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L’OSSERVATORE ROMANO
EDIÇÃO SEMANAL
Unicuique suum
EM PORTUGUÊS
Non praevalebunt
Cidade do Vaticano
Ano XLVI, número 32-33 (2.375)
Quinta-feira 6-13 de Agosto de 2015
Durante a audiência geral o Papa recomendou acolhimento e cura para as famílias feridas
Não às portas fechadas
Quantos estabeleceram uma nova união depois do fracasso do matrimónio não são excomungados
«Não às portas fechadas!» repetiu o Papa
Francisco durante a audiência geral de quarta-feira 5 de Agosto,
exortando os cristãos a
garantir acolhimento e
cura pastoral a quantos
empreenderam uma nova união após o fracasso do matrimónio sacramental.
Concluída a pausa
do mês de Julho, o
Pontífice retomou na
Sala Paulo VI os encontros semanais com os
fiéis. E dando continuidade ao ciclo de catequeses dedicadas à família, reflectiu sobre a
situação dos «baptizados que estabeleceram
uma nova convivência» depois «do fracasso irreversível do seu vínculo matrimonial».
A Igreja «bem sabe que tal situação está em
contraste com o sacramento cristão», garantiu a
propósito Francisco; sem esquecer, contudo, que
existe uma «diferença entre quem sofreu a separação em relação a quem a provocou» e que, de
qualquer forma, «estas pessoas não estão excomungadas de maneira alguma e não devem ser
absolutamente tratadas como tais: elas fazem sem-
pre parte da Igreja».
Em particular, o Papa
recomendou que se
considerem as repercussões que essas situações
podem ter em relação
aos filhos pequenos:
«Devemos fazer de modo que não se acrescentem outros pesos além
dos que os filhos, nessas circunstâncias, já se
encontram a ter que suportar», exortou. Eis
então o apelo dirigido a
todos os cristãos, para
que se comprometam a
«cuidar das famílias feridas, acompanhando-as
na vida de fé da comunidade». Cada um está
chamado a fazer «a sua
parte, assumindo a atitude do Bom Pastor, o qual conhece cada uma
das suas ovelhas e não exclui alguma do seu amor
infinito».
PÁGINA 16
Francisco convidou os acólitos a serem missionários para responder à iniciativa de Deus
Entrevista ao cardeal Amato
Quem dá o primeiro passo
Santos da
América Latina
Em colóquio com o responsável da secção
jovens do dicastério para os leigos
Desafio dos três pês
MAURIZIO FONTANA
NA PÁGINA
11
Um agradecimento pela «disponibilidade ao serviço junto do
altar do Senhor, fazendo deste
serviço uma escola de educação
para a fé e para a caridade ao
próximo» foi dirigido pelo Papa
aos acólitos recebidos na tarde
de 4 de Agosto na praça de São
Pedro. Com um lenço branco
ao pescoço, para recordar a situação na Ucrânia, esperança
na reconciliação, Francisco encontrou-se com mais de dez mil
acólitos e com eles recitou a
oração das vésperas. Quem entregou o lenço branco ao Pontífice foi precisamente um ucraniano, Marton, em nome dos
seus concidadãos, «mas também
de todos os jovens presentes,
vindos de 23 nações para viver
uma experiência concreta de comunhão e partilha», como explicou o bispo sérvio de Zrenjanin, D. Ladislav Nemet, presidente do Coetus internationalis
ministrantium, que apresentou
ao Santo Padre o conteúdo do
11º encontro romano. O Pontífice exortou os acólitos a serem
missionários entre os coetâneos.
«Amados acólitos, quanto mais
próximos do altar estiverdes,
tanto mais vos recordareis de
dialogar com Jesus na prece
diária; quanto mais vos alimentardes da Palavra e do Corpo
do Senhor, tanto mais sereis capazes de ir ao encontro do próximo — concluiu — levando-lhe
como dom o que recebestes,
transmitindo por vossa vez com
entusiasmo a alegria que vos foi
doada».
PÁGINA 5
Salgado entre
meio ambiente e agricultura
Benedito Calixto, «Anchieta com o Evangelho
nas Selvas» (1893)
Os rostos
do café
GAETANO VALLINI
NA PÁGINA
10
NA PÁGINA
14
No último livro
de Marco Vannini
Regresso
do Anticristo
LUCETTA SCARAFFIA
Durante a recente viagem à América Latina o Papa Francisco falou
de figuras exemplares de santidade
nos países visitados. Figuras muito
veneradas no continente que o viu
nascer, mas muitas vezes desconhecidas aquém-Atlântico.
Publicamos a entrevista concedida ao nosso jornal pelo cardeal
Amato.
PÁGINAS 8
E
9
L’OSSERVATORE ROMANO
página 2
quinta-feira 6-13 de Agosto de 2015, número 32-33
Angely Martínez
«Lo que todos esperamos» (2010)
VÍCTOR MANUEL FERNÁNDEZ
Numa conversa tida com o Papa
quando começou a reflectir sobre os
conteúdos da nova encíclica, disseme que estava a analisar sobretudo a
questão do poder, e que por isso relia Romano Guardini. O texto da
encíclica confirma até que ponto ele
foi em frente nesta linha de análise.
Por conseguinte, penso que o terceiro capítulo, pouco mencionado nos
comentários à encíclica, deveria ser
considerado melhor.
Para debater acerca dos sintomas
não conseguimos compreender o
que o Papa indica realmente, quando quer ir ao cerne da questão. Ele
mesmo nos dá explicitamente uma
chave de leitura ao afirmar: «Para
As raízes da crise ecológica na «Laudato si’»
nada serviria descrever os sintomas,
se não reconhecêssemos a raiz humana da crise ecológica. Há um modo
desordenado de conceber a vida e a
acção do ser humano, que contradiz
a realidade até ao ponto de a arruinar» (n. 101). Precisamente depois
destas palavras ele começa a desenvolver a sua crítica ao poder, afirDesta forma, pretende chegar às progresso no qual «os esforços para
mando que os progressos tecnológi- raízes mais profundas da problemáti- um uso sustentável dos recursos nacos «dão, àqueles que detêm o co- ca ambiental. Seria muito superficial turais não são gasto inútil, mas innhecimento e sobretudo o poder afirmar que a Laudato si’ é uma en- vestimento que poderá proporcionar
económico para o desfrutar, um do- cíclica contra a tecnologia, porque outros benefícios económicos a mémínio impressionante sobre o con- «ninguém quer o regresso à Idade dio prazo» (n. 191). Ao contrário, na
junto do género humano e do mun- da Pedra» (n. 114).
economia actual há um «excessivo
do inteiro» (n. 104). Por isso, formuObservemos em primeiro lugar investimento tecnológico no consulou uma pergunta que ainda não que, mesmo se há quem o interprete mo e o escasso investimento para retem resposta: «Nas mãos de quem assim, nas palavras do Papa não há solver os problemas urgentes da huestá e pode chegar a estar tanto po- uma rejeição da economia nem da manidade» (n. 192), enquanto uma
der? É tremendamente arriscado que actividade empresarial destinada a economia mais orientada para o bem
resida numa pequena parte da hu- produzir riqueza. Ele afirma que a comum «poderia gerar formas intelimanidade» (n. 104).
gentes e rentáveis de reutilização, reCom duro realiscuperação funcional e reciclagem;
mo, o Papa adverte
poderia melhorar a eficiência energéque hoje o ser humatica das cidades... A diversificação
no não está em conprodutiva oferece à inteligência hudições adequadas pamana possibilidades muito amplas
ra exercer com abnede criar e inovar, ao mesmo tempo
gação, lucidez e hoque protege o meio ambiente e cria
nestidade um poder
Publicamos excertos da conferência apresentada
mais oportunidades de trabalho»
muito grande, e asno passado dia 27 de Julho em Buenos Aires
(Ibidem).
sim «está nu e expospelo arcebispo reitor da Pontifícia Universidade
Chama a atenção para o facto de
to frente ao seu próCatólica Argentina por ocasião de um encontro
que muitos economistas católicos se
prio poder que conticom políticos e empresários reunidos para
recusam de aceitar o desafio e assunua a crescer, sem ter
mem uma atitude defensiva e até
reflectir sobre os temas da encíclica.
os instrumentos para
ressentida, quando poderiam usar a
o controlar. Talvez
sua criatividade para acompanhar e
disponha de mecanisenriquecer a proposta de Francisco.
mos superficiais, mas
Sem dúvida, há contudo um ponto
podemos afirmar que carece de uma actividade empresarial é «uma nobre
ética sólida, uma cultura e uma espi- vocação orientada para produzir ri- sobre o qual o Papa se distancia claritualidade que lhe ponham real- queza e melhorar o mundo para to- ramente das perspectivas neoliberais
mente um limite e o contenham dos, pode ser uma maneira muito fe- extremas, e é a convicção de que a
dentro de um lúcido domínio de si» cunda de promover a região onde liberdade de mercado não é suficieninstala os seus empreendimentos, so- te para resolver todos os problemas.
(n. 105).
A denúncia do Papa é contra bretudo se pensa que a criação de Estamos simplesmente diante de um
qualquer forma de poder que se eri- postos de trabalho é parte impres- realismo sadio que leva a frisar que
ge acima das realidades e pretende cindível do seu serviço ao bem co- o ser humano abandonado a si mesmo, ao dinamismo da sua liberdade,
construí-las a seu bel-prazer e segun- mum» (n. 129).
Aquilo que o Papa propõe é o de- não garante o cuidado dos débeis.
do as próprias vantagens. Por isso,
Há contudo uma admoestação
insiste sobre a necessidade de «to- safio de reconsiderar outro tipo de
mar consciência de que vivemos e economia, menos ligada à especula- mais geral e séria, que ele faz quanagimos a partir de uma realidade ção financeira e melhor orientada do pede para garantir um sistema
normativo adequado «antes que as
que nos foi previamente dada, que é para o bem comum.
Não rejeita de forma alguma o novas formas de poder derivadas do
anterior às nossas capacidades e à
progresso, mas propõe outro tipo de paradigma tecno-económico acabem
nossa existência» (n. 140).
Poderosos
sem poder
Com políticos
e empresários
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GIOVANNI MARIA VIAN
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don Sergio Pellini S.D.B.
director-geral
por arrasá-los não só com a política,
mas também com a liberdade e a
justiça» (n. 53). A seriedade desta
admoestação não teve ecos na imprensa. Porventura ouve quem se
questionou acerca do que significa
que o paradigma actual pode destruir a liberdade? Os poderes económicos e tecnológicos defendem a liberdade empresarial e de desenvolvimento, mas isto não significa que
defendem a liberdade das pessoas
em todos os sentidos, considerando
que «a aliança entre economia e tecnologia acaba por deixar de fora tudo o que não faz parte dos seus interesses imediatos» (n. 54).
Verifiquemos então que, por detrás das interrogações apresentadas à
economia de mercado, há algo mais
decisivo: o problema é o poder, e
contudo a especulação financeira desenfreada como uma forma na qual
se encarna um poder sem limites
nem margens éticas.
Face aos poderosos estão aqueles
que não têm poder, aqueles que se
podem descartar. Nesta encíclica
têm um lugar privilegiado, porque
as formulações sobre o meio ambiente estão estreitamente ligadas às
reivindicações sociais dos pobres e
dos países menos desenvolvidos, motivo pelo qual a questão ambiental
se coloca no quadro do «reconhecimento do outro».
A relação íntima existente entre as
questões ecológicas e sociais está
cruamente expressa no seguinte parágrafo, que não podemos deixar de
ler: «Continuamos a tolerar que alguns se considerem mais dignos do
que outros. Deixamos de notar que
alguns se arrastam numa miséria degradante, sem possibilidades reais de
melhoria, enquanto outros não sabem sequer o que fazer ao que têm,
ostentam vaidosamente uma suposta
superioridade e deixam atrás de si
um nível de desperdício tal que seria
impossível generalizar sem destruir o
planeta. Na prática, continuamos a
admitir que alguns se sintam mais
humanos que outros, como se tivessem nascido com maiores direitos»
(n. 90).
Por isso, a encíclica retoma com
firmeza a questão do destino comum
dos bens deste mundo: «O meio
ambiente é um bem colectivo, património de toda a humanidade e responsabilidade de todos. Quem possui uma parte é apenas para a administrar em benefício de todos. Se
não o fizermos, carregamos na consciência o peso de negar a existência
aos outros» (n. 95). O problema é
que a sociedade permite que os pobres se tornem invisíveis, de modo
que a sua presença não ponha em
questão os seus hábitos de consumo
e o seu estilo de vida.
O desafio da inclusão dos pobres
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número 32-33, quinta-feira 6-13 de Agosto de 2015
L’OSSERVATORE ROMANO
página 3
No Angelus o Pontífice recordou que Cristo é a resposta à fome de vida do homem
O pão que sacia
E evocando o Perdão de Assis convidou a não ter medo de se aproximar da confissão
Cristo é o «pão verdadeiro» que sacia
a fome de vida e de eternidade do
homem. Recordou o Papa Francisco no
Angelus de domingo 2 de Agosto na
praça de São Pedro, convidando os
fiéis a ir além das «preocupações
diárias do comer, do vestir, do sucesso,
da carreira» para procurar Jesus,
«pão vivo que não se corrompe e dura
para a vida eterna».
Amados irmãos e irmãs, bom dia!
Prosseguimos neste domingo a leitura do capítulo seis do Evangelho de
João. Depois da multiplicação dos
pães, o povo pôs-se à procura de Jesus e finalmente encontra-o junto de
Cafarnaum. Ele compreende bem o
motivo de tanto entusiasmo em segui-lo e revela-o com clareza: «Vós
me procurais, não porque vistes sinais, mas porque comestes dos pães
e vos saciastes» (Jo 6, 26). Na realidade, aquelas pessoas seguem-no pelo pão material que no dia anterior
lhes tinha saciado a fome, quando
Jesus fizera a multiplicação dos
pães; não compreenderam que aquele pão, partido para tantos, para
muitos, era a expressão do amor do
próprio Jesus. Deram mais valor
àquele pão do que ao seu doador.
Diante desta cegueira espiritual, Jesus evidencia a necessidade de ir
São Francisco num pormenor dos afrescos da Porciúncula
escolhido como símbolo do perdão de Assis 2015
As raízes
da crise ecológica
CONTINUAÇÃO DA PÁGINA 2
é constante, por exemplo, quando
o Papa pede que a dívida seja
substituída com a criação de postos de trabalho: «O trabalho é
uma necessidade, faz parte do
sentido da vida nesta terra, é caminho de maturação, desenvolvimento humano e realização pessoal. Neste sentido, ajudar os pobres com o dinheiro deve ser sempre um remédio provisório para
enfrentar emergências. O verdadeiro objectivo deveria ser sempre
consentir-lhes uma vida digna
através do trabalho» (n. 128).
Mas os critérios do rendimento
fácil levam a «reduzir os custos
de produção com base na diminuição dos postos de trabalho,
que são substituídos por máquinas. É mais um exemplo de como
a acção do homem se pode voltar
contra si mesmo» (Ibidem), numa
espécie de «suicídio social» a longo prazo.
além da doação e descobrir, conhecer o doador. O próprio Deus é o
dom e também o doador. E assim
daquele pão, daquele gesto, as pessoas podem encontrar Quem o dá,
que é Deus. Convida a abrir-se a
uma perspectiva que não é só das
preocupações diárias do comer, do
vestir, do sucesso, da carreira. Jesus
fala de outro alimento, fala de um
alimento que não é corruptível e que
é bom procurar e acolher. Ele exorta: «Trabalhai não pelo alimento que
perece, mas pelo alimento que permanece até à vida eterna, e que o Filho do homem vos dará» (v. 27). Ou
seja, procurai a salvação, o encontro
com Deus.
E com estas palavras, quer-nos fazer compreender que, além da fome
física o homem tem em si outra fome — todos nós temos esta fome —
uma fome mais importante, que não
pode ser saciada com um alimento
qualquer. Trata-se da fome de vida,
da fome de eternidade que só Ele
pode satisfazer, porque é «o pão da
vida» (v. 35). Jesus não elimina a
preocupação nem a busca do alimento diário, não, não elimina a
preocupação de tudo o que pode
tornar a vida mais progredida. Mas
Jesus recorda-nos que o verdadeiro
significado da nossa existência terrena consiste no fim, na eternidade,
consiste no encontro com Ele, que é
dom e doador, e recorda-nos também que a história humana com os
seus sofrimentos e as suas alegrias
deve ser considerada num horizonte
de eternidade, ou seja, no horizonte
do encontro definitivo com Ele. E
este encontro ilumina todos os dias
da nossa vida. Se pensarmos neste
encontro, neste grande dom, os pequenos dons da vida, também os so-
Carta do secretário de Estado para o congresso em Ávila
Teresa mestra de oração
Um encorajamento a contemplar e
meditar com Teresa de Jesus como
«mestra de oração» para descobrir
novamente a «fonte da ciência verdadeira e dos valores autênticos»
que estão na base da vida. Numa
carta assinada pelo cardeal Pietro
Parolin, secretário de Estado — o
Papa Francisco dirigiu-se aos participantes no congresso inter-universitário que se concluiu a 3 de Agosto em Ávila, no quinto centenário
do nascimento da santa.
Na abertura dos trabalhos, no
dia 1 de Agosto, o Pontífice quis
enviar a sua saudação e bênção,
desejando que nas universidades
católicas se formem «amigos fortes
de Deus», particularmente necessários nos «tempos difíceis».
A mensagem foi lida pelo bispo
de Ávila, D. Jesús García Burillo,
na sessão inaugural do congresso,
no qual participaram 450 pessoas
provenientes de 26 países, em representação de 120 instituições académicas, também na presença do
ministro do Interior espanhol, Jorge Fernández Díaz.
Na sua mensagem Francisco elogiou o objectivo dos organizadores
de levar ao mundo universitário a
figura e o ensinamento de Teresa —
«insigne doutora da Igreja» — através do aprofundamento dos passos
da santa peregrina, repropondo a
actualidade do seu ensinamento e
o estímulo do seu exemplo.
O congresso — no qual interveio,
entre outros, também o cardeal Antonio María Rouco Varela, arcebispo emérito de Madrid, afirmando
que a santa «representa o momento
eclesial culminante da vida consagrada na história moderna e contemporânea da Igreja» — concluiuse com a atribuição por parte da
Universidade católica de Ávila
(Ucav) do «título de doctor honoris causa» a santa Teresa. O cardeal
arcebispo de Valência, Antonio Cañizares Llovera, pronunciou a «laudatio».
Numa obra de Carson Perez
o Santo Niño filipino
com a escrita no manto «Tinapay Ng Buhay»
(«Pão de vida»)
frimentos, as preocupações serão iluminadas pela esperança deste encontro. «Eu sou o pão da vida. Quem
vem a mim não terá mais fome, e
quem crê em mim nunca mais terá
sede» (v. 35). E esta é uma referência
à Eucaristia, o maior dom que sacia
a alma e o corpo. Encontrar e acolher Jesus, «pão de vida», em nós,
confere significado e dá esperança
ao caminho muitas vezes sinuoso da
vida. Mas este «pão de vida» é-nos
dado com uma tarefa, ou seja, para
que possamos por nossa vez saciar a
fome espiritual e material dos irmãos, anunciando o Evangelho por
toda a parte. Com o testemunho da
nossa atitude fraterna e solidária para com o próximo, tornamos Cristo
e o seu amor presentes no meio dos
homens.
A Virgem Santa nos ampare na
busca e no seguimento do seu Filho
Jesus, o pão verdadeiro, o pão vivo
que não se corrompe e dura eternamente.
No final da oração mariana, depois de
ter saudado os grupos presentes, o
Papa recordou a celebração do
«Perdão de Assis» e exortou os fiéis a
não ter medo de se aproximar da
confissão.
Amados irmãos e irmãs!
Dirijo uma saudação a todos vós
fiéis de Roma e peregrinos de diversos países.
Recorda-se hoje o «Perdão de Assis». É uma forte chamada a aproximar-nos do Senhor no Sacramento
da Misericórdia e também a receber
a Comunhão. Há pessoas que têm
medo de se aproximar da Confissão,
esquecendo que lá não encontramos
um juiz severo, mas o Pai imensamente misericordioso. É verdade que
quando vamos ao confessionário,
sentimos um pouco de vergonha. Isto acontece a todos, a todos nós,
mas devemos recordar que também
esta vergonha é uma graça que nos
prepara para o abraço do Pai, que
perdoa sempre, perdoa tudo.
A todos vós desejo bom domingo.
E por favor, não vos esqueçais de rezar por mim. Bom almoço e até à
próxima!
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quinta-feira 6-13 de Agosto de 2015, número 32-33
Confissões durante a Jmj do Rio
Em diálogo com o cardeal De Magistris
Ministros
de reconciliação
NICOLA GORI
O que é necessário para ser um bom
confessor hoje?
Estamos já próximos do início do
Ano da misericórdia, proclamado
pelo Papa Francisco. Um momento
privilegiado para voltar a descobrir o
sacramento da Reconciliação e uma
ocasião para os sacerdotes poderem
dedicar-se com maiores disponibilidade e preparação a ouvir os penitentes. Uma missão que não se improvisa mas que, ao contrário, exige
oração, sacrifício, discernimento e,
precisamente, misericórdia. Discorremos sobre isto com um especialista
nesta matéria, o qual descobriu que
tinha sido criado cardeal exactamente quando se encontrava num confessionário na Catedral de Cagliari.
Trata-se de Luigi De Magistris, um
dos cinco novos purpurados com
mais de oitenta anos — o único italiano — que o Papa Francisco tinha
decidido inserir no Colégio cardinalício durante o Consistório realizado
no passado mês de Fevereiro. Com
oitenta e nove anos, muitos dos
quais passados no ministério da reconciliação, hoje concede ao nosso
jornal a seguinte entrevista.
Ser culto e bom. Isto é, ter uma
boa formação precedente e depois
um profundo conhecimento da teologia moral (tive como mestre o cardeal Pietro Palazzini, que era um
grande moralista), juntamente com
uma atitude amorosa em relação ao
penitente, que não deve ter medo de
se confessar. A isto eu acrescentaria
ainda o seguinte conselho: jamais
abandonar os estudos sagrados, dado que eles constituem uma defesa
para a virtude sacerdotal; do mesmo
modo, é importante permanecer actualizado sobre algumas temáticas
como a bioética: nos dias de hoje, o
confessor que não conhece pelo menos os elementos essenciais desta
matéria não deveria sentar-se ao confessionário.
Qual é a principal causa do desamor
em relação a este sacramento?
Em última análise existe o orgulho e, por conseguinte, a nossa presunção de não termos necessidade
deste sacramento, com a suposição
prévia de sermos perfeitos. Com
efeito, para ser confessor é preciso
reconhecer humildemente as próprias culpas e, portanto, a necessidade do perdão. Numa sociedade em
que tudo é apresentado como lícito
perdeu-se gradualmente o sentido
do pecado: talvez, em parte, a responsabilidade seja nossa, dos sacerdotes, que na pregação muitas vezes
substituímos a catequese com um
grande palavreado, do qual a alma
dos fiéis beneficia muito pouco.
O que se pode fazer, para recuperar o
valor deste sacramento?
Antes de tudo, seria necessário recordar periodicamente aos fiéis que
para receber a Eucaristia é preciso
encontrar-se em estado de graça e,
além disso, dar o bom exemplo: em
primeiro lugar nós mesmos, confes-
O Pontifício conselho para a promoção da nova evangelização actualizou o calendário
Com Francisco no Ano da Misericórdia
Uma vigília de oração para «enxugar as lágrimas» de quem sofre e
precisa de conforto; a visita a um
abrigo, como obra de misericórdia;
a experiência penitencial da «24
horas pelo Senhor». E uma série de
encontros internacionais com várias
categorias: famílias, agentes das peregrinações, párocos, reitores dos
santuários, componentes da Cúria
romana, do Governatorato do Estado da Cidade do Vaticano e das
instituições coligadas com a Santa
Sé, quantos seguem a espiritualidade da Divina misericórdia, adolescentes entre os treze e os dezasseis
anos, diáconos, sacerdotes, doentes
e deficientes, catequistas, presos,
peregrinos marianos. São estas as
novidades introduzidas no calendário dos grandes eventos do Ano
santo extraordinário, nos quais participará o Papa Francisco, dadas a
conhecer pelo Pontifício Conselho
para a promoção da nova evangelização no site internet (www.im.va).
Além da publicação da agenda
pormenorizada dos dias especiais, o
dicastério anuncia que para favorecer as peregrinações diocesanas, dos
movimentos e dos grupos particulares, há uma proposta de doze audiências jubilares, na presença do
Papa, que terão lugar de Janeiro a
Novembro de 2016, no dia de sábado.
Daniel Bonnell, «O perdão do pai»
Os novos encontros do calendário para o Jubileu da misericórdia
foram concebidos como gestos de
atenção e acolhimento, para testemunhar que nenhuma pessoa, categoria ou grupo é excluído da misericórdia divina. Começando pelos
bispos, sacerdotes, diáconos, consa-
grados, catequistas, leigos comprometidos, até aos mais distantes, os
últimos, sem distinção de idade, sexo, língua ou cultura. E seja qual
for a situação física ou espiritual
em que se encontrem: doentes, deficientes, pobres, desempregados, desabrigados, presos. Sem esquecer
quantos nos precederam no caminho da vida, com um dia dedicado
à sua recordação e sufrágio.
O Jubileu — que se abre no sinal
de Maria, no próximo dia 8 de Dezembro, solenidade da Imaculada
Conceição, e se conclui a 20 de
Novembro de 2016, no nome de Jesus Cristo rei do universo — pretende dar a conhecer ao mundo as riquezas da misericórdia divina.
No espaço de tempo ritmado pela abertura e o encerramento da
Porta santa, serão idealmente abertas as portas do perdão e do amor
de Deus e o Pontífice realizará diversos sinais jubilares para testemunhar as obras de misericórdia corporais e espirituais. Muitos dos
grandes encontros previstos terão
lugar em vários dias, para oferecer
a possibilidade de reflectir sobre a
própria vida para se adentrar ainda
mais pelo caminho de conversão
que o Evangelho requer. Com a
participação do Papa Francisco serão alternadas orações, celebrações
litúrgicas, adorações eucarísticas.
sando-nos frequentemente. Eu recomendaria uma vez por semana e, como sacerdotes, devemos permanecer
sempre dispostos a ouvir as confissões.
Como recebeu a notícia da criação cardinalícia?
Sentia-me indigno e, por este motivo, ainda mais grato ao Senhor que
desejou fazer-me chegar a este vértice. Quando me comunicaram a notícia eu encontrava-me, como de costume, a ouvir confissões na Catedral
de Cagliari, hábito ao qual espero
poder dar continuidade. Foi o pároco quem me disse que o Papa Francisco tinha anunciado o meu nome
entre aqueles dos novos purpurados.
Dado que eu não tinha recebido
qualquer aviso prévio, julguei que se
tratava de uma brincadeira.
Durante muitos anos o senhor esteve ao
serviço da Cúria. Pode descrever-nos a
sua experiência?
Passei da secretaria da Pontifícia
Universidade Lateranense para a
Congregação para a Doutrina da Fé,
onde desempenhei a função de minutador; depois, para a Secretaria de
Estado; e finalmente para a Penitenciaria Apostólica. Tudo isto representou uma experiência inestimável
para mim, quer do ponto de vista
cultural, enquanto presbítero, quer
sobretudo espiritual. Além disso, como regente e sucessivamente pró-penitenciário-mor, tive a possibilidade
de entrar em contacto com as várias
problemáticas dos ministros da penitência. Conservo numerosíssimas recordações, mas não quero entrar nos
pormenores porque sou muito rigoroso na interpretação do sigilo profissional.
O senhor trabalhou em Roma principalmente durante os anos do longo
Pontificado de João Paulo II. Quais
são as suas recordações do Papa santo?
Eu já conhecia o cardeal Karol
Wojtyła, porque tive a oportunidade
de desempenhar um serviço a seu
pedido e, por conseguinte, pude
apreciar as suas numerosas qualidades. Sucessivamente, quando foi nomeado Pontífice, sempre lhe tributei
respeito e fidelidade, do mesmo modo como — também por tradição familiar — sempre fiz em relação aos
outros sete Papas que servi.
número 32-33, quinta-feira 6-13 de Agosto de 2015
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Francisco convidou os acólitos a serem missionários para responder à iniciativa de Deus
Quem dá
o primeiro passo
Um agradecimento pela
«disponibilidade a servir no altar do
Senhor, fazendo deste serviço uma
palestra de educação na fé e na
caridade pelo próximo», foi dirigido
pelo Papa Francisco aos acólitos com
os quais se encontrou no final da tarde
de terça-feira, 4 de Agosto, na praça
de São Pedro.
Queridos acólitos, boa tarde.
Agradeço a vossa presença numerosa
que desafiou o sol romano de Agosto. Agradeço o Bispo Dom Nemet,
vosso Presidente, pelas palavras com
que introduziu este encontro. Saístes
de vários países para fazer a vossa
peregrinação a Roma, lugar do martírio dos Apóstolos Pedro e Paulo. É
significativo ver que a proximidade e
familiaridade com Jesus Eucaristia
no serviço do altar, torna-se também
uma oportunidade para se abrir aos
outros, caminhar juntos, escolher
metas de compromisso e encontrar
as forças para as alcançar. É fonte de
verdadeira alegria reconhecer-se pequeno e fraco, mas sabendo que,
com a ajuda de Jesus, podemos ser
revestidos de força e realizar uma
grande viagem na vida com Ele.
O profeta Isaías também descobre
esta verdade, ou seja, que Deus purifica as suas intenções, perdoa os
seus pecados, cura o seu coração e
torna-o idóneo para realizar uma tarefa importante: levar a palavra de
Deus ao povo, tornando-se instrumento da presença e da misericórdia
divina. Isaías descobre que, ao colocar-se confiadamente nas mãos do
Senhor, toda a sua existência se
transforma.
A passagem bíblica que escutamos
fala-nos justamente sobre isso. Isaías
tem uma visão, que lhe faz perceber
a majestade do Senhor, mas, ao mesmo tempo, mostra-lhe como Deus,
embora se revele, permanece distante. Isaías descobre, com assombro,
que é Deus quem dá o primeiro passo — não vos esqueçais disto: é sempre Deus quem dá o primeiro passo
na nossa vida — descobre que é
Deus que se aproxima em primeiro
lugar; Isaías percebe que a acção divina não é impedida pelas suas imperfeições pessoais, mas que somente a benevolência divina é capaz de
o tornar idóneo para a missão, transformando-o numa pessoa totalmente
nova e, portanto, capaz de respon-
der ao chamado de Deus e dizer:
«Aqui estou, envia-me» (Is 6,8).
Hoje, sois mais afortunados do
que o profeta Isaías. Na Eucaristia e
nos outros sacramentos experimentais a proximidade íntima de Jesus, a
doçura e a eficácia da sua presença.
Não encontrais Jesus colocado num
trono, alto, sublime e inalcançável,
mas no pão e no vinho eucarísticos,
e a sua palavra não faz vibrar os
umbrais das portas, mas as cordas
Peregrinação a Roma de dez mil ministrantes
«Aqui estou, envia-me»: o versículo
do livro do profeta Isaías (6, 8) é o
slogan da peregrinação dos ministrantes que na terça-feira 4 de
Agosto, se encontram com o Papa
Francisco na praça de São Pedro.
O Pontífice presidiu a celebração
das vésperas com dez mil jovens
provenientes de vinte e três nações,
sobretudo europeias, que se reúnem
em Roma, enchendo as ruas do
centro com os característicos lenços
de cores diversas de acordo com o
grupo linguístico. Os três dias, que
iniciaram na segunda-feira 3, concluíram-se na quarta-feira 5. Cantos, danças e testemunhos ritmaram
a expectativa antes que o papamóvel desse a volta entre as várias secções da praça.
O evento foi organizado, como já
é tradição, pelo Coetus internationalis ministrantium (Cim), associação
fundada em 1960 com a finalidade
de reunir os responsáveis diocesanos e quantos se interessam pela
pastoral dos ministrantes. Dele fazem parte representantes de numerosos países europeus: Alemanha,
Áustria, Bélgica, Croácia, França,
Hungria, Itália, Luxemburgo, Portugal, Roménia, Sérvia, Eslováquia,
Suíça. O objectivo principal é favorecer a partilha; e a peregrinação a
Roma permite que dezenas de milhares de jovens vivam uma experiência única para o seu serviço,
ajudando-os a redescobrir a beleza
da pertença à Igreja universal. De
facto, os numerosos jovens que vêm
à Urbe ao voltar para as suas comunidades de proveniência tornamse missionários entre os coetâneos.
O actual presidente do Cim é o
bispo sérvio Laszlo Nemet, a vicepresidente é a alemã Klara Csiszar,
o secretário-geral é o francês Victor
Benz. Além dos alemães, que constituem o grupo mais numeroso, estavam também dois bispos belgas,
um francês, quatro austríacos, um
português, um romeno, um suíço e
um húngaro.
do coração. Assim como Isaías, cada
um de vós descobre também que
Deus, mesmo tornando-se próximo
em Jesus e inclinando-se por amor a
vós, sempre permanece imensamente
maior e para além da nossa capacidade de compreender a sua íntima
essência. Como Isaías, também vós
fazei a experiência de que a iniciativa é sempre de Deus, pois é Ele que
vos criou e desejou. É Ele quem, no
baptismo, tornou-vos novas criaturas
e é sempre Ele que espera pacientemente pela resposta à sua iniciativa
e que oferece o perdão a todos os
que o pedem humildemente.
Se não resistirmos à sua acção Ele
tocará os nossos lábios com a chama
do seu amor misericordioso, como
fez com o profeta Isaías, e isso tornar-nos-á idóneos para O receber e
levar aos nossos irmãos. Como
Isaías, nós também somos convidados a não ficar fechados em nós
mesmos, guardando a nossa fé num
depósito subterrâneo onde nos retiramos nos momentos difíceis. Somos
chamados, ao contrário, a compartilhar a alegria de nos reconhecermos
eleitos e salvos pela misericórdia de
Deus, a sermos testemunhas de que
a fé é capaz de dar nova direcção
aos nossos passos; que ela nos torna
livres e fortes a fim de estarmos disponíveis e idóneos para a missão.
Como é bom descobrir que a fé
nos faz sair de nós mesmos, do nosso isolamento e, justamente porque
somos colmados com a alegria de ser
amigos de Cristo Senhor, ela nos dirige para os outros, tornando-nos
naturalmente missionários! Ministrantes missionários: assim quer Jesus!
Queridos acólitos, quanto mais estiverdes próximos do altar, tanto
mais vos lembrareis de conversar
com Jesus na oração diária, vos alimentareis da Palavra e do Corpo do
Senhor, e sereis muito mais capazes
de ir até ao próximo, levando como
dom aquilo que recebestes, dando
com entusiasmo a alegria que vos foi
dada.
Obrigado pela vossa disponibilidade de servir o altar do Senhor,
tornando este serviço uma academia
de educação na fé e na caridade ao
próximo. Obrigado também por terdes começado a responder ao Senhor, como o profeta Isaías: «Eis-me
aqui, envia-me» (Is 6, 8).
L’OSSERVATORE ROMANO
página 6
quinta-feira 6-13 de Agosto de 2015, número 32-33
Entre prática clínica e experimentação médica
Quando os riscos violam a ética
CARLO PETRINI
A terapia que o doutor me propõe é
uma prática consolidada ou uma
inovação experimental? A resposta
deveria ser clara através do consentimento prévio. Na realidade, por vezes, isso não acontece. O motivo, excepto eventuais comportamentos
fraudulentos do médico, não reside
no facto de que o médico quer silenciar a verdade ao paciente, mas no
facto de que os confins entre a normal prática terapêutica e a experimentação são, por vezes, indistintos:
portanto, difícil traçar linhas de separação precisas. Contudo, por decénios, as normativas sobre a pesquisa no campo da saúde basearam-se
numa distinção entre investigação e
prática clínica. As mesmas normas
preveem que a pesquisa, diferentemente da prática, deve estar sujeita
de modo obrigatório a avaliações
por parte de um comité ético. Geralmente, afirma-se que a necessidade
da avaliação depende sobretudo dos
riscos que a pesquisa comporta. Todavia, muitas vezes intervenções
consideradas «não-pesquisa» comportam riscos relevantes.
Por esta razão, diversos autores
propõem que para estabelecer se é
necessária uma avaliação ética é
oportuno basear-se sobre o grau e a
probabilidade dos riscos, e não numa distinção teórica entre pesquisa e
prática. Alguns pesquisadores publicaram recentemente na revista «Bmc
Medical Ethics» um instrumento útil
a este propósito.
O instrumento consiste numa espécie de questionário electrónico finalizado a identificar os possíveis
riscos para quem participa numa
pesquisa/prática e, por conseguinte,
a estabelecer se é preciso uma avaliação ética. O instrumento é composto
por vinte temas divididos em cinco
áreas, que incluem também riscos
que não incidem directamente sobre
a integridade da pessoa como, por
exemplo, explorações comerciais indevidas. A proposta é útil, mas merece algumas observações. O leitor
está avisado: depois das observações,
não encontrará a solução para poder
responder à pergunta inicial. Com
efeito, uma resposta definitiva provavelmente não existe. Em primeiro lugar, é evidente que a dúvida sobre a
distinção entre prática clínica e experimentação não se apresenta quando não está disponível qualquer terapia validada ou, no caso oposto,
quando a eficácia da terapia é comprovada por um longo uso numa
ampla parte da população. Um
exemplo do primeiro caso são os diversos tratamentos (ainda?) não convalidados utilizados para procurar
curar pessoas afectadas pelo vírus
ébola. Um exemplo do segundo caso são os antibióticos contra bactérias específicas.
Uma segunda observação diz respeito ao dever de informar os pacientes, para que estejam conscientes
se o tratamento que lhes é proposto
consiste numa prática consolidada
ou numa inovação que se quer experimentar. Em 1982 Paul Appelbaum
e alguns autores cunharam a expressão «mal-entendido terapêutico».
Eles observaram que os participantes
num estudo com fármacos psiquiátricos, mesmo tendo sido informados
sobre a possibilidade de receber um
placebo, continuavam a acreditar
que o médico lhes teria administrado
um fármaco activo. Em 2001, a National Bioethics Advisory Commission
(Nbac) estado-unidense definiu o
mal-entendido terapêutico como «a
convicção de que o objectivo primário de um teste clínico é o benefício
de cada paciente e não, ao contrário,
a recolha de informações necessárias
para o conhecimento científico». A
comissão especificou também que «o
mal-entendido não consiste em acreditar que os participantes provavelmente receberão boas curas médicas
durante uma pesquisa. O mal-entendido consiste em acreditar que o objectivo do teste clínico é a administração de um tratamento e não a
gestão de uma pesquisa».
Aqui surge uma terceira consideração. As experimentações clínicas
são finalizadas a produzir conhecimentos generalizáveis. Contudo, experimentar sobre pacientes actuais
com o objectivo de desenvolver unicamente terapias para doentes futuros constituiria uma grave violação
dos princípios fundamentais da ética: a pessoa tornar-se-ia um meio
em vez de um fim e isso seria contrário ao imperativo categórico de
Kant. Este é um requisito sobre o
qual concordam os documentos mais
influentes de ética médica como, por
exemplo, a Declaração de Helsinque
da Associação médica mundial. Com
efeito, na Declaração estabelece-se
que «embora o objectivo primário
da pesquisa médica
seja gerar novos conhecimentos, estes não
podem prevalecer sobre os direitos e os interesses de cada indivíduo envolvido na
pesquisa».
Procurar conciliar o
benefício de cada indivíduo actual com o
interesse para o progresso dos conhecimentos não é fácil. Há
décadas a ética médica
estuda este tema. A tal
propósito é útil também recordar que a distinção entre
«experimentação terapêutica» e «experimentação não terapêutica» que
se encontrava na versão inicial da
Declaração de Helsinque (1964) foi
mantida nas versões sucessivas até
ao ano 2000: na versão adoptada em
2000 a distinção foi abandonada e
foram inseridos alguns «princípios
adicionais para a pesquisa médica
associada a curas médicas».
O motivo é evidente: a experimentação deve ter sempre como finalidade o benefício dos pacientes
(e, portanto, ser terapêutica).
Razão pela qual sobressai uma
quarta consideração: quando uma terapia é inovadora? Isto também é
um tema estudado há decénios. Já
nos trabalhos da comissão norteamericana que elaborou o Belmont
Report (1979), Robert J. Levine propunha que se utilizasse a expressão
«prática não convalidada» em vez
de «terapia inovadora»: a caracterís-
tica qualificadora, de facto, não é a
novidade, mas a falta de validação
(ou seja, de demonstração da segurança e da eficácia).
À luz de tudo isso, o novo instrumento publicado na «Bmc Medical
Ethics) para avaliar o impacto ético
das «iniciativas que geram evidências» pode ser operacionalmente
útil, mas são necessárias algumas
cautelas.
Duas entre estas parecem particularmente importantes. A primeira: a
avaliação ética deve incluir alguns
aspectos e não é suficiente avaliar se
uma prática é arriscada. A segunda:
como afirma o Institute of Medicine
(Iom), «o desenvolvimento e a aplicação do conhecimento constrói-se
em todas as fases do processo de cura» e os procedimentos terapêuticos
e experimentais estão inseridos num
quadro que o Iom define learning
healthcare system, onde prática consolidada e inovação se entrelaçam.
Maternidade sub-rogada
Uma grande fábrica
Apresentamos a sinopse de um artigo
publicado recentemente no site da revista «Internazionale».
MARTÍN CAPARRÓS
É um clássico: quando te querem
distrair de uma crise explicam-te
que cada crise é uma oportunidade
e dão-te exemplos, histórias mais
ou menos antigas. Seguramente não
te contarão que o Nepal se tornou
um produtor de crianças para ricos.
A grande fábrica, claro, permanece
a Índia. O país transborda de clínicas que contratam mulheres muito
pobres para serem
usadas como ventres.
Mães e pais do mundo rico enviam os seus
embriões, e os médicos locais implantamnos no útero de uma
mulher autóctone que,
pondo o seu corpo a
produzir a tempo inteiro por nove meses,
lucra o que não conseguiria ganhar em muitos anos de trabalho,
se tivessem um: cerca
de 4.000 euros. Para o
mesmo trabalho uma
mulher estado-unidense pode ganhar 40.000, e o preço total de uma
criança made in Usa é mais ou menos 90.000 euros; na Índia é possível ter uma por 12.000 euros.
As suas clínicas parecem cada vez
mais uma linha de montagem. A
mulher que aluga o seu ventre recebe um embrião fertilizado por um
óvulo que pode ser da mãe (ou
não) e o esperma que pode ser do
pai (ou não). Mas se houver doadores, obviamente são anónimos,
um não vale como o outro: a contribuição de um modelo profissional ou de uma profissional modelo
custa muito mais que a de uma
pessoa qualquer, porque produzirá
crianças mais bonitas ou mais inteligentes. O design chega a todos os
lugares.
Existem algumas particularidades: nesta profissão, as operárias
danificam o negócio se se alimentarem ou viverem mal, por esta razão
todas são internadas em casas comuns onde podem concentrar-se
exclusivamente na gestação, e onde
são bem controladas e bem alimentadas. E quando dão à luz, claramente, assinam um documento no
qual declaram que nunca procurarão saber o que aconteceu com o
seu produto.
Os preços indianos abriram o
mercado. Aquela que nasceu como
uma técnica para casais heterossexuais com problemas de fertilidade
tornou-se uma saída para quem antes não tinha uma: homens e mulheres solteiras, casais homossexuais. A relação entre a técnica e os
usos e costumes foi sempre emaranhada: influenciam-se reciprocamente. Empresários e usuários exploram os vazios legislativos de
uma praxe demasiado nova para ser
bem regulamentada pela lei. TodaCONTINUA NA PÁGINA 15
número 32-33, quinta-feira 6-13 de Agosto de 2015
L’OSSERVATORE ROMANO
página 7
Sandro Botticelli, «A juventude de Moisés»
(1481-1482, Capela Sistina)
Em «Le Monde» intelectuais dizem não às mães-fantasma
Coragem dos leigos
LUCETTA SCARAFFIA
Vida de Raquel
A estéril visitada
Escrito a quatro mãos por uma clarissa e uma beneditina, o volume «Sequela» (Bolonha, Ed. Dehoniane,
2015, 192 páginas), com prefácio de
Raniero Cantalamessa e o posfácio de
Cristiana Dobner propõe catorze retratos de personagens bíblicos. Publicamos
excertos do capítulo dedicado a Raquel.
SANDRO CAROTTA
E MARIA MANUELA CAVRINI
ambém Raquel, como Sara e
Rebeca, é estéril. A esterilidade é ausência de futuro e antecipação da morte. Não obstante
tudo, parece uma passagem obrigatória para a realização da promessa
de Deus. Passagem difícil, inexplicável, dolorosa, mas necessária. Por
quê? A maternidade não é um automatismo biológico e o filho não é
um direito; ser mãe é sinal da graça
de Deus, o milagre sempre novo da
sua misericórdia.
Em Deus a memória coincide
com o seu amor, com a sua intervenção na história do homem. A
memória de Deus abrange e transfigura tudo no amor. Há uma memória que, desde a origem do mundo,
preserva tudo, como desejado pela
sabedoria divina. «A memória é um
princípio dinâmico: o esquecimento
é cansaço, interrupção do movimento, regresso a um estado de relativa
estagnação». Hoje, infelizmente,
não é por acaso que o esquecimento
adquiriu domínio e vigor: juntamente com o de Deus, também de
nós mesmos, dos outros, da verdade
dos seres e das coisas. Também
Vjačeslav Ivanov constatava na carta a Charles Du Bos: «O enfraquecimento do sentimento religioso
produz aquele simulacro da memória autêntica que é o eclectismo das
recordações destacadas da sua ligação orgânica (...). Entretanto, o esquecimento, por sua vez, procura
organizar-se baseando-se na negação radical da espiritualidade, dissimulando materialmente a verdadeira cultura, que é a organização da
memória espiritual».
T
Deus ordena a Jacob que volte
para a terra dos seus pais (cf. Gn 31,
3); no caminho de regresso Raquel
morre dando à luz Benjamim. Para
uma mulher, o parto é uma espécie
de antecipação da morte, pelo sofrimento que provoca e pela renúncia
que comporta.
Com efeito, o filho que nasce coloca-se sempre perante a mãe como
uma alteridade separada e diferente.
Porém, esta morte simbólica tornase real para Raquel. Eis, então, que
ao dar à luz o seu secundogénito,
antes de exalar o último respiro
chama-lhe Benoni, ou seja, «filho
da minha dor». Mas imediatamente
intervém Jacob, chamando a criança
de Benjamim, «filho da direita», isto é, da força, da felicidade.
Esta ingerência paterna expropria
Raquel da sua própria recordação.
Não só perde a vida, mas até a sua
memória (que é uma espécie de sobrevivência além da morte) é cancelada na existência da criança. O
texto (cf. Gn 35, 16-20) ilumina-se
ulteriormente se prestarmos atenção
ao termo oni, que não é apenas a
forma com sufixo do substantivo
awen («dor, desgraça, luto»), mas
também do substantivo on («força,
vigor, riqueza»). Portanto, o termo
oni oferece uma dupla possibilidade
de leitura. O nome dado por Raquel ao filho faz referência contemporaneamente à dor e à força. Realça Bruna Costacurta: «Entre os dois
nomes há, por conseguinte, uma
continuidade desejada pela própria
mãe e que se torna possível graças à
sua decisão de dom. Ela exprime a
angústia da morte (awen), da qual
liberta o filho colocando-o sob o sinal de um destino feliz (on). Ambas
as realidades são verdadeiras e expressas no nome, portanto necessariamente ambíguo, que na sua intervenção Jacob explicita na única direcção da felicidade. A expropriação
e a perda radical de tudo, por parte
de Raquel, não são portanto simplesmente suportadas, mas acolhidas e oferecidas, e é ela mesma que,
ao entrar na morte, a torna lugar de
vida para o filho, transformando-a
em dom total de si».
«As leis não são feitas para abafar
as injustiças, mas para as prevenir».
Termina com esta afirmação indiscutível um apelo, assinado na França por cinco intelectuais e políticos
importantes, de proveniência diversa e até oposta, nenhum deles católico. Os filósofos Sylviane Agacinski e Michel Onfray, a escritora
Eliette Abécassis, o deputado europeu José Bové e a jurista Marie-Anne Frison-Roche opõem-se a uma
forma de tácito consenso legal que
está a ganhar terreno no país acerca
do reconhecimento do filho nascido
do recurso à mãe sub-rogada, reconhecimento na realidade proibido
pela lei.
De facto, com a desculpa de proteger os filhos nascidos desta prática no estrangeiro chega-se a reconhecer a paternidade e a maternidade a pessoas que segundo a lei não
a deveriam ter. Os signatários denunciam esta prática que utiliza
motivações falsamente tristes para
comprovar «a aplicação da lei de
mercado à procriação». Por exemplo, na Califórnia, Estado no qual é
legal a prática do aluguer do útero,
a filiação é estabelecida «com base
num intercâmbio comercial» entre
as partes, e o bebé torna-se o pro-
duto de uma espécie de encomenda, como mercadoria.
Mas os autores do apelo recordam que a lei francesa faz uma distinção entre as coisas que podem
ser doadas ou vendidas e as pessoas: o problema é decidir se a procriação de um filho se pode tornar
objecto de um intercâmbio mercantil. Isto é, decidir se pode ser negado o vínculo filial, que une física,
simbólica e juridicamente o filho à
mãe que o deu à luz. Em síntese, se
se pode com tanta leviandade negar
o estado de mãe às mulheres que
aceitaram ser usadas desta maneira.
Não às mães-fantasma! Intitula «Le
Monde», que acompanha o apelo
com um artigo que ao contrário
afirma a licitude desta prática quando se verifica de modo totalmente
desinteressado. Condição que, como
se sabe, muito dificilmente se constata na realidade.
Noutros países (entre os quais a
Itália) existe o mesmo problema,
mas não foi aberto um debate verdadeiro e os leigos parecem todos
resignados àquilo que é considerado
um «progresso». Mais uma vez os
leigos franceses têm a coragem de
empreender uma batalha para defender o respeito do ser humano e
um jornal laico como «Le Monde»,
de difundir o seu ponto de vista.
Sobre o tráfico de órgãos ligado às actividades abortivas
Onde vence
a cultura do lucro
Práticas que «negam o respeito devido à humanidade e à dignidade
da vida humana»: no debate surgido nos Estados Unidos depois da
difusão de uma série de vídeos que
mostram que a «Planned Parenthood» através das suas organizações
nacionais realizava práticas abortivas ilegais e comercializava partes
dos fetos humanos, insere-se também o pronunciamento do cardeal
Sean Patrick O’Malley, arcebispo de
Boston e presidente do Comité das
actividades pró-vida da Conferência
episcopal norte-americana. Citando
o Papa Francisco, o purpurado explicou que «o aborto é o produto
de uma mentalidade de lucro, de
uma cultura do descartável que, actualmente, escravizaram os corações
e as mentes de muitas pessoas». Segundo O’Malley — cuja declaração
foi difundida no site do episcopado
e retomada por numerosas agências
de imprensa — os recentes casos de
crónica chamam a atenção «para
dois temas de amplo alcance» que
envolvem também as instituições da
sociedade: o aborto, definido «um
ataque directo contra a vida humana na sua condição mais vulnerável», e a prática, «já padronizada»,
de obter tecidos e órgãos fetais atra-
vés do aborto. Ambas as práticas,
afirma, não respeitam a humanidade nem a dignidade da vida humana. Diversos Estados e inclusive o
Congresso dos Estados Unidos
anunciaram investigações sobre a
«Planned Parenthood», considerada
— refere a Aica — a maior «multinacional do aborto» do mundo, que
recebe mais de meio milhão de dólares por ano de financiamento público através dos impostos.
L’OSSERVATORE ROMANO
número 32-33, quinta-feira 6-13 de Agosto de 2015
página 8/9
Em diálogo com o cardeal Angelo Amato
Mario Gonzalez Chavajay,
«Tijo’nem/Teaching» (2004)
Santos da América Latina
Recordados durante a viagem ao Equador, Bolívia e Paraguai
GIANLUCA BICCINI
Das três grandes estátuas brancas colocadas nestes últimos anos nos nichos
externos da abside da basílica de São
Pedro, uma trata-se de de uma jovem
religiosa, esculpida com um ramo de lírios nas mãos. Mariana de Jesus Paredes y Flores, padroeira do Equador. O
Papa Francisco durante a recente viagem à América Latina falou dela e das
principais figuras exemplares de santidade nos três países visitados. Figuras
muito veneradas no continente que o
viu nascer, mas muitas vezes desconhecidas aquém do Atlântico. Por isso pedimos que um perito na matéria as
apresentasse. No seu escritório, do qual
se vê a praça de São Pedro, cheia de
peregrinos não obstante o forte calor
do meio-dia, o cardeal Angelo Amato,
prefeito da Congregação para as causas
dos santos, aceitou de bom grado explicar quem são os heróis da fé citados
pelo Pontífice, pedindo contudo para
fazer uma premissa.
to, nesta igreja, o processo de integração entre culturas indígenas e cristianismo originou três santos e uma beata. A
mais conhecida é sem dúvida santa
Mariana de Jesus (1618-1645), o «lírio
de Quito», padroeira do país, proclamada heroína nacional pela assembleia
constituinte. Nasceu na capital, última
de oito filhos, e ficou órfã. Uniu-se espiritualmente aos padres jesuítas, mas
tornou-se professa na terceira ordem de
são Francisco. Viveu virgem e na pobreza, praticando obras de caridade e
de bem. Em 1645 para cessar os terremotos que arrasavam Quito e invocar o
fim da sucessiva epidemia, ofereceu a
própria vida ao Senhor. Morreu com
26 anos. Uma multidão impressionante
participou nas suas exéquias. Pio IX
beatificou-a a 20 de Novembro de 1853
e a 9 de Julho de 1950 foi solenemente
canonizada por Pio XII na basílica de
São Pedro. Por fim, há dez anos, a 19
de Outubro de 2005, Bento XVI inaugurou a estátua branca de mármore, alta mais de cinco metros que se pode
admirar no Vaticano.
riana citada pelo Papa Bergoglio: santa
Narcisa de Jesus Mortillo y Morán. É
verdade que a sua vida se cruzou com a
da beata Mercedes Molina?
Parece que sim. De facto, numa ocasião partilharam inclusive a casa. E ela
sentiu muito o fascínio espiritual de
santa Mariana Paredes. Contudo, diferentemente da primeira não foi uma religiosa. A «Niña de Guayaquil» (18321869) viveu como leiga. Era a sexta de
nove filhos e quando tinha seis anos
perdeu a mãe. Aprendeu a ler, escrever,
cantar, tocar, costurar, tecer, bordar, cozinhar. Transformou em capela um pequeno quarto de casa, continuando a
colaborar nos trabalhos domésticos e
nos campos. Catequista, quando morreu o pai, transferiu-se para Guayaquil.
Mudou várias vezes de casa, vivendo
do trabalho de costureira e ajudando os
pobres e doentes. Morreu no Peru para
onde se tinha transferido, no mesmo
dia no qual Pio IX abria em Roma o
concílio Vaticano I. Tinha 37 anos. Em
1955 o seu corpo foi trasladado para
Guayaquil e em 1964 o processo foi entregue à Congregação para as causas
dos santos. João Paulo II beatificou-a a
25 de Outubro de 1992. Bento XVI canonizou-a no dia 12 de Outubro de
2008.
bretudo, mulheres jovens, criando um
padronado feminino para a sua promoção. Morreu em Buenos Aires em 1943
e foi beatificada por João Paulo II a 27
de Setembro de 1992. Naturalmente, o
papa que foi arcebispo na capital argentina conhece bem esta figura, dado
que evocou o seu «prato do pobre» para quantos não tinham o que comer.
Ainda mais actual é a figura de Virginia
Blanco Tardío (1916-1990), cujo decreto
de venerabilidade foi promulgado a 22 de
Janeiro passado.
Segunda de quatro filhos, recebeu
uma formação muito superior à da
maior parte das mulheres do seu tem-
Na universidade de Quito, o Papa Francisco propôs uma figura masculina: são
frei Miguel Febres.
O Papa no lugar onde foi encontrado o corpo martirizado do jesuíta Espinal
Qual?
É preciso partir do pressuposto que
o Papa Francisco dedica uma atenção
particular aos santos, sobretudo aos
que evangelizaram as Américas. Disto
são testemunho as canonizações equipolentes do francês Francisco de Laval
(1623-1708), primeiro bispo do Quebeque; de José de Anchieta (1534-1597),
missionário jesuíta originário das Canárias; e de Maria da Encarnação (15991672), ursulina francesa, que o Pontífice
inscreveu no catálogo dos santos alargando o seu culto à Igreja universal. E
o mesmo pode ser dito do franciscano
espanhol Junípero Serra, que canonizará a 23 de Setembro em Washington,
durante a viagem a Cuba e aos Estados
Unidos.
Trata-se contudo de missionários europeus.
Durante a visita o Pontífice latino-americano quis dar espaço sobretudo às testemunhas locais. Comecemos pelos do Equador?
Diria que sim, considerando que são
também os mais numerosos. Com efei-
Entretanto, em 1873, fundou-se uma congregação com o seu nome.
Sim, não foi fundada por ela mas
por outra pessoa que o Papa Francisco
recordou, a beata Mercedes de Jesus
Molina y Ayala (1828-1883). A fundadora do instituto das irmãs de Santa
Maria Ana de Jesus teve uma juventude bastante mundana mas depois de
uma grave queda do cavalo mudou de
vida: começou a dedicar-se aos cuidados de meninas órfãs e abandonadas e
a colaborar com os jesuítas comprometidos na evangelização dos índios. Estabeleceu-se em Riobamba e fundou as
que hoje são conhecidas em toda a
América Latina como marianitas. O
processo, iniciado três anos depois da
sua morte, foi interrompido por longo
tempo e retomado em 1929. João Paulo
II elevou-a às honras dos altares durante a viagem que realizou há trinta anos.
A cerimónia teve lugar a 1 de Fevereiro
de 1985 em Guayaquil.
Está ligada t ambém à cidade costeira do
oceano Pacífico a terceira mulher equato-
O santo «hermano Miguel» (18541910), canonizado por João Paulo II a
21 de Outubro de 1984, era um lassalista. Nasceu com uma grave deficiência,
entrou como aluno num instituto dos
irmãos das escolas cristãs e depois decidiu frequentar o noviciado e foi o primeiro equatoriano admitido. Dedicouse principalmente ao ensino, realizando
também actividades de pesquisa e estudo sobre literatura e linguística. Enviado para a Europa, morreu de pneumonia na Espanha. Beatificado por Paulo
VI a 30 de Outubro de 1977, foi proclamado santo por João Paulo II a 21 de
Outubro de 1984.
Na Bolívia, embora não havendo santos
nativos, o Papa Francisco fez referência
à beata Nazaria Ignazia de santa Teresa de Jesus e à venerável Virginia
Blanco Tardío. Quem são?
Uma fundadora e outra leiga. A
religiosa Nazaria Ignazia (1889-1943)
nasceu em Madrid, mas pouco depois
transferiu-se para o México juntamente
com a numerosa família: tinha dez irmãos. No mesmo navio viajavam algumas Pequenas irmãs dos idosos abandonados, e ela escolheu a vida religiosa naquele instituto. Voltou à
pátria para o noviciado e logo
retomou o caminho para as
Américas, destinada à missão boliviana de Oruro,
onde viveu doze anos. Em
1925 fundou a nova congregação das missionárias
cruzadas da Igreja. Depois, transferiu-se para a
Argentina, onde deu início
a instituições a favor dos
pobres, idosos, crianças órA estátua de santa Mariana de Jesus no Vaticano
fãs, feridos de guerra e, so-
po. Catequista e professora de religião,
conhecendo a língua quechua preparou
crianças, jovens e adultos para os sacramentos. Ensinou por mais de quarenta
anos nas escolas públicas de Cochabamba, dez dos quais sem salário. Activa na Acção católica e por muitos anos
presidente do ramo feminino diocesano, quando morreu com 74 anos deixou diversas iniciativas sociais ainda activas. Contudo, até agora não foi apresentado à Congregação o milagre para
a beatificação.
Sobretudo na Bolívia, o Pontífice rezou no
lugar onde foi encontrado o corpo martirizado do jesuíta Luis Espinal Camps: assassinado em Março de 1980, no mesmo
período em que em San Salvador foi assassinado o arcebispo Romero...
Como prefeito devo dizer imediatamente que não há causa alguma no
protocolo do nosso dicastério para o
padre Espinal. Contudo, é pertinente a
menção sobre a concomitância com a
morte do beato Romero. Nascido em
1932, Espinal — como disse o Papa —
«era um homem especial, com muita
genialidade humana, e que lutava em
boa fé». E o seu assassínio ocorreu
num contexto semelhante ao do arcebispo de San Salvador, mártir do Evangelho e da fraternidade do seu povo.
Também no Paraguai, além de são Roque
González, emergiu uma figura menos conhecida, a da venerável Felicia de Jesus
Sacramentado. Em diversas ocasiões Francisco foi recebido por coros que celebravam
a «Chiquitunga santa ya» e os bispos do
país falaram-lhe sobre ela muitas vezes.
No que se refere ao primeiro (15761628), trata-se de um jesuíta missionário junto dos índios guaranis do Rio
Grande do Sul, fundador de numerosas
reduções. A sua causa foi iniciada em
1932 e a 3 de Dezembro de 1933 Pio XI
autorizou a Congregação para as causas
dos santos a promulgar o decreto relativo ao martírio. O Papa Ratti a 28 de
Janeiro de 1934 beatificou-o. Depois
João Paulo II canonizou-o a 16 de Maio
de 1988, por ocasião da viagem apostólica ao Paraguai juntamente com os
seus dois companheiros de martírio. E
durante a recente visita a Assunção, o
Papa Francisco rezou diante da relíquia
do seu coração carbonizado na igreja
de Cristo-Rei.
O que nos pode contar sobre Chiquitunga?
Que para esta jovem há um aparente
milagre que está a ser estudado por
dois peritos médicos. Nascida na família Guggiari Echeverria (1925-1959), primeira de sete filhos, até aos trinta anos
foi uma leiga muito activa na Acção católica juntamente com o médico Ángel
Sauá Llanes, ao qual ligava um vínculo
de amizade profunda: ambos optaram
pela consagração: ele como sacerdote —
foi também psiquiatra — e ela como
carmelitana descalça. E transcorreu o
último período da sua jovem existência
no mosteiro contemplativo de Assunção. As exéquias foram um triunfo de
multidão. O decreto de venerabilidade
remonta a 27 de Março de 2010.
O catolicismo latino-americano depois de Medellín e Puebla
Lindíssimos bancos vazios
MARIA BARGAGALLO
ive a ventura de desempenhar a
minha missão na América Latina nos anos setenta e parte dos
anos oitenta do século XX, período no
qual nós religiosos, mulheres e homens, vivíamos sob a influência eclesial da Conferência episcopal de Medellín de 1968 e mais tarde de Puebla
de 1979. Durante aquele tempo quase
todos os países da América Latina
eram governados por ditaduras de vários géneros ou por regimes militares.
Não havia motivos para estar felizes: a
emergente teologia da libertação vivia
tempos difíceis, acusada de se fundar
sobre análises marxistas, de produzir
sínteses pouco ortodoxas e por conseguinte de exercer uma influência perigosa, que podia suscitar revoluções e
guerrilhas desestabilizadoras dum status quo que convinha a todos. Nós, religiosos, éramos considerados seguidores destas ideias subversivas e por isso
vigiados e muitas vezes ameaçados.
As duas Conferências episcopais de
Medellín e Puebla tiveram a inteligência de enfrentar as questões sob pontos de vista estreitamente pastorais,
determinando uma verdadeira mudança na reflexão teológica e eclesial com
repercussões indiscutíveis sobre a actividade do clero e dos religiosos.
Em termos gerais, podemos dizer
que Medellín teve diante dos olhos a
dramática realidade da América Latina
e do Caribe e a confrontou com o
evento e os documentos do concílio
Vaticano II (1962-1965), desenvolvendo
uma aceitação conciliar, ao mesmo
tempo fiel e criativa, selectiva e inovadora.
Ouvir o grito dos pobres, como
apelo evangélico, comprometer-se juntamente com eles e agir para transformar a Igreja e o mundo, foi a inspiração que animou a assembleia de Medellín: «Não é suficiente reflectir, obter mais clareza e falar disso. É preciso
agir. Esta continua a ser a hora da palavra, mas tornou-se, com dramática
urgência, a hora da acção» (de Medellín: quarenta anos de José Beozzo, São
Paulo, Brasil).
As denúncias de injustiça institucionalizada que as duas Conferências
T
episcopais fizeram, atingiram obviamente todas as instituições sociais e
culturais e também as religiosas. Em
síntese, dizia-se que se comentava, nas
várias reuniões organizadas para os religiosos pós-Medellín, que também a
vida religiosa se devia sentir interpelada porque, não obstante os nossos
fundadores e fundadoras fossem conhecidos por se terem orientado para
os pobres, a nossa vida tinha-se aburguesado e a prova disto era que a
maior parte das nossas escolas, hospitais, centros de evangelização, estava
concentrada nas grandes cidades e
muitas vezes servia a classe média com
escassa influência sobre as classes rurais, as periferias marginalizadas, os
pobres em geral.
Todas nós, congregações religiosas
com casas e missões na América Latina, sentimos a paixão por estas conclusões que nos punham sob acusação,
algumas vezes com razão, outras sem
uma verdadeira análise aprofundada,
mas o efeito foi fulminante: muitíssimas congregações religiosas femininas
e masculinas, celebrando os seus capítulos ordinários ou extraordinários, renovando as suas constituições, aplicando os documentos do concílio Vaticano II, decidiram responder à chamada
de Medellín.
Sobretudo as religiosas ou os padres
mais jovens e menos inclines à missão
a desempenhar no âmbito das grandes
instituições escolheram dedicar-se às
classes marginalizadas, aos indígenas,
às periferias, às zonas rurais. Apesar
de algumas ambiguidades, conflitos e
divergências que dividiam a sensibilidade da vida religiosa tradicional daquela mais progressista, foi impressionante o facto que, indo ao encontro
«dos pobres», se compreendeu imediatamente que eles recebiam a mensagem do concílio Vaticano II primeiro e
melhor do que muitas outras categorias mais instruídas e abastadas.
O método pastoral que Medellín
sugeria, «Ver — Julgar — Agir», levou
os religiosos, quase sempre na vanguarda missionária, a realizar uma
aceitação do Evangelho entre as classes mais pobres e a descobrir a riqueza
que as pessoas pobres possuíam, ou
seja, de receber a mensagem imediata-
mente e de a aplicar à sua realidade
concreta.
«A Palavra de Deus, restituída ao
povo nos círculos bíblicos, nas comunidades eclesiais de base e no movimento de leitura popular da Bíblia, estava no centro da revolução desencadeada por Medellín. Para isto muito
contribuiu a generosa iniciativa da comunidade de Taizé na França a qual,
depois do concílio, ofereceu às igrejas
da América Latina, sobretudo às católicas, um milhão de exemplares do
Novo Testamento em espanhol e outro
milhão em português, para que fossem
distribuídos gratuitamente às comunidades mais pobres» (ibidem).
A experiência positiva que se obtinha descobrindo como as pessoas mais
humildes eram capazes de compreender o Evangelho, serviu-nos de exemplo, a nós religiosos para as nossas
próprias comunidades, mesmo se muito mérito se deve às numerosíssimas
religiosas que contribuíram para fazer
compreender ao povo como viver concretamente o Evangelho. Recordo uma
comunidade de camponesas indígenas
de Guatemala, quase todas analfabetas: ouviam a proclamação da Palavra
de Deus e depois duma pausa de silêncio cada uma podia partilhar o que
significavam para ela e para a sua comunidade as palavras acabadas de ler.
Todas, indistintamente, intervinham
recordando exactamente o que tinha
sido lido e aplicavam-no com facilidade impressionante à sua situação. E faziam-no com brevidade e essencialidade. Recordo que uma senhora concluiu: «Isto significa que Jesus está
aqui, no meio de nós, conhece e partilha a nossa história».
No Brasil as comunidades das áreas
rurais só podiam contar com a presença do sacerdote duas ou três vezes por
ano. As extensões imensas das paróquias dispunham muitas vezes de um
só sacerdote. Quem mantinha e cultivava as comunidades cristãs eram as
comunidades organizadas com chefes
especificamente preparados para a sua
guia.
Uma vez encontrei-me numa área
rural um pouco impérvia na zona do
Rio de Janeiro, era domingo: não havia um padre para celebrar a Missa,
mas estava ali reunida a comunidade
cristã para a celebração da Palavra e
para receber a sagrada Comunhão.
Naquele dia a organização de tudo
competia ao grupo das pré-adolescentes. Meninas perfeitamente instruídas
sobre o que era preciso fazer preparavam o altar, distribuíam as leituras,
comprometiam o ministro da Eucaristia, distribuíam os livros e entoavam
os cânticos, diante de uma assembleia
perfeitamente ordenada e silenciosa.
Capazes de criar partilha da Palavra
de Deus, óptima gestão do tempo e
uma seriedade comovedora. Noutra
zona, ao contrário, era um camponês
cristão idoso que dirigia o luto e depois da celebração dava conselhos, organizava os cursos de preparação para
o baptismo ou para o matrimónio, distribuía as tarefas.
No centro da cidade do Rio havia e
ainda há bonitas igrejas antigas. Uma
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quinta-feira 6-13 de Agosto de 2015, número 32-33
Salgado entre meio ambiente e agricultura
Os rostos do café
GAETANO VALLINI
ara um brasileiro talvez
seja estranho admitir, mas
eu nunca bebo café». Revelou Sebastião Salgado ao apresentar o elegante volume Perfume de um
sonho — Uma viagem no mundo do
café, que contém cento e cinquenta
imagens sugestivas. Uma viagem de
treze anos que o grande fotógrafo
realizou em dez países nos quais se
produz o precioso grão: Brasil, Índia, Indonésia, Etiópia, Guatemala,
Colômbia, China, Costa Rica, El
Salvador e Tanzânia.
Salgado não bebe café mas —
acrescentou — «ele escorre no meu
sangue». E não poderia ser diferente, dado que conhece bem a vida
dos cultivadores, a qual observou
«P
desde a infância. Nascido em 1944,
último de oito filhos, desde pequeno
acompanhava o pai no caminhão a
retirar os grãos que tinham sido
moídos e deveriam ser transportados
através do Estado de Minas Gerais
até aos portos ao longo do litoral.
Muito cedo, e até aos quatorze anos,
ajudou o pai também no moinho,
enxugando os grãos e costurando os
sacos de juta. Por conseguinte, não
foi por acaso se mais tarde, vivendo
em Paris para continuar os estudos
de economia, aceitou um trabalho
na International Coffee Organization, depois de se ter formado.
Não surpreende também se após
alguns anos, ao abraçar a carreira de
fotógrafo, optou por ser defensor do
desenvolvimento sustentável do planeta, sem esquecer as origens. De
Cultivação de café Llano Bonito de Sarcero, Região Central
Costa Rica 2013 © Sebastião Salgado/Amazonas Images
2002 a 2015, com olhar atento Salgado documentou a vida nas plantações, os momentos da floração e as
várias fases da produção do café.
Mas sobretudo fotografou as pessoas
— «cerca de 25 milhões disseminadas
em 42 países», revelou ele mesmo no
prefácio do livro — que com amor e
dedicação, mas também com suor e
dificuldade, realizam diariamente esse trabalho.
«Talvez o que mais me impressionou — observou o fotógrafo — foram
as analogias nas vidas dos cultivadores de café, embora separados por
oceanos e continentes. Só em poucos lugares as máquinas substituíram
algumas fases do processo de produção, e a maior parte dos produtores
são pequenos agricultores que colhem à mão os grãos de café, juntamente com esposa e filhos que ajudam a enxugá-los, e depois a transportá-los, utilizando jumentos, até
aos compradores. E não é difícil para mim imaginar que um cultivador
de café do vale do Lijiang, na província chinesa do Yunnan, se adapte
facilmente a trabalhar no vale Todos
los Reys na Costa Rica».
Através das fotos, Salgado convida-nos «a olhar para o fundo da
chávena, não para entrever o nosso
futuro, mas para decifrar a longa fila
de homens e mulheres que escalam
as estreitas subidas até acima das
nuvens ou que atravessam bosques
obscuros e húmidos, no dorso de jumentos, para chegar à plantação de
café», escreveu Luis Sepúlveda no
texto que acompanha as imagens. E
acrescentou: «Sebastião Salgado faz
isto: restitui a épica do esforço humano, a dignidade omnipresente do
trabalho na maravilhosa sobriedade
No Estado brasileiro do Rio Grande do Sul
Juventude em missão entre os mais pobres
Proporcionar aos jovens algumas experiências de reflexão missionária em contextos diversos: com pessoas
que convivem com a vih, presos, desabrigados, catadores de papel. Foi o objectivo da Semana missionária
que se realizou em Porto Alegre (Brasil), de 20 a 26 de
Julho. Participaram jovens provenientes de todas as
dioceses da região Sul 3 da CNBB, que inclui o Estado
do Rio Grande do Sul. Uma experiência que levou os
jovens a contactar diversas realidades sociais, em ligação com outros sectores do compromisso pastoral. Para
a coordenadora do Serviço de evangelização dos jovens
da região Sul 3, irmã Zenilde, entrevistada pela agência
Fides, tratou-se da oportunidade de contactar um preso ou uma pessoa contaminada pelo vih, «libertandose de preconceitos e fazendo experiência de um encontro, para ver a pessoa independentemente do estado
social no qual vive». Trata-se de «um encontro entre
pessoas e nesse encontro deixamos que Deus se manifeste». O objectivo final desta experiência missionária
foi que os jovens pudessem encontrar, no âmbito dos
vários ministérios da Igreja, o seu lugar para se pôr ao
serviço dos outros: «Gostaria que os jovens de todo o
Estado pudessem fazer esta experiência tão importante,
que os levam a acções concretas em prol de todas as
pessoas, especialmente das mais vulneráveis, porque
Deus se manifesta na cura dos que sofrem», concluiu a
religiosa.
Por outro lado, um vídeo que documenta a primeira
Missão jovem na Amazónia, organizada no passado
mês de Dezembro pela Comissão dos jovens da CNBB,
foi transmitido pela primeira vez aos jovens participan-
tes no Meeting nacional dos movimentos juvenis e das
novas comunidades, que teve lugar em Belém, capital
do Estado do Pará. O vídeo de seis minutos apresenta
os setenta e dois jovens seleccionados para ir à Amazónia, às missões organizadas pelos Comités para a Amazónia, pela Acção missionária e cooperação intra-eclesial e pela Comissão para a missão continental do episcopado. Após um período de preparação e formação
em Manaus, os jovens foram enviados a Parintins, Borba, Coari, Boa Vista e à aldeia indígena de Raposa
Serra do Sol. Nas imagens vêem-se os jovens missionários na floresta, com as crianças e outros jovens, durante as celebrações ou comprometidos a explicar os diversos aspectos da fé. A experiência teve ampla ressonância nos meios de comunicação locais e no âmbito da
própria Igreja católica, porque ainda são poucos os
grupos que trabalham naquelas regiões de difícil acesso
e de grande necessidade, onde a Igreja está presente
através dos missionários.
Tais eventos põem-se em continuidade com a primeira Missão da vida religiosa jovem, organizada — entre
os meses de Março e Abril, na diocese de Óbidos e na
prelazia territorial de Itaituba — pela Comissão episcopal para a Amazónia, juntamente com as comissões para a Juventude e para a Acção missionária, em colaboração com a Conferência dos religiosos do Brasil. Cerca de cinquenta jovens religiosas e religiosos de dez
Estados brasileiros, após um período de formação em
Santarém, foram enviados em missão às duas Igrejas
particulares.
Colhedor de café na plantação de Shangri La,
Rift Valley, encosta da cratera Ngorongoro,
Tanzânia 2014 © Sebastião Salgado/Amazonas
Images (detalhe)
das suas acções, isto é, narra com
imagens a história do mundo». E fálo, como de resto noutros projectos,
«com um olhar antropológico — explicou Angela Vattese num ensaio
crítico — constantemente dirigido
aos aspectos mais problemáticos tanto do trabalho de fotógrafo, como
do trabalho em si: quase a explicar
que o primeiro, embora criativo e
autoral, se for conduzido de maneira
honesta contém sempre uma pergunta sobre o seu sentido e sobre o sentido mais geral do produzir».
Também nesta circunstância — já
tinha acontecido com o projecto Gênesis, uma carta de amor ao nosso
planeta «escrita» com as imagens
dos lugares ainda incontaminados —
o autor concede-se uma pausa, uma
espécie de resgate positivo depois
das cruas reportagens de denúncia
da injustiça, da exploração, da pobreza e da guerra. Todavia não se
dispensa a si mesmo nem o observador de reflectir sobre temas cruciais,
como o respeito devido quando nos
aproximamos de culturas distantes, a
ética do trabalho, os perigos de uma
agricultura agressiva e, sobretudo, a
sustentabilidade ambiental e económica.
Sustentabilidade que é também
um compromisso concreto para além
da fotografia. De facto, juntamente
com a esposa Lélia, a partir do início dos anos 90 Salgado trabalhou
na revitalização de uma parte da mata atlântica no Brasil. Em 1998 conseguiram transformar esse território
numa reserva natural e fundar o Instituto Terra com o objectivo de sanear, tutelar e preservar a Mata
atlântica, um dos cinco ecossistemas
mais importantes do mundo.
Sob o ponto de vista puramente
artístico Perfume de um sonho deve
ser inserido num contexto mais amplo. «Sem dúvida — afirmou Andrea
Illy, patrocinador desse projecto —
podemos dizer que o café é a bebida
oficial da cultura. Todas as artes e
artistas, a partir do Iluminismo,
mantiveram estreitíssimas relações
com ela: o trabalho extraordinário
de Salgado é um novo tributo a este
vínculo, que se exprime através da
arte e da beleza».
O volume é acompanhado por
duas exposições homónimas: na Expo de Milão até 31 de Outubro e em
Veneza até 27 de Setembro na Fundação Bevilacqua La Masa, onde o
projecto foi apresentado em antestreia mundial.
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participarão duzentos e cinquenta
delegados de todo o mundo.
O senhor acabou de voltar da Amazónia, onde participou num congresso de
representantes de cerca de quarenta movimentos e novas comunidades.
Em colóquio com o responsável da secção jovens do dicastério para os leigos
Desafio dos três pês
MAURIZIO FONTANA
«O que digo aos jovens quando viajo pelo mundo? Digo que o Papa
Francisco tem grande confiança neles e lhes pede para se encarregarem
das coisas que mais o preocupam»:
responde prontamente o padre João
Chagas, responsável pela secção para os jovens do Pontifício conselho
para os leigos. E imediatamente
acrescenta: «Depois naturalmente
Mencionou o Papa Wojtyła. Uma figura que o comove de maneira particular:
entre outras coisas, a comunicação da
sua nomeação como responsável pela
secção para os jovens do Pontifício conselho para os leigos foi publicada a 22
de Outubro de 2013, dia ligado à memória do santo Pontífice.
Ele foi o iniciador das Jmj e nos
anos oitenta relançou a pastoral juvenil em todo o mundo, graças inclusive à criação desta secção para os jovens. Aprazme recordar que também a
comunidade Shalom, à
Queridos jovens
qual pertenço, tem as suas
raízes na viagem de João
não tenhais
Paulo II ao Brasil em 1980,
medo do matrimónio
quando o jovem fundador
Moysés Azevedo, durante o
Cristo acompanha
ofertório apresentou o seu
com a sua graça os esposos
compromisso a dedicar a
vida pela evangelização dos
que permanecem unidos a Ele
jovens. Portanto, o facto de
ter recebido a nomeação
(@Pontifex_pt)
precisamente naquele dia
foi muito significativo para
mim. Todos os dias no
convido-os para a próxima Jornada Pontifício conselho recitamos o Anmundial de Cracóvia». De facto, a gelus na capela onde se conserva
organização do encontro na Polónia uma relíquia do Papa santo: é a ocano Verão de 2016 passa pelas mãos sião diária para confiar a ele todo o
do sacerdote brasileiro de 41 anos, nosso trabalho.
que nesta entrevista ao nosso jornal
O vínculo com a comunidade Shalom
fala também sobre os principais deremonta à sua juventude?
safios da pastoral juvenil, resuminComecei a frequentar os grupos
do-os no que define o confronto
com três «pês»: possuir, prazer, po- praticamente quando tinha 14, 15
anos. Depois, quando conclui o lider.
ceu, entrei na comunidade e logo
Poderia antecipar algo sobre o progra- após a formação propedêutica dei
início aos estudos de preparação pama de Carcóvia?
ra o sacerdócio.
Os primeiros encontros serão realizados no parque central da cidade O que encontrou na Shalom?
chamado Błonie, onde foram realizaA comunidade propõe formas
dos também encontros com João criativas de abordagem pastoral aos
Paulo II e Bento XVI. Contudo, dado jovens, no espírito do que João Pauque no fim de semana se prevêem lo II no início dos anos oitenta chauma noitada para a vigília e a missa mava a «nova evangelização». Tudo
final, será necessário utilizar um es- começou com uma lanchonete-pizzapaço maior, o chamado Campus mi- ria. O fundador pensava que os josericordiae, que é um grande terreno vens que não vão à igreja, que não
a cerca de dez quilómetros do centro aceitam participar num retiro, talvez
da cidade. É importante frisar o fac- saíssem juntos para comer uma pizto de que, como aconteceu em Ro- za, um lanche, e então idealizou
uma espécie de lanchonete temática,
ma e Colónia, também na Polónia
com jovens voluntários que serviam
haverá a catequese itinerante: os diàs mesas e acolhiam: através da conversos grupos irão em peregrinação versa procuravam dar testemunho da
ao santuário da Divina Misericórdia, sua experiência de fé. Hoje a comuque está ao lado daquele de são nidade difunde-se em todo o mundo
João Paulo II, e lá encontrarão a e desenvolveu muitas obras de evanpossibilidade de confessar e também gelização, formação e promoção humana.
a porta santa para o jubileu.
O senhor participou também na preparação das jornadas do Rio de Janeiro.
O Pontifício conselho na época tinha necessidade de um apoio por
parte de um sacerdote local. Chamaram-me. Assim de 2011 a 2013 trabalhei ao lado do responsável da secção para os jovens do dicastério para
os leigos, o sacerdote francês Eric
Jacquinet. E depois da jornada carioca sucedi-lhe no cargo.
Quais são os seus compromissos principais?
Trabalhamos em diversos âmbitos.
Não só na organização das Jornadas
mundiais da juventude. Mantemos
contactos com conferências episcopais e directores nacionais de pastoral juvenil, e também com movimentos, associações e novas comunidades. Sem esquecer a responsabilidade que temos em relação ao centro
juvenil San Lorenzo em Roma, animado diariamente pela comunidade
Emmanuel. À actividade em sede
acrescentam-se os esforços itinerantes nos vários países onde somos
convidados. Em particular, animamos as Conferências episcopais a
realizar jornadas da juventude nas
dioceses, a utilizar a mensagem
Em Belém, no Estado do Pará, falei sobre os desafios para os quais
estão chamados os jovens no mundo
contemporâneo. Muitos deles estão
ligados à dimensão socioeconómica
— o desemprego, o trabalho precário, o consumismo, e assim por diante — enquanto outros dizem respeito
às relações, à afectividade; e há os
problemas relacionados com as guerras, a violência e o terrorismo. Podemos resumir estes desafios ligandoos aos três «pês»: possuir, prazer,
poder. Vêm-me à memória também
as tentações de Jesus no deserto. No
congresso evoquei quanto Francisco
repete sobre a actualidade das bemaventuranças. Bem-aventurados os
pobres de espírito, por exemplo, é
uma resposta a toda a problemática
do consumismo, e a bem-aventurança dos puros de coração, obviamente, inclui o tema da afectividade, da
sexualidade, das relações. Depois, há
a questão da misericórdia que se
confronta com uma realidade marcada pela violência e pelos abusos de
poder. Os jovens com certeza podem sentir-se envolvidos.
Convidou-os para ir a Cracóvia?
Naturalmente. Sobretudo depois
da Jornada de 2013 no Rio, o interesse por essas peregrinações cresceu
muitíssimo entre os jovens brasileiros. A Conferência episcopal, as dioceses, os movimentos e novas comunidades estão a mobilizar-se para levar muitos jovens a Cracóvia.
O senhor estava presente na catedral
do Rio de Janeiro, quando o Papa, dirigindo-se aos jovens argentinos, usou a
expressão «hacer lío»...
O Pontífice conta muito com eles.
Com esta exortação impele-os a ser
revolucionários no sentido evangélico, a ir contra a corrente, a «fazer-se
Site oficial
Desde domingo 26 de Julho, já escorrem
os segundos no contador que marca o
tempo que falta para o encontro de
Cracóvia.
O site oficial www.krakow2016.com
oferece informações úteis sob o ponto de
vista logístico e organizativo, e subsídios
para uma preparação adequada ao evento.
anual do Papa para a formação dos
jovens e oferecemos instrumentos de
apoio, como as actas dos congressos
que organizamos.
Proximamente?
No final de Novembro haverá o
segundo encontro em preparação para Cracóvia 2016. Depois de Roma
far-se-á outro na Polónia no qual
ouvir» em todos os ambientes. Ele
deseja que se distingam numa sociedade que corre o risco do imobilismo diante dos grandes desafios do
nosso tempo. Sabe que são corajosos
e estimula-os a sair e levar às ruas a
novidade perene do Evangelho.
Confia-lhes temas que lhes estão
muito a peito, como a mensagem de
2014 na qual entregou aos jovens a
tarefa de pôr a solidariedade de novo no centro da cultura humana.
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L’OSSERVATORE ROMANO
quinta-feira 6-13 de Agosto de 2015, número 32-33
História de uma comunidade entre testemunho e perseguição
Na carne
dos cristãos do Iraque
ALBERTO TREVISIOL
Nas duzentas e cinquenta páginas
deste texto, o leitor é conduzido a
percorrer os eventos históricos sem
nunca perder de vista o verdadeiro
protagonista do livro: o povo cristão. Sublinha-o bem o autor desde a
introdução: «Conhecer a história da
cristandade do Oriente Próximo e,
em particular, da Mesopotâmia não
é uma extravagância cultural ociosa,
mas uma abordagem que faz compreender as razões e as vicissitudes
dramáticas daquela região e apreciar
a vida, a cultura, o testemunho de fé
e os motivos de apego dos cristãos à
própria terra, mas também o ódio
dos seus inimigos». Este é o fio condutor da narração que faz emergir
com vigorosa evidência o carácter do
cristianismo do Médio Oriente e do
Iraque em particular.
Ele caracteriza-se por algumas peculiaridades que sobressaem claramente da leitura do livro. Em primeiro lugar, a sua complexidade. O
autor segue as linhas complicadas,
por vezes tortuosas como um bordado, que desenharam as vicissitudes
das várias comunidades cristãs nas
terras orientais. História dolorosa de
divisões, controvérsias doutrinárias,
cismas, conflitos, favorecidos pela
aspereza do território e por ser terra
de confim, mas também de riqueza
de tradições diversas, amalgamadas
com o sentir dos povos ao qual pertencem.
A segunda característica que
emerge claramente é que a Mesopotâmia é sem dúvida Oriente, mas
também uma ponte com o Ocidente
e encruzilhada de encontro e intercâmbio entre civilizações: a cristã,
zelosamente conservada, a árabe, a
persa e, mais recentemente, a moderna europeia. Este papel é desempenhado de maneira exemplar por
aquelas comunidades cristãs, encontrando as formas da convivência e
da elaboração de um denominador
característico do próprio sentir e
acreditar. Uma Igreja, que nasceu e
se desenvolveu num vasto território
atravessado por movimentadas rotas
de comunicação entre Ocidente e
Extremo Oriente, aceita deste modo
a provocação a considerar-se grande.
A este propósito, o autor destaca
muito bem o processo que leva a
Igreja a encontrar no monaquismo
uma possibilidade de elaboração espiritual, mas também de missionariedade que alarga em grande medida
os próprios confins até à Índia e à
China.
Mas talvez a parte mais interessante, e certamente a mais minuciosamente documentada com uma
análise cuidadosa das fontes de arquivo, é aquela na qual sobressai a
paixão do diplomata competente em
descrever e reconstruir o papel da
Santa Sé no horizonte mesopotâmico. Um papel que podemos definir
«em dois sentidos». Se, por um lado, as comunidades cristãs orientais,
tendo sofrido por séculos devido ao
isolamento geográfico e cultural, deviam enfrentar arduamente a dimen-
são católica e renunciar a uma perspectiva demasiado localista e provincial para assumir uma de diálogo
construtivo com a instância superior
capaz de garantir uma organização e
uma abertura cultural necessária aos
desafios dos tempos, por outro, também Roma teve que aprender do
Oriente a complexidade, por vezes
fragmentária e conflitual, de tradições, perspectivas, patrimónios culturais e espirituais ciosamente conservados como identidades irrenunciáveis.
O cardeal Filoni percorre pormenorizadamente as primeiras tentati-
vas de união de representantes influentes da Igreja oriental com Roma, e os sucessivos insucessos, devidos também à distância cultural que
Apresentação do livro em Outubro
Intitula-se «La Chiesa in Iraq. Storia, sviluppo e missione, dagli inizi ai
nostri giorni» o livro que o cardeal prefeito da Congregação para a
evangelização dos povos dedica aos cristãos do Médio Oriente e a
todas as minorias perseguidas. O volume, editado pela Libreria
Editrice Vaticana (Cidade do Vaticano, 2015, 255 páginas), é a terceira
edição amplamente renovada da obra publicada em 2006 no Iraque e
depois em 2008 pela Rizzoli com o título «La Chiesa nella terra di
Abramo. Dalla diocesi di Babilonia dei latini alla nunziatura apostolica in
Iraq». No final de Outubro esta nova edição será apresentada na
Pontifícia universidade Urbaniana. Publicamos a recensão escrita pelo
reitor do ateneu e a introdução do volume cujo autor é o mesmo
purpurado.
separava os dois mundos, primeiras
ocasiões problemáticas de encontroconfronto entre sensibilidades tão diversas. Sobressai claramente da descrição destas vicissitudes a capacidade expressa por figuras notáveis de
homens que dedicaram toda a sua
vida a compor rasgões e a lançar
pontes entre dois mundos tão distantes. Sobressai também em toda a
sua grandiosidade o esforço da Igreja católica para construir a nível institucional, estruturas capazes de
apoiar este compromisso enorme
com competência e dedicação. É
possível constatar isso nas páginas
dedicadas ao pós-concílio de Trento
que assiste, em poucos anos, ao nascimento de novos órgãos dedicados
a dar impulso às expectativas conciCONTINUA NA PÁGINA 15
Para não repetir os erros
FERNAND O FILONI
Conhecer a história da cristandade do Próximo Oriente e em particular da Mesopotâmia — hoje Iraque —
não é uma ociosa extravagância cultural mas uma
abordagem que ajuda a compreender as razões e as vicissitudes dramáticas daquela região e a apreciar a vida, a cultura, o testemunho de fé e os motivos de apego dos cristãos à própria terra, mas também o ódio dos
seus inimigos. Ao mesmo tempo, compreende-se a nobreza de ânimo daquele povo marcado por duas realidades fundamentais: ser minoria, que gera forte apego
aos próprios valores, à origem e cultura, e ser herdeiros
de mártires e confessores da fé, portadores daqueles valores, insítos na fé dos antepassados, dos quais outros
não podem orgulhar-se do mesmo modo.
Quantos viveram entre eles, ou lêem e conhecem,
não podem deixar de amar este povo. Porque o conhecimento une e torna capaz de partilha e participação.
A história é vitória contra a ignorância, o obscurantismo, a intolerância; é respeito, é estímulo a não repetir
os erros. Por isso penso que escrever esta história é
útil. Ela faz entender que estas comunidades sobreviveram a séculos de pressões feitas de tributos e pesos, de
induções matrimoniais e proibições, de discriminações
e ódios, de intolerâncias e invejas, e por fim, até de
perseguições. Os cristãos sobreviveram a tudo isto com
incrível capacidade de resistência, de adaptação prática
e cultural, sem abatimentos na fé. Quando o Senhor
voltar, encontrará ainda fé nesta terra?
Portanto, o presente volume pretende oferecer um
conhecimento, um pouco mais adequado, do nascimento, da evolução e do desenvolvimento da comunidade cristã na Mesopotâmia; mas também da sua beleza, das crises e das humilhações sofridas que explicam,
no contexto sociopolítico, a natureza fortíssima e o testemunho de fé até nas actuais perseguições. A comunidade cristã, como comunidade que remonta à era apostólica, traz consigo a bagagem de vinte e um séculos
de amor a Cristo e à Igreja e está disposta a deixar tudo em vez de se submeter ao vencedor de turno. É
uma Igreja heróica, como a definiram Bento XVI e o
Papa Francisco. Sem ela, aliás sem elas — pensando em
todas as Igrejas do Médio Oriente, igualmente portadoras da mesma característica — esta região não seria a
mesma. Contudo, não posso deixar de pensar também
nas outras minorias étnico-religiosas, com frequência
perseguidas e sofredoras nesta terra. De facto, aqui
existe um mosaico de nacionalidades, religiões, confissões sem as quais ele seria destruído para sempre; o
que é reconhecido inclusive por eminentes autoridades
muçulmanas e por simples cidadãos, como muitas vezes me foi repetido. Isto é positivo. Contudo, é preciso
acrescentar, é necessário facilitar a permanência e a vida das minorias.
Quando a 10 de Agosto de 2014 o Papa Francisco
me enviou como seu representante pessoal ao Iraque
para encontrar, falar, ver, acariciar, rezar e solidarizar
com os sofrimentos inefáveis das vítimas do fanatismo
islâmico do Is, foi terrível e causou-me emoções profundas. Emoções que senti novamente na «peregrinação» da Semana Santa de 2015.
Este livro nasce para dar testemunho àquelas vítimas; às mulheres e homens cristãos e não cristãos que
se encontraram comigo e dizer-lhes: obrigado pela vossa coragem! E obrigado também a quantos, com sacrifício e amor, tornam menos pesados os seus receios e
preocupações. Nunca faltem neles a coragem e, ao
mesmo tempo, a esperança. São os votos mais vivos e
fortes de quem escreve, dando ao prelo estas páginas.
número 32-33, quinta-feira 6-13 de Agosto de 2015
L’OSSERVATORE ROMANO
página 13
A proposta do Papa Francisco acerca da data da Páscoa
Unidos na Ressurreição
LUCETTA SCARAFFIA
As palavras do Papa Francisco, que
mais uma vez se declarou disponível
para estabelecer uma data comum a
todos os cristãos para a festa da Páscoa suscitaram um imediato interesse
mediático mundial. E um consenso
geral: para o projecto de pacificação
entre as confissões mas também, como escreveu Armando Torno, porque se trataria de uma espécie de racionalização do calendário, na direcção indicada há tempos pelo mundo
laico.
Contudo parece que ninguém se
apercebeu de que a intervenção do
Pontífice frisa implicitamente um aspecto importante: também em países
nos quais a identidade cristã vai desvanecendo, a cadência do tempo
ainda é a que está ligada à vicissitude terrena de Jesus. E sabemos que
o calendário não é só uma convenção, mas algo profundo e simbolicamente relevante.
De facto, não se trata de um elemento indiferente que em grande
parte do mundo se viva segundo um
calendário intrinsecamente ligado ao
momento da Encarnação, um tempo
que é aquele marcado por Cristo e
que se desenvolve de maneira linear
rumo à sua vinda. Como escreve
Montini num texto de 1961, a vida
cristã «propende toda para algo que
deve vir, que nós esperamos, a ponto que a vida presente mais não é do
que a expectativa da futura».
A Páscoa e as festas com ela relacionadas constituem um aspecto diverso do ano litúrgico porque estão
ligadas a um tempo cíclico, que se
repete todos os anos e que indica o
regresso das estações. De facto, as
outras festas, como o Natal, estão
inseridas num tempo linear, aquele
que foi inaugurado pela Encarnação.
Ao contrário, a data da Páscoa é estabelecida pelo ritmo da lua, marcando o ponto no qual o cristianismo se cruza mais visivelmente com a
tradição judaica. No judaísmo — como no islão — ainda hoje as datas
das celebrações sagradas estão estabelecidas todos os anos com base no
calendário lunar.
Naturalmente esta percepção perdeu-se, dado que, também no âmbito do ritmo lunar, judeus e cristãos
se regulam por calendários diversos,
mas o sentido da datação móvel é
precisamente este. A ancoragem numa datação lunar significa de facto
pôr em evidência um vínculo com o
tempo cósmico, relacionar os ritos
sagrados com os ciclos astronómicos
e com as estações. Ao contrário, o
vez, entrando numa delas num dia
de festa, observei os lindíssimos
bancos com genuflexórios e assentos
almofadados revestidos de pele verdadeira: a igreja estava quase deserta. Ao contrário, na favela do Morro
do Céu a pequena capela ao domingo estava apinhada de gente e fora
estava também muita que participava na Missa olhando pelas janelas.
No momento da proclamação da
Palavra de Deus essas pessoas tomavam a palavra e comentavam até
quando o sacerdote convidava a
prosseguir a Missa que durava mais
de uma hora. No momento da saudação da paz, as pessoas olhavam
para mim sorrindo: «De onde
vem?», «De Roma» respondi, «Sê
bem-vinda à nossa comunidade» e
todos me beijavam.
Algum tempo mais tarde em Roma, antes do Natal, a nossa comunidade decidiu convidar os vizinhos
de casa para fazer juntos uma preparação espiritual. Vieram várias
pessoas, todas educadas e de um
certo nível social. Preparámos a paraliturgia com a leitura bíblica. O
no qual os cristãos, onde não são
perseguidos, se estão a confrontar
com um inimigo, a indiferença, que
em certos aspectos é ainda mais insidioso, o Pontífice com a sua proposta de mudança no calendário intervém para imprimir uma mudança
que reforce a sua identidade.
A Ressurreição, celebrada juntamente por todos os cristãos, aumentaria a importância desta festa central para a fé num momento em que
no mundo global as mudanças são
vistas como imposições que se aceitam com resignação. Porque a mudança que viveremos — parece sugerir o Papa Francisco — nunca deve
ser efeito passivo das agitações da
história, mas responsabilidade de cada cristão, seja qual for a confissão à
qual pertence.
Sobre a situação dos cristãos e das outras minorias no mundo
Perseguidos
«Perseguidos»: é explícito o título
do dossier publicado pela Cáritas
italiana, dedicado a mais de cem
milhões de cristãos vítimas, juntamente com outras minorias, de discriminações, perseguições e violências perpetradas por regimes totalitários ou adeptos de outras religiões.
Só na Coreia do Norte calcula-se
que estão presos nos campos de detenção entre 50 e 70.000 cristãos.
Existe também a realidade dos países africanos e do Próximo e Médio
Oriente onde os cristãos são perseguidos com uma violência evidente.
A Cáritas calcula que de Novembro
O catolicismo latino-americano
CONTINUAÇÃO DA PÁGINA 8
cristianismo ritmou desde as origens
o ano litúrgico segundo uma cadência que, frisa ainda Montini, «é a da
projecção da vida temporal de Cristo na nossa».
Não é ocasional que o Papa tenha
decidido propor esta mudança precisamente agora, oferecendo-a como
dom de unidade às outras confissões: os cristãos no mundo estão a
viver um momento dramático, as
perseguições são fortes e contínuas
como nunca. E trata-se de perseguições que atingem de maneira especial as Igrejas orientais que correm o
risco de desaparecer. O que será do
cristianismo se deixar de haver fiéis
que rezam em aramaico, a língua de
Jesus?
Num momento no qual se estão a
dilacerar os vínculos com as origens,
texto era especificamente natalício,
da visita de Maria a santa Isabel.
Procurámos criar um pouco de atmosfera e começámos a convidar as
pessoas presentes a partilhar as suas
impressões sobre o Evangelho acabado de ouvir. Depois de um longo
silêncio durante o qual ninguém tomava a palavra, um senhor, médico
cirurgião muito bom, finalmente falou: «Sabe, irmã — disse — eu não
concordo muito que as mulheres façam a leitura bíblica na Igreja».
Foi necessário muito tempo para
reconduzir o grupo ao tema principal, porque criou-se um debate. Por
fim, voltámos ao Evangelho e uma
senhora — culta e erudita, tinha estudado num colégio de freiras —
disse: «Na realidade eu não compreendo uma coisa: mas quando se
vai visitar uma pessoa, como Maria
visitou Isabel, fica-se ali seis meses?
A fazer o quê?». Não conseguimos
dizer nada. Era deveras uma tragédia. Sim, tem razão Jesus ao dizer:
«a boa nova é anunciada aos pobres... e bem-aventurados os pobres
de espírito». A boa nova do concílio Vaticano II, foi acolhida e vivida
sobretudo pelos «pobres».
de 2013 a 31 de Outubro de 2014 os cristãos
assassinados por razões estreitamente ligadas à sua fé foram
4.344, ao passo que as
igrejas atacadas pela
mesma razão foram
1.062.
Uma barbárie que,
aliás, atinge muitas
outras minorias religiosas e étnicas e que
revela um aumento
preocupante da intolerância, como já foi
mencionado, não só
no Médio Oriente,
teatro de conflitos e
da actividade das milícias do chamado Estado islâmico (Is).
O dossier da Cáritas italiana, que
pode ser descarregado do site da
internet, descreve portanto um problema dramaticamente actual. Ele,
revela o organismo caritativo, tem
um dúplice objectivo: esclarecer as
causas da perseguição dos cristãos
no mundo, tendo em conta as variáveis económicas, culturais e geopolíticas de cada país envolvido e,
ao mesmo tempo, dar voz aos numerosos testemunhos silenciosos
dos numerosos cristãos que continuam a preservar a fé arriscando a
própria vida.
Há um ano, em Julho de 2014,
os homens do Is irromperam em
Mossul e tal acção marcou o início
do êxodo que em poucas semanas
levou mais de um milhão de pessoas a refugiar-se na região iraquiana do Curdistão. Trata-se de cristãos, yazidis e outras minorias, acolhidos em particular na região de
Erbil, Dohuk e Zakho. Depois, a
situação agravou-se gradativamente
com ondas cíclicas de desabrigados
que chegavam à mesma região do
Curdistão.
«A Igreja local mobilizou-se imediatamente dando acolhimento nos
pátios, nas igrejas e em todos os espaços disponíveis», frisou o direc-
tor da Cáritas Italiana, padre Francesco Soddu, que juntamente com
o secretário-geral da Conferência
episcopal italiana, D. Nunzio Galantino, no mês de Outubro passado, visitou os campos de prófugos
em Erbil.
Depois da missão, o compromisso da Cáritas Italiana concentrou-se
em projectos de assistência nas dioceses de Erbil e Dohuk com um
programa de geminação de cidades
por mais de um milhão de euros a
favor de 13.000 famílias de cristãos
e de yazidis, obrigados a fugir das
suas residências. Desde 2003 até
hoje o apoio económico da Cáritas
Italiana aos projectos da Cáritas
Iraque e da rede das organizações
ligadas à Igreja local foi de 3,3 milhões de euros. O dossier evidencia
que muitas vezes as chamadas guerras de religião nascem devido a precisos interesses políticos e hegemónicos, explicam os responsáveis pelo dossier, e afirma com factos concretos que é possível partir das diferenças religiosas para trabalhar juntos a favor da paz, como não cessam de testemunhar as Cáritas do
Médio Oriente, onde a colaboração
activa entre cristãos e muçulmanos
é cada vez mais frequente.
página 14
L’OSSERVATORE ROMANO
«Satanás tem no seio o Anticristo»
(séc. XIII, igreja de Nossa Senhora
da Assunção, ilha de Torcello, Veneza)
quinta-feira 6-13 de Agosto de 2015, número 32-33
Na era moderna as heranças
da mística medieval alemã e do humanismo
confrontam-se sobre o tema do Anticristo
de maneira mais profunda e espiritual
No último livro de Marco Vannini
O regresso do Anticristo
LUCETTA SCARAFFIA
figura do Anticristo está presente, quase há
dois mil anos, nas culturas de cunho judaico-cristão, e por conseguinte também na
tradição muçulmana, como imagem poderosa do
mal mascarado de bem, e por conseguinte ainda
mais perigoso porque enganador. São sempre
poucos os heróis positivos que o conseguem desmascarar — ou seja, vê-lo com um olhar diverso
do olhar daqueles que ele mesmo manipulou — e
são os mesmo que o conseguirão expulsar definitivamente do mundo.
Marco Vannini (L’Anticristo. Storia e mito, Milão, Mondadori, 2015) reconstrói agora a sua história, a partir das sagradas Escrituras que desenham o seu perfil, sobretudo os escritos atribuídos a João, as Cartas e o Apocalipse. Mas o autor
requintado estudioso de mística, não renuncia a
revelar a sua particular teoria sobre o Anticristo
nem a tomar posição, com clareza, sobre o presente, e isto torna o livro particularmente interessante.
O estudioso relaciona a denúncia da presença
de um ou mais anticristos nos escritos de João
com o facto de que João é o único que fala abertamente de divindade de Cristo, o único que restabelece como a dimensão do eterno seja só a do
espírito. Os Padres da Igreja retomam esta tradição, enriquecendo-a com outros pormenores: Ireneu define-o «o homem da iniquidade» e abre a
porta à interpretação antijudaica, enquanto Orígenes priva o Anticristo de qualquer característica
de personagem real, fazendo-lhe assumir o significado simbólico da contrafacção da verdade. Mas
se o anticristo são todos os seres humanos que
mentem — escreve Vannini — segundo Orígenes
«torna-se e é um Anticristo qualquer homem que
não passou pela morte da alma e pelo renascimento do espírito». Também Agostinho avança a
hipótese de que não é só um homem, um chefe,
uma figura emblemática, mas toda a multidão dos
iníquos.
Contudo estas interpretações metafóricas e espirituais não impediram que a sociedade cristã visse
o Anticristo encarnado em protagonistas concretos da história que se opunham aos cristãos, como
os imperadores romanos perseguidores ou Maomé. Na Idade Média a fantasia de muitos escritores dá livre curso à imaginação ao descrever as características do Anticristo, nascido do fruto de um
incesto e sexualmente pervertido, correspondente
ao número da besta, 666 segundo o Apocalipse. As
interpretações deste número multiplicaram-se, até
chegar a reconhecê-lo no actual código de barras,
obrigatório para todos os produtos e que torna o
consumo e a tecnologia o instrumento de acção
do Anticristo no mundo de hoje.
Nos anos que precederam e nos que se seguiram à ruptura da sociedade cristã as acusações recíprocas de ser o Anticristo tornaram-se um costume: se os protestantes — e antes deles os espirituais e todos os movimentos heréticos — o viam
encarnado no Papa e na hierarquia eclesiástica,
para os católicos o epíteto era perfeitamente apro-
A
priado para Lutero. Segundo os heréticos, o tema de base à propaganda anti-semita, Os Protocolos
do Anticristo estava em estreita relação com o mi- dos Sábios de Sião.
Um dos livros modernos mais significativos solenarismo, ou seja, com uma concepção do tempo
que vê na era presente o momento final da luta bre o Anticristo é o que foi escrito pelo inglês
entre o bem e o mal, com a vitória certa do bem, Robert Benson, O Senhor do Mundo, que imagina
o domínio de uma figura política aparentemente
mesmo se depois de muito sofrimento.
O milenarismo pressupõe um progresso moral capaz de grandes valores humanos, portadora de
da humanidade, e a possibilidade de alcançar de- paz e bem-estar, mas na realidade simplesmente
pressa a terceira fase, a que prevê a inversão defi- um imitador e falsificador de Cristo. Só quem
nitiva do mal com a derrota do Anticristo. Forma- consegue resistir ao seu fascínio pode ler com luram-se heresias e seitas na esperança de que tives- cidez a situação, e ir à batalha definitiva que leva
se chegado o momento fatídico e que pudéssemos o verdadeiro bem ao triunfo.
A matriz judaico-cristã do islamismo revela-se
ficar indiferentes ao bem e ao mal, voltando a um
estado mítico de natureza. Dando lugar a expe- com particular clareza na sua concepção de Antiriências trágicas, como a quinhentista de Münster, cristo, caracterizado por um forte elemento apoainda é possível encontrar as últimas e terríveis calíptico e messiânico. Na tradição muçulmana
sementes de milenarismo nos grandes totalitaris- estão presentes duas figuras messiânicas, o Madhi
e Jesus, que desempenham sempre um papel pomos do século XX, o nazismo e o comunismo.
Na era moderna as heranças da mística medie- sitivo na batalha final contra o mal, personificado
val alemã e do humanismo confrontam-se sobre o numa figura de carácter ambivalente, o Dajjal, setema do Anticristo de maneira mais profunda e melhante ao Anticristo. Segundo uma tradição isespiritual: se a luz divina reside no fundo de cada lâmica os judeus tomarão partido do Dajjal —
alma humana, ou seja, se é o Cristo interior o ver- identificado por muitos com o império americano
dadeiro, anticristos são todos os que se opõem a — também acariciando o projecto de reconstruir o
esta verdade, e portanto todos os teólogos, todas Templo de Jerusalém, onde hoje se encontram as
as Igrejas historicamente constituídas. Em parti- duas mesquitas, e o seu instrumento de corrupção
cular, é interessante a reflexão sobre o Anticristo são os meios de comunicação que difundem notíde Sebastian Franck que — escreve Vannini — se cias tendenciosas e erradas. Por conseguinte, Ismove segundo o sentido originário de João, isto rael e os Estados Unidos representariam o Grané, que o vê «dentro da Igreja, ou contudo dentro de Satanás. A vitória do bem será restabelecida
da que se proclama tal e, de maneira totalmente graças ao regresso de Cristo, que reconhecerá nos
correcta, é visto como o defensor de valores mun- muçulmanos os seus verdadeiros seguidores.
Contudo, não devemos esquecer que também
danos, quer dizer, anticristãos, que disfarça como
se fossem cristãos, e por isso beneficia dos louvo- algumas seitas fundamentalistas protestantes norte-americanas consideraram o regresso dos judeus
res e da aprovação do mundo».
Outro aspecto que deve ser aprofundado para à Palestina como o sinal que se estão a cumprir as
compreender o Anticristo é a tradição messiânica, profecias bíblicas, e que por conseguinte se aproxima o fim do mundo.
realizada por uma corrente do judaísmo reNovo e particularmente interespresentado por Sabbatai Zevi e pelo seu
sante é o capítulo do livro que
sucessor Jacob Franck, ambos depois
analisa o Anticristo de Nietzsche,
adeptos do antinomismo, ou seja, da
porque Vannini reconhece na sua
ideia que se cumpre o preceito de
crítica ao cristianismo a vontade
lei violando-o. Por conseguinde permanecer fiel à mensate, o antinomismo configem de Cristo: a ideia evangégura-se como licença selica é a do reino de Deus
xual, erotismo pervertidentro de nós, e por isso, tudo, isto é, profanação
do o que toma o nome de
do carácter sagrado da
cristianismo é fruto de um
beleza e da inocência.
equívoco, e por conseguinte é
A categoria do anticristo
um anticristo. Portanto, o filósofoi cultivada com grande
fo tem por finalidade desmascaintensidade na tradição russa, no
rar a mentira, em particular a reliâmbito da qual nasceram dois
giosa, a que esconde uma vontade
textos muito significativos, ambos
de auto-afirmação, de egoísmo.
firmemente analisados por VanniNietzsche pode então ser interni: Os irmãos Karamazov — no
pretado como um místico, para o
qual o grande Inquisidor se revequal «a verdadeira essência do
la como Anticristo — de Fiódor
cristianismo é a fé na verdade,
Dostoiévski, e Relato do Antinão a moral e a crença».
cristo de Vladimir Soloviev, que
Em conclusão Vannini critica
descreve esta figura como um
as actuais tendências que rejeitam
super-homem jovem, dotado de
todos os elementos do cristianistodas as virtudes, mas capaz de
mo inconciliáveis com o judaísmo
se amar só a si mesmo: mostrae portanto, em primeiro lugar, o
se bom, mas no fundo não é;
evangelho de João, chegando asgraças à saciedade universal
sim a obscurecer a divindade de
quer destruir todos os valores
Jesus. Sobretudo, denuncia a tenhumanos verdadeiros, comedência de cancelar a distinção ençando pela instituição famitre natureza e graça, «dado que
liar, primeira geradora destes
se ignora a graça e se pensa na
valores. Deste tipo de cultunatureza como boa, sem necessiLuca
Signorelli
ra — mesmo se Soloviev cerdade alguma de graça, de conver«Pregação
e
factos
do
Anticristo»
tamente não era anti-semita
são: deveras a perfeita sedução do
(Catedral
de
Orvieto,
1499-1502,
detalhe)
Anticristo».
— nasce o livro que servirá
número 32-33, quinta-feira 6-13 de Agosto de 2015
L’OSSERVATORE ROMANO
INFORMAÇÕES
Trinta anos da Academia Marial
de Aparecida
EDSON LUIZ SAMPEL*
Nomeações
A 4 de Agosto
Bispo de Margarita (Venezuela), D.
Fernando José Castro Aguayo, até
hoje Auxiliar de Caracas.
O Sumo Pontífice nomeou:
A 1 de Agosto
Núncio Apostólico na Jordânia e no
Iraque, o Rev.mo Mons. Alberto Ortega Martín, até agora Conselheiro
de Nunciatura, simultaneamente
eleito Arcebispo Titular de Midila.
D. Alberto Ortega Martín nasceu
em Madrid (Espanha), a 14 de Novembro de 1962. Recebeu a Ordenação sacerdotal no dia 28 de Abril de
1990.
Director da Direcção de Saúde e
Higiene do Governatorado do Estado da Cidade do Vaticano, o Dr.
Alfredo Pontecorvi, Professor Ordinário de Endocrinologia e Director
da I Escola de Especialização em
Endocrinologia e Doenças do Metabolismo, na Policlínica Universitária Agostino Gemelli, Universidade
Católica do Sagrado Coração, Roma.
Prelados falecidos
Adormeceu no Senhor:
No dia 3 de Agosto
D. Salvatore Cassisa, Arcebispo
Emérito de Monreale (Itália).
O venerando Prelado nasceu a 12
de Dezembro de 1921. Foi ordenado
Sacerdote no dia 3 de Setembro de
1944. Recebeu a Ordenação episcopal
em 24 de Janeiro de 1974.
Início de Missão
de Núncio Apostólico
D. Adolfo Tito Yllana, Arcebispo
Titular de Montecorvino, na Austrália (24 de Junho).
Em 2015, a Academia Marial de
Aparecida (AMA), situada na cidade
homônima, no Estado de São Paulo, completa 30 anos de existência.
O que é uma academia marial ou
mariana? Vejamos.
A palavra «academia» explica
bem: trata-se de uma associação de
estudo. No caso, a AMA congrega
teólogos e canonistas especializados
na pesquisa da hiperdulia (devoção
à mãe de Jesus). A sublime devoção
a nossa Senhora não é algo facultativo para o católico. Consoante o
magistério do Papa beato Paulo VI,
cuida-se de um elemento central da
doutrina, de modo que não se pode
ser cristão sem venerar a virgem
Maria (Alocução no Santuário de
Nossa Senhora de Bonaria de Cagliari, em 24/4/1970; AAS 62, 1970, p.
299). A propósito, o poeta Dante
Alighieri comunicou lindamente este dogma, escrevendo que «querer
chegar a Jesus sem Maria é querer
voar sem asas» (Divina Comédia,
Paraíso, canto XXXII, 12).
Maria é a deípara, ou seja, a que
pariu Deus, a mãe de Jesus. Portanto, chegamos a Jesus, nosso salvador, por intermédio de Maria de
Nazaré. O código canônico recomenda aos católicos «a veneração
especial e filial à bem-aventurada
sempre virgem Maria, mãe de Deus,
a quem Cristo constituiu mãe de todos os homens (...)» (cân. 1186 do
CIC).
Dentro em breve, no fausto ano
de 2017, comemoraremos os 300
anos da invenção (achado) de uma
imagem de Maria no Rio Paraíba,
no Estado de São Paulo. Dessa es-
Na carne dos cristãos do Iraque
CONTINUAÇÃO DA PÁGINA 12
liares: em 1573 a Congregatio de rebus
Graecorum, transformada por Clemente VIII em Congregatio super negotiis fidei et religionis catholicae, em
1622 em Sacra Congregatio de Propaganda Fide, em 1627 no Colégio de
Propaganda Fide.
A partir do século XVIII o horizonte oriental entra cada vez mais nas
aspirações das potências ocidentais,
mas ao mesmo tempo já é parte integrante das preocupações dos Papas
que entram com firmeza e audácia
nas vicissitudes políticas turbulentas
a fim de proteger as comunidades
cristãs e apoiar o catolicismo oriental
que se vai consolidando gradualmente em estruturas cada vez mais estáveis. Pensemos, por exemplo, no papel decisivo desempenhado pelas delegações apostólicas através das
quais o Papa e os seus colaboradores
entravam de forma discreta, mas
enérgica na vida dos cristãos orientais, garantindo a sua união com Roma, contribuindo com conselhos e
apoio para o episcopado local, mantendo relações com as entidades estatais, trazendo para Roma notícias
pormenorizadas.
Outra característica do cristianismo oriental, gravada profundamente
na própria carne dos cristãos iraquia-
nos, e que o livro segue fielmente
como um fio vermelho constante, é o
martírio. Desde os primeiros passos
os cristãos da Mesopotâmia encontraram oposições duras e com êxitos
sangrentos: a hostilidade dos bizantinos, a perseguição dos persas, a invasão islâmica e as consequentes limitações, a grande crise da convivência étnico-religiosa que acompanhou
a dissolução do império otomano no
início do século XX . História de dor
e de sangue derramado que não
afectou a fidelidade do povo cristão
iraquiano ao Evangelho e à Igreja.
Um testemunho que sobressai claro
e forte das páginas apaixonadas escritas por quem experimentou pessoalmente as últimas turbulentas vicissitudes de guerra e perseguições
que continuaram a marcar o cristianismo iraquiano, até aos nossos dias.
O último capítulo delineia a relação entre a Santa Sé e o Iraque após
o concílio Vaticano II. É um exemplo claro de como uma Igreja renovada pelo Espírito, que se confrontou com coragem com uma realidade
histórica profundamente mudada,
soube encontrar novas linhas de intervenção e outras abordagens de
uma realidade complexa e problemática como a do Médio Oriente. As
linhas-guia, ditadas pelos documentos conciliares e pelos grandes Papas
página 15
dos últimos cinquenta anos, são claras: busca da paz; construção de relações respeitadoras e profícuas com
as diversas comunidades religiosas e
com as outras Igrejas; desenvolvimento das Igrejas locais, do seu clero autóctone, da espiritualidade autêntica dos fiéis, livres de influências
culturais e políticas ocidentais; colaboração e apoio recíproco entre os
diversos ritos católicos.
Em síntese, o livro oferece um amplo afresco de um mundo difícil e
fascinante. A riqueza de documentação e o rigor histórico fazem dele
uma fonte preciosa para os estudiosos do cristianismo oriental. Mas sobretudo este texto tem o valor de um
testemunho dúplice. Por um lado,
sobre como a mensagem evangélica
deu a um povo a força necessária para passar ileso entre provas indizíveis
e manter vitoriosa a própria fé sobre
os reveses da história. Por outro, como se pode conjugar a competência
do historiador, a fineza cultural e
política do diplomata com a paixão
de um pastor que tem a peito sobretudo a vida e o bem do seu povo.
Com efeito, esta é a pergunta, um
pouco angustiada, mas cheia de esperança que o autor faz na conclusão: «Haverá ainda um futuro de
bem para este país e para os seus habitantes?».
tatueta tão simples medrou para todo o país a veneração à mãe de
Deus sob o nome de Nossa Senhora Aparecida. Na assembleia da
AMA realizada em dezembro de
2014, surgiu, também, a ideia de se
instituir uma faculdade de mariologia em Aparecida; seria o primeiro
instituto do gênero na América Latina.
Que a Academia Marial de Aparecida, com a proteção de nossa Senhora, continue a produzir excelentes frutos de evangelização do povo
brasileiro. Parabéns à AMA e a todos
os consócios pelos 30 anos de amor
e dedicação à genitora do Filho de
D eus!
*Professor da Faculdade de Direito
Canônico São Paulo Apóstolo
Maternidade
sub-rogada
CONTINUAÇÃO DA PÁGINA 6
via, há mais de um ano o governo indiano proibiu aos solteiros e
aos casais gays recorrerem à maternidade sub-rogada, e esta crise
tornou-se uma oportunidade para o Nepal: um mercado, um nicho. Tornaram-se peritos em genitores 2.0. Em Katmandu, as fábricas de maternidade por conta
de terceiros brotaram como cogumelos: já existem mais de uma
dezena. O governo não interfere
se a transição for entre estrangeiros, e as clínicas contratam mulheres indianas ou bengalesas para usar os seus ventres. O «Nouvel Observateur» define assim
esta expressão da globalização:
«Os recém-nascidos são quebracabeças compostos por peças
que provêm de todo o mundo.
Óvulo disponibilizado por uma
polaca ou uma ucraniana, para
que o bebé seja caucásico; esperma americano, sueco ou japonês;
embrião congelado na Índia e
implantado no útero de uma
bengalesa numa clínica do Nepal».
A tendência está a aumentar,
mas não existem números globais: muitas destas crianças não
são registadas de forma clara no
Cartório e ninguém sabe quantas
são produzidas todos os anos no
mundo. Surgem também dúvidas
e perguntas sobre o que significa
ser mãe e pai, até que ponto é
tolerável comprar corpos para
realizar determinadas funções. E
criou-se um novo mercado, um
dos mais humilhantes que se
possam imaginar. Há quase duzentos anos um alemão reabilitou uma palavra latina incomum,
fazendo-a circular novamente.
Proletário era aquele que era tão
pobre que podia contar unicamente com a sua prole. O alemão não podia saber que a sua
palavra seria tão apropriada.
L’OSSERVATORE ROMANO
página 16
quinta-feira 6-13 de Agosto de 2015, número 32-33
Durante a audiência geral Francisco recomendou acolhimento e cura das famílias feridas
Não às portas fechadas
Quantos estabeleceram uma nova união depois do fracasso do matrimónio não estão excomungados
«Não às portas fechadas!», repetiu o Papa Francisco
na audiência geral de quarta-feira 5 de Agosto,
convidando os cristãos a garantir acolhimento e cura
pastoral a quantos estabeleceram uma nova união
depois do fracasso do matrimónio sacramental.
Concluída a pausa de Julho, o Pontífice retomou na
sala Paulo VI os encontros semanais com os fiéis,
dando continuidade às catequeses dedicadas à
família.
Amados irmãos e irmãs, bom dia!
Com esta catequese retomemos a nossa reflexão
sobre a família. Depois de ter falado, na última
vez, das famílias feridas por causa da incompreensão dos cônjuges, hoje gostaria de chamar a nossa
atenção para outra realidade: como ocupar-nos
daqueles que, depois do fracasso irreversível do
seu vínculo matrimonial, empreenderam uma nova união.
A Igreja sabe bem que tal situação contradiz o
Sacramento cristão. Contudo, o seu olhar de mestra haure sempre de um coração de mãe; um coração que, animado pelo Espírito Santo, procura
sempre o bem e a salvação das pessoas. Eis o motivo pelo qual sente o dever, «por amor à verdade», de «discernir bem as situações». Assim se
expressava João Paulo II, na Exortação apostólica
Familiaris consortio (n. 84), dando como exemplo
a diferença entre quem sofreu a separação em relação a quem a causou. Este discernimento deve
ser feito.
Se considerarmos depois também estes novos
vínculos com o olhar dos filhos pequenos — e os
pequeninos vêem — com o olhar das crianças, vermos ainda mais a urgência de desenvolver nas
nossas comunidades um acolhimento real para
com as pessoas que vivem essas situações. Por isso é importante que o estilo da comunidade, a
sua linguagem, as suas atitudes, estejam sempre
atentas às pessoas, a partir dos pequeninos. São
eles que mais sofrem, nestas situações. De resto,
como poderíamos recomendar a estes pais que façam de tudo para educar os filhos na vida cristã,
dando-lhes o exemplo de uma fé convicta e praticada, se os mantivéssemos à distância da vida da
comunidade, como se estivessem excomungados?
Devemos fazer de maneira que não se acrescentem outros pesos além dos que os filhos, nestas situações, já se encontram a ter que suportar! Infelizmente, o número destas crianças e jovens é deveras grande. É importante que eles sintam a
Igreja como mãe atenta a todos, sempre disposta
à escuta e ao encontro.
Na realidade, nestes decénios a Igreja não foi
nem insensível nem indolente. Graças ao aprofundamento realizado pelos Pastores, guiado e confirmado pelos meus Predecessores, aumentou
muito a consciência de que é necessário um acolhimento fraterno e atento, no amor e na verdade,
em relação aos baptizados que estabeleceram uma
nova convivência depois da falência do matrimónio sacramental: não estão excomungados; com
efeito, estas pessoas não devem absolutamente ser
tratadas como tais: elas fazem parte da Igreja.
O Papa Bento XVI interveio sobre esta questão,
solicitando um discernimento atento e um acompanhamento pastoral sábio, consciente que não
existem «receitas simples » (Discurso no VII Encontro Mundial das Famílias, Milão, 2 de Junho de
2012, resposta n. 5).
Eis o motivo do repetido convite dos Pastores a
manifestar aberta e coerentemente a disponibili-
dade da comunidade a acolhê-los e a encorajá-los,
para que vivam e desenvolvam cada vez mais a
sua pertença a Cristo e à Igreja com a oração,
com a escuta da Palavra de Deus, com a frequência da liturgia, com a educação cristã dos filhos,
com a caridade e o serviço aos pobres, com o
compromisso pela justiça e a paz.
O ícone bíblico do Bom Pastor (Jo 10, 11-18) resume a missão que Jesus recebeu do Pai: dar a vida pelas ovelhas. Esta atitude é um modelo também para a Igreja, que acolhe os seus filhos como
uma mãe que oferece a sua vida por elas. «A
Igreja está chamada a ser sempre a casa aberta do
Pai [...]» — Não às portas fechadas! Não às portas fechadas! — «todos podem participar de alguma forma na vida eclesial, todos podem fazer parte da comunidade. A Igreja [...] é a casa paterna,
onde há lugar para todos com a sua vida fatigante» (Exort. ap. Evangelii gaudium, 47).
Do mesmo modo todos os cristãos estão chamados a imitar o Bom Pastor. Sobretudo as famílias cristãs podem colaborar com Ele ocupando-se
das famílias feridas, acompanhando-as na vida de
fé da comunidade. Cada qual faça a sua parte assumindo a atitude do Bom Pastor, o qual conhece
cada uma das suas ovelhas e não exclui nenhuma
do seu amor infinito!
No final da audiência, o Pontífice saudou em várias
línguas os numerosos fiéis e peregrinos presentes,
dirigindo-lhes entre outras as seguintes palavras.
Queridos peregrinos de língua portuguesa, nomeadamente os acólitos e escutas de Portugal,
bem como os fiéis brasileiros: sede bem-vindos!
Saúdo-vos como membros desta família que é a
Igreja, pedindo-vos que renoveis o vosso compromisso para que as vossas comunidades sejam lugares sempre mais acolhedores, onde se faz experiência da misericórdia e do amor de Deus. Que o
Senhor vos abençoe a todos!
Dirijo um pensamento particular aos jovens,
aos doentes e aos recém-casados. Hoje, celebramos a Dedicação da Basílica de Santa Maria
Maior, onde se venera o ícone da Salus populi Romani. Amados jovens, invocai a Mãe de Deus para sentir a docilidade do seu amor; estimados enfermos, rogai a Ela nos momentos da cruz e do
sofrimento, de maneira especial vós, Anjos da Liberdade de Siracusa; e queridos recém-casados,
contemplai-a como modelo do vosso caminho
conjugal de dedicação e fidelidade.
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L`O S S E RVATOR E ROMANO