competências ao mesmo tempo em que há necessidade de investir em competências para que a aprendizagem seja realizável. 91 Esta categoria também engloba as características que os funcionários precisam apresentar para trabalhar na empresa, que são observados nos dois primeiros dias que a pessoa trabalha na empresa. Zarifian (2001), sugere que a competência somente pode ser avaliada em situações profissionais quando da sua utilização, uma vez que, a forma que a pessoa se comporta em diferentes situações profissionais é a essência do conceito de competência, que segundo o seu entendimento é o tomar iniciativa, o assumir responsabilidade do indivíduo diante das situações de trabalho com as quais se depara. Com relação ao conceito de aprendizagem, Argyris apud Fleury e Fleury (2000, p.30), a definiu como “(...) um processo de identificação e correção de erros”. Foi assim que a empresa foi revendo, ao longo dos anos, a sua forma de fazer os pratos, de realizar o atendimento ao cliente e buscou diferenciar-se dos concorrentes. Este aprendizado foi inicialmente baseado nas experiências vivenciadas pelo fundador da empresa quando trabalhava em restaurantes e pizzarias. Posteriormente, com o crescimento da empresa, foram sendo contratados funcionários, que fizeram sugestões e contribuíram no aprimoramento dos produtos. O contato constante com o cliente, para identificar as suas necessidades, também é fator relevante para o aprimoramento da organização, segundo o proprietário da empresa analisada. Na empresa em questão, a sua capacidade de inovação, de estar constantemente revendo a sua forma de fazer os pratos, de organizar os processos, pode ser considerada uma fonte de vantagem competitiva, uma competência organizacional, assim como o compartilhamento de informações existentes que permite o aprimoramento profissional das pessoas envolvidas no trabalho. Segundo King et al (2002), a competência que está vinculada à missão, valores e cultura organizacional é extremamente fixa e difícil de ser imitada. Entende-se que a capacidade de inovar da empresa se enquadra nesta situação. Assim, conforme o ilustrado na figura a baixo, a competência essencial desta organização está na sua capacidade de possibilitar o compartilhamento de conhecimentos entre as pessoas que a integram, dando origem a um novo conhecimento. Esta competência não é específica de um produto / serviço, ou a um 92 indivíduo da equipe. É um conhecimento organizacional, é algo que permite o desenvolvimento de novos produtos e o aprimoramento dos existentes. Conhecimento individual do proprietário Conhecimento individual dos funcionários Compartilhamento de conhecimento Novo conhecimento FIGURA 3: Processo de criação de novo conhecimento Fonte: Elaborado pela autora a partir de dados da pesquisa A competência identificada está de acordo com a proposta de Hamel e Prahalad (1998), que consideram a competência essencial o aprendizado coletivo da organização, é comunicação, é o comprometimento em trabalhar através das fronteiras organizacionais, envolvendo pessoas de todos os níveis hierárquicos. De acordo com os mesmos autores, as competências essenciais não são como os outros ativos que se deterioram com o uso. Eles fazem uma analogia na qual comparam as competências essenciais de uma organização com as raízes de uma árvore, pois são responsáveis por sustentar e fornecer nutrientes para o desenvolvimento futuro da empresa, através de produtos e serviços essenciais, que são representados pelo tronco da árvore. Hamel e Prahalad (1998), afirmam que existem três testes que podem ser realizados para identificar as competências essenciais de uma organização. Ela deve fornecer o acesso a diferentes mercados, contribuir para o desenvolvimento dos benefícios que os clientes percebem como valor no produto final e por último deve ser de difícil imitação. A existência da competência de gerar novos conhecimentos a partir do compartilhamento de informações permitiu que em 1999 a empresa entrasse no mercado das pizzas, esta competência contribui no aprimoramento dos produtos e 93 serviços, melhorando a qualidade destes e fazendo com que receitas de sucesso sejam transmitidas ao longo dos anos, como é o caso do filé de traíra. Por último, esta competência é de difícil imitação, pois se refere a um contexto que permite a troca de conhecimento entre funcionários e o proprietário da empresa. Sendo este contexto de difícil imitação, pois mesmo que um concorrente estivesse trabalhando com todos os funcionários da empresa, ainda assim não conseguiria reproduzir a cultura da organização, o propósito pelo qual ela existe. De acordo com King et al (2002), a competência que está vinculada à missão, cultura e valores da empresa é extremamente fixa e difícil de ser imitada. Entretanto foi identificado um problema que deve ser resolvido na empresa, que é o fato de somente o pizzaiolo saber ao certo o modo de fazer a massa das pizzas, pois a partir do momento que este funcionário se desligar da organização, esta vantagem competitiva que é a massa das pizzas vai embora junto com ele. Dessa forma, o saber fazer a massa das pizzas é uma competência individual do pizzaiolo que precisa ser transformada em uma competência organizacional. Para que isso ocorra sugere-se que além de conhecer a receita da massa, todos os passos do processo de fazê-la sejam seguidos, pois conforme o pizzaiolo, somente ele consegue chegar ao ponto certo da massa, porque os demais integrantes da empresa não têm paciência de seguir todos os passos necessários para chegar ao resultado desejado. Portanto, é necessário observar o profissional durante o trabalho e normatizar a forma de ser feita a massa, de tal modo que seja possível apreender estes conhecimentos e ensinar outras pessoas na empresa a realizar o trabalho, para esta, deixe de ser uma competência de um único indivíduo e passe a ser uma competência funcional, assim como o filé de traíra. Assim, após a realização da análise das entrevistas foi possível identificar as três dimensões organizacionais da competência, na empresa em estudo, seguindo o modelo proposto por Ruas (2001): Quadro 3 – Dimensões organizacionais da competência. Dimensões organizacionais da competência Competências da empresa em estudo Capacidade de possibilitar o Abrangência Está presente em todas as 94 Essenciais compartilhamento de conhecimentos entre as pessoas que integram a empresa. O saber fazer o filé de traíra, os recheios das pizzas e os demais pratos do cardápio. Capacidade de tomar iniciativa, de aprender com os colegas, saber fazer a massa das pizzas. Funcionais Individuais áreas da empresa. O grupo de determinada área sabe como fazer. Exercem importante influência no desenvolvimento das competências organizacionais apesar de seu caráter individual. Fonte: Adaptado a partir de Ruas (2001). Por conseguinte, sugere-se que as competências essenciais, funcionais e individuais identificadas nesta organização, sejam tratadas de forma estratégica, desenvolvendo-as para que os conhecimentos que estão na dimensão individual, sejam explicitados e se tornem do conhecimento de todos na empresa, para que possam ser aprimorados e desenvolvidos de forma a gerar novas competências, formando um ciclo contínuo, contribuindo para a geração de vantagem competitiva organizacional. Referências BERTERO, Carlos Osmar. Cultura organizacional e incrementalismo do poder. In: FLEURY, Maria Tereza Leme; FISCHER, Rosa Maria. Cultura e poder nas organizações. 2. ed. São Paulo: Atlas, 1999. p.29-44. CRAWFORD, Richard. Na era do capital humano. São Paulo: 1994. EASTERBY-SMITH, M.; ARAÚJO, L. Aprendizagem organizacional: oportunidades e debates atuais. In: EASTERBY-SMITH, M.; BURGOYNE, I; ARAÚJO, L. Aprendizagem organizacional e organização de aprendizagem. São Paulo: Atlas, 2001. ESPINOSA, Francine S; CORREA, Daniel Kroeff de Araújo. Orientação para o mercado e a aprendizagem organizacional: a contribuição de abordagens fundamentais para o entendimento das causas de performace empresarial superior. Thing, Porto Alegre, v.2,n.1,p.64-72, jan/jun 2004. FLEURY, Afonso; FLEURY, Maria Tereza Leme. Estratégias empresariais e formação de competências. São Paulo: Atlas, 2000. 95 FREIRE, Patrícia. O papel da comunicação organizacional interna e das mercadorias e das novas tecnologias para a aprendizagem organizacional. Disponível em: <http://www.facom.ebba.br/gente/comunica%e7%e30%20c%20aprendizagem%20or ganizacional.doc.> Acesso em 14 jun. de 2006. HAMEL, Gary; PRAHALAD, C.H. A competência essencial da corporação. In: MONTGOMERY, Cyntia A; PORTER, Michael E. Estratégia: a busca da vantagem competitiva. Rio de Janeiro: Campus, 1998. p.293-316. KING, Adelaide Wilcox; FLOWER, Sally W; ZEITHAML, Carl P. Competências organizacionais e vantagem competitiva. O desafio da gerência intermediária. RAE – Revista da Administração de Empresas. V.42; n.1; p.36-47; jan/mar 2002. MORAES, Roque. Análise de conteúdo. Educação. Porto Alegre, ano XXII, nº 37, , p.7-32, março.1999. NONAKA, I.; TAKEUCHI, H. Criação do conhecimento organizacional: como as empresas japonesas geram a dinâmica da inovação. Rio de Janeiro: Campus, 1997. ROESCH, Silvia Maria Azevedo. Projetos de estágio e de pesquisa em Administração. 3.ed.São Paulo: Atlas,2005. RUAS, Roberto. Desenvolvimento de competências gerenciais e contribuição da aprendizagem organizacional. In: FLEURY, Maria Tereza Leme; OLIVEIRA, Moacir de Miranda Jr. Gestão estratégica do conhecimento: integrando aprendizagem, conhecimento e competências. São Paulo: Atlas,2001. SENGE, Peter. A quinta disciplina: arte e prática da organização que aprende. Rio de Janeiro: Best Seller, 2005. TERRA, José Cláudio Cyrineu. Gestão do conhecimento: o grande desafio empresarial. Rio de Janeiro: Elsevier, 2005. ZARIFIAN; Philipe. Objetivo competência: por uma nova lógica. São Paulo: Atlas, 2001. i De acordo com Crawford (1994), significa “pessoas estudadas e especializadas”, para o autor, este é o fator principal para a transformação global. Este conceito foi utilizado pela primeira vez na literatura econômica em 1961 no artigo “Investindo em capital humano”, publicado na American Economic Reniew, escrito por Theodore W. Schultz, vencedor de um premio Nobel.