UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
VÁCLAV SOUKUP FILHO
O FENÔMENO BORN GLOBAL NA ECONOMIA
CRIATIVA DO BRASIL: um estudo de casos no setor
audiovisual
RIO DE JANEIRO
2014
VÁCLAV SOUKUP FILHO
O FENÔMENO BORN GLOBAL NA ECONOMIA CRIATIVA DO
BRASIL: um estudo de casos no setor audiovisual
Dissertação de Mestrado apresentada ao
Programa
de
Pós-Graduação
em
Administração, Instituto COPPEAD de
Administração, Universidade Federal do Rio
de Janeiro, como requisito parcial à
obtenção do título de Mestre em
Administração.
Orientador: Prof. Renato Cotta de Mello
RIO DE JANEIRO
2014
Soukup Filho, Václav
O fenômeno Born Global na Economia Criativa do Brasil: um estudo de casos
no setor audiovisual / Václav Soukup Filho – Rio de Janeiro: UFRJ, 2014.
159 f.: il.
Dissertação (Mestrado em Administração) – Universidade Federal do Rio de
Janeiro, Instituto COPPEAD de Administração, Rio de Janeiro, 2014.
Orientador: Renato Cotta de Mello
1. Negócios Internacionais. 2. Serviços. 3. Audiovisual. 4. Administração Teses. I. Mello, Renato Cotta de. II. Universidade Federal do Rio de Janeiro,
Instituto COPPEAD de Administração. III. Título.
CDD:
Václav Soukup Filho
O FENÔMENO BORN GLOBAL NA ECONOMIA CRIATIVA DO
BRASIL: um estudo de casos no setor audiovisual
Dissertação de Mestrado apresentada ao
Programa
de
Pós-Graduação
em
Administração, Instituto COPPEAD de
Administração, Universidade Federal do Rio
de Janeiro, como requisito parcial à
obtenção do título de Mestre em
Administração.
Aprovada em
________________________________________________________
Renato Cotta de Mello, D.Sc. - COPPEAD/UFRJ
________________________________________________________
Simone Bacellar Leal Ferreira, D.Sc. – UNITEC/UNIRIO
________________________________________________________
Luís Antônio Dib, D.Sc. - COPPEAD/UFRJ
DEDICATÓRIA
À memória de meu pai. Eterno amigo, exemplo, herói e inspiração.
Onde quer que esteja, espero que esteja muito feliz, porque você merece!
AGRADECIMENTOS
Agradeço a meu orientador, professor Renato, pelo suporte e paciência durante
todas as etapas do trabalho. O aprendizado de pesquisa foi muito além da
dissertação em si, já que tive a oportunidade de intercambiar conhecimento com
excelentes pesquisadores do NUPIN (PUC-RIO) e estudar um tema que era de
interesse direto da Apex-Brasil. Essa vivência acadêmica vale ouro, e quero
agradecê-lo profundamente pela oportunidade e confiança.
Agradeço aos membros da banca, profs. Dib e Simone, por todas as
observações pertinentes, o que certamente deixou o trabalho final mais elegante
e consistente do ponto de vista acadêmico.
Agradeço ao Renato Ciasca, da Drama Filmes, e ao Fernando Dias, da Grifa
Filmes, por se disponibilizarem para esse trabalho, oferecendo todas as
informações necessárias para sua realização. São empreendedores de sucesso
da indústria criativa, que admiro por unirem coragem e competência na expansão
internacional de seus negócios, cada um à sua maneira.
Agradeço aos professores Victor Almeida e Maribel Suarez, pela oportunidade de
trabalharmos juntos para publicar estudos em periódicos ou apresenta-los em
congressos científicos. Realmente esse tipo de realização consagra e amplia o
aprendizado de sala de aula, e isso não tem preço.
Agradeço a todos os professores e mestrandos pela troca de conhecimento e
experiência. Em particular, agradeço aos amigos Átila, André Maiocchi e Guido.
Agradeço também ao mestre Marcos Ávila, que tem uma forma especial de
ensinar. Alguns de seus ensinamentos vão me acompanhar pelo resto da vida.
Tenho outros para citar, mas a lista seria grande! Então, obrigado a todos!
Agradeço, em especial, à minha mãe. Ela soube compreender esse momento da
minha vida e deu todo o suporte para que eu fizesse o mestrado sem
sobressaltos. Sem ela, essa realização não teria sido possível. Muito obrigado!
RESUMO
SOUKUP FILHO, Václav. O fenômeno Born Global na Economia Criativa do
Brasil: um estudo de casos no setor audiovisual. Rio de Janeiro, 2014. Dissertação
(Mestrado em Administração) – Instituto COPPEAD de Administração, Universidade
Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2014.
O Audiovisual insere-se na categoria mais ampla da Economia Criativa, que engloba
setores tão diversos como: novas mídias, artes cênicas, design, editoras, artesanato,
dentre outros. É considerado um segmento de grande importância estratégica para
algumas nações, como Estados Unidos, França, Coréia do Sul e Argentina. No
Brasil, segue acumulando déficits crescentes na sua balança comercial, ano após
ano. Dessa maneira, esse trabalho investiga as características e trajetórias de
internacionalização
de
duas
produtoras
brasileiras
independentes,
uma
especializada em cinema e outra em TV, sob a ótica de quatro teorias
comportamentais de Negócios Internacionais: Uppsala, Redes, Empreendedorismo
Internacional e Born Globals. Na primeira parte, foi apresentado um panorama
setorial da Economia Criativa no Brasil e no mundo, focando em seguida o
segmento Audiovisual. Na sequência, foi realizado um estudo de casos com as
empresas Drama Filmes (cinema) e Grifa Filmes (TV). Os resultados indicam que as
quatro abordagens comportamentais ajudaram a explicar diferentes aspectos da
expansão
internacional
das
firmas.
No
entanto,
uma
das
produtoras
internacionalizou-se de forma mais rápida e eficaz que a outra, caracterizando o que
a literatura chama de um fenômeno Born Global na Economia Criativa do Brasil.
Palavras-chave: Internacionalização. Economia Criativa. Audiovisual. Born Globals.
ABSTRACT
SOUKUP FILHO, Václav. O fenômeno Born Global na Economia Criativa do
Brasil: um estudo de casos no setor audiovisual. Rio de Janeiro, 2014. Dissertação
(Mestrado em Administração) – Instituto COPPEAD de Administração, Universidade
Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2014.
The Audiovisual is part of the broader category of Creative Economy, which includes
so varied industries as: new media, performing arts, design, publishing, arts and
crafts, among others. It is considered a segment of very strategic importance for
some countries like the United States, France, South Korea and Argentina. In Brazil,
it goes on accumulating growing deficits in its trade balance, year after year. Thus,
this work investigates the characteristics and internationalization pathways of two
independent Brazilian producers, specialized in movies and Pay TV. The literature
review and analysis were conducted under the perspective of four behavioral
theories of International Business: Uppsala, Networks, International Entrepreneurship
and Born Globals. In the first part of the study, an industry overview of the Creative
Economy in Brazil and worldwide was presented, focusing on the Audiovisual
industry. Then, a case study with the companies Drama Filmes (movies) and Grifa
Filmes (TV) was carried out. The results indicate that the four behavioral approaches
were useful to explain different aspects of the companies’ international expansion.
However, one of them got international faster and more efficiently than the other. It
characterizes what the literature calls a Born Global phenomenon in the Creative
Economy of Brazil.
Keywords: Internationalization. Creative Economy. Audiovisual. Born Globals.
LISTA DE SIGLAS
ANCINE Agência Nacional do Cinema
BG
Born Globals
BTVP
Brazilian TV Producers
EC
Economia Criativa
EI
Empreendedorismo Internacional
IBGE
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
IDE
Investimento Direto no Estrangeiro
MinC
Ministério da Cultura
MNE
Multinational Enterprise (do inglês, Empresa Multinacional)
MPI
Modelo de Processo de Internacionalização
M-U
Modelo de Uppsala
NEI
Novo Empreendimento Internacional
NI
Negócios Internacionais
P&D
Pesquisa e Desenvolvimento
PME
Pequenas e Médias Empresas
PSI
Projeto Setorial Integrado
RBV
Resource Based View (do inglês, Visão Baseada em Recursos)
SEC
Secretaria da Economia Criativa do MinC
VA
Valor Adicionado
VRIO
Valiosos, Raros, Inimitáveis e Organizacionais
LISTA DE QUADROS E TABELAS
Quadro 1 - Definição de uma firma BG .................................................................... 85
Quadro 2 - Fontes de Dados Primários e Secundários ............................................ 94
Quadro 3 - Entrevistas com os Fundadores da Drama Filmes e Grifa Filmes .......... 94
Quadro 4 - Filmografia da Drama Filmes.................................................................. 98
Quadro 5 - Premiações do Filme "O Invasor" ......................................................... 100
Quadro 6 – Modos de entrada em mercados estrangeiros da Drama Filmes ........ 105
Quadro 7 - Escolha de modos de entrada em mercados estrangeiros da Grifa Filmes
................................................................................................................................ 112
Quadro 8 - Aderência da Internacionalização ao Modelo de Uppsala .................... 119
Quadro 9 - Aderência da Internacionalização à Teoria de Redes .......................... 123
Quadro 10 - Aderência da Internacionalização ao Empreendedorismo Internacional
................................................................................................................................ 126
Quadro 11 - Comparativo de Internacionalização sob a Perspectiva de BG .......... 127
Quadro 12 - Aderência da Internacionalização ao fenômeno Born Globals ........... 130
Quadro 13 - Aderência da Internacionalização às Teorias Comportamentais ........ 133
Tabela 1 - Setores Criativos no Brasil em 2010 ........................................................ 23
Tabela 2 - Emprego nos setores criativos do Brasil em 2010 ................................... 24
Tabela 3 - Empresas nos setores criativos do Brasil em 2010 ................................. 24
Tabela 4 - Exportações dos Setores Criativos brasileiros em 2008 .......................... 24
Tabela 5 - Características dos trabalhadores por área da EC em 2009 ................... 25
Tabela 6 - Principais exportadores de serviços audiovisuais (em US$ milhões) 20022011 .......................................................................................................................... 28
Tabela 7 - Principais importadores de serviços audiovisuais (em US$ Milhões) 20022011 .......................................................................................................................... 28
Tabela 8 - Principais países em receita de bilheteria (2012) .................................... 29
Tabela 9 - Lista dos 10 principais produtores mundiais de filmes (2005-2011) ........ 30
Tabela 10 – Os 10 principais mercados mundiais de TV paga em 2012 .................. 31
Tabela 11 - Longas metragens lançados no cinema brasileiro em 2013 ................ 122
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Figura 1 - Classificação da UNCTAD para indústrias criativas ................................. 20
Figura 2 - Questões básicas do processo de internacionalização da empresa ........ 36
Figura 3 - Cadeia de Estabelecimento em Mercados Internacionais ........................ 41
Figura 4 - Mecanismo Basico da Internacionalização segundo o M-U ..................... 43
Figura 5 - Mecanismo de Interncionalização do M-U revisado ................................. 49
Figura 6 - Internacionalização e o modelo de Redes ............................................... 54
Figura 7 - Elementos necessários e suficientes para novos empreendimentos
internacionais sustentáveis ....................................................................................... 65
Figura 8 - Tipos de novos empreendimentos internacionais .................................... 69
Figura 9 - Modelo de forças que influenciam a velocidade de internacionalização .. 73
Figura 10 - Modelo de pesquisa para BG ................................................................. 80
Figura 11 - Modelo conceitual de BG ....................................................................... 81
Figura 12 - Linha do tempo: Internacionalização Drama Filmes............................. 117
Figura 13 - Capital Intelectual da Drama Filmes..................................................... 125
Gráfico 1 - Share de exportação de bens criativos por grupo econômico em 2011 . 17
Gráfico 2 - Contribuição das indústrias criativas para o emprego formal ................. 21
Gráfico 3 - Contribuição das indústrias criativas para o PIB .................................... 21
Gráfico 4 - Assinantes de TV Paga no Mundo (2010 a 2013) .................................. 31
Sumário
1
INTRODUÇÃO ..................................................................................... 13
1.1
OBJETIVOS DO ESTUDO ................................................................... 13
1.2
RELEVÂNCIA DO ESTUDO ................................................................. 14
1.3
DELIMITAÇÃO DO ESTUDO ............................................................... 16
1.4
A ECONOMIA CRIATIVA E O SETOR AUDIOVISUAL ........................ 16
1.4.1
A Economia Criativa no Mundo ........................................................ 17
1.4.2
A Economia Criativa no Brasil .......................................................... 22
1.4.3
O Audiovisual no Mundo ................................................................... 26
1.4.4
Internacionalização do Audiovisual brasileiro ................................ 32
1.5
ORGANIZAÇÃO DO ESTUDO ............................................................ 33
2
REVISÃO DA LITERATURA ............................................................... 35
2.1
TEORIAS COMPORTAMENTAIS ........................................................ 35
2.2
MODELO DE UPPSALA ...................................................................... 37
2.2.1
Pressupostos Teóricos..................................................................... 38
2.2.2
O Mecanismo Original do Modelo.................................................... 40
2.2.3
Críticas ao Modelo de Uppsala original .......................................... 45
2.2.4
Defesa e readaptação do Modelo de Uppsala ................................ 48
2.3
TEORIA DE REDES ............................................................................ 51
2.3.1
Base Teórica ...................................................................................... 51
2.3.2
O Modelo de Redes ........................................................................... 52
2.3.3
Limitações da Teoria de Redes ........................................................ 55
2.3.4
Redes em Países Emergentes e PMEs ............................................ 57
2.4
EMPREENDEDORISMO INTERNACIONAL ...................................... 62
2.4.1
Pressupostos Teóricos..................................................................... 63
2.4.2
O Mecanismo Original do Modelo.................................................... 65
2.4.3
Principais Críticas ao Modelo de EI ................................................. 70
2.4.4
Evolução da abordagem sobre EI .................................................... 71
2.5
BORN GLOBALS ................................................................................. 75
2.5.1
Origem dos estudos e do termo Born Globals................................ 75
2.5.2
A globalização como moderadora do fenômeno BG ..................... 77
2.5.3
Seleção de países e modos de entrada ........................................... 78
2.5.4
A evolução da abordagem BG e a proposição de modelos .......... 79
2.5.5
Como caracterizar uma BG? ............................................................. 83
3
MÉTODO DE PESQUISA ...................... Erro! Indicador não definido.
3.1
O PROBLEMA DE PESQUISA ............................................................ 86
3.2
DEFINIÇÃO DAS PERGUNTAS DE PESQUISA ................................. 87
3.3
MÉTODO SELECIONADO ..................... Erro! Indicador não definido.
3.3.1
O Método de Estudo de Casos ........................................................ 89
3.3.2
Seleção dos Casos............................................................................ 90
3.4
PROCEDIMENTOS DE COLETA E ANÁLISE DE DADOS ................. 92
3.4.1
Fontes de Dados Primários e Secundários .................................... 93
3.4.2
Análise dos Casos ............................................................................ 94
3.5
LIMITAÇÕES DO MÉTODO DE PESQUISA ...................................... 96
4
DESCRIÇÃO DOS CASOS ................................................................ 98
4.1
DRAMA FILMES (CINEMA) ................................................................ 98
4.1.1
Introdução.......................................................................................... 98
4.1.2
Histórico da Empresa ....................................................................... 99
4.1.3
Perfil dos Dirigentes ....................................................................... 101
4.1.4
4.1.5.
Processo de Internacionalização ................................................... 102
Estratégias ligadas à Internacionalização .....................................103
4.2
GRIFA FILMES (TV) .......................................................................... 106
4.2.1
Introdução........................................................................................ 106
4.2.2
Histórico da Empresa ..................................................................... 107
4.2.3
Perfil dos Dirigentes ....................................................................... 108
4.2.4
Processo de Internacionalização ................................................... 108
4.2.5
Estratégias ligadas à Internacionalização .................................... 111
5
ANÁLISE DOS CASOS .................................................................... 116
5.1
ANÁLISE CRUZADA ......................................................................... 116
5.1.1
Na Perspectiva da Escola de Uppsala ........................................... 117
5.1.2
Na Perspectiva da Teoria de Redes ............................................... 119
5.1.3
Na Perspectiva de Empreendedorismo Internacional.................. 123
5.1.4
Na Perspectiva de Born Globals .................................................... 127
6
CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES ........................................... 131
6.1
RESPOSTAS ÀS PERGUNTAS DE PESQUISA .............................. 131
6.2
RECOMENDAÇÕES PARA PESQUISAS FUTURAS ....................... 134
REFERÊNCIAS .............................................................................................. 137
APÊNDICES .................................................................................................. 155
13
1. INTRODUÇÃO
1.1.
OBJETIVOS DO ESTUDO
Esse estudo tem por objetivo analisar os padrões de internacionalização de
duas produtoras brasileiras independentes do setor Audiovisual, uma do
segmento de Cinema e outra do de TV. Na cadeia de valor, os produtores
seriam os responsáveis pela criação de obras como filmes, séries e
documentários. O Audiovisual, por sua vez, estaria incluído no conjunto maior
do que se convencionou chamar de Indústrias Criativas.
A análise será efetuada, basicamente, à luz das Teorias Comportamentais de
Negócios Internacionais. Assim, as duas perguntas principais que orientam
essa dissertação são:
1. Quais as características do processo de internacionalização das duas
produtoras brasileiras pesquisadas? São características distintas?
2. Como suas trajetórias de internacionalização podem ser explicadas pelas
abordagens comportamentais de internacionalização, em especial o
fenômeno Born Globals?
A partir das perguntas principais, foram desenvolvidas seis questões mais
específicas a serem exploradas durante a coleta e análise dos dados, a saber:

Qual o histórico das duas empresas e de seus dirigentes antes da
internacionalização?

Quais as motivações para a internacionalização das duas empresas?

Como ocorreu o processo de internacionalização das duas empresas?

Quais as estratégias ligadas à internacionalização das duas empresas?
14

Qual o papel das alianças e parcerias para as atividades internacionais das
empresas?
1.2.
RELEVÂNCIA DO ESTUDO
De acordo com o United Nations Development Program (do inglês, Programa
de Desenvolvimento das Nações Unidas), a exportação de bens e serviços
criativos
tem
crescido
de
forma
mais
acelerada
nos
países
em
desenvolvimento do que setores mais tradicionais da economia (UNDP, 2013)
e mesmo até do que alguns setores de alta tecnologia. Estudiosos como White,
Gunasekaran e Roy (2014) também já proclamam que a Indústria Criativa tem
se tornado uma das mais importantes forças de vantagem competitiva na
economia das nações.
Mesmo assim, Oliveira, Araújo e Silva (2013) dizem que o conceito de
Economia Criativa, como disciplina de estudo, só ganhou relevância a partir da
década de 2000. No caso do Brasil, foi apenas no ano de 2012 que o Ministério
da Cultura criou a Secretaria da Economia Criativa, visando contribuir para que
a cultura se tornasse um eixo estratégico das políticas públicas de
desenvolvimento do país (BRASIL, 2012).
Não obstante o seu potencial criativo e diversidade cultural, o Brasil não
aparece nas pesquisas internacionais sequer entre os 10 primeiros países em
desenvolvimento, na produção e exportação de bens e serviços criativos
(MINC, 2012). E no caso do Audiovisual, a situação é ainda mais grave.
Conforme dados extraídos do UnctadStat1, o instituto de estatística do United
Nations Conference on Trade and Development (do inglês, Conferência das
Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento), em 2002 o Brasil
1
Disponível em: unctadstat.unctad.org. Acesso em 10/08/2013.
15
importou U$215 milhões em serviços audiovisuais e exportou U$28 milhões.
Em 2011, esse número passou para U$1.030 milhões em importações e
apenas U$13 milhões em exportações. O déficit na balança comercial do
audiovisual brasileiro era de U$187 milhões em 2002 e saltou 550% em apenas
nove anos, chegando a U$1.030 milhões em 2011. Certamente, uma das
contas mais deficitárias da balança comercial brasileira.
Finalmente, embora existisse um plano com indicadores e metas para
internacionalização do audiovisual brasileiro para o período de 2011 a 2020,
publicado pela Agência Nacional do Cinema (ANCINE, 2012), não foram
encontrados estudos que se propusessem a analisar a internacionalização do
setor. Essa é uma das lacunas que o presente trabalho se propõe a preencher.
Do lado acadêmico, pesquisadores admitem que ainda há poucos estudos
sobre a internacionalização de empresas pequenas (RUZZIER; HISRICH;
ANTONCIC, 2006). No caso de pequenas e médias empresas (PME) de
serviços, os estudos seriam ainda mais raros e necessários (COVIELLO;
MARTIN, 1999).
Por sua vez, pequenas e médias empresas (PME) exportadoras situadas em
países emergentes, como é o caso do Brasil, mereceriam mais atenção dos
pesquisadores. Afinal, seu padrão de internacionalização tenderia a ser
diferente, já que desafios como incertezas políticas ou regulatórias imporiam
desafios extras à sua expansão internacional (LAU; BRUTON, 2007). Além
disso, no caso específico do Brasil, fatores como a burocracia governamental
seriam considerados um dos maiores obstáculos à internacionalização (AMAL;
MIRANDA; FREITAG, 2008).
Assim, o estudo das trajetórias e caraterísticas de internacionalização de
empresas como Drama Filmes e Grifa Filmes pode ter uma dupla função,
ajudando a esclarecer perguntas do tipo:
16
a) Até que ponto fatores internos (organização) e externos (ambiente) pesam
na velocidade e intensidade da trajetória de internacionalização de produtoras
brasileiras do audiovisual? Quais seriam esses fatores?
b) Se há empresas com características Born Globals entre as produtoras de
cinema e TV brasileiras, como elas superaram as barreiras e dificuldades para
serem bem sucedidas na expansão internacional de suas atividades?
1.3.
DELIMITAÇÃO DO ESTUDO
Setorialmente, esse estudo foca unicamente a produção audiovisual para
cinema e TV. Nesse sentido, é importante destacar que, em linhas gerais, a
cadeia produtiva do audiovisual divide-se em três partes: produção, distribuição
e exibição.
Paralelamente, visando facilitar as ações de fomento e regulação do
audiovisual brasileiro, a ANCINE propôs uma segmentação da cadeia em:
produtoras, distribuidoras, salas de exibição (cinema), TV aberta, TV Paga (ou
TV por assinatura), varejo para venda de vídeos domésticos, videolocadoras
para locação de vídeo e, mais recentemente, as mídias móveis. (ANCINE,
2010). Portanto, outros estudos poderão detalhar e analisar o papel dos demais
segmentos na geração de valor para o Audiovisual. Esse não é um objetivo do
presente trabalho.
1.4.
A ECONOMIA CRIATIVA E O SETOR AUDIOVISUAL
Há uma necessidade urgente de se encontrar novas vias de
desenvolvimento que fomentem a criatividade e a inovação na busca
de crescimento e desenvolvimento inclusivo, equitativo e sustentável.
(UNDP, 2013, p. 2)
17
1.4.1. A Economia Criativa no Mundo
O comércio internacional de bens e serviços da Economia Criativa atingiu um
recorde de US$ 624 bilhões em 2011. Entre 2002 e 2011 esse montante mais
que dobrou, sendo que a taxa de crescimento no período foi de 8,8% ao ano.
No caso dos países em desenvolvimento, a exportação de bens e serviços
criativos cresceu de forma ainda mais acentuada, atingindo uma média anual
de 12,1%, considerando o mesmo período, e chegando a US$ 227 bilhões em
2011 (UNDP, 2013).
Entretanto, embora as economias em desenvolvimento estejam aumentando
sua participação no comércio internacional da Economia Criativa, à exceção de
Artesanato e Design, nos demais setores elas ainda detêm participação
reduzida, se comparadas aos países desenvolvidos, como pode ser observado
no Gráfico 1 a seguir:
Gráfico 1 - Share de exportação de bens criativos por grupo econômico em 2011
Fonte: UNDP (2013, p. 162)
18
Igualmente, embora a criatividade esteja se tornando “uma das mais poderosas
forças
de
vantagem
competitiva
na
economia
moderna”
(WHITE;
GUNASEKARAN; ROY, 2014, p. 46), “o conceito de Economia Criativa e seu
estabelecimento como disciplina de estudo só ganhou expressão e relevância a
partir da década de 2000” (OLIVEIRA; ARAUJO; SILVA, 2013, p. 7). Essa
sistematização teria se inspirado em uma iniciativa do governo britânico, que
em 1998 percebeu que os segmentos criativos responderiam por cerca de 5%
do PIB do país, e criou uma força tarefa que mapeou e dividiu a indústria
criativa em 13 setores (FLEW, 2013).
Assim, de acordo com Howkins (2002) (apud Oliveira, Araújo e Silva, 2013, p.
7):
A Economia Criativa (EC) seria composta pelo conjunto de atividades
econômicas que dependeriam do conteúdo simbólico, sendo a
criatividade o fator mais expressivo para a produção de bens e
serviços.
Produtos e serviços baseados em criatividade e conhecimento teriam, ainda,
elasticidade-renda elevada e, em geral, a Economia Criativa se relacionaria de
forma simbiótica com novas tecnologias de informação e comunicação. A EC
teria também relações de transbordamento muito próximas ao turismo e
esporte (OLIVEIRA; ARAUJO; SILVA, 2013).
Ainda de acordo com White, Gunasekaran e Roy (2014), a criatividade estaria
fortemente associada à inovação, de tal forma que existiria uma relação
estreita entre as duas. As competências centrais da indústria criativa, a seu
turno, estariam baseadas na criatividade, habilidades e talentos do indivíduo,
de forma que as empresas criativas seriam catalisadoras de riquezas e
oportunidades geradas por meio do trabalho criativo dessas pessoas (WHITE;
GUNASEKARAN; ROY, 2014).
Conceitualmente, criatividade pode ser definida como “o processo pelo qual as
ideias são geradas, conectadas e transformadas em coisas que são
valorizadas” (OLIVEIRA; ARAUJO; SILVA, 2013, p. 10). As manifestações ou
19
resultados dessa criatividade seriam alavancados por um modelo baseado em
cinco tipos de capital: humano, cultural, social, tecnológico, estrutural e
institucional (HUI et al., 2005).
A criatividade, individualmente, poderia ser articulada em três grandes áreas
inter-relacionadas: criatividade artística (ou cultural), expressa em texto, som
ou imagem; criatividade científica, que envolve curiosidade e experimentação e
criatividade econômica, que conduz à inovação em tecnologia e práticas de
negócios (OLIVEIRA; ARAUJO; SILVA, 2013).
As indústrias criativas, então, podem ser definidas de acordo com pelo menos
cinco diferentes sistemas de classificação (UNCTAD, 2010). Sem entrar no
mérito de cada um deles, no presente trabalho será adotado o sistema da
UNCTAD (2010), segundo o qual as indústrias criativas lidariam com a
interação de vários setores, desde aqueles enraizados na cultura tradicional
(como o artesanato) até os subgrupos mais tecnológicos e orientados a
serviços, como o audiovisual e as novas mídias.
A classificação da UNCTAD (2010) divide as indústrias criativas em quatro
grupos: patrimônio, artes, mídias e criações funcionais. Esses, por sua vez, são
subdivididos em nove subgrupos, conforme esquematizado na Figura 1:
20
Figura 1 - Classificação da UNCTAD para indústrias criativas
Fonte: UNCTAD (2010, p. 8)
Em relação à contribuição econômica dos setores criativos para os países, os
dados supostamente mais confiáveis provêm de um estudo do World
Intellectual Property Organization (WIPO), do inglês, Organização Mundial de
Propriedade Intelectual, realizado em 2012. O WIPO monitora os setores
envolvidos direta ou indiretamente na criação, produção, distribuição e
transmissão de obras protegidas por direitos autorais (OLIVEIRA; ARAUJO;
SILVA, 2013).
A análise foi realizada em 40 países de diferentes partes do mundo e concluiu
que, em média, as indústrias criativas protegidas por direitos intelectuais
colaboram com 5,20% do Produto Interno Bruto (PIB) desses países e são
responsáveis por empregar, aproximadamente, 5,36% da força de trabalho
formal nos mesmos (WIPO, 2013). Nos Gráficos 2 e 3 segue a participação
calculada para cada um dos países analisados:
21
Gráfico 2 - Contribuição das indústrias criativas para o emprego formal
Fonte: Wipo (2013, p. 3)
Gráfico 3 - Contribuição das indústrias criativas para o PIB
Fonte: Wipo (2013, p. 3)
22
Ainda de acordo com esse estudo, os setores criativos protegidos por direitos
intelectuais que mais valor agregaram ao PIB desses países foram: imprensa,
livros e outras publicações (38,6%), software e bancos de dados (25%), rádio,
TV, música ao vivo, teatro, publicidade, filmes, vídeos e exibições, somando
outros 25% (UNDP, 2013).
Em relação à geração de empregos, 43% da mão de obra estaria empregada
nos segmentos de imprensa, livros e outras publicações. As cinco indústrias
principais em termos de percentual de emprego corresponderiam por 80% das
vagas disponibilizadas. Software, bancos de dados, rádio e TV seriam, por sua
vez, os setores mais intensivos em uso de mão de obra, de acordo com o
levantamento (WIPO, 2013).
Apesar da importância crescente da Economia Criativa, principalmente para as
economias em desenvolvimento (UNDP, 2013), Flew (2013) e o estudo da
UNCTAD (2010) consideram que o comércio intra-regional e as trocas Sul-Sul
deveriam ser incentivadas e aprimoradas. A crise financeira recente dos países
europeus reforçaria, adicionalmente, a necessidade de que as economias
emergentes aumentassem o escopo e extensão das trocas comerciais entre si
(PRATT; HUTTON, 2013).
Nesse sentido, as políticas públicas desses países são de extrema importância
e devem ser aprimoradas. White, Gunasekaran e Roy (2014) sugerem medidas
e métricas para mensurar e alavancar as atividades dos setores criativos que
deveriam levar em conta oito fatores fundamentais em nível nacional:
educação, liderança, infraestrutura, cultura, políticas governamentais, inovação
tecnológica, redes/clusters criativos e diversidade.
1.4.2. A Economia Criativa no Brasil
As iniciativas para reconhecer a EC como parte integrante da estratégia de
desenvolvimento do Brasil surgiram em 2004. Nesse ano, o Ministério da
Cultura (MinC), através do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE),
23
decidiu mapear o tamanho do setor cultural do país. Por meio da coleta de
dados em mais de 320 mil negócios culturais, concluiu-se que as indústrias
culturais foram responsáveis por 1,6 milhão de empregos, cerca de 4% da mão
de obra do país de 2003 a 2005, e por 5,7% do total de negócios nesse período
(IBGE, 2006).
No entanto, foi apenas em 2012 que o MinC instituiu a Secretaria da Economia
Criativa (SEC), criada por meio do Decreto 7743, de 1º de junho de 2012, cuja
missão e objetivos são:
Conduzir a formulação, a implantação e o monitoramento de políticas
públicas para o desenvolvimento local e regional, priorizando o apoio
e o fomento aos profissionais e aos micro e pequenos
empreendimentos criativos brasileiros. O objetivo é contribuir para
que a cultura se torne um eixo estratégico nas políticas públicas de
desenvolvimento do Estado brasileiro (BRASIL, 2012).
O primeiro grande desafio da SEC seria o levantamento de informações e
dados da Economia Criativa no Brasil. Para isso, basearam-se no relatório da
UNCTAD (2010), estudos realizados pela Federação das Indústrias do Rio de
Janeiro, nos parâmetros da Relação Anual de Informações Sociais (RAIS) e da
quantidade de empreendimentos considerados criativos, de acordo com a
Classificação Nacional de Atividades Econômicas do IBGE (MINC, 2012).
Contudo, as estimativas e tendências apresentadas nas Tabelas 1 a 4 não
representam a importância e dimensão reais dos setores criativos nacionais,
caracterizados por elevado grau de informalidade (OLIVEIRA; ARAUJO;
SILVA, 2013). Assim, “boa parte da produção e circulação doméstica de bens e
serviços criativos não é incorporada às estatísticas” (MINC, 2012, p. 31).
Tabela 1 - Setores Criativos no Brasil em 2010
Descrição
Contribuição dos
setores criativos ao
PIB do Brasil (2010)
Dado
R$ 104,37
bilhões
2,84% do PIB
do Brasil
Análise Econômica
Trata-se de setores de grande dinamismo
econômico, cuja participação no PIB supera alguns
subsetores tradicionais de atividade econômica
como a indústria extrativa (R$78,77 bilhões) e a
produção e distribuição de eletricidade, gás, água,
esgoto e limpeza urbana (R$ 103,24 bilhões).
24
Crescimento anual
do setor criativo nos
últimos 5 anos
(relativo ao PIB)
Há uma tendência do núcleo dos setores criativos
de ganhar maior robustez econômica no Produto
Interno Bruto (PIB) com possibilidades reais de
ampliar
futuramente
sua
participação.
O
crescimento médio anual dos últimos 5 anos do
núcleo dos setores criativos (6,13%) foi superior ao
crescimento médio anual do PIB brasileiro (4,3%)
6,13% a.a.
Fonte: MinC (2012, p. 31)
Tabela 2 - Emprego nos setores criativos do Brasil em 2010
Descrição
Dado
Análise Econômica
Pessoas exercendo
ocupações formais
relacionadas aos
setores criativos
3.763.271
(8,54% do total de
empregados formais
no Brasil)
Pessoas exercendo
ocupações formais
no núcleo dos
setores criativos
865.881
(1,96% do total de
empregados formais
do Brasil)
Renda Média dos
trabalhadores
formais no núcleo
dos setores criativos
R$ 2.293,64
Nota-se que, para cada emprego gerado no
núcleo dos setores criativos, há um efeito
multiplicador para os outros segmentos
econômicos da cadeia produtiva. Para cada
emprego gerado no núcleo, há quatro
empregos em atividades relacionadas ao setor.
No entanto este efeito pode ser ainda maior
caso se considere o setor informal que não
entra no cômputo destas estatísticas.
A renda média dos trabalhadores formais do
núcleo dos setores criativos é 44% superior à
média da renda dos trabalhadores formais do
Brasil (R$1.588,42)
Fonte: MinC (2012, p. 32)
Tabela 3 - Empresas nos setores criativos do Brasil em 2010
Descrição
Dado
Análise Econômica
Empresas atuando
nos núcleos dos
setores criativos
63.373
O núcleo dos setores criativos corresponde a 1,86% do
total de 3.403.448 empreendimentos do país.
Número médio de
empregados por
empresa dos setores
criativos
13,7
Nota-se que os setores criativos se caracterizam pela
prevalência de empreendimentos de pequeno porte.
Assim, o apoio de instituições como o Sebrae é de
grande importância para seu desenvolvimento
Fonte: MinC (2012, p. 32)
Tabela 4 - Exportações dos Setores Criativos brasileiros em 2008
Descrição
Exportações
brasileiras de bens
criativos
Dado
US$ 1.222
milhões
Análise Econômica
Ainda há grande espaço para o Brasil ampliar suas
exportações de bens criativos para o resto do mundo.
Segundo a UNCTAD, as exportações brasileiras
representam apenas 0,30% do valor global exportado
pelo resto do mundo (US$ 406,992 bilhões)
25
Exportações
brasileiras de
serviços criativos
US$ 6.331
milhões
O mesmo acontece para exportações de serviços
criativos para o resto do mundo. Segundo dados da
UNCTAD, as exportações brasileiras representam
apenas 3,42% do valor global exportado (US$ 185
bilhões)
Fonte: MinC (2012, p. 32)
Apesar de não aparecer no relatório do MinC (2012), em 2008 o Brasil importou
US$ 4.089 milhões em serviços criativos (UNCTAD, 2010, p. 321), o que
deixou a balança dessa conta positiva em US$ 2.242 milhões. No mesmo ano,
o país importou US$ 1.718 em produtos criativos (UNCTAD, 2010, p. 305), o
que deixa a balança da conta ligeiramente negativa, em US$496 milhões. No
saldo geral, a balança comercial da Economia Criativa do Brasil, em 2008, ficou
positiva em US$ 1.746 milhões.
Em relação ao valor adicionado (VA) gerado pelas indústrias criativas
brasileiras, em 2009, Oliveira, Araújo e Silva (2013) salientam que o setor
audiovisual (áudio, cinema, rádio, TV e vídeo) respondeu por 31,3% do VA
gerado, seguido por publicações e mídias impressas, com 25%, novas mídias
(publicidade e geração de conteúdo na internet), com 23%, e serviços criativos
(arquitetura, ensino, recreação, P&D criativo e outros), com 10,7% do VA
gerado nesse ano.
Em relação ao peso da informalidade para a EC, o estudo de Oliveira, Araújo e
Silva (2013) tentou extrapolar alguns dados do PNAD (Pesquisa Nacional por
Amostragem de Domicílios) para estimar a força de trabalho criativa. Eles
sugeriram que o número de profissionais exercendo ocupações nos núcleos
dos setores criativos saltaria de 1,96% para 3% da força de trabalho brasileira
e cerca de 6% da massa salarial. Além disso, as características dos
trabalhadores por setor estariam representadas conforme a Tabela 5:
Tabela 5 - Características dos trabalhadores por área da EC em 2009
Núm. de
trabalhadores
Salário médio
mensal (R$)
Anos de estudo
Locais culturais
43.267
1.283,37
11,30
Artes performáticas
504.616
1.189,93
10,07
Área
26
Publicação e mídia impressa
709.146
1.253,61
10,36
Audiovisual
186.595
1.571,82
11,49
1.355.411
676,99
8,49
Novas Mídias
274.287
3.043,08
11,76
Serviços Criativos
927.997
1.785,38
11,20
Design
Fonte: Oliveira, Araújo e Silva (2013, p. 45)
Embora a balança comercial estivesse positiva em 2008, os desafios são
muitos. Enquanto no mundo a EC representa, em média, mais de 5% do PIB
das nações (WIPO, 2013), no Brasil ela contribui com apenas 2,86% (MINC,
2012). O crescimento de 6,13% ao ano dos setores criativos nacionais (MINC,
2012) pode ser considerado tímido se comparado ao crescimento anual de
12,1% das exportações de bens e serviços criativos dos países em
desenvolvimento (UNDP, 2013).
Alguns setores, por sua vez, precisam de bastante fomento e incentivo para se
profissionalizarem e adquirirem condições de competir internacionalmente. Um
deles é o Audiovisual (Cinema e TV). Em 2003, os EUA empregavam 142 mil
pessoas nesse setor, quase 12 vezes o número de 12 mil trabalhadores
formais empregados no Brasil, em 2010 (OLIVEIRA; ARAUJO; SILVA, 2013).
1.4.3. O Audiovisual no Mundo
Como acontece com outros setores da Economia Criativa, quando se refere ao
comércio internacional, o Audiovisual é tratado de forma distinta da maioria dos
produtos e serviços. Por ser reconhecido como expressão cultural relevante,
normalmente foge das regras gerais aplicáveis ao comércio entre países
(OLIVEIRA; ARAUJO; SILVA, 2013).
Para o segmento de Salas de Exibição, do ponto de vista de mercado, as
produções cinematográficas de Hollywood dominam cerca de 80% do comércio
mundial de filmes (UNCTAD, 2010). A fim de fazer frente a essa potência do
Audiovisual, os governos dos países criaram mecanismos para proteger a
produção nacional, por meio de cotas de tela para os filmes nacionais ou
27
subsídios diversos. A Europa, com destaque à França, o Canadá e a Coréia do
Sul são exemplos de regiões que têm mecanismos para proteger e fomentar
fortemente sua produção audiovisual (DALTON, 2013; SOUSA, 2013).
Em outros países, além de barreiras institucionais à livre entrada de produções
estrangeiras, existe uma forte identificação cultural com os filmes nacionais. É
o caso de Nollywood na Nigéria, com uma produção doméstica de mais de 900
filmes no formato de vídeo por ano, desde 2008, e de Bollywood na Índia, cuja
produção anual ultrapassa os 1.200 filmes ao ano e a venda de ingressos para
cinema já chega à casa de três bilhões de unidades anuais, desde 2008
(UNCTAD, 2010; UNESCO, 2013).
No segmento de TV Paga, as séries e documentários produzidos nos EUA,
Canadá e Europa também continuaram a dominar o mercado internacional.
Principalmente no caso dos EUA, a indústria audiovisual consegue diluir os
custos de produção em um mercado doméstico grande e caracterizado pela
homogeneidade linguística e cultural, fatores que contribuem para a sua
competitividade global (UNCTAD, 2010).
Com isso, os produtores da América do Norte e europeus conseguem vender
seus produtos em todo o mundo a preços muito atraentes para os canais de TV
Paga. Exploram diversas janelas de exibição ao mesmo tempo e dificultam a
concorrência da produção independente local desses países (RANGEL, 2011).
Balança Comercial do Audiovisual no Mundo
Essa liderança do Audiovisual dos EUA reflete-se na exportação de serviços do
setor, onde ocupam posição de absoluto destaque, seguidos por Reino Unido,
Canadá e França. Entre as economias em desenvolvimento, o Brasil ocupa um
modesto 6º lugar, num bloco liderado pela Argentina.
Mesmo assim, o somatório das economias em desenvolvimento representa
apenas 10% das exportações mundiais de serviços audiovisuais (UNCTAD,
28
2010). No caso da Rússia, deve-se destacar o forte crescimento das
exportações entre 2002 e 2010, de acordo com a Tabela 6:
Tabela 6 - Principais exportadores de serviços audiovisuais (em US$ milhões) 2002-2011
Fonte: Unctad (2010, p. 339-340) e UnctadStat (unctadstat.unctad.org). Dados de 2011 dos
EUA de MPAA (2012)
O ranking dos importadores de serviços audiovisuais é liderado pela Alemanha,
seguido por Canadá, França e EUA. No período de 2006 a 2011 verifica-se
forte crescimento da importação audiovisual pelos Estados Unidos. No caso
dos países em desenvolvimento, constata-se que o Brasil é o maior importador,
superando em ampla margem os demais. A Rússia é o segundo país, entre os
BRICS, em valor importado de audiovisual, como se verifica na Tabela 7:
Tabela 7 - Principais importadores de serviços audiovisuais (em US$ Milhões) 2002-2011
Fonte: Unctad (2010, p. 341-342) e UnctadStat (unctadstat.unctad.org)
29
Salas de Exibição (Cinema)
Em 2012, a receita de bilheteria mundial dos cinemas foi de US$ 34,7 bilhões,
ampliando-se 6% em relação a 2011. Entre 2008 e 2012, o crescimento
mundial do valor das receitas de bilheteria de cinema foi de 25,3%. A região do
Pacífico Asiático cresceu 53% no período e a América Latina cresceu 73%. A
China foi o país com a maior taxa de crescimento em 2012, com 36% (MPAA,
2013).
A Tabela 8 mostra os principais países e a posição do Brasil em termos de
bilheteria em 2012, sendo que os dados para EUA e Canadá estão agrupados:
Tabela 8 - Principais países em receita de bilheteria (2012)
País
US$ bilhões
EUA/Canadá
10,8
China
2,7
Japão
2,4
Reino Unido
1,7
França
1,7
Índia
1,4
Alemanha
1,3
Coréia do Sul
1,3
Rússia
1,2
Austrália
1,2
Brasil
0,8
Fonte: MPAA (MPAA, 2013, p. 5)
Sem contar com a Nigéria, que lança cerca de 1.000 filmes por ano no formato
de vídeo (UNCTAD, 2010), a produção mundial de filmes para cinema oscila
em torno de 6.500 títulos desde 2008 (UNESCO, 2013).
Os 10 principais produtores foram responsáveis por quase 70% da produção
mundial de filmes em 2011. Embora EUA e Índia liderem a lista, no período de
2005 a 2011 houve crescimento substancial em outros países de fora da lista,
como Vietnam (525%), Irã (192%), Turquia (150%) e Brasil (136%). Os dados
são mostrados na Tabela 9:
30
Tabela 9 - Lista dos 10 principais produtores mundiais de filmes (2005-2011)
Fonte: Unesco (2013, p. 11)
TV Paga
De acordo com a ABI Research, uma renomada consultoria norte americana de
inteligência competitiva, o mercado de TV Paga chegou a 903 milhões de
assinantes em 2013, gerando próximo de US$ 250 bilhões em receitas de
serviços (ABI, 2014). Isso representa mais de sete vezes o valor de S$34,7
bilhões do cinema em 2011, segundo a Motion Picture Association of America
(MPAA, 2013). As operadoras de IPTV (TV paga pela Internet) obtiveram
crescimento de 18,5% em relação a 2012, totalizando 92 milhões de assinantes
e receitas de US$ 37 bilhões em serviços em 2013 (ABI, 2014).
A TV Paga compõe um segmento de extrema importância para o audiovisual
no mundo, em termos de clientes potenciais para filmes, séries, documentários,
notícias, variedades e programas esportivos. De acordo com Paxton (2013),
das 1,46 bilhões de residências com TV no planeta em 2012, aproximadamente
55% eram assinantes de algum tipo de serviço de TV Paga.
Com 585 milhões de assinantes no mundo em 2008 (MURRAY, 2013), o
crescimento acumulado no período entre 2008 e 2013 foi de 54%. Se entre
2010 e 2012 o crescimento médio anual foi da ordem de 8%, entre 2012 e 2013
ele saltou para 12%, conforme o Gráfico 4 abaixo:
31
Gráfico 4 - Assinantes de TV Paga no Mundo (2010 a 2013)
Fonte: Adaptado de Paxton (2013, p. 4) e ABI (2014)
Regionalmente, a área do Pacífico Asiático foi responsável pela maior parte
desse crescimento. Entre 2008 e 2012, foram 126 milhões de novos
assinantes, ou quase dois terços dos acréscimos globais no período, chegando
a 433 milhões de assinantes na região em 2012 (MURRAY, 2013). O segundo
lugar fica para a América do Norte, com 112 milhões de assinantes em 2012
(MURRAY, 2013), embora a base de assinantes esteja estagnada e tenha
inclusive sofrido um leve declínio de 1,5% entre 2012 e 2013 no serviço de TV
a cabo (ABI, 2014).
A base de assinantes de TV a cabo também sofreu declínio de 1% na Europa
Ocidental em 2013. Espanha e Itália também puxaram a queda de cerca de 5%
dos assinantes de TV Paga via satélite na região (ABI, 2014). Segue abaixo a
Tabela 10, listando os 10 principais países com assinantes de TV paga e a
penetração desse tipo de serviço por país em 2012:
Tabela 10 – Os 10 principais mercados mundiais de TV paga em 2012
Residências (milhões)
Penetração (%)
China
232,8
Holanda
Índia
116,7
Dinamarca
97
EUA
100,2
Bélgica
96
Hong Kong
96
Japão
25,1
100
32
Rússia
23,6
Noruega
95
Alemanha
21,8
Coréia do Sul
95
Brasil
16,2
Suécia
92
Coréia do Sul
16,1
Suíça
86
Reino Unido
14,4
Canadá
86
México
13,0
EUA
86
Fonte: Murray (2013)
Importante destacar que, embora a base de assinantes de TV a cabo ainda
represente o maior percentual do faturamento mundial da TV Paga, a TV Paga
via satélite deve ultrapassar o sistema a cabo nos próximos anos (MURRAY,
2013) e a IPTV (TV Paga via Internet) deve chegar a 161 milhões de
assinantes até 2019, impulsionada pelo acesso oferecido pelas operadoras de
telefonia móvel, e abocanhar até 15% do mercado mundial de TV por
assinatura (ABI, 2014).
Regionalmente, a TV a cabo ainda deve contribuir para o crescimento de
mercado no Pacífico Asiático e América Latina, cuja base de assinantes do
serviço deve chegar a 635 milhões até 2019. África, com 2,1 milhões de
assinantes de TV via satélite em 2013, deve chegar a 2019 com 4,8 milhões de
assinantes nesse sistema (ABI, 2014).
Globalmente, estima-se que o mercado de TV Paga deva chegar a 1,1 bilhão
de assinantes de assinantes e US$ 320 bilhões em receitas até 2019 (ABI,
2014). Deve-se frisar, também, a importância crescente da TV Digital, cuja
penetração mundial passou de 28,6% em 2008 para 54,7% no fim de 2012,
chegando a 786 milhões de residências com aparelhos de TV, nos 97 países
onde o sistema digital estava disponível em 2012 (MURRAY, 2013). Através
dessa tecnologia, é possível oferecer muito mais canais e serviços agregados
do que por meio da TV analógica convencional.
1.4.4. Internacionalização do Audiovisual brasileiro
Embora existisse um plano com indicadores e metas para internacionalização
do audiovisual brasileiro para o período de 2011 a 2020 (ANCINE, 2012), não
33
foram
encontrados
estudos
que
se
propusessem
a
analisar
a
internacionalização do setor.
Todavia, existem alguns programas de apoio à internacionalização do
Audiovisual brasileiro apoiados pela Apex, dentre os quais se destacam:

Brazilian TV Producers (BTVP) – Parceria da Associação Brasileira de
Produtoras Independentes de Televisão (ABPITV) com a Apex-Brasil e o
Ministério da Cultura (Minc). As principais linhas de ação envolvem
apoio a parcerias, rodadas de negócios e eventos de capacitação.

FilmBrazil – Criado em 2002 pela Associação Brasileira da Produção de
Obras Audiovisuais (APRO). Em parceria com a Apex-Brasil, o programa
apoia a participação de produtores do audiovisual brasileiro em eventos
internacionais.

Cinema do Brasil – Criado em 2006, é um programa de promoção do
cinema brasileiro, em particular de incentivo à coprodução, valorização
da imagem do cinema brasileiro no exterior e prospecção de mercados
externos, por meio de parceria entre o Sindicato da Indústria Audiovisual
do Estado de São Paulo (SIAESP), a Secretaria do Audiovisual do
Ministério da Cultura e a Apex-Brasil.
1.5.
ORGANIZAÇÃO DO ESTUDO
Este estudo está organizado em seis capítulos, a saber:
1) Introdução: os objetivos deste estudo são apresentados, bem como sua
relevância, sua delimitação e o panorama setorial resumido das Indústrias
Criativas e do Audiovisual em particular.
2) Revisão da Literatura: traz a revisão teórica relevante ao estudo, com a
abordagem das quatro teorias comportamentais de internacionalização, das
34
características do processo de internacionalização em relação empresas
de
serviço em economias emergentes e apresentado um modelo teórico, testado
pela primeira vez nesse trabalho, para estudar firmas Born Globals brasileiras.
3) Métodos aplicados à pesquisa: os métodos escolhidos para a realização
da coleta e análise de dados da pesquisa são apresentados e justificados, bem
como suas limitações;
4) Descrição dos casos: é feita a descrição das empresas estudadas,
baseadas nos dados coletados em campo;
5) Análise dos casos: é feita a interpretação e análise dos casos descritos no
capítulo anterior, a fim de entender como as quatro teorias comportamentais se
aplicam aos achados empíricos. São apontados, também, semelhanças e
diferenças nos processos de internacionalização das empresas estudadas;
6) Conclusão: onde são dadas as respostas às perguntas de pesquisa, de
acordo com uma abordagem integrada das quatro teorias comportamentais
apresentadas, e feitas as recomendações para estudos futuros.
35
2. REVISÃO DA LITERATURA
Metáforas e símbolos são excelentes para transmitir complexidade, e
é por isso que são usados para descrever conceitos abstratos e
multifacetados. (IRWIN; DUNN; MICHAUD, 2013, p. 61)
Os
modelos
e
teorias
de
internacionalização
de
empresas
buscam
compreender e, por vezes, explicar os processos e motivadores por trás da
internacionalização das empresas. O modo ou as razões pelas quais as firmas
resolvem aventurar-se além das fronteiras de seus países de origem são
complexas e multifacetadas. Por isso, acredita-se que tais modelos possam
funcionar como metáforas que ajudam a compreender uma realidade difícil de
explicar, tal como o acreditam os estudiosos da filosofia.
Portanto, sem prejuízo de outras abordagens, traremos os principais modelos
da corrente comportamental de internacionalização de empresas, na esperança
de compreender as decisões que permearam a internacionalização das duas
empresas pesquisadas no presente trabalho, em conformidade com o
arcabouço teórico construído pelos principais pesquisadores sobre o assunto,
especialmente aquele que compõe a chamada corrente comportamental.
2.1.
TEORIAS COMPORTAMENTAIS
As abordagens comportamentais sobre internacionalização de empresas, mais
recentes do que as vertentes econômicas, surgiram na universidade sueca de
Uppsala (JOHANSON; VAHLNE, 1977; JOHANSON; WIEDERSHEIM-PAUL,
1975), na década de 1970, como uma proposta de linha de pesquisa paralela
às teorias econômicas em negócios internacionais, predominantes para
36
explicar o fenômeno da internacionalização até então (MACHADO-DA-SILVA;
SEIFERT JR, 2004).
No entanto, as teorias comportamentais explicam melhor os estágios iniciais do
processo de internacionalização de pequenas e médias empresas (PME),
enquanto as teorias econômicas se adequam melhor às decisões tomadas por
empresas multinacionais já estabelecidas (JOHANSON; VAHLNE, 1990;
MELÉN; NORDMAN, 2009; MELLO, 2009, p. 22; VEIGA; ROCHA, 2001). A
novidade trazida por essa corrente teórica foi adicionar um novo olhar sobre os
estudos de negócios internacionais, cujo processo passa a ser analisado,
também, à luz das teorias do comportamento organizacional (HILAL; HEMAIS,
2003).
Assim, essa nova abordagem busca analisar o processo de internacionalização
das organizações por meio da observação de fatores comportamentais que, a
princípio, influenciariam o julgamento e tomada de decisão dos dirigentes
dessas empresas, no sentido de estenderem suas atividades para além das
fronteiras nacionais (GALLINDO, 2012).
Ainda de acordo com Mello (2009, p. 15), “as questões fundamentais sobre as
operações internacionais da firma são simplesmente: por que e como as
empresas investem em operações internacionais?” Dib e Carneiro (2007)
complementam essa noção, indicando que haveria cinco questões básicas a
responder sobre a internacionalização da empresa: por que, o quê, quando,
onde e como; representadas na Figura 2:
Figura 2 - Questões básicas do processo de internacionalização da empresa
Fonte: (DIB; CARNEIRO, 2007, p. 7)
37
Visando abordar tais questões, o presente trabalho foca na vertente
comportamental de internacionalização, utilizando especificamente o Modelo
de Uppsala, a Teoria das Redes e duas de suas mais recentes proposições
teóricas – Empreendedorismo Internacional (EI) e Born Globals (BG).
Em todo o capítulo sobre revisão de literatura, antes de entrar nas
contribuições mais recentes ou mesmo críticas aos modelos propostos, será
feita uma breve análise do artigo seminal, academicamente reconhecido como
tal, e os pressupostos teóricos que deram origem a cada uma das abordagens
supracitadas. Afinal, como disse Sir Isaac Newton, “se eu posso enxergar além,
é porque me apoio em ombros de gigantes”. Como salientam ainda Vom
Brocke et al. (2009), “o objetivo de escrever uma revisão de literatura é
reconstruir o gigantesco conhecimento acumulado em um domínio específico
do saber humano”. Para isso, entender as bases, os fundamentos que deram
origem às novas teorias em internacionalização é imprescindível para melhor
compreender sua evolução e desdobramentos ao longo do tempo. Na
sequência, serão tratadas brevemente as críticas e considerações sobre cada
um dos modelos e como eles evoluíram no decorrer dos anos.
2.2.
MODELO DE UPPSALA
A chamada escola nórdica compõe-se, basicamente, de duas abordagens que
buscam explicar os movimentos de internacionalização das empresas: o
Modelo de Uppsala (M-U), ou Modelo de Processo de Internacionalização
(MPI) e a Teoria de Redes ou Networks (ROCHA et al., 2006, p. 17). Será
tratado nessa seção o modelo de Uppsala, e na seguinte será abordada a
perspectiva de Redes.
Cabe salientar que uma questão pouco explorada nas revisões de literatura é a
explanação do motivo pelo qual o Modelo de Uppsala (M-U) é também
chamado de Modelo de Processo de Internacionalização (MPI).
38
Dentro das questões fundamentais sobre as operações internacionais da firma,
elencadas por Mello (2009, p. 15), o M-U ou MPI não se voltaria muito aos
motivadores, ou os porquês da internacionalização, bastante explorados pelas
correntes econômicas, como o paradigma eclético de Dunning, e mesmo por
outras abordagens comportamentais. Dunning procurou explicar principalmente
decisões motivacionais relativas a produzir ou não em um mercado externo
(DIB, 2008, pp. 36–37; DUNNING, 1980, pp. 9–11, 1988; IETTO-GILLES,
2005). A maior preocupação dos teóricos de Uppsala, portanto, seria tentar
compreender
o
processo
e
forças
que
atuam
nos
movimentos
de
internacionalização das empresas. Em outras palavras, como, ou de que forma,
as organizações investem em operações internacionais (FORSGREN, 2002,
pp. 259–261; JOHANSON; VAHLNE, 1977, 1990, p. 13, 2009, p. 1412; ROCHA
et al., 2006, p. 25).
2.2.1. Pressupostos Teóricos
As bases conceituais do Modelo de Uppsala aludem à visão comportamental
da organização (AHARONI, 1966; CYERT; MARCH, 1963) e à teoria do
crescimento da firma de Penrose como bases conceituais para fundamentar
seu modelo de internacionalização. Johanson e Vahlne fizeram uso também de
estudos
empíricos anteriores,
a
fim
de
apoiar
a
ideia
de
que
a
internacionalização ocorreria como um processo incremental, no qual as
empresas aumentariam suas atividades internacionais de forma gradual
(JOHANSON; WIEDERSHEIM-PAUL, 1975).
As contribuições de Cyert e March (1963) foram no sentido de estudar como o
comportamento, estrutura e práticas cotidianas da organização impactam no
estabelecimento de metas, tomada de decisão e execução das escolhas em
uma empresa (ARGOTE; GREVE, 2007). Aharoni (1966) acrescentaria a ideia
de que “as companhias fazem ajustes incrementais para adaptar-se às
mudanças nas condições da firma e de seu ambiente externo” (JOHANSON;
VAHLNE, 1977, p. 35). Isso traria uma mudança de paradigma no estudo de
negócios internacionais:
39
Essa nova maneira de enxergar a firma per se como locus de
pesquisa impactaria profundamente no M-U, já que até meados de
1960 poucos economistas se importavam com o que acontecia dentro
da empresa, debruçando-se mais sobre os aspectos macro,
relacionados principalmente ao comércio internacional. (DIB, 2008, p.
43)
Penrose, por sua vez, já havia introduzido quase duas décadas antes do
advento do M-U a firma como unidade de análise. Porém, sua maior
contribuição para o arcabouço teórico do modelo em questão foi o conceito
sobre dois tipos de conhecimentos distintos: o conhecimento objetivo, que pode
ser ensinado e transmitido, e o experimental (ou conhecimento tácito), que
pode ser apenas aprendido por meio da experiência individual. Esse é um
elemento chave do MPI:
A aprendizagem é considerada a força motriz do processo, porque
reduz a incerteza e torna a firma mais apta a explorar oportunidades
nos mercados externos. Posteriormente, Johanson e Vahlne (1990)
acrescentaram à visão de aprendizagem no modelo a possibilidade
de as empresas aprenderem umas com as outras. (MELLO, 2009, p.
27)
Adicionalmente, é importante destacar que “a Teoria Comportamental da Firma
tenta
ir
além
das
limitações
das
abordagens
econômicas
de
internacionalização, em especial no que se refere a organizações de pequeno
e médio porte” (D´OLIVEIRA; SERTÃ, 2012, p. 36). Os desdobramentos dessa
corrente deram origem, ainda, a dois modelos comportamentais para analisar a
internacionalização de empresas: o modelo de Uppsala (M-U) e o Modelo de
Inovação, esse último desenvolvido fora da escola nórdica, a partir dos
trabalhos seminais de Bilkey e Tesar (1977) e Cavusgil (1980). No presente
trabalho será tratado apenas o M-U, mais conhecido e referenciado pelos
estudiosos da área de negócios internacionais e, também, mais adequado aos
objetivos dessa pesquisa.
Os dois modelos defendem que a internacionalização das empresas é um
processo gradual e incremental, que segue uma série de etapas sucessivas.
Mesmo assim, vale comentar brevemente as sutis diferenças no enfoque de
ambas as correntes:
40
No Modelo de Uppsala, destaca-se a aquisição, integração e uso da
experiência e do conhecimento sobre o mercado estrangeiro,
condicionando a alocação de recursos e o comprometimento da firma
com o mercado. No Modelo de Inovação, a internacionalização
representa uma inovação da empresa, em que a justificativa
primordial para sua implantação lenta é a aversão da direção da
companhia ao risco e ao baixo conhecimento sobre o mercado
internacional. (D´OLIVEIRA; SERTÃ, 2012, p. 36)
2.2.2. O Mecanismo Original do Modelo
Concebido originalmente na escola Sueca de Uppsala, na década de 1970, o
M-U passou por algumas alterações ao longo dos anos. Isso decorreu
principalmente em função de drásticas mudanças no ambiente global de
negócios durante as últimas décadas, além das críticas e ponderações
formuladas pelo meio acadêmico (Cf. ANDERSEN, 1993; ARENIUS, 2005;
FORSGREN, 2002; HAGEN; HENNART, 2004; OVIATT; MCDOUGALL, 1997;
PEDERSEN; SHAVER, 2000). Some-se a isso a influência das considerações
de pesquisas em torno da Teoria de Redes, a partir de 1988 (JOHANSON;
MATTSSON, 1993; JOHANSON; VAHLNE, 2003, 2011, 1990). Entretanto,
nessa seção será dado foco aos pressupostos que deram origem ao
mecanismo original do M-U.
A premissa básica do modelo, de acordo com o artigo seminal de Johanson e
Vahlne, é que:
A falta de conhecimento é um importante obstáculo ao
desenvolvimento de operações internacionais e que o conhecimento
necessário pode ser adquirido principalmente por meio de operações
no exterior. (JOHANSON; VAHLNE, 1977, p. 31)
Portanto, a falta de conhecimento aumentaria o risco e a incerteza de investir
em atividades internacionais. Dessa maneira, para reduzir a incerteza, a firma
deveria programar uma estratégia gradual de expansão no estrangeiro, em
etapas incrementais. Outro fator que dificultaria a saída dos mercados
domésticos seria a distância psíquica entre o país sede da companhia e os
mercados internacionais. Conforme os autores, a distância psíquica seria “a
soma dos fatores que dificulta o fluxo de informações entre os diferentes
mercados”. Alguns desses fatores seriam “diferenças de idioma, educação,
41
práticas de negócios, aspectos culturais e desenvolvimento industrial”
(JOHANSON; VAHLNE, 1977, p. 33).
Assim, a fim de reduzir o risco inerente a tais incertezas, e consoante com as
observações de seus estudos empíricos, Johanson e Vahlne (1977) sugerem
que os modos de entrada e expansão em mercados estrangeiros deveriam
seguir o que eles denominaram cadeia de estabelecimento. Inicialmente os
negócios internacionais ocorreriam por meio de exportações irregulares,
seguida por representantes autônomos, pela abertura de escritórios de vendas
no exterior e, finalmente, via filiais para produção no estrangeiro. Cada
mudança de estágio acarretaria em maior comprometimento de recursos,
porém significaria mais experiência internacional para a firma (YUAN, 2010, p.
21), supostamente reduzindo risco e incerteza.
A Figura 3 esquematiza a cadeia de estabelecimento em mercados
internacionais, ou os modos de entrada e expansão sequenciais sugeridos pelo
M-U original:
Figura 3 - Cadeia de Estabelecimento em Mercados Internacionais
Fonte: Adaptando de Johanson e Vahlne (JOHANSON; VAHLNE, 1977, p. 34)
A cadeia de estabelecimento explica as formas de entrada em mercados
internacionais. Porém, como se daria seleção desses mercados? Segundo
Johanson e Vahlne (1990), e respeitando o conceito de distância psíquica, “as
empresas buscariam abordar primeiro aqueles mercados sobre os quais têm
mais conhecimento ou que julgam ter maiores semelhanças com o doméstico”
(FERREIRA, 2013a, p. 36), para só depois abordar países cuja distância
psíquica fosse maior.
A fim de entender não os porquês, mas principalmente como ocorriam esses
processos, Johanson e Vahlne (1977) desenvolveram o mecanismo básico do
42
M-U, reunindo todos os pressupostos teóricos e contribuição dos estudos
empíricos efetuados com empresas suecas. Eles consideraram que “um
modelo dinâmico seria mais adequado a esse fim” (JOHANSON; VAHLNE,
1977, p. 36), desenvolvendo um framework de ciclos causais, em que o
resultado de uma decisão constituiria a base para as próximas, num processo
incremental e contínuo. (ANDERSEN, 1993, p. 221)
Esse mecanismo, que explicaria a forma pela qual as empresas ingressam nos
mercados estrangeiros, seria composto de dois conjuntos de elementos:
O primeiro seria constituído pelos aspectos de estado
(comprometimento com o mercado e conhecimento do mercado) e o
segundo pelos aspectos de mudança (decisões de comprometimento
de recursos com os mercados externos e a forma pela qual seriam
desempenhadas as atividades comerciais) (MELLO, 2009, p. 25)
Ainda de acordo com Mello:
À medida que aumentasse o conhecimento do mercado, as empresas
tenderiam a aumentar o comprometimento de recursos, o que levaria
a decisões de aumentar o nível de recursos investidos naquele
mercado. Estas decisões, por sua vez, levariam ao aprofundamento
do comprometimento com aquele mercado. (MELLO, 2009, p. 26)
Cabe salientar que, conforme Johanson e Vahlne (1977), a premissa básica do
modelo é a de que “a firma lutaria para aumentar sua lucratividade no longo
prazo, o que equivaleria a uma estratégia de crescimento”; além disso, “a
empresa também lutaria para manter o risco na tomada de decisão em níveis
aceitáveis” (JOHANSON; VAHLNE, 1977, p. 36) ao analisar oportunidades
potenciais de negócios fora de seus países de origem. Dessa maneira, pode-se
dizer que os aspectos de estado influenciam os aspectos de mudança e viceversa, conforme a representação gráfica proposta pelos autores e exposta na
Figura 4:
43
Figura 4 - Mecanismo Basico da Internacionalização segundo o M-U
Fonte: Adaptado de Johanson e Vahlne (JOHANSON; VAHLNE, 1977, p. 37)
Os aspectos de estado ainda podem ser subdivididos. No caso do
conhecimento do mercado, ele pode ser desmembrado em conhecimento
objetivo e o experiencial. Esse último seria crítico segundo o modelo, pois
permitiria o reconhecimento e formulação de oportunidades concretas de
negócio, enquanto que o objetivo permitiria apenas a proposição de
oportunidades teóricas. Assim, de acordo com Carvalho e Dib (2013):
O conhecimento experiencial seria uma importante força
impulsionadora para a internacionalização e a principal maneira para
reduzir a incerteza de mercado. (CARVALHO; DIB, 2013, p. 40)
O conhecimento de mercado ainda se subdividiria em conhecimento geral de
marketing e conhecimento específico do mercado-alvo. Ambos seriam
importantes para as atividades internacionais. No entanto, de acordo com
Johanson e Vahlne, “o conhecimento específico é adquirido primariamente por
meio da experiência no mercado, enquanto que o geral pode ser transferido de
um país a outro” (JOHANSON; VAHLNE, 1977, p. 39).
Ainda de acordo com Forsgren (2002, p. 268), “a aquisição de conhecimento
partiria de uma perspectiva bottom-up” (de baixo para cima), ou seja, os
44
funcionários de uma subsidiária, em contato direto com a realidade de um
determinado mercado, teriam mais condições de aprender sobre seus
problemas e oportunidades, para só então repassá-los aos níveis superiores da
organização.
O comprometimento com o mercado, por sua vez, pode ser separado em grau
de compromisso e em quantidade de recursos comprometidos. Enquanto o
segundo é fácil de mensurar, o grau de comprometimento refere-se à
“especialização dos recursos para servir a um mercado específico” (MELLO,
2009, p. 26). Em outras palavras, de acordo com Andersen (1993, p. 211) esse
grau de compromisso se “assemelharia ao conceito de custo afundado”, uma
vez que seria difícil encontrar usos alternativos para tais recursos específicos
ou transferi-los para outros países.
Sobre os aspectos de mudança, cabe ressaltar que as decisões de
comprometimento são tomadas “em resposta a problemas ou oportunidades
percebidas no mercado-alvo” e que tais percepções “dependeriam da
experiência, principalmente daqueles que trabalham diretamente nesses
mercados” (JOHANSON; VAHLNE, 1977, p. 39). Apesar de em 1977 ainda não
ter sido elaborada a Teoria de Redes, que só seria formalmente desenvolvida a
partir de 1988, Johanson e Vahlne já começavam a tecer algumas
considerações sobre a importância do relacionamento entre empresas:
Oportunidades são também vislumbradas por indivíduos de
organizações com as quais a firma interage. Esses indivíduos podem
propor soluções alternativas para a firma na forma de ofertas ou
demandas. (JOHANSON; VAHLNE, 1977, p. 40)
Acerca das atividades atuais de uma empresa, é importante destacar que pode
haver uma defasagem de tempo entre a execução da atividade e suas
consequências para a organização. Investimentos em marketing, por exemplo,
só costumam trazer ganhos no longo prazo, sem repercussões significativas no
curto prazo. Portanto, de acordo com Gallindo (2012, p. 19):
45
As ações da firma em um mercado podem ser traduzidas em
comprometimento; então, quanto maior a defasagem [de tempo],
maior o comprometimento da empresa [com esse mercado].
Assim, de acordo com o modelo, o ciclo de experiência, aprendizagem e
comprometimento deveria ocorrer de forma gradual, o que indicaria a
necessidade de um processo incremental de internacionalização,
em
consonância com os estágios definidos na cadeia de estabelecimento. Com
isso, para os autores seria possível reduzir o risco percebido a níveis aceitáveis
pela organização (JOHANSON; VAHLNE, 1977).
Embora alguns fatores permitissem acelerar o processo de internacionalização,
como a abundância de recursos, condições estáveis e homogêneas de um
mercado ou a experiência prévia em mercados similares (JOHANSON;
VAHLNE, 1990), na maior parte do tempo ele seguiria esse caminho prédeterminado pela cadeia de estabelecimento. Tal determinismo sugerido pelo
modelo, a gradualidade na expansão internacional, aversão ao risco e a pouca
importância dada à figura do empreendedor no processo de tomada de decisão
foram alguns dos pontos mais criticados no M-U original por outros estudiosos
de negócios internacionais.
2.2.3. Críticas ao Modelo de Uppsala original
Treze anos após a publicação do artigo seminal, Johanson e Vahlne (1990)
citam estudos empíricos de internacionalização em empresas de diversos
países, além das pesquisas originais na Suécia, “uma nação pequena e
altamente industrializada” (JOHANSON; VAHLNE, 1990, p. 13), cujos
resultados corroboram a validade do modelo. Mesmo assim, reconhecem
algumas das críticas direcionadas ao modelo original, expondo os comentários
pertinentes.
Na crítica ao determinismo da cadeia de estabelecimento, argumentam que ela
fugiria ao escopo proposto pelo modelo, que “se dedica a explicar
internacionalização de empresas que buscam apenas novos mercados, e não
recursos ou competição no estrangeiro” (CARVALHO; DIB, 2013, p. 41).
46
Admitem também que o MPI é mais adequado aos estágios iniciais de
internacionalização da empresa, quando “a falta de recursos ou de
conhecimento
de
um
mercado
ainda
são
fatores
limitantes
à
internacionalização” (JOHANSON; VAHLNE, 1990, p. 14). Adicionalmente,
apontam que teorias econômicas, como o Paradigma Eclético de Dunning
(1980, 1988), trariam importantes elementos complementares a fim de
compreender a expansão no estrangeiro de empresas grandes e já
estabelecidas internacionalmente.
Na questão da distância psíquica, o poder explicativo do M-U original teria
diminuído, uma vez que “o mundo está ficando muito mais homogêneo”
(JOHANSON; VAHLNE, 1990, p. 15) e globalizado. Por sua vez, o conceito
tradicional de distância psíquica seria a de um construto subjetivo, inerente aos
vieses perceptuais dos tomadores de decisão em uma firma (HILAL; HEMAIS,
2003; SILVA; ROCHA; FIGUEIREDO, 2007).
Assim,
uma
menor
percepção
de
distância
psíquica
não
estaria
necessariamente associada à maior probabilidade de sucesso, como
demonstram, por exemplo, estudos de empresas brasileiras que fracassaram
nas primeiras tentativas de internacionalização para Portugal, um país com
relativa proximidade cultural, mesmo idioma e, em muitos casos, considerado
uma porta de entrada para a Europa (Cf. FREIRE, 2001; JONES; DE PINHO,
2007; JUNIOR; ROCHA; MELLO, 2013; SILVA; ROCHA; FIGUEIREDO, 2007).
Para Arenius (2005), embora a distância psíquica ainda possa exercer
influência na seleção de países e na velocidade de penetração em novos
mercados, a experiência prévia do empreendedor e o capital social da firma
agiriam como poderosos moderadores desse processo.
O capital social seria “a quantidade e qualidade de relações externas de uma
firma e de seus indivíduos” (ARENIUS, 2005, p. 116), o que a beneficiaria em
termos de acesso a fontes de informações confiáveis em outros países, bem
como na identificação de clientes potenciais e alianças estratégicas no
47
estrangeiro. Seria também um recurso valioso para inovação e renovação
estratégica,
principalmente
em
novos
negócios
internacionais
(PRASHANTHAM, 2008).
O artigo de Andersen (1993), por outro lado, observa que foram feitos poucos
esforços para testes e aprimoramentos dos aspectos teóricos do M-U.
Classificado pelo autor como um modelo do tipo “genético ou históricoexplicativo” (ANDERSEN, 1993, p. 216), o mesmo não elucidaria como ou
porque se inicia o processo de internacionalização de uma empresa. Ademais,
segundo esse mesmo autor, uma vez iniciada a internacionalização, os
proponentes do M-U assumiriam que ela prossegue numa escala crescente
indefinidamente, de acordo com os ciclos causais do modelo. Assim, seria
desconsiderada no processo a importância de fatores como a economia,
oportunidades presentes e tamanho dos mercados-alvo, ciclo de vida dos
produtos ou serviços ofertados e decisões estratégicas dos gestores.
(ANDERSEN, 1993; HAGEN; HENNART, 2004; OVIATT; MCDOUGALL, 1994,
1997)
Em relação ao ciclo experiência, aprendizado e comprometimento, Johanson e
Vahlne (1977, 1990) deixam claro que aprendizado é um aspecto crucial do
modelo, para a superação de incertezas e riscos na internacionalização.
Porém, Forsgren (2002) afirma que o conceito apresentado pelo M-U original é
incompleto, pois só consideraria uma de suas dimensões: o aprendizado pela
experiência.
Por conseguinte, o modelo, a princípio, desconsideraria o aprendizado pela
imitação, via aquisição de empresas ou capital intelectual, ou mesmo a
pesquisa pró-ativa de mercado para embasar a tomada de decisões em
atividades internacionais. A incorporação de novas dimensões de aprendizado
poderia, assim, ter impactos profundos no comportamento e velocidade da
expansão internacional da organização. (FORSGREN, 2002; PEDERSEN;
SHAVER, 2000; SOARES, 2013)
48
Um ponto interessante para o presente trabalho, de acordo com Johanson e
Vahlne (1990), é que alguns estudos empíricos concluíram que o MPI não seria
totalmente válido para empresas de serviços. Como serão pesquisados os
casos de duas firmas brasileiras do setor audiovisual, é importante entender
até que ponto o modelo ajuda a explicar (ou não) a expansão internacional de
empresas de serviços.
Por sua vez, Johanson (1986) pondera que o M-U original não levaria em conta
a interdependência entre mercados de diferentes países. Reconhece que esse
seria um problema tanto conceitual quanto explicativo:
O problema conceitual é que parece ser razoável considerar uma
firma mais internacionalizada quando ela enxerga e lida com
mercados de diferentes países como interdependentes, do que
quando ela os vê como entidades completamente distintas. O
problema explicativo é que essas interdependências entre mercados
podem potencialmente ter um forte impacto na internacionalização da
empresa. (JOHANSON; VAHLNE, 1990, p. 15)
No entanto, mesmo com a aceitação de algumas críticas por parte dos
criadores do MPI, nesse artigo de 1990 Johanson e Vahlne não propuseram
efetivamente nenhuma evolução do M-U original, a não ser reconhecer a
importância das redes de relacionamento para os aspectos de estado e
mudança. Entretanto recordam que, se o modelo não é perfeito, é porque
“devemos nos lembrar de que a internacionalização de empresas é um
fenômeno inserido em um mundo em constantes mudanças e evolução”
(JOHANSON; VAHLNE, 1990, p. 22).
2.2.4. Defesa e readaptação do Modelo de Uppsala
As críticas recebidas, o desenvolvimento da Teoria de Redes, a constatação de
uma maior competição global e o avanço tecnológico fizeram com que
Johanson e Vahlne aperfeiçoassem o modelo original, incorporando diversos
aspectos de Networks (CARVALHO; DIB, 2013; JOHANSON; VAHLNE, 2003,
1990, 2009; ROCHA et al., 2012). Incluindo elementos como relacionamento,
confiança, reputação (ou posição na rede), novas formas de aprendizado e
49
construção de conhecimento, Johanson e Vahlne apresentaram o M-U revisado
(JOHANSON; VAHLNE, 2009, p. 1424), conforme esquematizado na Figura 5:
Figura 5 - Mecanismo de Interncionalização do M-U revisado
Fonte: Adaptado de Johanson e Vahlne (2009, p. 1424)
Assim, de acordo com o M-U revisado, a firma deixa de ser uma unidade de
análise isolada para fazer parte de uma rede de relacionamentos formada por
clientes, fornecedores, mercados e demais stakeholders interligados. Os
compromissos passam a ser assumidos com os membros dessas redes, e não
mais com mercados de países específicos. Baseando-se no modelo original, o
mecanismo
revisado
descreve
processos
dinâmicos
de
aprendizado,
construção de compromisso e, principalmente, de confiança entre as partes
(JOHANSON; VAHLNE, 2003, 2009).
Dessa maneira, algumas mudanças sutis ocorrem nos aspectos de estado e
mudança em relação ao modelo original. Nos aspectos de estado,
conhecimento de mercado é ampliado para conhecimento e oportunidades,
ressaltando que a criação ou descoberta de oportunidades são o mais
importante
elemento
a
nortear
o
processo
de
internacionalização.
Comprometimento com o mercado é substituído por posição na rede, já que a
internacionalização ocorre dentro das redes de relacionamento, caracterizadas
50
por seus níveis de conhecimento, confiança e compromisso (CARVALHO; DIB,
2013; JOHANSON; VAHLNE, 2009).
Um ponto interessante destacado por Johanson e Vahlne (2003, 2009) é que a
construção de confiança é um processo complexo que requer tempo, consome
recursos e tem “uma forte dimensão afetiva e emocional que é crítica para o
modelo” (FERREIRA, 2013a, p. 42). Assim, posição na rede poderia ser
entendida como reputação ou credibilidade de uma firma dentro de uma ou
várias redes de negócios.
Em relação aos aspectos de mudança, as firmas geram conhecimento não
apenas por meio de suas próprias atividades, mas também interagindo com os
parceiros em sua rede, o que abrange e diversifica as formas possíveis de
aprendizado
(FORSGREN,
2002;
JOHANSON;
VAHLNE,
2009).
Por
conseguinte, o que era colocado como atividades atuais no modelo original dá
lugar a aprendizado, criação de conhecimento e construção de confiança.
Nesse cenário “o aumento do conhecimento pode ter impactos não apenas
positivos, mas negativos sobre confiança e compromisso” (FERREIRA, 2013a,
p. 42), o que levaria à redução de comprometimento ou, em casos extremos ao
desinvestimento em um mercado (JOHANSON; VAHLNE, 2009). Dessa
maneira, existe uma redução na importância das etapas da cadeia de
estabelecimento, já que outros mecanismos, como joint ventures e alianças
estratégicas, ou ainda a eliminação de certas etapas, é possível dentro do M-U
revisado, que passa a incorporar elementos essenciais da Teoria de Redes
(CARVALHO; DIB, 2013; JOHANSON; VAHLNE, 2003).
Finalmente, as decisões de compromisso do modelo original são agora
decisões de compromisso com os relacionamentos e não apenas com
mercados ou com investimento de recursos. Com isso, a questão da distância
psíquica tem sua importância reavaliada. A não participação em redes
estratégicas de relacionamentos seria o verdadeiro impeditivo para aumentar o
conhecimento sobre dado mercado, reduzindo a importância de diferenças
51
culturais ou institucionais (CARVALHO; DIB, 2013; JOHANSON; VAHLNE,
2003, 2009).
Assim, na tentativa de conciliar o Modelo de Redes com MPI, o novo modelo
ficaria mais complexo que o original. Entretanto adquiriria mais robustez teórica
e, portanto, mais condições de ser aplicado às firmas no ambiente globalizado
de negócios internacionais (ANDERSEN, 1993; CARVALHO; DIB, 2013;
JOHANSON; VAHLNE, 2003). Isso enfraqueceria os argumentos de que o
modelo estaria obsoleto e, por conseguinte, restrito a explicar o processo de
internacionalização de determinados tipos de empresas, conforme salientam
alguns críticos do M-U (Cf. OVIATT; MCDOUGALL, 1994, 1997).
A partir de então, guardadas as devidas limitações inerentes a quaisquer
modelos, ele serviria para ajudar a compreender a internacionalização de
pequenas ou grandes empresas (JOHANSON; VAHLNE, 2013), com
processos
mais
ou
menos
acelerados
de
expansão
no
estrangeiro
(CARVALHO; DIB, 2013).
2.3.
TEORIA DE REDES
2.3.1. Base Teórica
A Teoria de Redes, ou Networks, pode ser considerada uma evolução natural
da Escola Nórdica (CARVALHO; DIB, 2013; FERREIRA, 2013a, 2013b; HILAL;
HEMAIS, 2003; MAIS et al., 2010). Em um cenário de globalização e evolução
das empresas, a abordagem gradualista do M-U original não mais explicaria
toda a realidade em que as organizações estariam inseridas (AMAL;
MIRANDA; FREITAG, 2008; HILAL; HEMAIS, 2003; JOHANSON; VAHLNE,
2003). Além disso, de acordo com a Teoria de Redes, as firmas não deveriam
mais ser analisadas como unidades isoladas interagindo com o mercado, e sim
como parte integrante de uma rede de relacionamentos com fornecedores,
52
clientes,
concorrentes,
distribuidores,
governo
e
outras
instituições
(FERREIRA, 2013a; JOHANSON; MATTSSON, 1993; JOHANSON; VAHLNE,
2011). Em suma, a rede seria o próprio mercado e as interconexões entre seus
atores (JOHANSON; VAHLNE, 2011).
Inicialmente, a Teoria de Redes surgiu entre os pesquisadores suecos no
contexto do marketing industrial e estudos de canais de distribuição, e não
visava explicar especificamente os mecanismos de internacionalização
(JOHANSON; MATTSSON, 1993; MELLO, 2009). Por sua vez, as bases
conceituais que deram origem à Teoria de Redes em negócios internacionais
teriam muitos pontos em comum com os precedentes do M-U original,
acrescentando a contribuição de interdependência de recursos entre membros
de uma rede e coalizão de grupos de interesse, como já sugerido em 1978 por
Pfeffer e Sallancik (ROCHA et al., 2006; WEISFELDER, 2001).
2.3.2. O Modelo de Redes
Um dos motivadores para o estudo de Redes foi a constatação de que os
consumidores costumam ser resistentes às mudanças em suas fontes de
suprimentos. Inclusive haveria certa estabilidade e durabilidade em suas
relações com seus fornecedores (TURNBULL; FORD; CUNNINGHAM, 1996).
Uma das noções que apoiam essa observação é a de que os custos de troca
tenderiam a ser elevados nessas redes estáveis de relacionamento (PORTER,
1985, 1986, 1990). Portanto:
Uma rede de relacionamentos seria formada por relações de longo
prazo, desenvolvidas e mantidas entre diferentes agentes
econômicos atuantes em um mercado (ROCHA et al., 2006, p. 28)
Ainda de acordo com Johanson e Mattsson (1993), é preciso que as firmas
conheçam-se muito bem a fim de estabelecer negócios importantes entre si.
Elas devem confiar nas habilidades e disposição uma das outras para cumprir
os compromissos assumidos. Essas relações envolvem elos que podem variar
de
institucionais
(entre
empresas)
a
pessoais
(entre
colaboradores),
abrangendo ainda níveis hierárquicos e departamentais diversos entre as
53
firmas (JOHANSON; MATTSSON, 1993; ROCHA et al., 2006). Portanto, devido
à complexidade, tais relacionamentos demandariam muitos recursos, incluindo
considerável tempo dos envolvidos, para serem construídos e principalmente
fortalecidos (JOHANSON; MATTSSON, 1993; ROCHA et al., 2012; RUZZIER;
HISRICH; ANTONCIC, 2006).
Participar de uma rede permitiria o acesso a recursos externos valiosos para a
estratégia da firma e “sua disponibilidade influenciaria o modo como a empresa
reage
às
oportunidades,
bem
como
afetaria
seu
desempenho
na
internacionalização” (FERREIRA, 2013a, p. 44). Portanto, a posição numa rede
determinaria o grau em que uma empresa acessa esses recursos e,
consequentemente,
seu
leque
de
opções
estratégicas
(JOHANSON;
MATTSSON, 1993; ROCHA et al., 2006).
A vantagem competitiva, nesse caso, viria da capacidade de a empresa
coordenar e mobilizar seus relacionamentos, a fim de alavancar sua posição na
rede, ampliar sua eficiência nos mercados externos e garantir seu crescimento
no longo prazo (JOHANSON; MATTSSON, 1993; TURNBULL; FORD;
CUNNINGHAM, 1996). Tais posições seriam alcançadas basicamente de três
maneiras: por meio de extensão internacional, isto é, a conquista de novos
mercados estrangeiros; penetração, ou seja, ampliar o comprometimento nos
mercados atuais e integração internacional, que seria o aumento da
coordenação em diferentes redes internacionais (JOHANSON; MATTSSON,
1993; RUZZIER; HISRICH; ANTONCIC, 2006).
Dessa maneira, Madsen e Servais (1997) observam que a internacionalização
não pode ser tratada como o movimento isolado de uma empresa. É preciso
compreender as condições do ambiente externo e os laços estratégicos
existentes nas redes às quais a empresa está inserida. Assim, de acordo com o
grau de internacionalização da firma e do mercado, Johanson e Mattsson
(1993) identificaram quatro estágios de internacionalização na abordagem de
networks, conforme a Figura 6:
54
Figura 6 - Internacionalização e o modelo de Redes
Fonte: Johanson e Mattson (JOHANSON; MATTSSON, 1993, p. 310)
As
empresas
classificadas
como
Pioneiras
teriam
poucas
relações
internacionais, assim como seus concorrentes. O aprendizado acaba sendo
experiencial e o padrão de internacionalização lento e gradual, aproximando-se
das premissas do M-U original (JOHANSON; VAHLNE, 1977). Empresas de
pequeno porte poderiam usar agentes para entrar nos mercados externos, a
fim de superar riscos e incertezas. IDE (investimento direto no estrangeiro) via
aquisições ou o estabelecimento de subsidiárias seriam opções mais
adequadas para uma MNE (multinational enterprises, do inglês, empresas
multinacionais), uma vez que requereriam mais investimentos no curto prazo,
porém, podem potencialmente fortalecer sua posição em redes internacionais
no longo prazo.
A Internacional Solitária é a firma que adquire conhecimento e experiência em
um mercado estrangeiro pouco internacionalizado, o que lhe confere vantagem
competitiva (FERREIRA, 2013a). É o caso típico das multinacionais que
buscam mercados nacionais fechados. Nesse caso, a empresa pode promover
55
a internacionalização de seus parceiros locais ou criar barreiras de entrada
para concorrentes.
As Entrantes Tardias são firmas com pouca (ou nenhuma) experiência em
mercados estrangeiros em um setor altamente internacionalizado. É estimulada
a se internacionalizar pelos membros de sua rede de relacionamentos,
principalmente clientes. Como nesse caso a internacionalização depende
menos de recursos próprios e exige mais rapidez e adaptabilidade das
empresas, elas costumam ser menores e mais especializadas (MADSEN;
SERVAIS, 1997).
A Internacional entre Outras é a empresa com vasta experiência internacional,
atuando em um ambiente muito internacionalizado. As experiências anteriores
e o acesso a várias redes internacionais tornariam mais fácil o investimento em
novos mercados. Assim, seu papel estratégico seria o de integrar e coordenar
diferentes redes de negócios no estrangeiro (CARVALHO; DIB, 2013).
Outros autores alegam ainda que os relacionamentos estabelecidos entre as
empresas influenciariam na seleção e modos de entrada em novos mercados
(COVIELLO; MARTIN, 1999; COVIELLO; MUNRO, 1997; JOHANSON;
VAHLNE,
2009).
Assim,
a
estratégia
adotada
seria
limitada
pelas
características, profundidade e a quantidade dos relacionamentos existentes
(MUSTEEN; DATTA; BUTTS, 2013). Portanto, as redes podem atuar
ampliando ou mesmo inibindo as possibilidades estratégicas de expansão
internacional da empresa (ROCHA et al., 2006). Assim, o timing da
internacionalização, embora seja uma variável difícil de controlar, também seria
um fator crítico de sucesso para a internacionalização da empresa (GALLINDO,
2012; JOHANSON; MATTSSON, 1993; JUNIOR; ROCHA; MELLO, 2013;
OVIATT; MCDOUGALL, 1994).
2.3.3. Limitações da Teoria de Redes
Como as Redes são consideradas por alguns autores como instáveis e difíceis
de controlar, e muitos relacionamentos originam-se ao acaso, os gestores
56
deveriam integrar o desenvolvimento das redes ao planejamento estratégico da
empresa (GALLINDO, 2012; WELCH; WELCH, 1996) Porém, o modelo
desenvolvido por Johanson e Mattsson em 1988 não seria completo para essa
análise, como os próprios autores reconheceram à época.
Assim, por exemplo, nem sempre a estratégia deliberada (intencional) da
organização promove os resultados desejados, o que levam estudiosos como
Santangelo e Meyer (2011) e Andersson (2011) a destacarem a importância de
saber lidar com estratégias emergentes (não intencionais) ao interagir com as
redes, principalmente as institucionais. Johanson e Vahlne (2013) ressaltam
ainda a importância do desenvolvimento de competências dinâmicas, visando
maximizar o aproveitamento de oportunidades e geração de conhecimento
para uma empresa, em relação à sua rede de relacionamentos.
Além disso, o modelo concebido na Escola Nórdica não reconheceria ainda a
importância do empreendedor, o que seria uma limitação. “É a troca de
informações interpessoais que gera a oportunidade, e não as trocas entre
organizações” (GALLINDO, 2012, p. 44). Portanto, as redes sociais teriam
grande influência no processo e, consequentemente, necessitariam de análises
mais aprofundadas (ELLIS, 2011; FERREIRA; SANTOS; SERRA, 2010).
Adicionalmente, o modelo de Johanson e Mattson (1993) não seria adequado à
análise de redes de negócios em empresas de serviços, pois foi desenvolvido
em cima de pesquisas de redes em organizações industriais (COVIELLO;
MARTIN, 1999; COVIELLO; MUNRO, 1997).
Outra limitação da abordagem de redes seria “a falta de um núcleo teórico”
(MELLO, 2009, p. 30). Em outras palavras, as pesquisas sobre redes seriam
influenciadas por conceitos da antropologia, sociologia, psicologia e até da
matemática. Isso resultaria numa potencial perda de enfoque para os
pesquisadores da área de negócios internacionais, que desperdiçariam muito
tempo tentando compreender como esses conceitos seriam operacionalizados
(HOANG; ANTONCIC, 2003).
57
Uma questão que também seria negligenciada é a relação entre empresas e as
agências não comerciais, ou seja, as redes de relacionamentos institucionais,
como
governos,
agências
reguladoras
e
de
fomento,
entre
outros.
Principalmente no caso de economias emergentes e empresas de pequeno
porte, o relacionamento com as entidades institucionais pode ser de
fundamental importância para compreender a internacionalização dessas
organizações (PETTERSEN; TOBIASSEN, 2010; YIU; LAU; BRUTON, 2007;
ZEN et al., 2013).
2.3.4. Redes em Países Emergentes e PMEs
Diversos pesquisadores sobre negócios internacionais afirmam que ainda há
poucos
estudos
sobre
a
internacionalização
de
empresas
pequenas
(COVIELLO; MARTIN, 1999; COVIELLO; MUNRO, 1997; PETTERSEN;
TOBIASSEN, 2010; RUZZIER; HISRICH; ANTONCIC, 2006), embora nos
últimos anos as PMEs tenham recebido mais atenção dos acadêmicos (RIALP;
RIALP; KNIGHT, 2005; SCHULZ; BORGHOFF; KRAUS, 2009).
No caso de firmas sediadas em países emergentes ou economias em
transição, as pesquisas seriam ainda mais raras (JONES; COVIELLO; TANG,
2011; KEUPP; GASSMANN, 2009; MUSTEEN; DATTA; BUTTS, 2013; YIU;
LAU; BRUTON, 2007). O mesmo vale para a internacionalização de
organizações brasileiras, um fenômeno que só passou a ser pesquisado em
profundidade a partir da abertura comercial do Brasil, iniciada na década de
1990 (AMAL; MIRANDA; FREITAG, 2008; MACHADO et al., 2010; MAIS et al.,
2010; ROCHA et al., 2007, 2012; ZEN et al., 2013).
A importância das redes para a PME
Para Coviello e Munro (1997), a internacionalização de pequenas empresas de
software refletiria a o padrão acelerado proposto no M-U revisado. Ela seria
“influenciada, direcionada, facilitada, e até inibida por um conjunto de redes de
relacionamento formais e informais”, as quais poderiam “impactar a escolha de
países, modos de entrada, bem como P&D (Pesquisa e Desenvolvimento) e
58
estratégias de diversificação de mercados” (COVIELLO; MUNRO, 1997, p.
361).
Para esses autores, normalmente as PMEs sofrem com escassez de recursos
financeiros e gerenciais se comparadas às MNEs e, portanto, deveriam buscálos em suas redes de relacionamento internacionais (JONES; COVIELLO;
TANG, 2011; OVIATT; MCDOUGALL, 1994) a fim de auferir vantagens
competitivas sustentáveis (BARNEY, 1991; PORTER; FULLER, 1986). Os
resultados encontrados evidenciam a importância das redes e, notadamente, a
forte influência das redes sociais, ou as interações pessoais entre os
empreendedores das companhias nos diferentes países. Elas agiriam como
poderosos moderadores da estratégia internacional em PMEs (FERREIRA;
SANTOS; SERRA, 2010; MELLO, 2009).
No caso de PMEs de serviços, os estudos empíricos seriam ainda mais raros
(COVIELLO; MARTIN, 1999). As autoras destacam que a internacionalização
de empresas de serviços é um fenômeno muito complexo para ser explicado
apenas por uma única abordagem teórica, como as teorias de IDE, MPI ou
Networks, o que levaria a conclusões parciais. Assim, uma análise integrada
ofereceria mais subsídios para compreender a expansão internacional dessas
organizações.
Além disso, os padrões de internacionalização de empresas de serviços não
refletiriam os modelos derivados da investigação de firmas industriais
(COVIELLO; MARTIN, 1999; ROCHA; MELLO; SILVA, 2010; SACRAMENTO;
ALMEIDA; SILVA, 2002). Por sua vez, os laços formais e informais com
clientes, competidores, governo e até amizades
ou ex-colaboradores
influenciariam a internacionalização, inclusive a escolha de mercado inicial e o
modo de entrada.
Em sua pesquisa com PMEs norueguesas de alta tecnologia operando no setor
de óleo e gás, Pettersen e Tobiassen (2010) destacam o papel de redes de
relacionamento regionais, nacionais e globais como recursos críticos para o
59
crescimento internacional. Eles também sugerem que uma abordagem
integrativa é mais adequada para entender o fenômeno, uma vez que “os
insights de Born globals podem complementar a teoria de estágios”
(PETTERSEN; TOBIASSEN, 2010, p. 3), ao invés de invalidá-la.
Nesse artigo, os autores defendem ainda que a experiência prévia do
empreendedor e as redes estabelecidas no estrangeiro pré-internacionalização
seriam fatores críticos de sucesso nesse processo (ANDERSSON, 2011;
COVIELLO, 2006; MADSEN; SERVAIS, 1997), especialmente para PMEs de
economias em transição (MUSTEEN; DATTA; BUTTS, 2013). Além disso, no
período precedente ou inicial da expansão internacional as redes de
relacionamento seriam mais informais, baseadas em contatos pessoais e
servindo para construir reputação internacional. Conforme a firma avançasse
no processo, elas passariam a ser mais formais, utilizando-se de contratos
comerciais, a fim de oficializar alianças de marketing e permitir arranjos
colaborativos no estrangeiro (HITE; HESTERLY, 2001; LECHNER; DOWLING,
2003).
Em relação aos objetivos, Pettersen e Tobiassen (2010) classificam as redes
em três tipos, de acordo com seus papéis na geração de recursos para a firma:
financeiras, de marketing e de conhecimento. Referente à amplitude geográfica
elas podem ser nacionais, regionais ou globais. Quanto à natureza dos
agentes, elas podem se formar com concorrentes, na forma de arranjos
colaborativos, clientes, parceiros ou entidades governamentais.
Coordenar eficazmente a miríade de alianças que podem se formar entre os
diferentes tipos de rede, suas múltiplas utilidades e papéis, é essencial para as
PMEs alavancarem oportunidades no estrangeiro. Por exemplo, uma aliança
estratégica com centros de pesquisa, pode alavancar recursos financeiros, de
conhecimento (principalmente em P&D) e até de marketing. É o caso de um
artigo científico publicado sobre determinada tecnologia (conhecimento), que
serve como propaganda técnica do produto para novos clientes (marketing) e
60
mesmo uma forma de obter mais verba para P&D (recursos financeiros)
(PETTERSEN; TOBIASSEN, 2010).
Num levantamento sobre artigos de internacionalização de PMEs, Ruzzier,
Hisrich
e
Antoncic
(2006)
ressaltam
que
nos
estudos
sobre
a
internacionalização dessas empresas, “não se pode negligenciar a importância
do empreendedor” (RUZZIER; HISRICH; ANTONCIC, 2006, p. 489). Ele é o
recurso mais valioso a considerar na expansão internacional de pequenos
negócios, a verdadeira fonte de vantagem competitiva sustentável (BARNEY,
1991; MELLO, 2009). Assim, propuseram um modelo para entendimento do
empreendedorismo internacional,
no
qual as
principais variáveis que
impactariam na condução e desempenho das atividades internacionais da PME
seriam (RUZZIER; HISRICH; ANTONCIC, 2006, p. 491):

Capital
humano,
internacionais,
desmembrado
propensão
à
em
habilidades
internacionalização,
para
negócios
percepção
do
macroambiente, know-how gerencial.

Capital social, composto de todas as redes de relacionamento.

Características da firma, como número de empregados e faturamento.

Características do ambiente doméstico e internacional
O papel das redes para empresas de economias emergentes
Se as PMEs já mereciam mais destaque nos estudos de negócios
internacionais, as PMEs situadas em economias emergentes merecem ainda
mais atenção. Yiu, Lau e Bruton (2007) mencionaram que em economias
emergentes como a China, o ambiente institucional imporia desafios, como as
incertezas políticas ou regulatórias. Além disso, a abertura econômica,
observada em diferentes países a partir do final do século XX, trouxe a entrada
de MNEs estrangeiras, mais preparadas e capazes para a competição de
mercado.
61
Com o acirramento da concorrência estrangeira, a internacionalização seria
uma das estratégias viáveis de crescimento e mesmo de sobrevivência. Assim,
uma das formas de mitigar essa desvantagem seria por meio de alianças para
a expansão internacional. Essas poderiam se dar com empresas domésticas e,
principalmente, com agências reguladoras e de fomento, bancos, e outras
entidades governamentais (YIU; LAU; BRUTON, 2007), algo que seria ainda
pouco explorado por PMEs em países emergentes, como no caso do Brasil
(MACHADO et al., 2010).
Embora o estudo de You, Lau e Bruton (2007) tenha sido feito com empresas
chinesas de grande porte, Musteen, Data e Butts (2013) trazem uma pesquisa
do tipo survey com 169 PMEs da República Tcheca, uma economia em
transição. O principal achado de sua pesquisa é que redes, sociais ou de
negócios, estabelecidas pelos gestores antes da internacionalização teriam um
impacto positivo no seu desenvolvimento. As redes serviriam também para
compensar os chamados “vazios institucionais”, ou seja, situações em que o
governo não consegue criar ou fortalecer suas instituições de apoio às PMEs
locais, fazendo com que elas percam oportunidades potenciais de negócios no
estrangeiro (MUSTEEN; DATTA; BUTTS, 2013; SANTANGELO; MEYER,
2011).
Redes e a Internacionalização de Empresas Brasileiras
No caso de empresas brasileiras, estudos apontam que a burocracia
governamental é um dos maiores entraves à exportação (AMAL; MIRANDA;
FREITAG, 2008; DIB, 2008). Além disso, a existência de um grande mercado
doméstico e a proteção de mercado até meados da década de 1990 fizeram
com que as empresas brasileiras se tornassem entrantes tardias no mercado
global (ROCHA et al., 2007, 2012).
Nesse contexto, a fim de superar a falta de conhecimento e experiência nos
mercados externos, as redes de relacionamentos tornam-se um recurso
fundamental para essas empresas, particularmente as pequenas (JOHANSON;
62
VAHLNE, 2003, 2009; MADSEN; SERVAIS, 1997; MAIS et al., 2010; OVIATT;
MCDOUGALL, 1994; ZEN et al., 2013).
Além disso, geograficamente, boa parte das atividades internacionais das
firmas brasileiras ainda concentra-se na América Latina (AMAL; MIRANDA;
FREITAG, 2008; ROCHA et al., 2007), o que potencialmente torna ainda mais
difícil a inserção em mercados de outras regiões do globo. Afinal, sob a
perspectiva da Teoria de Redes, o grau de internacionalização da rede em que
as empresas brasileiras estariam inseridas pode ser considerado baixo (HILAL;
HEMAIS, 2003; JOHANSON; VAHLNE, 2011).
Dado esse quadro, visando facilitar a inserção de empresas brasileiras no
exterior, estudos apontam a importância das redes institucionais (AMAL;
MIRANDA; FREITAG, 2008; MACHADO; NIQUE; FEHSE, 2011; MACHADO et
al., 2010; MAIS et al., 2010). Em relação aos programas oficiais de apoio à
exportação, Machado et. al (2010) comentam que, no Brasil, eles seriam
dedicados a “empresas que estão iniciando sua exportação, mas que já têm
uma posição sólida no mercado doméstico” (MACHADO et al., 2010, p. 15).
Assim, eles seriam inadequados para empresas de rápida internacionalização.
Tais programas se dividiriam em duas frentes: aqueles que ensinariam a
exportar, como seminários, consultorias e manuais, e os programas de
desenvolvimento de mercado, como as feiras internacionais, cujo objetivo é
auxiliar as empresas na formação e fortalecimento de suas redes de negócios
no exterior (MACHADO et al., 2010).
2.4.
EMPREENDEDORISMO INTERNACIONAL
O estudo de negócios internacionais, até a década de 1980, focou basicamente
MNEs grandes e já estabelecidas. Historicamente, a maior parte das
63
multinacionais se desenvolvia gradualmente a partir de firmas domésticas
experientes e de grande porte (CHANDLER, 1986).
Desde então, o avanço tecnológico e a presença crescente de profissionais
com experiência em negócios internacionais estabeleceria novas bases para a
compreensão da formação e expansão das empresas.
Tecnologias de
comunicação de baixo custo e rapidez no transporte intercontinental
permitiriam que novos empreendedores, com recursos mais escassos,
pudessem também descobrir e explorar oportunidades de negócios em
múltiplos países. Essa não era mais uma exclusividade das companhias
grandes e maduras. (AUTIO, 2005; OVIATT; MCDOUGALL, 2005, 1994;
RIALP; RIALP; KNIGHT, 2005; RUZZIER; HISRICH; ANTONCIC, 2006;
ZAHRA; GEORGE, 2002).
Assim, começaram a surgir entre os estudiosos de empreendedorismo diversos
estudos de caso sobre novos empreendimentos internacionais. Porém, o artigo
seminal de Oviatt e McDougall (1994) formou a base sobre a qual a teoria de
empreendedorismo internacional (EI) pôde se estabelecer e florescer. Eles
trouxeram um novo olhar sobre os empreendedores internacionais, novos
empreendimentos internacionais, e sua crescente importância na economia
mundial globalizada (AUTIO, 2005).
2.4.1. Pressupostos Teóricos
Oviatt
e
McDougall
(1994)
apresentaram
uma primeira tentativa
de
conceituação formal para o termo “novos empreendimentos internacionais”,
que buscava abranger um tipo de organização que já nasce com uma
estratégia proativa de internacionalização (Cf. KNIGHT; CAVUSGIL, 1996;
MCDOUGALL; OVIATT; SHRADER, 2003):
“Nós definimos um novo empreendimento internacional (NEI) como
uma organização de negócios que, desde sua concepção, pretende
inferir vantagem competitiva significativa por meio do uso de recursos
e a venda de seus produtos em diversos países” (OVIATT;
MCDOUGALL, 1994, p. 49).
64
O que distinguiria essas novas organizações daquelas que evoluem
gradualmente a partir de uma base doméstica seria o comprometimento de
significativos recursos (humanos, financeiros, materiais ou de tempo) desde
seus primeiros anos de funcionamento. Assim, se há assimetrias na base
internacional de recursos, ou seja, se os recursos que geram valor para as
organizações estão desigualmente distribuídos entre os países (OVIATT;
MCDOUGALL, 1994; WERNERFELT, 1984; WILLIAMSON, 1985), então as
firmas que se internacionalizam desde cedo podem obter vantagem competitiva
sustentável por meio do acesso, seleção e combinação de recursos valiosos,
raros e inimitáveis, além de recursos organizacionais (VRIO), visando à criação
de valor para si e seus clientes (BARNEY, 1991; CUERVO-CAZURRA; UN,
2004; GABRIELSSON; KIRPALANI, 2004; PRAHALAD; HAMEL, 1990;
RUZZIER; HISRICH; ANTONCIC, 2006; SOUKUP FILHO; MAIOCCHI, 2013).
Claro que essa vantagem não é limitada aos NEI. Todavia, os pioneiros em
mercados internacionais emergentes podem antecipar-se à competição, sendo
os primeiros a estabelecer e explorar tais vantagens (AUTIO, 2005;
MCDOUGALL; OVIATT; SHRADER, 2003; OVIATT; MCDOUGALL, 2005).
Para Oviatt e McDougall (1994), o uso de tais recursos não pressupõe sua
posse, ou seja, o investimento direto internacional não é a única alternativa
viável. Alianças estratégicas podem ser formadas para o compartilhamento de
recursos estrangeiros como, por exemplo, capacidade de produção ou
estratégias de marketing (COVIELLO, 2006; JONES; COVIELLO; TANG, 2011;
KONTINEN; OJALA, 2011; PETTERSEN; TOBIASSEN, 2010).
Portanto, nesse novo cenário é o controle de recursos VRIO (BARNEY, 1991;
PRAHALAD; HAMEL, 1990) que viabilizaria a criação de vantagem competitiva
sustentável. Essa crença é consoante com as considerações de Young,
Dimitratos e Dana (2003), de que a área de EI parece ser influenciada, dentre
outros, pela Teoria de resource-based view (RBV), que busca identificar como
a gestão competente dos recursos acessíveis podem ajudar a explicar o
desempenho
superior
e
rápida
internacionalização
das
empresas
65
empreendedoras (JOHANSON; VAHLNE, 2009; ROCHA et al., 2012;
RUZZIER; HISRICH; ANTONCIC, 2006; YUAN, 2010).
Além da RBV, a base conceitual dos NEI é composta pelas teorias de negócios
internacionais,
empreendedorismo
e
estratégia
(ANDERSSON,
2011;
COVIELLO; MCDOUGALL; OVIATT, 2011; MCDOUGALL; OVIATT, 2000;
OVIATT; MCDOUGALL, 1994; ROCHA et al., 2010).
2.4.2. O Mecanismo Original do Modelo
Oviatt e McDougall (1994) propuseram um modelo teórico no qual quatro
elementos seriam necessários e suficientes para que um NEI seja sustentável,
conforme esquematizado na Figura 7:
Figura 7 - Elementos necessários e suficientes para novos empreendimentos internacionais
sustentáveis
Fonte: Adaptado de Oviatt e McDougall (1994, p. 54)
Segundo Oviatt e McDougall (1994) o modelo tem suas bases nas teorias de
análise do custo de transação, imperfeições de mercado e a internalização de
transações essenciais (IETTO-GILLES, 2005; RUGMAN, 1980) para explicar a
existência de NEI. Porém, as maiores contribuições trazidas pelo modelo
66
proposto foram incorporar elementos da Teoria de Empreendedorismo e das
Teorias de Estratégia Organizacional. De acordo com Mello (2009), o que se
pode se depreender da contribuição de Oviatt e McDougall é que novos
empreendimentos têm a possibilidade de se internacionalizar agressivamente
graças às competências de seus empreendedores, que têm a visão necessária
para vislumbrar oportunidades de mercado além do crescimento doméstico.
Assim, o Elemento 1 (Internalização de algumas transações) distingue
transações que se realizam internamente na firma daquelas que são
governadas pelos mercados. Aliás, a premissa para a existência da
organização está condicionada à presença de imperfeições de mercado
(COASE, 1937; WILLIAMSON, 1985). Assim, a internalização de algumas
transações comerciais que gerem valor na troca é necessária. Isso, porém, não
significa inevitavelmente a posse de ativos estrangeiros, o que leva ao
elemento seguinte.
O Elemento 2 (estruturas alternativas de governança) distingue os novos
empreendimentos de organizações já estabelecidas, uma vez que eles
normalmente não têm recursos suficientes para controlar todos os ativos de
que necessitam por meio de sua propriedade. Assim, internalizam apenas uma
pequena porcentagem de recursos indispensáveis à sua sobrevivência e
partem para estruturas híbridas, como licenciamento, franchising, dentre outros
(SOUKUP FILHO; MAIOCCHI, 2013; VESPER, 1990; WILLIAMSON, 1991;
ZEN et al., 2013).
Essas estruturas híbridas não são perfeitas e, portanto, existe o risco de
expropriação de ativos valiosos devido a possíveis atitudes oportunistas na
relação entre as partes e quebra de contratos formais estabelecidos (DIB;
CARNEIRO, 2007; KANTER, 1989; PORTER; FULLER, 1986). Portanto, uma
alternativa viável de estrutura alternativa de governança é o uso de redes de
relacionamento. Segundo Oviatt e McDougall (1994), essas redes baseiam-se
numa relação de controle informal do comportamento por meio de laços de
confiança e obrigação moral, e não por contratos formais. A cooperação
67
prevalece ao oportunismo, pois a reputação pessoal e a profissional estão em
jogo, em detrimento de ganhos de curto prazo (COVIELLO, 2006).
O Elemento 3 (vantagem de localização no estrangeiro) distingue organizações
multinacionais das locais, devido às possíveis vantagens de se transferir ou
combinar recursos para além das fronteiras nacionais. No entanto, a
internacionalização pode trazer algumas desvantagens em relação às
empresas nativas, como barreiras alfandegárias e culturais. Por conseguinte,
as multinacionais costumam apoiar-se em vantagens de escala para ganhar
algum tipo de vantagem em relação às empresas nativas, enquanto que os NEI
geralmente se apoiam em conhecimento (COVIELLO; MARTIN, 1999;
DUNNING, 1988; KEUPP; GASSMANN, 2009; MUSTEEN; DATTA; BUTTS,
2013; OVIATT; MCDOUGALL, 1994).
Ainda de acordo com Oviatt e McDougall (1994), a mobilidade do
conhecimento permite que os NEI possam combiná-lo com recursos menos
móveis em múltiplos países (por exemplo, fábricas que precisam de um novo
software ou mapeamento de processo). Assim, aparentemente negócios
intensivos em uso de conhecimento parecem expandir-se mais rápido
internacionalmente (COVIELLO; MUNRO, 1997; REICH, 1991; ROCHA et al.,
2010). Dessa forma, a prevalência de NEI deveria, em tese, acompanhar a
eficiência crescente dos mercados globais (OVIATT; MCDOUGALL, 1994).
Os três primeiros elementos seriam necessários, porém não suficientes para
definir um NEI. Assim, o Elemento 4 (recursos únicos) é o que permitiria ao NEI
obter vantagem competitiva sustentável, já que o conhecimento, por si só, pode
ser copiado após sua disseminação. Assim, o NEI deveria limitar o uso
indiscriminado desse conhecimento por terceiros nos países onde atua para
que ele conserve seu valor comercial (OVIATT; MCDOUGALL, 1994).
Isso poderia ser feito de quatro formas: a) conhecimento proprietário, protegido
por meio de patente, contratos de confidencialidade, dentre outros. A melhor
forma de proteger o conhecimento, porém, seria encontrar uma maneira de
68
mantê-lo em segredo sem, no entanto, impedir o seu uso; b) imitabilidade
imperfeita (BARNEY, 1991; SCHOEMAKER, 1990), ou seja, o estilo gerencial
ou a cultura organizacional única de um NEI poderia evitar a imitação por
possíveis concorrentes; c) licenciamento seria a terceira forma, buscando
equilibrar estratégias de preço versus ciclo de vida do produto para maximizar
o valor do conhecimento da empresa, algo que empresas de tecnologia como a
Apple parecem fazer muito bem. E, finalmente, d) o uso das estruturas
alternativas de governança, notadamente as redes de relacionamento, ajudaria
a reduzir o risco de expropriação de conhecimento proprietário em um NEI
(ANDERSSON, 2000; OVIATT; MCDOUGALL, 2005).
Por sua vez, como seria possível diferenciar um NEI de empresas mais
maduras, que se internacionalizaram gradualmente após muitos anos de
atividade? De acordo com Oviatt e McDougall (1994), um NEI poderia ser
definido como aquela empresa que começa a receber receitas de suas
atividades internacionais em até, no máximo, seis anos após sua fundação
(MCDOUGALL; OVIATT; SHRADER, 2003). Ademais, que pelo menos 25% de
suas receitas sejam provenientes de suas atividades no estrangeiro (KNIGHT;
CAVUSGIL, 1996).
Na sequência, Oviatt e McDougall (1994) enumeram quatro tipos de básicos de
NEI de acordo com número de atividades da cadeia de valor que são
coordenadas internacionalmente (PORTER, 1986) e a quantidade de países
em que atuam. Os autores reconhecem que existe um continuum de tipologias
dentre os extremos estabelecidos, e que os NEI podem deslocar-se entre os
diferentes
quadrantes
conforme
evoluem
no
seu
processo
de
internacionalização. A Figura 8 apresenta as tipologias enumeradas por Oviatt
e McDougall (1994):
69
Figura 8 - Tipos de novos empreendimentos internacionais
Fonte: Adaptado de Oviatt e McDougall (1994, p. 59)
Os quadrantes i e ii estão reservados aos chamados novos criadores de
mercados internacionais. Esse é um tipo convencional de empresa, formado
basicamente por importadores e exportadores de produtos, que lucram
movendo bens e serviços dos países de onde eles são ofertados para as
nações que os demandem. As atividades de cadeia de valor mais prováveis de
serem internalizadas são os sistemas e conhecimento em logística de
importação e exportação. Start-up de importação/exportação foca em atender a
poucos países, muitas vezes familiares ao empreendedor, enquanto que o
comerciante
multinacional
serve
a
uma miríade
de
nações
e
está
constantemente buscando por novas oportunidades comerciais, nas quais uma
rede de relacionamentos está estabelecida ou pode ser rapidamente criada.
(OVIATT; MCDOUGALL, 1994).
A Start-up focada geograficamente ocupa o quadrante iii, servindo às
necessidades de regiões específicas com o uso de recursos estrangeiros. Sua
vantagem competitiva reside no fato de saber coordenar múltiplas atividades da
cadeia de valor (PORTER, 1990). Tal coordenação é difícil de imitar porque
envolve conhecimento tácito ou é socialmente complexa, por meio de uma rede
70
de relacionamentos de alianças exclusivas nas áreas atendidas. (OVIATT;
MCDOUGALL, 1994; RUZZIER; HISRICH; ANTONCIC, 2006).
A Start-up global ocupa o quadrante iv e é a manifestação mais radical dos
NEI, que consegue reunir recursos VRIO para atuar com eficiência na
coordenação de múltiplas atividades da cadeia de valor em diversos países ou
continentes simultaneamente. Apesar da elevada complexidade do negócio,
uma vez estabelecido, esse tipo de NEI desenvolve uma rápida curva de
aprendizado, o que pode criar vantagem competitiva sustentável por meio de
uma combinação de fatores únicos na geração de valor para a empresa.
(OVIATT; MCDOUGALL, 2005, 1994). Esse é talvez o tipo de NEI que mais se
aproximaria do conceito contemporâneo de BG (COVIELLO; MCDOUGALL;
OVIATT, 2011).
2.4.3. Principais Críticas ao Modelo de EI
Por sua vez, o modelo de NEI proposto por Oviatt e McDougall (1994) recebeu
algumas críticas de estudiosos (Cf. GAMBOA; BROUTHERS, 2008; KEUPP;
GASSMANN, 2009), por afirmar que reúne elementos necessários e suficientes
para entender a dinâmica de formação e evolução de NEI, e pela abordagem
fenomenológica e a suposta carência teórica dos estudos de EI publicados no
meio acadêmico (JONES; COVIELLO; TANG, 2011).
Gamboa e Brouthers (2008) teceram algumas restrições ao posicionamento do
EI como uma interseção de Empreendedorismo e Negócios Internacionais (NI).
Porém, McDougall e Oviatt (2000) já haviam reconhecido que não há uma
direção teórica e metodológica clara para a definição de EI. O próprio termo
empreendedorismo sugere uma miríade de construtos e a sobreposição de
domínios, como inovação, gerenciamento da mudança e estratégia (O’CASS;
WEERAWARDENA, 2009).
Assim, a construção de um paradigma unificador do EI só seria possível por
meio de um significativo esforço colaborativo de pesquisa, envolvendo
estudiosos de múltiplos países e múltiplas áreas do saber, incluindo, mas não
71
se limitando à antropologia, economia, psicologia, finanças, marketing e
sociologia (COVIELLO; MCDOUGALL; OVIATT, 2011; JONES; COVIELLO;
TANG, 2011; MCDOUGALL; OVIATT, 2000; OVIATT; MCDOUGALL, 2005).
Keupp and Gassmann (2009) basicamente criticaram a falta de um paradigma
teórico único e consistente para o desenvolvimento das pesquisas em EI. Os
trabalhos publicados teriam se concentrado em basicamente em observações
empíricas de PME. Isso poderia, em sua opinião, atrapalhar o progresso da
área.
Andersson, no entanto, afirma que “uma maneira frutífera de expandir o
conhecimento em uma área do saber é estudá-la sob diversos prismas”
(ANDERSSON, 2011, p. 632). Rialp, Rialp e Knight também apoiam uma
abordagem multidisciplinar para o estudo de NEI ou Born Globals, já que o uso
de um único framework teórico “parece ser um tanto reducionista” (RIALP;
RIALP; KNIGHT, 2005, p. 155)
Outro aspecto criticado foi a suposta oposição criada por Oviatt e McDougall
entre o EI e o a teoria de estágios do MPI (OVIATT; MCDOUGALL, 1997).
Assim, em um trabalho que buscou comparar e destacar similaridades,
complementaridades e os pontos conflitantes entre a lógica do MPI de Uppsala
e da proposta de NEI, Autio (2005) considerou as duas correntes mais
complementares do que contraditórias. Assim, enquanto a NEI buscaria
explicar quão cedo e rápida a internacionalização de novos empreendimentos
era possível, a MPI procura elucidar o processo de internacionalização em si,
após o seu início.
2.4.4. Evolução da abordagem sobre EI
Diante das críticas, diversos autores revisaram os conceitos relativos a EI (Cf.
DALMORO, 2010; JONES; COVIELLO; TANG, 2011; KEUPP; GASSMANN,
2009; RIALP; RIALP; KNIGHT, 2005; ZAHRA; GEORGE, 2002). Alguns foram
respostas às questões de pesquisa levantadas pelo fórum de EI lançado por
Coviello, McDougall e Oviatt em 2000 (COVIELLO; MCDOUGALL; OVIATT,
72
2011; KISS; DANIS; CAVUSGIL, 2012; TERJESEN; HESSELS; LI, 2013). Um
paper brasileiro chegou mesmo a propor um quadro teórico geral para análise
do fenômeno de EI (LEITE; MORAES, 2012).
Reconhecendo que o campo de estudos de EI é recente e está em pleno
processo de evolução, McDougall e Oviatt propõem um aprimoramento do
conceito originalmente apresentado em 1997 (OVIATT; MCDOUGALL, 1997):
EI é uma combinação de comportamentos inovadores, proativos e
propensos ao risco que cruzam fonteiras nacionais com a intenção de
criar valor nas organizações. (MCDOUGALL; OVIATT, 2000, p. 903)
Numa tentativa de ampliar a definição do conceito, e explicitando a importância
da criatividade no reconhecimento de oportunidades de negócios, Zahra e
George (2002) afirmam que:
EI é o processo de usar a criatividade para descobrir ou explorar
oportunidades de negócios, que se situam fora do mercado
doméstico da firma, a fim de auferir vantagem competitiva (ZAHRA;
GEORGE, 2002, p. 262)
Consequentemente, em 2005 Oviatt e McDougall ofereceram uma definição
refinada de EI, incorporando o conceito de oportunidade explicitado por Zahra e
George (2002) e depois incorporado ao M-U por Johanson e Vahlne (2009):
EI é a descoberta, adoção, avaliação e exploração de oportunidades
– através de fronteiras nacionais – para a criação de bens e serviços
futuros (OVIATT; MCDOUGALL, 2005, p. 540)
A definição acima, segundo os autores, não requer a formação de novas
empresas, o que permite o reconhecimento de iniciativas empreendedoras e
proatividade internacional mesmo dentro de organizações já estabelecidas
(KEUPP; GASSMANN, 2009). Além disso, não restringe a unidade de análise
em EI, já que as oportunidades podem ser reconhecidas por um indivíduo
(empreendedor ou gestor), pelo grupo (ex: time de P&D ou marketing) ou pela
própria organização, no chamado empreendedorismo corporativo (OVIATT;
MCDOUGALL, 2005).
73
Ainda considerando que a rápida internacionalização seria um fator crítico de
sucesso para NEI (MCDOUGALL; OVIATT; SHRADER, 2003; OVIATT;
MCDOUGALL, 1994), que ajudaria a reduzir o liabitlity of outsidership
(JOHANSON; VAHLNE, 2009), por meio da formação de redes no estrangeiro,
e que teria um efeito positivo no crescimento e aprendizado internacional
(AUTIO, 2005), Oviatt e McDougall (2005) propuseram um modelo de forças
influenciando a velocidade de internacionalização, conforme a Figura 9:
Figura 9 - Modelo de forças que influenciam a velocidade de internacionalização
FONTE: (OVIATT; MCDOUGALL, 2005, p. 541)
Novas tecnologias de transporte e comunicação viabilizam a rápida exploração
de uma oportunidade de negócio (OVIATT; MCDOUGALL, 1994). A motivação
é representada pela pressão da concorrência, doméstica ou internacional, que
pode forçar a empresa a buscar oportunidades em mercados estrangeiros
(BOHRER; DIB, 2011; PORTER, 1990). A mediação refere-se à forma como o
empreendedor percebe uma determinada oportunidade, de acordo com suas
características pessoais e psicológicas (COVIELLO; MARTIN, 1999; KISS;
DANIS; CAVUSGIL, 2012; TERJESEN; HESSELS; LI, 2013).
74
As forças de moderação, por sua vez, dividem-se em dois grupos: o
conhecimento (interno e sobre os mercados) disponível para explorar uma
dada oportunidade (JOHANSON; VAHLNE, 1977, 2009) e as características da
rede de relacionamentos dos empreendedores, com destaque à força dos laços
existentes (COVIELLO, 2006; ELLIS, 2011; KONTINEN; OJALA, 2011),
tamanho, isto é, alcance da rede e sua densidade, ou seja, número de alianças
envolvidas (KISS; DANIS; CAVUSGIL, 2012; YUAN, 2010).
Com isso, o modelo explicita o papel das redes e reconhece a importância do
ciclo de conhecimento, aprendizado e comprometimento da Escola Nórdica na
expansão internacional. Em outras palavras, “em ambientes hiper competitivos,
talvez o mais importante não seja saber como fazer, mas sim, aprender mais
rapidamente” (MELLO, 2009, p. 41).
Mais recentemente, pesquisadores brasileiros deram sua contribuição na
tentativa de propor um paradigma teórico unificado de EI. Dalmoro (2010)
buscou integrar as abordagens de Negócios Internacionais com as do
Empreendedorismo.
Assim, os fatores que envolveriam os negócios internacionais seriam divididos
em ambientais, como concorrência internacional ou tipo de indústria, e
estratégicos, tais como vantagens competitivas e estratégias de marketing. O
empreendedorismo contribuiria com os fatores organizacionais, como cultura
da empresa e recursos humanos e financeiros, e rede de contatos, tais como
relacionamentos pessoais ou empresariais (DALMORO, 2010).
Leite e Moraes (2012), por sua vez, propuseram um framework com
características que eles consideraram essenciais para promover o EI. Por meio
de um levantamento bibliográfico com diversos artigos de EI publicados dentro
e fora do Brasil, chegaram às seis dimensões PROCAD, que seriam:

Propensão à adaptação

Redes de relacionamento

Oportunidades internacionais
75

Capacidade de inovar

Atitude face ao risco

Desenvolvimento de recursos competitivos
2.5.
BORN GLOBALS
2.5.1. Origem dos estudos e do termo Born Globals
Paralelo ao desenvolvimento dos NEI, a segunda abordagem a tratar do
Empreendedorismo Internacional foi a perspectiva de Born Globals (BG). Ela
surgiu na Austrália em 1993, “quando Rennie propôs o termo Born Global
referindo-se a empresas que têm visão de mercado global desde seu
nascimento” (FERREIRA, 2013a, p. 49).
A principal diferença entre as abordagens EI e BG é sua origem. Enquanto o EI
nasceu no meio acadêmico, a perspectiva BG originou-se de estudos empíricos
de uma empresa de consultoria (MELLO, 2009). No entanto, ambas são
abordagens
complementares
empreendedorismo
que
internacional
tratam
moderno
do
mesmo
(COVIELLO;
fenômeno,
o
MCDOUGALL;
OVIATT, 2011).
Segundo Rennie (1993), as BG de uma amostra de 310 firmas australianas
pesquisadas,
aproximadamente
25%
constituíam-se de
PME
que
se
internacionalizaram em até dois anos após sua fundação, com percentual
médio de 75% das receitas totais provenientes de exportações e taxa média de
crescimento de 14% ao ano. Caracterizavam-se como empresas flexíveis,
inovadoras, que normalmente buscavam oportunidades em nichos, adaptandose rapidamente às necessidades dos mercados e, principalmente, de seus
clientes (CHETTY; CAMPBELL-HUNT, 2004; KNIGHT; CAVUSGIL, 1996;
KNIGHT; BELL; MCNAUGHTON, 2001). Por isso, para elas “é possível ter
sucesso em mercados estrangeiros mesmo sem uma base doméstica de
clientes estabelecidos” (RENNIE, 1993, p. 45).
76
Por sua vez, Knight e Cavusgil (1996) ressaltam que o fenômeno BG não
estaria restrito às empresas australianas, sendo observado também em
estudos de companhias provenientes de outras economias desenvolvidas,
como os EUA, Europa e Japão. Em relação ao porte, seriam majoritariamente
PME com até 500 empregados e faturamento anual inferior a U$100 milhões.
No entanto, pesquisas mais recentes sugerem que as BG estariam surgindo
em diversas regiões do mundo, envolvendo desde MNE até PME (KNIGHT;
CAVUSGIL, 2004; RIALP; RIALP; KNIGHT, 2005).
Em relação aos setores estudados, embora tenha se sugerido que o fenômeno
BG não se restringiria a setores específicos (KNIGHT; CAVUSGIL, 2004;
MADSEN; SERVAIS, 1997; MCDOUGALL; OVIATT; SHRADER, 2003), a
maioria das pesquisas acadêmicas têm se concentrado em empresas de alta
tecnologia (RIALP; RIALP; KNIGHT, 2005), mesmo no caso do Brasil
(FERREIRA, 2013a; MELLO, 2009; RIBEIRO; JUNIOR; BORINI, 2012; ROCHA
et al., 2010). No entanto, é possível observar inúmeros casos de BG em
setores os mais diversos, como moda, consultoria, indústria de bens de capitais
(TAYLOR; JACK, 2012), serviços (LOANE; BELL, 2006), manufatura de
borracha (ANDERSSON; WICTOR, 2003), de calçados (MACHADO et al.,
2010), de pescado (KNIGHT; BELL; MCNAUGHTON, 2001), de metais e
plásticos (MADSEN, 2012) e mesmo na Economia Criativa, como no caso do
audiovisual irlandês (SMITH; RYAN, 2014).
Por sua vez, independente do setor, de acordo com Knight e Cavusgil (1996) o
elemento chave de sucesso na internacionalização parece ser uma orientação
genuína ao cliente, à criação de valor e uma estratégia clara e comprometida
dos gestores em atender aos mercados internacionais. Em outras palavras,
“BG tendem a ser companhias gerenciadas por empreendedores visionários,
que veem o mundo como um mercado único, sem fronteiras, desde a fundação
do negócio” (KNIGHT; CAVUSGIL, 1996, p. 12).
Para Coviello, McDougall e Oviatt (2011) os acadêmicos da Teoria de Negócios
Internacionais
distinguiriam
o
termo
“internacional”
de
“global”,
com
77
internacional referindo-se à internacionalização em poucos países, enquanto
que global reserva-se àquelas empresas internacionalizadas em muitos países
ou continentes. Pode-se dizer que apenas um dos quatro tipos apresentados
por Oviatt e McDougall em 1994, a Start-up global, seria razoavelmente
equiparada a uma BG. Além disso, enquanto o NEI é fundado com a intenção
de se internacionalizar rapidamente, as BG seriam definidas inicialmente pelo
“timing” e velocidade da expansão internacional (COVIELLO; MCDOUGALL;
OVIATT, 2011; JONES; COVIELLO; TANG, 2011).
2.5.2. A globalização como moderadora do fenômeno BG
Em relação aos fatores externos que levariam
as empresas a se
internacionalizar, um dos mais importantes seria a globalização dos mercados
(ABDELAL; TEDLOW, 2003). Ela estaria associada a uma crescente
homogeneização na preferência dos consumidores no planeta, o que facilitaria
a expansão internacional dos negócios (MADSEN; SERVAIS, 1997; SOUKUP
FILHO; MAIOCCHI, 2013). Além disso, facilitaria alianças internacionais para o
desenvolvimento e distribuição de produtos e serviços (KNIGHT; CAVUSGIL,
2004).
Portanto, em termos práticos a globalização poderia ser caracterizada como a
ausência de fronteiras ou barreiras para o comércio internacional (SMITH;
RYAN, 2014), a qual advém da “interdependência crescente entre as
economias das nações, envolvendo consumidores, produtores, fornecedores e
governos nos diferentes países” (KNIGHT, 2000, p. 12). Em relação à firma,
globalização poderia ser entendida como o estágio em que suas operações
estendem-se em escala global, e não apenas em poucos países (RUZZIER;
HISRICH; ANTONCIC, 2006).
Por outro lado, justamente devido à globalização dos mercados e ao
consequente acirramento da competitividade com MNE em escala mundial, as
PME não teriam outra escolha senão especializar-se para suprir a demanda de
produtos e serviços em pequenos nichos globais (KNIGHT; CAVUSGIL, 1996;
78
KNIGHT;
BELL;
MCNAUGHTON,
2001).
Adicionalmente,
para
melhor
direcionar suas estratégias de internacionalização, as PME deveriam
compreender as três forças externas que direcionam a globalização crescente
dos negócios (RUZZIER; HISRICH; ANTONCIC, 2006):

A primeira seria o crescimento explosivo de novas tecnologias de
comunicação e informação, que conectam pessoas, lugares e tornam as
oportunidades internacionais mais acessíveis às empresas.

A queda de barreiras comerciais e desregulamentação financeira entre
países, permitindo, em tese, a livre concorrência.

A abertura comercial em países emergentes, como é o caso dos BRICS
(Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul).
Assim, não obstante o imperativo da globalização traga oportunidades, também
representa desafios, principalmente às PME. Com a concorrência global, a fim
de diferenciarem-se perante o cliente, os novos negócios deveriam adicionar
valor às suas ofertas continuamente, o que em geral significa mais
investimentos em P&D. Paralelamente, atender mercados globais significaria, a
princípio, desenvolver produtos e serviços que atendam às exigências
regulamentares e de consumidores em vários países simultaneamente
(KNIGHT, 2000).
2.5.3. Seleção de países e modos de entrada
Em sua pesquisa sobre PME de software, Bell (1995) notou que embora a
seleção de países às vezes possa evidenciar o conceito de distância psíquica,
ele estaria mais sujeito a outros fatores, como a tendência a seguir o cliente, o
direcionamento setorial ou mesmo a ocorrência de oportunidades de negócio,
independente de fronteiras nacionais (ROCHA et al., 2010). Assim, mais
importante do que distância psíquica ou geográfica, é a distribuição de clientes
no mercado global que dita quais mercados selecionar. Um bom exemplo é o
setor de óleo e gás, cuja base de clientes encontra-se fortemente concentrada
nos poucos países produtores (PETTERSEN; TOBIASSEN, 2010).
79
Por sua vez, escolhas referentes ao modo de entrada estariam mais sujeitas a
decisões estratégicas conscientes do empreendedor do que a um modelo
gradual de redução de risco e incerteza. Assim, a fim de aproveitar janelas de
oportunidade estreitas e ciclos de produto cada vez mais curtos (KNIGHT;
CAVUSGIL, 2004; MCDOUGALL; OVIATT; SHRADER, 2003; PERSINGER;
CIVI; VOSTINA, 2007), os novos negócios deveriam internacionalizar-se
rapidamente. Para isso, precisariam empreender múltiplos modos de entrada
simultaneamente nos diferentes países, o que costuma ser facilitado pelas
redes de relacionamento existentes (ANDERSSON; WICTOR, 2003; BELL,
1995; JOHANSON; VAHLNE, 2009) ou que poderiam ser rapidamente
construídas (LOANE; BELL, 2006).
2.5.4. A evolução da abordagem BG e a proposição de modelos
Como ocorreu no caso do EI, alguns artigos publicados após o estudo de
Rennie (1993) colocam o fenômeno BG como um desafio às teorias de
estágios do M-U ou do Modelo de Inovação (ANDERSSON; WICTOR, 2003;
BELL, 1995; CHETTY; CAMPBELL-HUNT, 2004; KNIGHT; CAVUSGIL, 1996;
KUIVALAINEN; SAARENKETO; PUUMALAINEN, 2012; MOEN; SERVAIS,
2002; OVIATT; MCDOUGALL, 1997).
Madsen e Servais (1997) chegam mesmo a criar uma metáfora do MPI com a
propagação de “anéis na água”, salientando, porém, que firmas genuinamente
BG em geral não seguiriam o padrão lento, gradual e sucessivo em relação à
escolha de países, modos de entrada e estratégias de expansão internacional.
No entanto, cedo ou tarde mesmo os críticos da Escola Nórdica reconheceriam
a importância das redes de relacionamento, aquisição de conhecimento e
acúmulo de experiência no processo de internacionalização dos novos
negócios (KNIGHT; CAVUSGIL, 2004; LOANE; BELL, 2006; RASMUSSAN;
MADSEN; EVANGELISTA, 2001; ROCHA et al., 2010; SMITH; RYAN, 2014;
WEERAWARDENA et al., 2007; WICTOR, 2012).
80
Por sua vez, embora até a presente data não haja um paradigma teórico
consagrado para explicar o fenômeno de BG (RIALP; RIALP; KNIGHT, 2005),
Madsen e Servais (1997) propuseram um modelo que busca unificar as
contribuições de diversas teorias sobre negócios internacionais, com destaque
à Escola Nórdica e EI, e que cobre aspectos básicos sobre os antecedentes,
nascimento e crescimento de Born Globals. A Figura 10 detalha o framework
proposto, que acabou servindo de inspiração para modelos sugeridos
posteriormente na literatura de BG:
Figura 10 - Modelo de pesquisa para BG
Fonte: Adaptado de Madsen e Servais (1997, p. 581)
Inspirado no framework da Figura 10 e acrescentando contribuições posteriores
à literatura, Andersson e Wictor (2003) propõem um modelo conceitual dos
principais fatores que influenciariam a emergência de BG.
Notadamente, reafirmam o papel do empreendedor, como força motriz de todo
o processo (Cf. ROCHA et al., 2010), e as características da indústria, ou o
microambiente. Incluem e reforçam, também, a importância das redes de
relacionamento, formais e informais, já existentes ou a construir (LOANE;
BELL, 2006; ROCHA et al., 2010) e os efeitos supramencionados da
globalização no processo de internacionalização dos negócios, conforme a
Figura 11:
81
Figura 11 - Modelo conceitual de BG
Fonte: Andersson e Wictor (2003, p. 254)
Os fatores ambientais (indústria e globalização) podem motivar ou até forçar a
internacionalização de uma empresa. É o caso em que a companhia precisa
construir reputação internacional para tornar seu produto vendável, mesmo
dentro de seu mercado doméstico, ou quando a demanda doméstica é muito
reduzida ou limitada (KNIGHT; BELL; MCNAUGHTON, 2001; RASMUSSAN;
MADSEN; EVANGELISTA, 2001; ROCHA et al., 2010).
No caso dos fatores internos, mais controláveis pelo empreendedor e sua rede,
existem também desafios a superar. Para inovar e criar valor ao cliente, por
exemplo, ele deve saber aliar suas competências centrais a um olhar atento
para o mercado, a fim de entender suas reais necessidades antes de
desenvolver uma nova oferta (KNIGHT; CAVUSGIL, 2004; RASMUSSAN;
MADSEN; EVANGELISTA, 2001).
Ainda sobre o impacto de fatores internos e externos nas BG, Efrat e Shoham
(2012) discorreram sobre as diferenças entre os indicadores de desempenho
de curto e longo prazo. De acordo com os autores:
O desempenho de curto prazo de BG seria mais impactado por
fatores externos (ambientais). Por outro lado, no longo prazo, fatores
internos à firma (competências centrais) seriam cruciais para sua
sobrevivência e crescimento (EFRAT; SHOHAM, 2012, p. 675)
Dessa forma, analisando mais de perto os empreendedores e suas
organizações (fatores internos), Knight e Cavusgil (2004) associaram o
desempenho em mercados internacionais à cultura organizacional e estratégias
82
de negócios. Mais especificamente, o desempenho superior estaria aliado a
uma
orientação
internacional
de
empreendedorismo
e
marketing.
Adicionalmente, essas estariam correlacionadas a estratégias com foco em
competências tecnológicas, desenvolvimento de produtos únicos e de alta
qualidade (ou seja, inovadores) e alavancagem das competências da rede de
distribuidores no estrangeiro.
Portanto, empresas que soubessem explorar tais recursos VRIO poderiam se
internacionalizar rápido e em larga escala. Especialmente no caso de PME,
essas competências ajudariam a reduzir desvantagens como a falta de
recursos financeiros e humanos, e mesmo a falta de experiência ou o pouco
tempo de existência do negócio, se comparado às MNE já estabelecidas
(GABRIELSSON; KIRPALANI, 2004; KNIGHT; CAVUSGIL, 2004).
Ao considerar a rede de distribuidores no estrangeiro, Gabrielsson e Kirpalani
(2004) sugerem que uma maneira eficaz para PME expandirem-se rápido para
novos mercados seria o uso de canais alternativos de marketing. Em outras
palavras, alavancar os recursos de canais de seus parceiros, em especial as
redes de MNE e a própria Internet (LOANE, 2005; ROCHA et al., 2010), a fim
de obter receita e fluxo de caixa mais rapidamente. Embora por um lado tal
estratégia possa prover aprendizado e crescimento acelerado à PME, por outro
cria uma perigosa relação de dependência no canal de distribuição,
principalmente em relação às MNE (COUGHLAN et al., 2006; FRAZIER;
ANTIA, 1995; FRAZIER, 1999).
Finalmente, em um trabalho que procurou sintetizar 10 anos de pesquisas
acerca de BG, Rialp, Rialp e Knight (2005) enumeraram 10 fatores que
facilitam ou permitem o surgimento de negócios de rápida internacionalização.
Dentre os já citados até aqui, vale destacar: forte uso de redes de
relacionamento (pessoais e de negócios); conhecimento e comprometimento
crescente com mercados, relembrando os pressupostos da Escola Nórdica
(MACHADO; NIQUE; FEHSE, 2011; ROCHA et al., 2010); inovação como meio
eficaz para criar ofertas de alto valor agregado; forte orientação ao cliente;
83
estratégia de nicho, principalmente no caso de PME e alta flexibilidade, para se
adaptar rapidamente às mudanças do ambiente global.
2.5.5. Como caracterizar uma BG?
O artigo seminal de Rennie (1993) sugere que 25% das empresas de sua
amostra seriam BG, que passaram a exportar em até dois anos após sua
fundação e que tinham, em média, 75% da receita proveniente de atividades
internacionais. Embora seja uma medida válida, ela estaria sujeita à realidade
de uma nação desenvolvida e de dimensões continentais, a Austrália, e aos
vieses da amostra especificamente selecionada para o estudo da McKinsey.
Além disso, consideraria só duas dimensões da atividade internacional:
velocidade e extensão (MADSEN, 2012)
Zahra e George (2002) argumentam que o fenômeno BG deveria considerar
pelo menos três dimensões ao caracterizar uma firma, a saber: extensão
(percentual de vendas proveniente do exterior), velocidade (tempo entre
fundação da empresa e suas primeiras vendas internacionais) e escopo
(número de países estrangeiros para os quais a empresa vende).
Os pesquisadores de BG normalmente se preocupariam apenas com as
dimensões de velocidade e extensão, enquanto que a literatura de NEI, com
velocidade e escopo. Ao não considerar as três dimensões propostas por
Zahra e George, torna-se difícil traçar comparativos entre as empresas
estudadas sob as diferentes abordagens (MADSEN, 2012).
Em relação à extensão, Knight e Cavusgil (2004) sugerem que BG seriam
empresas com faturamento mínimo de 25% das vendas no estrangeiro,
enquanto Chetty e Campbell-Hunt (2004) falam em mais de 75% das vendas.
Sobre a velocidade, ou início das atividades internacionais, Moen e Servais
(2002) salientam que elas deveriam ocorrer em menos de dois anos após a
fundação, Knight (1997) sugeriu até três anos, enquanto McDougall, Oviatt e
Shrader (2003) aceitariam até seis anos.
84
O ano de fundação da empresa também seria uma informação importante, já
que antes de 1989 os fatores ambientais não teriam aparecido de forma
relevante no cenário global (SILVA, 2010). O timing de exportação também
parece ser relevante, já que firmas antigas que tentam exportar muitas décadas
após sua fundação tenderiam a seguir um padrão mais lento e incremental de
internacionalização (MOEN; SERVAIS, 2002).
Para Knight (1996), BG geralmente são PME, com menos de 500 funcionários
e faturamento anual de até U$100 milhões. No entanto, essa definição parece
fazer mais sentido para economias grandes e desenvolvidas, como o caso dos
EUA, de onde seus estudos se originaram.
Para o contexto de economias emergentes, como é o caso do Brasil, Persinger
e Vostina (2007) sugerem um “modelo menos agressivo” (p. 74), a saber:
Uma BG no contexto de economias emergentes teria vendas anuais
de até U$50 milhões, menos de 500 empregados e atingiria pelo
menos 25% de suas receitas com exportações em até quatro anos
após sua fundação. (PERSINGER; CIVI; VOSTINA, 2007, p. 74)
No caso específico do Brasil, Silva (2010) propõe que esse timing poderia ser
estendido a até cinco anos após a fundação, “levando em consideração
aspectos do país, como barreiras à exportação (impostos e custos) e também o
tamanho do Brasil e seu grande mercado doméstico” (p. 55). Além disso, sobre
o porte (número de empregados) será adotado o critério do Ministério do
Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC) brasileiro, de que PME
seriam empresas com até 200 empregados (DECOS, 2013, p. 101).
Além disso, empresas que se internacionalizam rapidamente, como sugeriram
vários autores, usualmente têm foco em nichos de mercado. Moen, Sorheim e
Erikson (2008) definem BG como “um negócio com foco em mercados globais
de nicho desde sua concepção” (p. 536).
Agregando a dimensão escopo da literatura de NEI, Oviatt e McDougall (1994)
inferem que Global Startups deveriam exercer atividades internacionais em
diversos países e coordenar várias atividades da cadeia de valor, como
85
vendas, marketing, produção e serviços, além das fronteiras nacionais. Como
eles não definem o número de países em seu artigo, o presente trabalho
considerará BG empresas que vendam para cinco ou mais países estrangeiros,
conforme sugerido por Kuivalainen, Saarenketo e Puumalainen (2012).
Cumprindo todas as demais exigências para se enquadrar como Born Globals,
em relação às atividades da cadeia de valor, empresas que tenham apenas
vendido seus produtos ou serviços no exterior seriam classificadas como Born
International Sellers. Por sua vez, apenas aquelas que tenham efetivamente
internacionalizado outras atividades da cadeia (como produção), poderão ser
classificadas como Born Global Firms (MADSEN, 2012).
Assim, baseado nos critérios acima, segue um Quadro com os parâmetros que
serão usados para definir uma firma BG na presente pesquisa de dissertação:
Quadro 1 - Definição de uma firma BG
Parâmetro
Autores
Critérios
Data de criação da firma
Moen e Servais (2002)
Após 1989
Faturamento Anual
Persinger e Vostina (2007)
PME <$50milhões
Número de empregados
Decos (2013)
Até 200
Início das atividades internacionais
Silva (2010)
Até 5 anos após a
fundação
Percentual de receitas
internacionais
Persinger e Vostina (2007)
Acima de 25%
Abrangência da Internacionalização
Kuivalanen et. al (2012)
>5 países
Atividades internacionalizadas da
cadeia de valor
Madsen (2012)
Vendas e outras
Foco de mercado
Moen et. al (2008)
Nicho
Além desses, outros critérios qualitativos já mencionados serão considerados
na análise dos casos, como orientação internacional do dirigente, sua
experiência internacional anterior à fundação, grau de tolerância ao risco,
inovatividade, uso de parcerias e networks, dentre outros (ROCHA et al., 2010).
86
3. MÉTODO DE PESQUISA
A pesquisa é um processo de tentar ganhar uma melhor
compreensão sobre as complexidades da experiência humana e, em
alguns casos, sugerir ações baseadas nessa compreensão. Porém,
ao contrário da impressão de linearidade que os papers costumam
passar, a pesquisa real tende a ser um processo um tanto confuso,
desorganizado, às vezes frustrante e essencialmente não linear.
(MARSHALL; ROSSMAN, 1999, p. 21)
A escolha dos métodos de pesquisa mais adequados é etapa de fundamental
importância no trabalho de dissertação. Trata-se de determinar com que
ferramentas e procedimentos o pesquisador pretende abordar o problema de
pesquisa, bem como tentar responder às perguntas derivadas das hipóteses ou
suposições levantadas durante a revisão de literatura (DIAS; SILVA, 2009;
MATIAS; ALEXANDRE, 2006).
Por sua vez, os dados disponíveis, nível de conhecimento sobre o tema e, não
menos importante, os custos envolvidos e o tempo disponível para a execução
do estudo também ajudam a definir o método de pesquisa mais apropriado.
Após a escolha da metodologia, devidamente justificada, faz-se necessário
compreender a implicação dessa escolha nas etapas de coleta e análise de
dados e nas limitações inerentes ao procedimento selecionado (DIAS; SILVA,
2009; MATIAS; ALEXANDRE, 2006).
Considerando-se as ponderações acima, que serão detalhadas na sequência,
para o presente trabalho foi escolhido o método de pesquisa exploratória
qualitativa, mais especificamente, o levantamento bibliográfico combinado com
estudo de casos.
3.1.
O PROBLEMA DE PESQUISA
De acordo com Matias e Alexandre (2006):
87
Um problema bem formulado transforma-se em bússola para o
trabalho monográfico, oferecendo condições de racionalização e,
consequentemente, melhor aproveitamento de tempo e de seleção de
material para as leituras (MATIAS; ALEXANDRE, 2006, p. 63).
Para essa dissertação, o objetivo principal é analisar o processo de
internacionalização de duas produtoras brasileiras independentes do setor
audiovisual, que está incluído no segmento maior das indústrias criativas, à luz
das Teorias Comportamentais de Negócios Internacionais apresentadas no
capítulo 2, com destaque para a perspectiva das Born Globals.
Ademais, conforme visto no subcapítulo 1.4, o comércio internacional de bens
e serviços da Economia Criativa estaria crescendo mais rapidamente do que os
setores mais tradicionais, tornando-se uma fonte de vantagem competitiva para
a economia das nações, em especial para os países em desenvolvimento. No
entanto, o Audiovisual brasileiro seguiria extremamente deficitário em sua
balança comercial.
3.2.
DEFINIÇÃO DAS PERGUNTAS DE PESQUISA
Eisenhardt (2007; 1989) ressalta a necessidade de definir perguntas de
pesquisa desde o início do trabalho, mesmo que elas precisem ser
aprimoradas ou até reformuladas depois. (MARSHALL; ROSSMAN, 1999; YIN,
1994) Particularmente para o método de estudo de casos, um foco bem
definido pode evitar que o pesquisador fique sobrecarregado pelo volume de
dados levantados, muitos dos quais poderiam ser de pouca relevância para os
objetivos do estudo. (DIAS; SILVA, 2009)
Portanto, os questionamentos levantados na seção 1.1 e a pesquisa
bibliográfica serviram de base para elaboração do roteiro semiestruturado das
entrevistas que foram, posteriormente, aplicadas aos dirigentes das duas
empresas.
Além disso, em relação às unidades de análise consideradas (DIAS; SILVA,
2009), os estudos qualitativos tipicamente “focam em indivíduos, duplas,
88
grupos, processos ou organizações” (MARSHALL; ROSSMAN, 1999, p. 34).
Nesse trabalho, o foco será nos empreendedores (indivíduos), nos processos
de internacionalização e nas produtoras (organizações) em si. Tais premissas
foram também consideradas ao elaborar as perguntas do roteiro que se
encontra no Apêndice 1 deste trabalho.
3.3.
MÉTODO SELECIONADO
O método escolhido para essa dissertação foi o da pesquisa qualitativa do tipo
exploratória, já que não foram localizados estudos que tivessem analisado a
internacionalização do audiovisual brasileiro (CRESWELL, 2003). Além disso, o
método qualitativo se mostra mais adequado do que o quantitativo quando o
fenômeno observado está inserido num contexto social e institucional complexo
(DIAS;
SILVA,
2009),
como
é
o
caso
dos
negócios
internacionais
(BIRKINSHAW; BRANNEN; TUNG, 2011).
Acerca da perspectiva filosófica adotada, elas são classicamente divididas
entre positivismo ou interpretativismo (DIAS; SILVA, 2009). Os positivistas
normalmente buscariam o teste de teorias, enquanto que os interpretativistas
tentariam compreender fenômenos dentro do contexto no qual eles emergem
(DIAS; SILVA, 2009).
Para
Ghauri
(2004)
a
pesquisa
qualitativa
seria
fundamentalmente
interpretativa, enquanto que Yin (1994) sugere uma abordagem positivista.
Como as questões aqui levantadas têm por objetivo testar teorias e
compreender fenômenos complexos dentro de seus contextos, será adotada
uma abordagem mista, conforme sugerido por Coviello e Jones (2004) para
estudos de empreendedorismo internacional.
Quanto aos procedimentos, será adotada uma metodologia que combina a
pesquisa bibliográfica com estudo de casos (EISENHARDT, 1989; MATIAS;
ALEXANDRE, 2006). Alguém poderia sugerir que há outros métodos
89
qualitativos consagrados que poderiam ser considerados, como a etnografia,
teoria fundamentada (do inglês, grounded theory), fenomenologia ou biografia
(CRESWELL, 2003).
Porém, a etnografia tem como foco interpretar um grupo sociocultural, o que
não é o objetivo desse trabalho. Tampouco existe a pretensão de se
desenvolver um novo modelo teórico, o que descarta a teoria fundamentada. A
fenomenologia seria adequada para entender a essência da experiência em
internacionalização, mas não seu processo. E a biografia seria útil para
compreender a história dos empreendedores, mas não as motivações e
processos por meios dos quais suas organizações se internacionalizaram.
O estudo de casos, por sua vez, tem como foco a análise em profundidade de
um caso simples ou múltiplos casos (CRESWELL, 2003). Adicionalmente, o
tema “internacionalização do audiovisual brasileiro” foi pouco abordado em
estudos anteriores e, também, pretende-se gerar proposições a partir de
evidências extraídas dos casos. Em tais situações, Eisenhardt (1989) e
Eisenhardt e Graebner (2007) sugerem o estudo de casos como método mais
apropriado de pesquisa.
3.3.1. O Método de Estudo de Casos
Um estudo de caso pode ter vários significados. Pode ser “usado simplesmente
para descrever uma unidade específica de análise, como uma organização”
(DIAS; SILVA, 2009, p. 33), pode ser uma ferramenta de ensino, como os
famosos teaching cases da Harvard Business School (PERRY, 1998) ou pode,
enfim, ser um método estruturado para pesquisa qualitativa (YIN, 1994),
suficientemente robusto, inclusive, para a proposição de modelos teóricos
(EISENHARDT, 1989), se este for um dos objetivos da pesquisa.
Todavia, a escolha do estudo de casos como metodologia, em detrimento de
outros
procedimentos
como
experimento,
pesquisa
documental
ou
levantamento estatístico de dados, estaria condicionada a alguns fatores. Para
Yin (1994) as vantagens e desvantagens de cada método estariam
90
relacionados a: (i) o tipo de pergunta de pesquisa; (ii) o controle do investigador
sobre os eventos observados e (iii) o foco em fenômenos contemporâneos ou
históricos.
Portanto, a metodologia de estudo de caso é recomendada se (YIN, 1994):

As perguntas são do tipo “por que” ou “como” ou mesmo “o quê”
(GHAURI, 2004), especialmente em estudos exploratórios;

O pesquisador tem pouco controle sobre os eventos observados, como
ocorre com uma organização e seu ambiente de negócios;

O foco do estudo recai sobre fenômenos contemporâneos dentro do
contexto da vida real (DUBOIS; GADDE, 2002).
Ademais, estudos em Negócios Internacionais envolvem múltiplas disciplinas e
variáveis complexas, como diferenças culturais, globalização, aprendizado
tácito, redes de relacionamento, entre outras. (ANDERSSON; WICTOR, 2003;
GHAURI, 2004; JOHANSON; VAHLNE, 2009) Nesse contexto, os métodos
qualitativos, em especial estudos de casos, são a abordagem mais
recomendada (BIRKINSHAW; BRANNEN; TUNG, 2011), já que os métodos
quantitativos não ofereceriam o aprofundamento desejado. (GILMORE;
COVIELLO, 1999)
Entretanto, tão importante quanto a escolha da metodologia, são os critérios
utilizados para a seleção dos casos em si (EISENHARDT, 1989; YIN, 1994), o
que será explicitado a seguir.
3.3.2. Seleção dos Casos
A seleção de casos deve seguir uma lógica de replicação, e não a lógica de
amostragem dos procedimentos estatísticos, permitindo chegar ao que Yin
(1994) denominou de generalização analítica. A generalização analítica ocorre
quando os resultados empíricos, de um ou de vários casos, podem ser
sistematicamente comparados a uma ou mais correntes teóricas (YIN, 1994).
91
Quanto à seleção de casos únicos ou múltiplos, Yin (1994) e Ghauri (2004)
sugerem que o caso único é preferível quando a situação estudada é
excepcional ou, então, crítica o suficiente para desafiar uma teoria. No entanto,
quando se deseja comparar situações contrastantes ou mesmo elaborar
proposições mais consistentes, então os casos múltiplos são a melhor
alternativa (EISENHARDT; GRAEBNER, 2007; PERRY, 1998).
Assim, baseado na revisão de literatura e consoante com os objetivos dessa
pesquisa, os critérios básicos adotados para a seleção foram:

Empresas brasileiras;

Pertencentes ao setor audiovisual;

Apresentando grau e foco significativo na internacionalização de suas
atividades, conforme declarado pelo gestor contatado.
Cabe destacar, no entanto, que outro filtro muito importante para a seleção dos
casos é o da facilidade de acesso (CRESWELL, 2003; GHAURI, 2004), motivo
pelo qual não se utilizaram todos os critérios de definição de uma firma BG (Cf.
Quadro 1) no primeiro contato. Afinal, se o pesquisador não tem acesso a uma
empresa, encontra dificuldade em marcar entrevistas ou mesmo em obter
aprovação para publicar seu trabalho, de nada adiantará todo o seu esforço.
Uma vez que existiam centenas de pequenas produtoras brasileiras de
audiovisual, era necessário recorrer a algum tipo de suporte para facilitar a
etapa de seleção. Assim, para o segmento de cinema, foi feito contato com o
Projeto Setorial Integrado (PSI) de exportação Cinema do Brasil. Solicitou-se a
indicação de pelo menos duas empresas que se interessassem por participar
da pesquisa. O mesmo foi feito por meio do PSI Brazilian TV Producers (BTVP)
para o segmento de TV por assinatura.
Após um primeiro contato por e-mail, uma das produtoras de cinema não
demonstrou interesse no estudo. Na verdade, seus gestores estariam
envolvidos em um grande projeto internacional e não teriam tempo para
conceder entrevistas. Uma das produtoras de conteúdo para TV, apesar de
92
fazer parte do PSI BTVP, não se enquadrava nos critérios de seleção desse
trabalho. No fim, para o segmento de cinema foram selecionadas a produtora
Drama Filmes, e para o de TV paga, a Grifa Filmes, ambas sediadas no estado
de São Paulo.
3.4.
PROCEDIMENTOS DE COLETA E ANÁLISE DE DADOS
Primeiramente, é importante destacar a diferença entre pesquisa qualitativa e
dados qualitativos, um equívoco muito comum. De acordo com Eisenhardt
(2007) e Yin (1994) a pesquisa qualitativa pode usar tanto dados qualitativos,
como os depoimentos de uma entrevista, quanto quantitativos, como o
faturamento e crescimento anual em vendas de determinada empresa ou setor.
O tratamento desses dados, e as análises extraídas deles, é que vai determinar
se a pesquisa é do tipo quantitativa ou qualitativa (MALHOTRA, 2011).
Alguns autores, inclusive, como Baxter e Jack (2008), Creswell (2003) e
Gilmore e Coviello (1999), recomendam o uso de métodos combinados, que
permitam a coleta e análise sistemática e cruzada tanto de dados qualitativos
quanto quantitativos, o que viabilizaria resultados mais robustos ou até
generalizáveis, do ponto de vista teórico. (PERRY, 1998)
No presente estudo, para a coleta de dados foram utilizadas múltiplas fontes,
primárias e secundárias, como será detalhado no subitem 3.4.1. O uso de
múltiplas fontes permite a triangulação dos dados obtidos, possibilitando assim
análises e validações mais consistentes para o estudo qualitativo (CRESWELL;
MILLER, 2000; EISENHARDT, 1989; GHAURI, 2004; YIN, 1994).
Na pesquisa qualitativa pura, Creswell (2003) recomenda seis procedimentos
diferentes para coleta de informações: entrevistas, observação direta,
observação participativa, registro textuais e audiovisuais em arquivos,
documentos e objetos físicos. Por diversas razões, incluindo restrições de
acesso, tempo e orçamento, no presente trabalho foram usados basicamente
três procedimentos: entrevistas, registros em arquivos e documentos.
93
Embora esse estudo tenha se iniciado com a coleta de dados secundários em
registros e documentos diversos, “eles não costumam ser suficientes para
ganhar um entendimento mais aprofundado acerca da internacionalização das
organizações pesquisadas” (ANDERSSON, 2011, p. 633). No entanto, eles
permitiram
aprimorar
os
questionamentos
que
seriam
conduzidos
posteriormente durante a etapa de entrevistas, principalmente no que concerne
a especificidades do setor audiovisual (DUBOIS; GADDE, 2002; GHAURI,
2004).
Assim, a coleta subsequente de dados primários através de entrevistas
semiestruturadas e em profundidade foi essencial para a condução do trabalho
(Cf. YEUNG, 1995), por permitir elaborar perguntas diretamente relacionadas
aos tópicos da pesquisa e, adicionalmente, observar os vieses perceptuais dos
entrevistados (YIN, 1994). Tais vieses, muito provavelmente, influenciam na
tomada de decisões estratégicas em seus negócios (MAX; MOORE, 2009).
A entrevista semiestruturada, a seu torno, caracteriza-se pelo “discurso livre
orientado por algumas perguntas-chave” (MATIAS; ALEXANDRE, 2006, p. 54).
Por meio dessa técnica, é possível cobrir o leque de questões inicialmente
levantadas no roteiro (YIN, 1994) e, através das opiniões emitidas pelo próprio
empreendedor, abordar outros tópicos importantes ao longo da entrevista que,
por ventura, não tenham sido planejados a priori (MELLO, 2009).
3.4.1. Fontes de Dados Primários e Secundários
Em relação ao estudo setorial (subcapítulo 1.4) e às duas empresas
pesquisadas, as evidências foram coletadas de fontes primárias e secundárias,
conforme o Quadro 2 adiante:
94
Quadro 2 - Fontes de Dados Primários e Secundários
Objetivo
Estudo setorial
Fontes de dados
Exemplos
Secundárias
Artigos, sites de notícias e relatórios de
consultorias, entidades governamentais e de
classe, como: ABI, Ancine, Apex-Brasil, IBGE,
MPAA, MinC, Nações Unidas, Unesco, etc.
Primárias
Entrevistas em profundidade com os fundadores
das empresas
Secundárias
Sites das empresas, institucionais, de notícias,
blogs e redes sociais, como: Valor, Folha de São
Paulo, O Globo, Ancine, Facebook, Nupin,
SibiSite, etc.
Estudos de Casos
As entrevistas em profundidade foram realizadas com os sócios fundadores
das empresas, conforme detalhado no Quadro 3 a seguir, e foram
complementadas posteriormente por contatos telefônicos ou por e-mail, para
dirimir eventuais dúvidas que tenham surgido durante a etapa de transcrição.
Aliás, ambas as entrevistas foram gravadas em áudio, com a devida anuência
dos entrevistados, e posteriormente transcritas para texto.
Quadro 3 - Entrevistas com os Fundadores da Drama Filmes e Grifa Filmes
Empresa
Data
Duração
Entrevistado
Posição
Tipo de entrevista
Drama Filmes
12/07/2013
4h10min
Renato Ciasca
Sócio
Pessoal
Grifa Filmes
16/07/2013
1h51min
Fernando Dias
Sócio
Via Skype
3.4.2. Análise dos Casos
De acordo com Eisenhardt (1989) e Yin (1994), a análise de casos múltiplos
divide-se em dois estágios básicos: a análise individual e a análise cruzada.
Além disso, estrategicamente, Yin (1994) sugere que a análise dos dados pode
ser baseada tanto na descrição do caso como em proposições teóricas. Para o
presente estudo, a fim de compreender de forma mais abrangente o fenômeno
pesquisado, foram seguidas ambas as estratégias.
95
Numa primeira etapa, os casos foram redigidos individualmente. Buscou-se
seguir uma ordem cronológica dos fatos e do processo de internacionalização,
o que permitiu uma visão holística de cada empresa dentro do contexto
analisado (GHAURI, 2004), sem inverter relações de causa e efeito
(COVIELLO; MARTIN, 1999). Com isso, foi incorporada, também, a variável
tempo como uma dimensão chave na análise das evidências levantadas
(COVIELLO; JONES, 2004). Em seguida as informações foram organizadas
por grandes temas, a fim de buscar sistematizar o processo analítico (DUBOIS;
GADDE, 2002).
Posteriormente, os casos individuais foram submetidos às empresas para
aprovação. Para minimizar possíveis vieses de percepções individuais (MAX;
MOORE, 2009), sugeriu-se às produtoras que a revisão ficasse a cargo de um
segundo sócio ou gestor, que não o entrevistado.
Assim, cada uma das produtoras entrevistadas teve uma última oportunidade
de analisar informações incorretas ou incompletas antes da publicação.
Interessante notar que algumas alterações foram propostas pelos revisores, na
redação final dos casos. Aliás, segundo Creswell (2000), essa checagem pelos
membros que participaram do estudo é uma etapa crucial a fim de validar a
credibilidade da pesquisa.
Finalmente, a quarta etapa consistiu na análise cruzada dos casos, em que se
buscaram similaridades e diferenças entre os processos de internacionalização
das duas empresas, Drama Filmes e Grifa Filmes, de acordo com as categorias
ou dimensões levantadas no estudo (GHAURI, 2004). Ressalta-se que não foi
feita a análise individual recomendada por Yin (1994) por se tratar apenas de
dois casos, para os quais a riqueza analítica consiste justamente em comparar
ao outro. (EISENHARDT; GRAEBNER, 2007; EISENHARDT, 1989)
Essa técnica, combinada com a triangulação das evidências de diversas fontes
Eisenhardt (1989), permite chegar ao que Yin (1994) denominou coincidência
de padrões (ou pattern-matching, do inglês). Trata-se de relacionar as diversas
96
evidências dos casos com as abordagens teóricas propostas, a fim de gerar
proposições testáveis que as confirmem ou desafiem-nas em algum aspecto
(GHAURI, 2004).
3.5.
LIMITAÇÕES DO MÉTODO DE PESQUISA
Mesmo com todos os cuidados na coleta e análise de dados, existem algumas
limitações inerentes à própria metodologia de pesquisa escolhida (DIAS;
SILVA, 2009) ou ao contexto em que o estudo é realizado (MELLO, 2009).
Na pesquisa qualitativa, as pressuposições do pesquisador tenderiam a afetar
a coleta de dados, uma vez que “as perguntas feitas aos informantes podem,
muitas vezes, determinar o que eles responderão”. (DIAS; SILVA, 2009, p. 47)
Adicionalmente, as análises e resultados poderiam ser influenciados por vieses
perceptuais tanto do entrevistado quanto do entrevistador, embora Yin (1994)
argumente que vieses possam ocorrer até em métodos de coleta com foco
mais quantitativo, como os questionários.
A propósito, a entrevista, um dos principais métodos de coleta de dados para o
presente estudo, contém suas próprias limitações. O entrevistado pode não
estar motivado ou mesmo preparado para responder às perguntas (MATIAS;
ALEXANDRE, 2006). Além disso, ele pode se sentir inclinado a não dizer a
verdade, caso perceba que suas respostas possam “ter consequências sociais,
pessoais ou até profissionais” (DIAS; SILVA, 2009, p. 40). Em relação às
perguntas mais abertas do roteiro, as desvantagens são ainda maiores, já que
dois pesquisadores diferentes poderiam entrevistar uma mesma pessoa e obter
resultados sensivelmente distintos. (DIAS; SILVA, 2009)
Como se entrevistou apenas um sócio de cada empresa, é possível que alguns
resultados estejam carregados de vieses de opinião individual (EISENHARDT;
GRAEBNER, 2007; MAX; MOORE, 2009). Procurou-se minimizar essa
97
limitação sugerindo que a revisão do caso fosse efetuada por outro sócio ou
gestor da empresa, que não aquele previamente entrevistado (CRESWELL;
MILLER, 2000).
Ademais, os resultados de estudos de casos específicos não poderiam ser
generalizados para outras empresas, mesmo dentro de determinado setor
(GHAURI, 2004). Porém, Yin (1994) ressalta que a pesquisa qualitativa busca
uma generalização analítica, e não estatística. Em outras palavras, mesmo que
não seja viável generalizar para outras empresas do mesmo setor, é possível
chegar a proposições que possam servir de base para estudos empíricos
futuros.
98
4. DESCRIÇÃO DOS CASOS
A seguir são descritos os casos das empresas Drama Filmes, uma produtora
independente do segmento de Cinema, e Grifa Filmes, uma produtora focada
no mercado de TV paga2.
4.1.
DRAMA FILMES (CINEMA)
4.1.1. Introdução
Fundada em São Paulo no ano de 1998 por Beto Brant, Renato Ciasca e
Bianca Villar, a Drama Filmes nasceu com o propósito de lançar sua primeira
produção independente, o longa metragem “O Invasor”. De lá para cá produziu
outros filmes, participou de festivais renomados e angariou diversos prêmios
dentro e fora do Brasil. O Quadro 4 lista a filmografia até 2013:
Quadro 4 - Filmografia da Drama Filmes
2
Ano
Título
Direção
2001
O Invasor
Beto Brant
2005
Crime Delicado
Beto Brant
2005
Corrida de Aventura – Perrengue na Chapada
Renato Ciasca e Eduardo Quintino
2007
Cão sem Dono
Beto Brant e Renato Ciasca
2009
O Amor Segundo B. Schianberg
Beto Brant
2011
Eu Receberia as Piores Notícias dos Seus
Lindos Lábios
Beto Brant e Renato Ciasca
2013
A Nave – Uma Viagem com a Jazz Sinfônica
de São Paulo
Luiz Otavio de Santi
Casos preparados pelo mestrando Václav Soukup Filho e pelo Prof. Renato Cotta de Mello,
do Instituto Coppead de Administração da UFRJ, como parte de projeto de pesquisa sobre
Internacionalização de Empresas de Serviços realizado pela PUC-Rio com o patrocínio da
Apex-Brasil.
99
Em 2014 estava em fase final de comercialização, via edital, o projeto de ficção
“Sangue Azul”, que começou a ser filmado em novembro de 2012, com direção
de Lírio Ferreira. A obra, orçada em cerca de U$2 milhões, é toda narrada em
locações da ilha de Fernando de Noronha.
4.1.2. Histórico da Empresa
Beto Brant e Renato Ciasca começaram a trabalhar juntos em 1982, quando se
conheceram no curso de cinema da FAAP. Ainda na faculdade, roteirizaram,
dirigiram e produziram juntos o curta “Aurora” (1986), sua primeira criação em
parceria, que foi premiada no Festival de Brasília de curta-metragem e no
Festival de Gramado (RS) nas categorias melhor fotografia e montagem.
A fundação da produtora Drama Filmes, no entanto, só ocorreu em 1998, para
a produção do filme “O Invasor”, por Beto Brant, Renato Ciasca e Bianca Villar.
Bianca, porém, saiu da sociedade em 2012 para fundar sua própria produtora,
a Biônica Filmes.
De acordo com Renato Ciasca, o que motivou os sócios a abrir a empresa foi a
possibilidade de prescindirem dos serviços de outras produtoras, e serem, eles
mesmos, os produtores de seus filmes.
A Drama Filmes é uma típica produtora independente de conteúdo para o
cinema: uma empresa pequena em que os sócios são responsáveis
diretamente por grande parte das atividades. Quando perguntado sobre seu
cargo na firma, Renato explicou: “É uma empresa bem pequena, eu sou diretor
de cinema, sou produtor, sou roteirista, sou boy, secretário, sou tudo”.
A empresa dispõe apenas de um funcionário fixo, que cuida da parte financeira
da produtora e uma assistente de produção freelancer. Além disso, conta com
o apoio de um contador e de um advogado, ambos terceirizados. No exterior, a
empresa não tem funcionários fixos ou freelancers. Renato afirma que costuma
trabalhar por meio de alianças, a maioria formada a partir de redes de contatos
pessoais, para conduzir suas atividades internacionais.
100
O produtor diz que o faturamento anual não passa dos R$500 mil, dentro e fora
do país, sendo que quase 30% das receitas seriam provenientes das vendas
internacionais. Os principais serviços comercializados pela empresa, em ordem
decrescente de importância, são a produção e venda de seus filmes,
participação em premiações de festivais, nacionais e internacionais, e palestras
que Renato e Beto ministram no Brasil e no estrangeiro.
Em relação ao capital intelectual, Ciasca destaca o tripé criativo da Drama
Filmes composto por Beto, normalmente na direção dos filmes, Renato, como
produtor e roteirista, e Marçal Aquino, como escritor e co-roteirista. Aliás, vários
livros escritos por Marçal foram adaptados para o cinema e são a base de parte
dos filmes produzidos pela empresa.
Em relação à concepção de produto, carregada de crenças e convicções dos
sócios Beto e Renato, um ponto considerado fundamental é o final aberto. Eles
querem induzir o espectador a uma reflexão sobre cada obra que constroem.
“Queremos criar uma dúvida, um sentimento vivo que caminha com você para
fora da sala escura”, pontua o produtor.
O primeiro longa-metragem produzido pela empresa, “O Invasor”, foi lançado
em 2001 e distribuído comercialmente na França, Reino Unido, Argentina,
Polônia, Espanha, Austrália, Israel, conquistando diversos prêmios nacionais e
internacionais, conforme o Quadro 5:
Quadro 5 - Premiações do Filme "O Invasor"
Ano
Prêmio
2001
Festival de Brasília (2001): melhor diretor, melhor trilha-sonora e ator.
2002
Festival Internacional del Nuevo Cine Latinoamericano de La Habana: 3º lugar para
melhor diretor.
2002
Festival de Cine de Bogotá: indicação para melhor filme.
2002
Miami Brazilian Film Festival: melhor fotografia, melhor sonoplastia, melhor diretor,
melhor trilha sonora, melhor atriz coadjuvante.
2003
Grande Prêmio Cinema Brasil: melhor trilha sonora, melhor ator coadjuvante, melhor
atriz coadjuvante.
2003
Troféu APCA (Associação de Produtores de Cinema e Audiovisual): melhor filme.
101
Os filmes “Crime Delicado”, “Cão sem Dono” e “Eu Receberia as Piores
Notícias dos seus Lindos Lábios” também receberam diversos prêmios no
Brasil e no estrangeiro. Além disso, Brant e Ciasca receberam inúmeros
prêmios e troféus no decorrer de suas carreiras como cineastas.
4.1.3. Perfil dos Dirigentes
Beto Brant nasceu em 1964, em Jundiaí, interior do estado de São Paulo,
tendo se graduado em cinema pela FAAP (1987). É diretor de cinema. Faz
parte do que se convencionou chamar “geração anos 90”, cineastas que
iniciaram suas trajetórias no formato de curta duração como Eliane Caffé, Tata
Amaral, Lírio Ferreira, Paulo Caldas, Cao Hamburguer, entre outros e, apenas
posteriormente fizeram suas estreias no longa-metragem. Antes de fundar a
Drama Filmes já havia dirigido vários curta-metragens e dois longa-metragens
(“Os Matadores” e “Ação entre Amigos”), além de diversos videoclipes.
Renato Ciasca é produtor e roteirista. Nascido em 1961, graduou-se em
cinema pela FAAP. Começou a carreira em 1982, quando ainda estava na
faculdade, estagiando em produtoras de filmes para propaganda. Sua
filmografia inclui tanto filmes de curta quanto de longa-metragem, nos quais se
dividiu nas funções de diretor, roteirista, produtor e diretor de produção.
Paralelamente à sua atuação na área cinematográfica, também atuou na área
de publicidade, produzindo comerciais e dirigindo videoclipes.
Dentro da Drama Filmes, Renato é quem costuma viajar pelo mundo, trazendo
ideias e inspirações para suas criações. Fez cursos de idiomas no exterior e
fala com fluência inglês e espanhol. O cineasta acrescenta:
Comecei a perceber que, quanto mais eu viajava, mais as pessoas
gostavam de mim e do meu trabalho [como produtor]. Porque eu
voltava, obviamente, mais maduro, com o conhecimento de uma nova
língua, da cultura de outro país, o que realmente deixa as pessoas
mais interessantes, não é? Comecei em 88 nos EUA, mas, depois, fui
para Austrália, Tailândia, Índia, África do Sul, França e Itália.
102
4.1.4. Processo de Internacionalização
Vários motivos levaram a Drama Filmes a se internacionalizar: desejo dos
sócios, influências de suas redes de relacionamento, experiências anteriores
com curta-metragem e sucesso de público e crítica de seu filme “O Invasor”.
Haveria também um desejo de promover o Brasil no exterior, conhecer novas
plateias, interagir com o espectador estrangeiro, trocar experiências:
Nós vamos lá defender o Brasil. Nossos filmes tratam do Brasil. Eu
lembro com [o filme] “O Invasor”, em Los Angeles, fiquei 45 minutos
falando para uma plateia de quase 900 pessoas que não saiu da sala.
Em termos de influências, a produtora Sara Silveira parece ter sido alguém que
pode ter inspirado a Drama no seu processo de internacionalização:
Sara Silveira tem um histórico de exterior muito avançado. Como ela
morou muitos anos na França, conheceu pessoas importantes ligadas
à área na Europa e assim levou muitos filmes de jovens artistas para
fora, principalmente para Cannes. Ela nos incentivou muito.
A experiência que Beto e Renato adquiriram nas décadas de 1980 e 1990, com
a produção de curta-metragem, foi também uma fase importante, no que se
refere a sua preparação para atuar em mercados estrangeiros.
O segundo curta que fizemos, “Dovè Meneguetti”, nos levou a
participar de festivais internacionais. Beto viajou com o filme para
vários lugares. “Jó”, nosso terceiro curta, também participou de vários
festivais. Isso foi no final da década de 80, comecinho de 90. E
quando fizemos “Os Matadores” 3, o primeiro longa, estávamos
totalmente prontos pra encarar qualquer plateia. Tanto que, a partir
daí, acabamos viajando bastante com os filmes.
O sucesso nacional e principalmente internacional do filme “O Invasor” – já com
a Drama Filmes – sedimentou, de vez, a vocação dos dois cineastas para o
mercado internacional. De acordo com Renato, “o sucesso do filme foi muito
maior no exterior do que no Brasil”, tendo sido vendido para França e para
vários outros países da Europa, além de Argentina e Israel.
3
Obra realizada antes da criação da Drama Filmes, em 1997, pela mesma dupla de cineastas.
103
Em Berlim, “O Invasor” serviu como um chamariz da Drama, para que a
empresa conseguisse vender outros filmes de seu portfólio. Nos EUA, a
empresa vendeu os direitos da obra para que a produtora Lucky Monkey
pudesse fazer uma refilmagem da trama. Questionado, Renato disse que os
filmes da produtora já foram comercializados em mais de 15 países.
Finalmente, foi após o sucesso mundial de “O Invasor” que Beto Brant foi
convidado pela primeira vez para Cannes, em 2003, pelos organizadores do
evento, conforme relata Renato Ciasca:
E nesse momento o Beto Brant, como diretor-artístico, foi convidado
para ir para Cannes. Pegaram 20 jovens diretores do mundo e
disseram: ‘Fica aí. Não precisa fazer nada, mas assista aos filmes’.
4.1.5. Estratégias ligadas à Internacionalização
No entender dos sócios da Drama, o modo mais importante para promover e
distribuir suas obras no estrangeiro é por meio da participação em Festivais
Internacionais de Cinema. É uma forma pela qual distribuidores do mercado
externo buscam novidades para seus catálogos de filmes e para outros
festivais. Esses eventos também são uma oportunidade para estabelecer
alianças fora do Brasil, como explicou Renato:
Normalmente os donos dos festivais convidam colegas, que são
donos ou “olheiros” de outros festivais, para virem ao seu festival e
pagam passagem. Na América Latina, tem uma colombiana ligada ao
festival de Toronto que fica rodando, é uma menina super gente boa.
Então ela vê um monte de filme e faz uma seleção. Se o seu filme
está dentro do perfil daquele festival, eles lhe convidam. Fomos
muitas vezes para Toronto assim.
Ainda de acordo com Ciasca, apesar de haver milhares de festivais de cinema
pelo mundo, existem alguns que são vitrines importantes para a exposição de
obras inéditas para o mundo. Em ordem decrescente de importância, seriam
eles os festivais de Cannes (França), do qual a Drama Filmes ainda não
concorreu com longas de sua filmografia, o de Berlim (Alemanha), para o qual
levaram o filme “O Invasor” e o de Sundance (EUA), no qual receberam o
prêmio de melhor filme latino-americano para “O Invasor”.
104
Os festivais de médio porte também oferecem uma janela interessante para a
exibição de obras inéditas. Embora não tenham a mesma visibilidade dos
grandes festivais, gozam de relativo prestígio no mercado mundial de cinema.
Já fomos pra festivais tipo B, como os de Locarno (Suíça), San
Sebástian (Espanha), Toronto (Canadá) e Rotterdam (Holanda). E
quando você vai para um festival desses, tem muita gente vendo.
A comunicação da Drama, para promoção de seus filmes no exterior, está
fortemente relacionada à participação em festivais internacionais e nos eventos
viabilizados pela Apex e pelo programa Cinema do Brasil. Um dos diferenciaischave que a empresa construiu para sua promoção está calcado no prestígio
do diretor Beto Brant, desenvolvido ao longo dos anos dentro e fora do Brasil.
Renato comenta que “nos festivais internacionais e rodadas de negócios, são
procurados para fazer negócios graças à reputação de Beto Brant”.
Por outro lado, embora a Drama faça uso frequente de alianças na forma de
coproduções nacionais, a fim de viabilizar seu trabalho no Brasil, ela nunca
participou de coproduções internacionais. A produtora já recebeu propostas e
tentou algumas vezes firmar alianças no estrangeiro, mas essas tentativas
nunca foram adiante.
Renato argumenta ainda que a Drama não participa de coproduções
internacionais porque, a seu ver, trata-se de “um processo demorado e
trabalhoso”. São geradas complexidades contratuais e de trabalho, por serem
equipes multiculturais e que falam dois, às vezes três idiomas diferentes,
dentre outras dificuldades.
Ele reconhece as vantagens de uma aliança com produtores de outros países,
em relação aos recursos financeiros que podem ser levantados e “por a obra
se tornar uma produção binacional, ou até multinacional”. Porém, destaca as
dificuldades burocráticas impostas pela Ancine, à hora de analisar um contrato
de coprodução internacional, como um desmotivador para usar este tipo de
mecanismo em suas criações.
105
O outro modo de entrada no mercado internacional mencionado por Renato
Ciasca foi a opção de venda (option), como ocorreu no caso do filme “O
Invasor” para a produtora norte americana Lucky Filmes em 2003. A opção de
venda basicamente gera um direito ao comprador de refilmar a produção
adquirida. Assim, os principais modos de entrada usados pela Drama Filmes
para divulgar suas obras internacionalmente são descritos no Quadro 6:
Quadro 6 – Modos de entrada em mercados estrangeiros da Drama Filmes
Objetivo
Modo de entrada usado
Promoção e distribuição de filmes
Festivais Internacionais de Cinema
Venda de direitos autorais para refilmagem
Option
Sempre que possível, a Drama prefere trabalhar junto com o distribuidor,
discutindo a elaboração do pacote de ações montado para promover o filme
junto aos exibidores em potencial, como cartaz do filme, artes gráficas, cópias,
trailers, entre outros. A produtora gosta de participar desse processo para que
o material promocional reflita a realidade do filme, e não sirva apenas como
chamariz de vendas para salas de cinema ou para atrair espectadores.
Vale destacar, em relação ao crescimento no mercado externo, que a Drama
Filmes não pensa em abrir escritório no exterior, conforme afirmou Ciasca:
Eu não quero abrir um escritório no exterior. Nem aumentar o daqui
de São Paulo. Não que não possamos ser como a Gullane, a
Conspiração, a O2. Podemos ser iguais a qualquer uma, mas nós
nunca quisemos. Queremos ficar assim.
Quanto ao aprendizado da empresa obtido em suas incursões internacionais,
Renato considera que o maior aprendizado foi o amadurecimento da empresa
e
dos
sócios.
No
seu
entender,
a
internacionalização
reforçou
o
posicionamento da empresa, de dialogar com o público em diversos países, e
trouxe profundo enriquecimento pessoal, por meio do contato com culturas,
festivais, filmes e realidades diversas.
106
Em sua opinião, erros e acertos têm valor no processo de aprendizado da
produtora. O único erro que não cometeria novamente seria levar um filme sem
estar completamente pronto, só para não perder o prazo de inscrição da obra
em um festival, como relembra abaixo:
Você tem até o dia 30 do mês para mandar, então o som que você
pretendia fazer com qualidade 5.1 surround não está pronto ainda. E
você manda o filme com som mono. Aí o cara vê e diz: ‘Que horror de
filme’. E se o som estivesse perfeito diria: ‘Nossa, que filme bom!’.
4.1.6. GRIFA FILMES (TV)
4.1.7. Introdução
A Grifa Filmes tem como foco a produção de documentários para o mercado de
televisão doméstico e internacional. Especialista em grandes projetos e séries
mundiais, tem seus títulos distribuídos nas mais importantes emissoras de
televisão do mundo, como Discovery, National Geographic, Fox, NHK, Arte,
France 3 e 5, CBC, Record, TV Brasil, Multishow, GNT, entre outras.
O sucesso alcançado com suas produções colocou a empresa como a
produtora de documentários mais premiada do Brasil, que continua
desenvolvendo e produzindo grandes filmes para o mercado internacional. Por
exemplo, a aventura “No caminho da Expedição Langsdorff” ganhou o Pitching
International do canal Discovery e foi distribuída pela Discovery International e
France 3 para mais de 100 países; a série wildlife “Animais do Brasil’,
produzida para o canal National Geographic, foi campeã de audiência desse
canal durante sua primeira semana de exibição.
A mais recente distinção então recebida pela Grifa Filmes foi o prêmio do Júri
Popular de Melhor Longa Documentário no Washington D.C. International Film
Festival de 2013. Com o título “Quem se Importa”, é um documentário de longa
metragem sobre empreendedores sociais no Brasil e ao redor do mundo.
107
4.1.8. Histórico da Empresa
A Grifa Filmes foi fundada em 1996 pelos irmãos Fernando e Maurício Dias.
Desde seu início, a empresa teve um posicionamento muito bem definido,
como uma produtora de documentários que retratem aspectos diversos do
Brasil para o mundo, para serem exibidos em grandes canais de TV
internacional, principalmente TV por assinatura. Nas palavras de Fernando:
Meu irmão e eu fizemos a produtora pensando muito na área de
documentário e na área internacional. E aí tem algumas coisas que
foram importantes como, por exemplo, termos sido uma das primeiras
produtoras brasileiras nos mercados internacionais.
Além de terem claro o que gostariam que sua empresa fosse, os irmãos Dias
sabiam exatamente o que não gostariam que o empreendimento se tornasse:
Nós não planejamos ser uma produtora muito grande. Preferimos ser
mais uma boutique de grandes projetos do que ter uma produtora que
faça [muitos] projetos no varejo. Preferimos ter grandes projetos de
alto valor agregado do que fazer uma produtora muito grande. Temos
medo de perder o controle da qualidade de produção.
De forma consistente com este posicionamento, em relação ao número de
funcionários, a empresa dispõe de apenas seis colaboradores diretos,
recorrendo, com muita frequência, aos serviços de freelancers, que são
alocados aos diversos projetos em várias partes do país e do mundo. Há ainda
a figura dos “freexos” (um meio termo entre freelancers e fixos), que são
funcionários temporários alocados em projetos mais longos, podendo ficar até
dois anos na empresa. Nas gravações, e dependendo do porte do projeto,
pode haver mais de 10 colaboradores envolvidos diretamente com a produção
no set de filmagem e bastidores.
A empresa não tem funcionários no exterior. Quando a Grifa realiza projetos
fora do Brasil, conta com o apoio de colaboradores das produtoras
internacionais, com as quais fecha contratos para a coprodução de suas obras.
108
4.1.9. Perfil dos Dirigentes
Diretor e Produtor Executivo da Grifa Filmes, Maurício de Souza Dias é
formado em cinema pela FAAP e iniciou a carreira trabalhando no SBT. Em
seu currículo consta a produção e a direção de mais de 60 filmes. Seu
documentário “No caminho da Expedição Langsdorff” foi distribuído pela
Discovery International e France 3 para mais de 100 países.
Parte de sua filmografia inclui o documentário “Baleias em Abrolhos” para
Animal Planet, a série “Animais do Brasil’ para National Geographic e o
documentário “O Brasil da Pré-História”, este último sendo exibido em mais de
50 países. Entre seus últimos trabalhos como Diretor estão a série
internacional
Extinções
-
Onça
Pintada,
uma
coprodução
Brasil/França/Cingapura e Canadá com grande audiência na TV France 5 e o
especial de Natal 2010 da TV Record "Nascemos Para Cantar”.
Fernando Dias, seu irmão, sempre atuou como produtor executivo dos projetos
realizados. Nascido em 1969, é jornalista formado pela Universidade Metodista
de São Paulo, e começou sua carreira no Jornal da Tarde de SP. Foi
presidente da Associação Brasileira de Produtoras Independentes de Televisão
(ABPITV) por oito anos, tendo sido responsável pela criação da área
internacional e pelo desenvolvimento do projeto internacional da associação.
Tem papel ativo no desenvolvimento da exportação da produção independente
brasileira para o mercado internacional. Tem sido frequentemente convidado a
proferir palestras em feiras e festivais internacionais do setor.
4.1.10. Processo de Internacionalização
As atividades internacionais da Grifa tiveram início na América Latina em 1997,
por meio de solicitações de conteúdo regional do canal Discovery, que estava
entrando no segmento de TV por assinatura da região. Em seguida, a Grifa
teve oportunidade de participar de uma concorrência internacional para uma
produção mundial do Discovery, sobre os 500 anos de descobrimento do
109
Brasil. Ganhou a concorrência e, então, teve a chance de produzir seu primeiro
documentário com exibição global.
Em seguida, começou a conquistar os mercados europeus, com destaque para
França, Alemanha, Inglaterra, e posteriormente Canadá e Japão. A França é o
principal mercado da Grifa Filmes, tanto em volume de vendas, quanto de
parcerias para coproduções internacionais. Em seguida vêm outros países da
Europa, Canadá, Japão e países da América Latina. Regionalmente, a América
Latina continua sendo um mercado muito importante para a Grifa.
Entre os motivos que levaram os dirigentes da Grifa à internacionalização
estava a percepção do tamanho do mercado internacional. Neste sentido,
Fernando Dias declarou:
É um mercado enorme e não tinha a participação de brasileiros.
Existiam apenas duas produtoras brasileiras. Para você ter uma ideia,
já devia ter umas sete mil produtoras internacionais, e só duas
brasileiras. Mesmo entre as TVs abertas, só a Globo estava presente,
as outras emissoras não. E nós começamos a ter um relacionamento
com os canais [estrangeiros], que estavam vindo para o Brasil.
Além disso, algumas pessoas importantes ajudaram a impulsionar o processo
de internacionalização da Grifa Filmes:
Eu considero que houve uma pessoa importante na época, para nós,
a Beth Carmona, que foi diretora da TV Cultura e foi uma das
diretoras da Discovery. Ela nos incentivou muito a buscar esse
mercado. Algumas pessoas do mercado internacional também foram
importantes: o Yves Genault, que é um francês. Naquela época, a
França fazia muitos eventos na América Latina, e eles nos
convidaram para alguns, para tentar aproximar a América Latina da
Europa. Então, o Yves foi muito importante na época.
Havia também uma janela de oportunidade com a abertura do Brasil à
concorrência de emissoras estrangeiras durante a década de 1990. Mesmo
que a Grifa não tivesse ainda muita experiência com o mercado externo, os
dirigentes julgaram que deveriam apostar na internacionalização:
Acho que foi isso na época em que realmente não se tinha apoio, foi
meio “com a cara e a coragem”. Mas foi um momento oportuno para o
mercado. Foi um momento em que o Brasil estava abrindo a TV a
cabo também para o mercado internacional.
110
Fatores internos desfavoráveis ao crescimento de produtoras independentes,
no âmbito do mercado doméstico, também pesaram na decisão de
internacionalização da Grifa, como relatou Fernando Dias:
Fazer documentários no Brasil não tinha, à época, muito futuro. Não
se tinha para quem vender. A Globo, a Record, o SBT não
compravam, ninguém comprava. Estava começando a TV a cabo e
nós vimos uma oportunidade de poder mostrar outra realidade lá fora.
Esta “outra realidade lá fora” também casava muito bem com o posicionamento
que os dirigentes da Grifa tinham em mente para seu negócio:
A gente até brinca! Foi uma questão um pouco nacionalista mesmo.
Falava-se de tanta coisa do mundo afora, tantos filmes sobre a África,
tantos filmes sobre a Europa, tantos filmes sobre a Ásia, e tinha
pouca coisa sobre o Brasil. O Brasil era muito pouco conhecido lá
fora. E até hoje, você chega para uma criança de sete anos e pede
para ela falar o nome de cinco animais, e ela fala de cinco animais
africanos, é difícil ela falar de algum animal brasileiro. Então ela vai
falar da girafa, vai falar do elefante, vai falar do leão... com sorte ela
fala também da onça, mas o resto não fala... Então, tínhamos esse
objetivo, de também mostrar um pouquinho do Brasil lá fora.
Em relação ao mercado doméstico, o próprio ambiente político-legal não era
tão favorável ao crescimento das produtoras independentes, mesmo com as
novas leis de proteção e fomento ao audiovisual, em vigor desde 2011 no país.
Além da implementação tardia das regras no Brasil, há muitos anos o cenário
internacional era diferente nesse sentido. Como observou Fernando Dias:
Os países têm suas regras, a União Europeia tem as suas, o Canadá,
os Estados Unidos, e agora o Brasil, com essa nova lei4, pela primeira
vez também criou as suas cotas para conteúdo brasileiro. Apesar de
terem feito todo esse alvoroço aqui no Brasil, isso já existe no resto
do mundo há mais de trinta anos, e muito mais rígido do que no
Brasil. Porque aqui é restrita à TV a cabo, e, no resto do mundo, é
para TV aberta também. E o percentual de exibição de conteúdo
nacional em outros países é muito maior do que aqui no Brasil.
4
Lei 12.485/2011. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-
2014/2011/Lei/L12485.htm.
111
Por fim, ao mirar mercados estrangeiros, a empresa estaria viabilizando uma
demanda potencial muito maior do que se ficasse restrita ao Brasil:
Quando você entra em um processo que é distribuir filme
mundialmente em um canal desses [Discovery, France 3], estamos
falando de um público de, sei lá, 600 milhões de pessoas. É muita
gente! É um numero de espectadores muito maior do que você teria
com a exibição só no Brasil, maior até do que qualquer longa
metragem ou qualquer coisa que passa na rede Globo, no Brasil.
Além disso, a concorrência, em um mercado tão gigantesco, não incomoda:
Os concorrentes são poucos, na verdade. O mercado é muito grande,
então talvez nem se possa falar de concorrentes. O nosso segmento
é bastante colaborativo, diferente do cinema, onde o ambiente é mais
competitivo. As outras produtoras brasileiras [de conteúdo para TV]
que fazem algumas coisas lá para fora são a Giros, a Conspiração e
a Cinevideo.
4.1.11. Estratégias ligadas à Internacionalização
Para a Grifa Filmes a estratégia de entrada mais importante em mercados
internacionais é a coprodução internacional. Aliás, Fernando destaca as
vantagens desse modo de entrada, inclusive como um meio de promoção do
Brasil no exterior:
As coproduções internacionais de filmes documentários criam a
oportunidade de expor a imagem do país no mundo. O valor desse
conteúdo vale milhões de vezes mais que um anúncio que a
Embratur possa comprar [em uma TV no exterior].
Para exportação de conteúdo pronto, Dias comenta que basicamente terceiriza
a venda para distribuidoras internacionais, que repassam o direito de exibição
das obras a canais de TV estrangeiros, mediante o pagamento de uma
comissão à Grifa, negociada previamente. Como ainda não haveria formas
transparentes de acompanhar o desempenho das vendas internacionais, acaba
sendo uma relação em que a confiança desempenha papel importante.
Outro ponto destacado foi a diferença entre feiras e festivais internacionais do
audiovisual. A participação em feiras internacionais, ao menos para a Grifa
Filmes, é mais importante do que em festivais: “Na verdade o mais importante
para nós é feira, mais do que festival; porque festival é ‘oba-oba’, feira é
112
negócio.” Para o dirigente, os festivais são mais focados na exibição de novos
filmes, para o público, mas sem a intenção direta de venda. Já as feiras são
eventos com características business to business (B2B), focadas na
negociação entre empresas do setor.
A empresa utiliza ainda um modo de entrada particular no mercado
internacional,
denominado
pitch.
Seria
uma espécie
de
concorrência
internacional para angariar recursos financeiros, com o propósito de viabilizar a
produção de uma obra audiovisual. Segundo Dias, este processo é resultado
da iniciativa do cliente, que deseja selecionar prestadores de serviços para
realizar um projeto audiovisual específico.
O Quadro 6 resume a estratégia adotada pela Grifa Filmes para a escolha de
modos de entrada em mercados estrangeiros, em função dos objetivos visados
pela empresa.
Quadro 7 - Escolha de modos de entrada em mercados estrangeiros da Grifa Filmes
Objetivo
Modo de entrada usado
Produção de conteúdo para o mercado
internacional
Coprodução internacional
Venda de filmes prontos para o mercado
internacional
Distribuidores internacionais
Atender a pedidos de clientes (emissoras de TV
internacionais)
Pitching
Os principais serviços comercializados pela empresa, tanto fora quanto dentro
do Brasil, em ordem decrescente de importância no faturamento, são
coproduções, com retenção de direitos autorais e patrimoniais, e produção de
obras audiovisuais para terceiros, com retenção apenas de direitos autorais.
Aliás, o foco em coproduções internacionais serve não apenas como modo de
entrada e expansão em mercados internacionais, é também um mecanismo
para contornar dificuldades para a obtenção de recursos financeiros oficiais
para custear os projetos. No que se refere ao rateio dos recursos para
coproduções, Fernando Dias esclareceu: “O método que o mercado utiliza é
113
geralmente 50% aqui, 50% lá fora. Porém, eu tenho projetos em que já
alavanquei 70% do recurso fora do Brasil, e 30% no Brasil...” Enquanto a
coprodução é um movimento recente no Brasil, já seria praticado há bastante
tempo em outros países:
Quando você vai para um país pequeno, quando você vai para a
Dinamarca, para a Polônia, etc., tem que ter parceiros para produzir o
conteúdo, porque não tem dinheiro suficiente para produzir sozinho.
Então fora do Brasil já existia uma cultura de coprodução muito mais
forte do que no Brasil, principalmente entre os pequenos [países].
No que diz respeito à distribuição, a Grifa Filmes adota diferentes estratégias
para diferentes mercados. No caso da América Latina, a empresa acredita não
valer a pena fazer uma distribuição país a país, canal por canal. Neste caso,
ela prefere vender para canais que tenham atuação regional. Já para a Europa
e Canadá, a venda é feita país a país, já que é muito difícil vender para um
canal que vá exibir em toda a Europa. Mesmo assim, a realização de vendas
segmentadas por canal, no caso desses países, é considerada rentável.
A fim de lograr uma boa distribuição para seus produtos, sejam coproduções
ou licenciamento de conteúdos prontos, a Grifa tenta, sempre que possível,
negociar com grandes canais mundiais. Eles seriam uma espécie de porta de
entrada para vários outros canais menores, funcionando como uma espécie de
certificado de qualidade do conteúdo oferecido pela produtora:
Você tem alguns canais que são os grandes canais mundiais. Tem a
BBC [Inglaterra], os canais franceses, como France 3, France 2,
France 5, A&E TV (EUA), NHK (Japão), Discovery... esses canais são
meio como se fossem cabeças de chave. Se um canal desses entra
em um projeto, vários canais menores entram quase que
automaticamente, porque eles não são tão criteriosos na seleção dos
projetos. Aí a pessoa da TV da Finlândia vem e fala, ‘esse projeto é
da NHK’? Ele nem vê o projeto e já compra.
Paralelamente, a coprodução internacional é vista como meio para que o
conteúdo brasileiro seja exibido em TVs de outros países sem a resistência que
as produções internacionais eventualmente enfrentam em determinados
mercados, por causa de políticas de cotas e proteção ao conteúdo doméstico
(barreiras não tarifárias). Potencialmente, quanto mais países estiverem
114
envolvidos em uma produção, maior será o número de espectadores potenciais
a que o conteúdo estará exposto, como salientou Fernando Dias:
Na França, há um percentual de conteúdo francês que tem que ser
exibido na França, depois tem um percentual de conteúdo europeu
que tem que ser exibido no canal francês, depois eles vão aos países
com que eles têm acordo de coprodução – e eles não têm com o
Brasil. O principal acordo de coprodução deles é com o Canadá, que
também tem uma cota de conteúdo canadense que deve ser exibido
na TV francesa, e depois é o resto do mundo. Então quando você
entra nesta fórmula matemática, o resto do mundo fica insignificante.
E como que você deixa de ser insignificante para ser alguma coisa
nesses territórios? Fazendo a coprodução. Porque quando eu faço
coprodução com a França, o conteúdo que eu fiz se torna também
conteúdo francês.
Outra característica da Grifa é pensar não apenas no produto em si, filme ou
série para a TV, mas nas necessidades do cliente. Em outras palavras, ela não
tenta fazer uma venda empurrada de seu produto – produzir um filme e depois
sair à caça de possíveis clientes no mercado externo. Nos principais eventos
internacionais do setor, ela assiste às palestras dos commissioning editors,
responsáveis pelo slot de um canal, que expõem ao mercado o que estão
procurando.
Você tem uma figura na televisão que chama commissioning editor, e
ele comanda o slot de um canal. Fazendo um paralelo, é como quem
comanda o Globo Repórter. Ele sabe que durante 52 semanas ao
ano ele tem que ter conteúdo. E ele já faz o planejamento. Então, nós
temos que adequar nossos conteúdos às necessidades dos canais,
porque senão eu vou perder meu tempo, certo? [...] O pessoal do
canal fala: ‘Queremos filme de natureza, mas sem a presença
humana’, ou ‘filme de natureza com a presença humana’... Nesse
sentido, é muito importante estar “antenado” ao mercado, para não
perder tempo em um projeto que ninguém vai querer. Não é porque o
projeto ficou ruim, mas é porque ele foi feito no momento errado.
No entanto, na visão do dirigente da Grifa, é comum não haver muito
planejamento de atividades internacionais no segmento das produtoras
independentes brasileiras, devido ao pequeno porte ou à falta de informações
sobre os mercados externos. Normalmente, estas atividades acontecem ad hoc
ou quando surgem oportunidades esporádicas.
Em sua opinião, este é um diferencial da Grifa Filmes em relação a suas
concorrentes brasileiras, já que busca um planejamento mínimo de suas
115
atividades no exterior. A empresa tenta fechar pelo menos um grande projeto
por ano no mercado internacional, o chamado “Blue Chip”, cujo custo de
produção situa-se acima de um milhão de euros.
Assim, embora não especifique valores, Dias admite que o faturamento anual
da produtora esteja bem acima de um milhão de dólares ao ano, porém abaixo
de U$50 milhões. Além disso, o produtor afirma que atualmente cerca de 50%
das receitas seriam provenientes das atividades comerciais no exterior.
Em relação à presença em eventos internacionais, a Grifa participa anualmente
das feiras internacionais MipTV e MipCOM, uma em abril e a outra em outubro,
que acontece em Cannes na França. Participa também de uma feira focada em
documentários, o Sunny Side of the Doc, em Rochelle, também na França. Há
diversas outras feiras, mas essas são as principais, das quais a Grifa Filmes
participa com mais assiduidade.
Os Mips são mercados abertos, os maiores mercados do mundo para
televisão. Nesses, segundo Fernando Dias, não há muito espaço para
amadores ou novos entrantes do mercado:
Nos Mips tem 16 mil pessoas. Lá você encontra todas as televisões,
do mundo inteiro. Mas é um mercado para iniciados. Um mercado
que é difícil ir para fazer os primeiros contatos. As pessoas vão lá
para fechar negócios.
Para iniciantes no processo de internacionalização, existem feiras menores,
mas não menos importantes, como o Sunny Side (Rochelle), Real Stream
(EUA), IDFA (Holanda), focado também em documentários, Annecy (França),
focado em animações, dentre outros.
Para promover seu conteúdo junto ao grande público, por sua vez, a Grifa
utiliza um serviço de assessoria de imprensa, que divulga notas nos jornais e
revistas de grande circulação sobre a exibição de novos filmes. Há ainda o site
da empresa, com todos os projetos já executados, e, não menos importante, a
propaganda boca a boca de quem assiste a seus filmes e séries e recomenda
a outras pessoas.
116
5. ANÁLISE DOS CASOS
Vivemos em um mundo no qual nossos objetivos e metas são planos
altamente elaborados diante do incerto e, de fato, nossa vida está à
mercê do acaso e de contingências inescrutáveis. Neste mundo onde
nós fazemos os planos, é o destino que decide, e o resultado de
várias de nossas ações depende de circunstâncias além de nosso
controle. Portanto, a sorte está destinada a ter papel principal no
teatro da vida humana. (IRWIN; DUNN; MICHAUD, 2013, p. 75)
A Administração não é, ainda, uma ciência exata. Ela lida com o acaso e com
as contingências de um mundo globalizado, em constante mudança e evolução
(ABDELAL; TEDLOW, 2003; ANDERSSON; WICTOR, 2003). Por isso, as
análises que serão feitas adiante são tentativas de compreender os processos
de internacionalização da Grifa e Drama Filmes, à luz das metáforas e modelos
trazidos pelas abordagens comportamentais de negócios internacionais.
5.1.
ANÁLISE CRUZADA
Apesar de algumas críticas que ainda persistem sobre uma ou outra
abordagem, com o passar dos anos alguns autores verificaram que as Teorias
Comportamentais são mais complementares do que contraditórias entre si.
Nesse sentido, Autio (2005) destaca que há mais semelhanças do que
divergências entre o Modelo de Uppsala e o Empreendedorismo Internacional,
e que ambos se completariam. Johanson e Vahlne (2009) fizeram o mesmo ao
incorporar os conceitos da Teoria de Redes ao M-U. Pettersen e Tobiassen
(2010), por sua vez, buscaram conciliar supostas divergências que poderiam
existir entre o M-U e a perspectiva Born Globals. Por fim, Coviello, McDougall e
Oviatt (2011) selaram a união entre BG e o EI.
Portanto segue adiante, em primeiro lugar, uma análise comparando os dois
casos com cada abordagem teórica. Posteriormente, os paradigmas serão
117
conciliados, no capítulo de Conclusão, com o intuito de responder às perguntas
de pesquisa.
5.1.1. Na Perspectiva da Escola de Uppsala
O histórico das duas produtoras reflete a importância do conhecimento
experiencial (JOHANSON; VAHLNE, 1977) dos empreendedores na trajetória e
características de suas expansões para o estrangeiro. No entanto, há
evidências, no transcorrer da entrevista, de que a Drama Filmes passou por um
ciclo mais lento de amadurecimento antes de iniciar suas primeiras incursões
internacionais.
Ela levou 19 anos para amadurecer esse processo, desde os tempos da
faculdade de cinema em 1982, quando Beto e Renato se conheceram, até a
fundação da firma, em 1998 e a exportação de seu primeiro longa metragem,
“O Invasor”, em 2001. As obras de curta metragem, como o filme “Jó”, também
serviram como uma etapa intermediária nesse aprendizado gradual no início da
década de 1990 (FORSGREN, 2002). A linha do tempo na Figura 12
esquematiza visualmente o processo:
Figura 12 - Linha do tempo: Internacionalização Drama Filmes
Então, em relação ao ciclo causal de conhecimento de mercado e
comprometimento, a Drama parece respeitar os preceitos do Modelo de
Uppsala (JOHANSON; VAHLNE, 1990), embora tenha feito o uso de redes de
118
relacionamento no processo (JOHANSON, 1986). A Grifa Filmes, por outro
lado, foi fundada em 1996 e em 1997 já iniciou sua internacionalização para a
América Latina, seguindo uma trajetória mais típica de Born Globals ou
Empreendedorismo Internacional, em termos de velocidade da sua expansão
para o exterior. (OVIATT; MCDOUGALL, 2005)
Acerca do construto tradicional de distância psíquica, ambas as empresas
parecem não segui-lo à risca na seleção de mercados, pois incorporaram suas
redes de relacionamento pessoal ou profissional nesse processo, como
preconiza o M-U revisado (JOHANSON; VAHLNE, 2009). Porém, a Grifa
começou sua expansão pela América Latina para só depois chegar aos
mercados europeus.
Mesmo que essa proximidade geográfica na seleção inicial de mercados
pudesse sugerir que a produtora estivesse seguindo um padrão regiocêntrico
(ROCHA et al., 2007), na verdade ela estava adotando uma estratégia de
acompanhar o cliente, nesse caso, a Discovery América Latina (BELL, 1995). A
Drama, a seu turno, selecionou seus mercados conforme oportunidades que
surgiram aleatoriamente durante os Festivais Internacionais de Cinema, seu
principal modo de entrada em novos mercados estrangeiros.
Finalmente, acerca da cadeia de estabelecimento, um conceito fortemente
ligado à distância psíquica e ao comprometimento no M-U tradicional
(JOHANSON; WIEDERSHEIM-PAUL, 1975), a Drama Filmes parece estar
mais sujeita a ela. Isso decorre do fato que a produtora de cinema, embora use
modos de entrada diversificados no exterior (ROCHA et al., 2006), basicamente
exporta suas obras prontas. Até a conclusão do caso a firma não havia
conseguido firmar um contrato de coprodução no exterior. Como lembrou
Renato Ciasca:
Uma vez fomos a um evento de coprodução latino-americano na
Argentina... Tinha um filme paraguaio que custaria uns 100 mil
dólares. Era bom o case e deu vontade de entrar. Mas estávamos
ocupados com outras coisas e não entramos. Hoje o filme ficou
pronto, ganhou muitos festivais, foi pra Cannes e tudo mais. Na hora
119
podíamos ter entrado com 20% do orçamento, 20 mil dólares apenas,
e estaríamos ganhando dinheiro agora. Mas não fizemos...
A Grifa Filmes, por outro lado, além de vender conteúdo pronto participa de
coproduções internacionais, um modo de entrada com alto comprometimento
de recursos com seus parceiros estrangeiros (ARENIUS, 2005).
O Quadro 7 resume a aderência das características e trajetórias de
internacionalização das duas empresas à perspectiva do Modelo de Uppsala:
Quadro 8 - Aderência da Internacionalização ao Modelo de Uppsala
Parâmetro ou construto
Drama Filmes
Grifa Filmes
Aprendizado gradual
Alto
Baixo
Distância Psíquica
Baixo
Baixo
Cadeia de estabelecimento
Médio
Baixo
Portanto, conforme as evidências acima, a princípio a produtora Drama Filmes
teria características do Modelo de Uppsala mais evidentes na sua trajetória
internacional do que a Drama Filmes.
5.1.2. Na Perspectiva da Teoria de Redes
Tanto no caso da produtora Drama Filmes quanto da Grifa Filmes, as alianças
e parcerias foram fundamentais para viabilizar as atividades internacionais
(OVIATT; MCDOUGALL, 1994). Antes mesmo de a internacionalização ocorrer,
é possível observar que as redes de relacionamento pessoais motivaram os
sócios a expandirem suas operações para além das fronteiras brasileiras
(ELLIS, 2011; MUSTEEN; DATTA; BUTTS, 2013). Como destaca Renato
Ciasca, no caso da Drama Filmes:
Sara Silveira tem um histórico de exterior muito avançado. Como ela
morou muitos anos na França, conheceu pessoas importantes ligadas
à área na Europa e assim levou muitos filmes de jovens artistas para
fora, principalmente para Cannes. Ela nos incentivou muito [no
processo de internacionalização].
120
Fernando, diretor da Grifa, também relembra as pessoas mais marcantes
nesse processo:
Eu considero que houve uma pessoa importante na época, para nós,
a Beth Carmona, que foi diretora da TV Cultura e foi uma das
diretoras da Discovery. Ela nos incentivou muito a buscar esse
mercado [internacional]. Algumas pessoas do mercado internacional
também foram importantes: o Yves Genault, que é um francês.
Naquela época, a França fazia muitos eventos na América Latina, e
eles nos convidaram para alguns, para tentar aproximar a América
Latina da Europa. Então, o Yves foi muito importante na época.
Assim, para as duas produtoras, a experiência prévia do empreendedor e as
redes estabelecidas no estrangeiro pré-internacionalização foram fatores
críticos de sucesso e até motivacionais para a atividade internacional.
(ANDERSSON, 2011; COVIELLO, 2006; MADSEN; SERVAIS, 1997)
Na Drama Filmes, Renato é o interlocutor dos negócios internacionais, com o
papel de viajar e trazer conhecimento (inspiração) para as criações da firma e
tratar dos assuntos comerciais no exterior (PETTERSEN; TOBIASSEN, 2010).
Já Beto Brant é o cineasta internacionalmente famoso, que representaria
valioso recurso de marketing nos negócios internacionais da empresa
(OVIATT; MCDOUGALL, 1994), atestando a qualidade e credibilidade de suas
produções cinematográficas no estrangeiro. (ARENIUS, 2005)
A Grifa Filmes, por sua vez, explora todos os possíveis papéis de sua rede de
relacionamentos pessoais e comerciais, inclusive utilizando-a para obter
recursos financeiros, por meio das coproduções internacionais. Adicionalmente,
a produtora sabe alavancar sua rede de maneira a facilitar a distribuição de seu
produto e até superar barreiras não tarifárias, como as políticas de cotas
nacionais de tela nos principais mercados. Fernando explica como a
coprodução é essencial e necessária para isso:
Na França, há um percentual de conteúdo francês que tem que ser
exibido na França, depois tem um percentual de conteúdo europeu
que tem que ser exibido no canal francês, depois eles vão aos países
com que eles têm acordo de coprodução – e eles não têm com o
Brasil. O principal acordo de coprodução deles é com o Canadá, que
também tem uma cota de conteúdo canadense que deve ser exibido
na TV francesa, e depois é o resto do mundo. Então quando você
121
entra nesta fórmula matemática, o resto do mundo fica insignificante.
E como que você deixa de ser insignificante para ser alguma coisa
nesses territórios? Fazendo a coprodução. Porque quando eu faço
coprodução com a França, o conteúdo que eu fiz se torna também
conteúdo francês.
Assim, mais do que meramente aproveitar oportunidades emergentes que
possam surgir em sua rede (SANTANGELO; MEYER, 2011), a Grifa Filmes
integra efetivamente o desenvolvimento das redes ao planejamento estratégico
da companhia (WELCH; WELCH, 1996) e sabe aproveitá-las, também, para
superar vazios institucionais (MUSTEEN; DATTA; BUTTS, 2013), como a falta
de acordos oficiais de coprodução do Brasil com importantes mercados no
exterior.
Assim, pode-se dizer que para a Drama as redes têm um papel estratégico
mais emergente do que deliberado (ANDERSSON, 2011). A Grifa Filmes, em
contraste, sabe explorar bem como criar oportunidades por meio de sua rede
de
relacionamento
internacional
(SANTANGELO;
MEYER,
2011),
principalmente por meio das coproduções internacionais.
Em relação ao paradigma original de redes (JOHANSON; MATTSSON, 1993),
embora ele tenha sido criado pensando em firmas industriais (Cf. COVIELLO;
MARTIN, 1999), pode ser usado na tentativa de posicionar as duas produtoras
em relação ao mercado internacional. No caso da Grifa Filmes, ela parece se
situar quase como uma “Pioneira” (JOHANSON; MATTSSON, 1993), por ter se
aventurado além das fronteiras nacionais antes de outras empresas brasileiras
do segmento audiovisual, inclusive algumas grandes emissoras de televisão.
Como relembra Fernando:
É um mercado enorme [o estrangeiro] e não tinha a participação de
brasileiros. Existiam apenas duas produtoras brasileiras. Para você
ter uma ideia, já devia ter umas sete mil produtoras internacionais, e
só duas brasileiras. Mesmo entre as TVs abertas, só a Globo estava
presente, as outras emissoras não. E nós começamos a ter um
relacionamento com os canais que estavam vindo para o Brasil.
Já a Drama Filmes se internacionalizou mais em decorrência de sua
participação em festivais internacionais de cinema do que por uma estratégia
122
previamente deliberada de seus sócios. Se for somado o período préinternacionalização, a produtora teria se preparado por quase 20 anos, como
visto no tópico anterior, para entrar tardiamente em um mercado que já era
altamente internacionalizado, caracterizando-se como, portanto, uma “Entrante
Tardia” (JOHANSON; MATTSSON, 1993) na arena internacional.
Alguém, no entanto, poderia questionar o porquê de a Drama Filmes ser uma
entrante tardia, uma vez que se internacionalizou em 2001 com o filme “O
Invasor” e a Grifa Filmes, por outro lado, se internacionalizou em 1997,
produzindo conteúdo regional para o canal Discovery na América Latina.
Para responder a tal questionamento, torna-se necessário destacar que a
Drama Filmes atua no segmento de cinema e a Grifa Filmes no de TV por
assinatura, e que há diferenças de mercados sutis entre os dois (DALMORO,
2010). O mercado mundial de cinema é internacionalizado há mais tempo que
o das TVs por assinaturas, por força da concorrência dos blockbusters de
Hollywood no mercado mundial que, até nos dias de hoje, ainda recebe mais
espaço para exibição no circuito de salas comerciais do que os filmes
brasileiros. Essa constatação fica evidente na Tabela 11:
Tabela 11 - Longas metragens lançados no cinema brasileiro em 2013
#
Título
País
Salas no
Lançamento
Público
Renda (R$)
1
Homem de ferro 3
EUA
1.253
7.633.472
96.488.326
2
Meu malvado favorito 2
EUA
923
6.989.217
80.603.472
3
Thor 2 - O Mundo Sombrio
EUA
1.072
4.823.275
61.569.435
4
Minha mãe é uma peça
Brasil
407
4.600.145
49.533.218
5
Velozes e furiosos 6
EUA
1.030
4.521.808
49.148.215
6
Wolverine Imortal
EUA
1.126
3.955.379
49.173.173
7
João e Maria: Caçadores de Bruxas
EUA
509
3.716.154
48.663.644
8
Detona Ralph
EUA
756
3.636.679
42.979.840
9
Jogos Vorazes: em Chamas
EUA
1.216
3.533.536
39.711.677
EUA
842
3.290.880
36.949.825
10 Universidade Monstros
Fonte: Ancine (2014)
123
O segmento de TV Paga no Brasil, a seu turno, só começou a concorrer com
as TVs de outros países a partir da abertura comercial na década de 1990
(AMAL; MIRANDA; FREITAG, 2008), quando as emissoras estrangeiras
começaram a atuar no país. Interessante notar que Fernando, da Grifa Filmes,
ao invés de destacar as ameaças dessa abertura, enxerga o momento como
oportuno para arriscar e mirar o mercado internacional:
Acho que foi isso na época em que realmente não se tinha apoio
[década de 1990], foi meio “com a cara e a coragem”. Mas foi um
momento oportuno para o mercado. Foi um momento em que o Brasil
estava abrindo a TV a cabo também para o mercado internacional.
Finalmente, segue o Quadro 11 resumindo a aderência das características e
trajetórias de internacionalização das duas empresas à Teoria de Redes:
Quadro 9- Aderência da Internacionalização à Teoria de Redes
Parâmetro ou construto
Drama Filmes
Grifa Filmes
Uso estratégico das redes
Aproveita oportunidades
Aproveita e cria
oportunidades
Grau de internacionalização
em relação ao mercado
Entrante tardia
Pioneira
Por conseguinte, mesmo que para ambas as empresas as alianças e parcerias
tenham tido fundamental importância nas atividades internacionais, as
caraterísticas e trajetórias das duas empresas, nas maneiras como
enxergavam e aproveitavam suas redes, podem ser consideradas ligeiramente
diferentes.
5.1.3. Na Perspectiva de Empreendedorismo Internacional
Na concepção de Oviatt e McDougall (1994) novos empreendimentos
internacionais
são
negócios
criados
com
a
intenção
clara
de
se
internacionalizar desde sua fundação. Isso é algo bem explícito na declaração
de Fernando sobre a motivação para ele e seu irmão Maurício fundarem a Grifa
Filmes:
124
Meu irmão e eu fizemos a produtora pensando muito na área de
documentário e na área internacional. E aí tem algumas coisas que
foram importantes como, por exemplo, termos sido uma das primeiras
produtoras brasileiras nos mercados internacionais.
Além da orientação internacional, os dirigentes da Grifa compreendem as
vantagens do pioneirismo em mercados internacionais, já que isso lhes
permitiu antecipar-se à competição (MCDOUGALL; OVIATT; SHRADER, 2003)
e explorar primeiro as oportunidades potenciais além das fronteiras nacionais
(ZAHRA; GEORGE, 2002).
A Drama Filmes, por sua vez, foi fundada com o objetivo de tornar-se
independente de outras produtoras e lançar conteúdo audiovisual de sua
própria autoria. A internacionalização não era um objetivo, mas consequência
de sua participação em festivais internacionais de cinema. Como disse Renato:
E foi quando resolvemos abrir [a Drama Filmes] e não fazer o outro
filme – “O Invasor” – com a Sara Silveira [da produtora Dezenove
Som e Imagens]. Abrimos nossa empresa, e a Bianca [Villar], que nos
foi apresentada pela Sara, virou nossa amiga, veio junto e ficou esse
tempo todo, e saiu no ano passado [2012].
Em outras palavras, é possível dizer que uma das motivações para a Drama
Filmes se internacionalizar foi o reconhecimento de seu trabalho, o endosso de
sua arte por especialistas no estrangeiro, e não por uma decisão comercial
deliberada. O comentário abaixo ilustra bem esse ponto:
Nossos filmes tratam do Brasil. Eu lembro com [o filme] “O Invasor”,
em Los Angeles, fiquei 45 minutos falando para uma plateia de quase
900 pessoas que não saiu da sala.
Além da intenção explícita de se internacionalizar desde a fundação, outra
característica típica de empreendedores internacionais ou orientados pela
perspectiva Born Globals é a proatividade e propensão ao risco (MCDOUGALL;
OVIATT, 2000). O testemunho da Grifa exemplifica esse ponto, já que decidiu
se internacionalizar justo quando o mercado brasileiro de TV por assinatura
abria-se à concorrência estrangeira. O que alguns enxergam como desafio,
Fernando enxergou como oportunidade (COVIELLO; MARTIN, 1999):
125
Acho que foi isso na época em que realmente não se tinha apoio, foi
meio “com a cara e a coragem”. Mas foi um momento oportuno para o
mercado. Foi um momento em que o Brasil estava abrindo a TV a
cabo também para o mercado internacional.
Outras motivações mencionadas pela Grifa Filmes para se internacionalizar
foram a constatação de uma demanda doméstica limitada para documentários
(ANDERSSON; WICTOR,
2003)
a
pressão
dos
novos
competidores
estrangeiros (OVIATT; MCDOUGALL, 2005) e a elevada demanda potencial no
estrangeiro (KNIGHT, 1996).
Talvez as diferentes motivações para se internacionalizar tenham influenciado
no ritmo de internacionalização mais lento da Drama Filmes se comparado à
Grifa Filmes, como mencionado na análise sob a perspectiva do M-U e que
será detalhada na perspectiva Born Globals (BG), na seção seguinte.
De qualquer forma, é inegável que a Drama também conseguiu expandir suas
atividades para além das fronteiras nacionais com razoável grau de sucesso.
Oviatt e McDougall (1994) afirmam que para competir de forma sustentável na
arena internacional é necessário ter ou controlar recursos VRIO (BARNEY,
1991). No seu caso, o tripé criativo comporia o capital intelectual diferenciado
que a Drama dispõe para tal fim (RUZZIER; HISRICH; ANTONCIC, 2006),
como esquematizado na Figura 13:
Figura 13 - Capital Intelectual da Drama Filmes
126
Já no caso da Grifa Filmes, os irmãos Fernando e Maurício são os
empreendedores cuja experiência e trajetória os qualificam para conduzir seu
negócio internacionalmente (MADSEN; SERVAIS, 1997). Maurício cuida da
parte artística e Fernando do planejamento estratégico e gerenciamento das
redes internacionais de relacionamento da firma.
Além de velocidade, o modelo teórico de Oviatt e McDougall (1994) cria
algumas tipologias para classificar novos empreendimentos internacionais
(NEI), de acordo com as atividades da cadeia de valor coordenadas entre os
países e o número de países (escopo) das atividades internacionais. Pelos
elementos dos casos, ambas as produtoras exportam para uma quantidade
substancial de países.
Por outro lado, a Drama Filmes exporta apenas conteúdo pronto, diretamente
ou via distribuidores. A Grifa Filmes, por sua vez, coordena atividades além de
vendas, como produção de conteúdo, através dos contratos de coprodução
internacional.
Assim,
em
termos
de
características
do
processo
de
internacionalização, sob a perspectiva de EI a Drama Filmes seria uma
comerciante multinacional e a Grifa Filmes uma startup global, a manifestação
mais radical de NEI (OVIATT; MCDOUGALL, 1994).
Assim o Quadro 9 sugere um esquema para qualificar a aderência das
características e trajetórias de internacionalização das duas empresas à
perspectiva de Empreendedorismo Internacional:
Quadro 10 - Aderência da Internacionalização ao Empreendedorismo Internacional
Parâmetro ou construto
Drama Filmes
Grifa Filmes
Tipo de NEI
Comerciante
Multinacional
Global Startup
Velocidade de
internacionalização
Média
Alta
Decisão de internacionalizar
Reativa
Proativa
Planejamento estratégico das
atividades no estrangeiro
Baixo
Alto
127
Assim, aparentemente as características e trajetórias de internacionalização da
Grifa Filmes são mais aderentes às premissas de EI do que no caso da Drama
Filmes. Essa visão será complementada com a abordagem Born Globals, na
sequência.
5.1.4. Na Perspectiva de Born Globals
A fim de facilitar a análise cruzada de acordo com o fenômeno Born Globals,
será trazido o modelo apresentado no quadro 1 da revisão de literatura
comparando os casos Drama Filmes e Grifa Filmes:
Quadro 11 - Comparativo de Internacionalização sob a Perspectiva de BG
Parâmetro
Critérios
Drama Filmes
Grifa Filmes
Data de criação da firma
Após 1989
1998
1996
Faturamento Anual
PME <U$50milhões
<U$250mil
<U$50milhões
Número de empregados
Até 200
4
8-12
Início das atividades internacionais
Até 5 anos após a
fundação
3 anos
1 ano
Percentual de receitas
internacionais
Acima de 25%
30%
50%
Abrangência da
Internacionalização
>5 países
>15
>100
Atividades internacionalizadas da
cadeia de valor
Vendas e outras
Vendas
Vendas e
produção
Foco de mercado
Nicho
Obras de
ficção e nãoficção
Documentários
e séries
Observando com atenção os dados acima, é justo dizer que as duas
produtoras têm características compatíveis com o fenômeno BG, porém em
graus distintos. Entretanto, deve-se destacar o penúltimo parâmetro: atividades
internacionalizadas da cadeia de valor. Nesse sentido, Madsen (2012) sugere
que empreendimentos verdadeiramente BG são apenas aqueles que
conseguem internacionalizar outras atividades da cadeia de valor, além da
venda pura e simples (exportação) de seus produtos ou serviços.
128
No entanto, pode-se argumentar que as atividades das duas empresas são
desempenhadas em um setor em que o chamado “efeito made in” é um forte
elemento de diferenciação e de inserção das mesmas no mercado
internacional (BILKEY; NES, 1982). Assim, não faria sentido internacionalizar
as outras atividades da cadeia de valor, que não a comercialização.
Entretanto, esse é o caso da Grifa Filmes, que além de comercializar suas
obras em diversos países, também já celebrou contatos de coprodução com
cineastas estrangeiros. Inclusive, Fernando Dias admite que a coprodução
seria o arranjo contratual alternativo (OVIATT; MCDOUGALL, 1994) mais
usado por sua empresa para expandir suas atividades além das fronteiras
nacionais.
Já no caso da Drama Filmes, embora tenha tentado, a empresa nunca
conseguiu emplacar um contrato de coprodução internacional. De acordo com
Renato, isso se deve à dificuldade em se trabalhar com equipes multiculturais
e, principalmente, às barreiras burocráticas impostas pelo órgão regulador, em
particular a ANCINE (AMAL; MIRANDA; FREITAG, 2008; MUSTEEN; DATTA;
BUTTS, 2013; YIU; LAU; BRUTON, 2007).
Adicionalmente, ao contrário da Grifa que tem um foco de mercado bem
definido nos nichos audiovisuais de documentários e séries (MADSEN;
SERVAIS, 1997; RENNIE, 1993), a Drama Filmes diz não atuar em nenhum
nicho específico do setor. Nas palavras de Renato:
A gente não faz filme pra um festival, não faz filme direcionado pra
um tipo de plateia. Por enquanto os nossos filmes não têm um nicho.
A gente até pensa de fazer filmes sobre medo, filmes sobre o público
GLS, e por aí vai. Porém, acima de tudo, nossos filmes vêm de uma
vontade de falar aquilo que a gente está pensando naquele momento.
De acordo com Moen et al. (2008), pequenas empresas que não foquem um
nicho específico de mercado teriam mais dificuldades para competir na arena
global com empresas maiores já bem estabelecidas e posicionadas
(BUCKLEY; GHAURI, 2004). Nesse aspecto, a Grifa Filmes sabe muito bem
129
definir e defender seu posicionamento (KOTLER; KELLER, 2000), como
destaca Fernando:
Preferimos ser mais uma boutique de grandes projetos do que ter
uma produtora que faça [muitos] projetos no varejo. Preferimos ter
grandes projetos de alto valor agregado do que fazer uma produtora
muito grande.
Além disso, Knight e Cavusgil (2004) e Rialp, Rialp e Knight (2005) mencionam
uma visão orientada ao mercado e ao cliente como condições básicas para
empresas que queiram se internacionalizar rapidamente. Enquanto a Drama
enxerga seu produto como uma obra de arte, cujo objetivo não é simplesmente
agradar aos espectadores, a Grifa Filmes primeiro procura escutar as
necessidades do mercado antes de iniciar um novo projeto. Como ilustra
Fernando:
O pessoal do canal fala: ‘Queremos filme de natureza, mas de
natureza sem a presença humana’, ou ‘filme de natureza com a
presença humana’... Nesse sentido, é muito importante estar
“antenado” ao mercado, para não perder tempo em um projeto que
ninguém vai querer. Não é porque o projeto ficou ruim, mas é porque
ele foi feito no momento errado.
Portanto, aparentemente a estratégia de internacionalização da Grifa Filmes
tem contornos mais proativos e deliberados que a da Drama Filmes. E de
acordo com Efrat e Shoham (2012), no longo prazo os fatores internos à firma,
como suas competências centrais e estratégia deliberada, têm impactos mais
evidentes no desempenho internacional do que os fatores ambientais, que
seriam mais determinantes no curto prazo. Isso demonstra a importância do
planejamento estratégico na competitividade e crescimento sustentável do
negócio.
Por outro lado, na questão já mencionada das atividades internacionalizadas
da cadeia de valor, o ponto destacado no artigo de Madsen (2012), pode-se
dizer que a Grifa é uma firma realmente Born Global, enquanto que a Drama
seria o que o autor caracterizou como Born International Seller. Em outras
palavras, uma empresa que se internacionaliza rapidamente, porém apenas
exporta seus produtos ou serviços prontos para o estrangeiro.
130
Assim o Quadro 11 sugere um esquema para qualificar a aderência das
características e trajetórias de internacionalização das duas empresas à
perspectiva Born Globals:
Quadro 12 - Aderência da Internacionalização ao fenômeno Born Globals
Parâmetro ou construto
Drama Filmes
Grifa Filmes
Característica
Born International Seller
Born Global Firm
Trajetória
Média
Alta
Portanto, de acordo com as evidências acima, aparentemente a produtora Grifa
Filmes tem características do fenômeno Born Globals mais evidenciadas na
sua trajetória internacional que a Drama Filmes. E isso vale para todas as três
dimensões explicitadas por Zhara e George (2002): extensão (percentual de
vendas proveniente do exterior), velocidade (tempo entre fundação da empresa
e suas primeiras vendas internacionais) e escopo (número de países
estrangeiros para os quais a empresa vende).
131
6. CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES
6.1.
RESPOSTAS ÀS PERGUNTAS DE PESQUISA
Como apresentado na Metodologia, as duas perguntas principais que
nortearam a condução desse estudo serão discutidas à luz das análises
efetuadas.
1) Quais as características do processo de internacionalização das duas
produtoras brasileiras pesquisadas? São características distintas?
Sim, de acordo com a análise cruzada, as características do processo de
internacionalização da Drama Filmes (Cinema) e da Grifa Filmes (TV) são
distintas, embora encerrem algumas similaridades.
No quesito das semelhanças, ambas fizeram intenso uso de alianças e
parcerias na expansão internacional de suas atividades. A experiência préinternacionalização de seus fundadores, incluindo as redes de relacionamento,
também tiveram papel preponderante em viabilizar e até estimular a esse
processo para as produtoras.
No entanto, as motivações para internacionalização das duas firmas parecem
ser distintas, o que teve impactos significativos na trajetória de crescimento
internacional. No caso da Drama Filmes, o desejo mais aparente dos sócios
era levar suas obras para serem exibidas no mundo inteiro, recebendo o
reconhecimento de especialistas por meio das premiações recebidas em
festivais internacionais.
Nas palavras de Renato Ciasca, “bilheteria não é importante, e sim mostrar
aquilo que estávamos sentindo naquele momento”, por meio de seus filmes de
curta ou longa metragem.
Assim, não havia uma ambição de se
internacionalizar e crescer rapidamente no estrangeiro, como preconiza a
abordagem Born Globals. Tanto que o objetivo primário da fundação da Drama
132
Filmes não era a internacionalização, e sim tornar-se independente de outras
produtoras, a fim de criar seus próprios filmes.
A Grifa Filmes, por sua vez, tinha clara a orientação internacional de seus
dirigentes desde a fundação e um nicho de mercado bem definido. “Fizemos a
produtora pensando muito na área de documentários e na área internacional”,
afirma Fernando Dias. Os sócios também tinham um planejamento estratégico
bem definido e sabiam exatamente o que queriam e o que não queriam ser, e
até onde queriam chegar.
Além disso, a Grifa era orientada ao mercado, às necessidades de seus
clientes. Antes de entrar em um novo projeto, eles participavam de
concorrências internacionais, para saber o que os canais mundiais estavam
buscando. Não faziam pura e simplesmente uma venda empurrada de suas
criações já prontas. Tudo isso teve impacto significativo na maior velocidade de
expansão internacional, se comparado à Drama Filmes.
Em suma, é lícito dizer que a internacionalização da Grifa Filmes pode ser
caracterizada, realmente, como um fenômeno Born Global (MADSEN, 2012) da
Indústria Criativa brasileira. A Drama Filmes, embora tenha obtido razoável
sucesso na arena internacional, teria características mais similares ao modelo
revisado de Uppsala (JOHANSON; VAHLNE, 2009): comprometimento
internacional crescente de acordo com acúmulo gradual de experiência e o uso
de redes de relacionamento no processo.
2) Como suas trajetórias de internacionalização podem ser explicadas
pelas abordagens comportamentais de internacionalização, em especial a
perspectiva Born Globals?
Como visto no capítulo anterior, as abordagens comportamentais foram
complementares entre si para explicar as trajetórias internacionais das duas
produtoras independentes (MELLO, 2009). Isoladamente, elas não explicavam
na totalidade esses processos, mesmo no caso da Grifa Filmes, com traços
marcantes de Born Global.
133
Assim, o Quadro 12 que concilia as diferentes perspectivas na análise da
expansão das duas companhias além das fronteiras brasileiras:
Quadro 13- Aderência da Internacionalização às Teorias Comportamentais
Teoria
Modelo de Uppsala
Teoria de Redes
Empreendedorismo
Internacional
Parâmetro ou
Construto
Drama Filmes
(Cinema)
Grifa Filmes (TV)
Aprendizado gradual
Alto
Baixo
Distância Psíquica
Cadeia de
estabelecimento
Baixo
Baixo
Médio
Baixo
Uso estratégico das
redes
Aproveita
oportunidades
Aproveita e cria
oportunidades
Grau de
internacionalização
em relação ao
mercado
Entrante tardia
Pioneira
Tipo de NEI
Comerciante
Multinacional
Global Startup
Velocidade de
internacionalização
Média
Alta
Decisão de
internacionalizar
Reativa
Proativa
Planejamento
estratégico
Baixo
Alto
Característica
Born International
Seller
Born Global Firm
Trajetória
Média
Alta
Born Globals
Portanto, verifica-se que o Modelo de Uppsala ajuda a explicar alguns aspectos
da trajetória de internacionalização da Drama Filmes. O mesmo não ocorre
com a mesma intensidade para a Grifa Filmes.
Já no caso da Teoria de Redes, como foi dito, as alianças internacionais
tiveram papel fundamental na internacionalização das duas produtoras,
viabilizando e até incentivando o processo. No entanto, a Grifa Filmes não só
aproveita como cria oportunidades, por exemplo, com o uso de coproduções.
Tal mecanismo permite ampliar a distribuição internacional de suas obras e
134
reduzir barreiras de entrada nos países com cujos cineastas dividem as tarefas
criativas.
A diferença de Entrante Tardia para a Drama Filmes e Pioneira para a Grifa
Filmes se deve, além do amadurecimento do processo, mais lento e gradual
para a primeira, pelo fato de haver diferenças entre os segmentos
internacionais de Cinema e TV. O primeiro já era internacionalizado há muitos
anos, principalmente devido à concorrência com Hollywood. O segmento de TV
brasileiro, em contrapartida, só se abriu para a concorrência internacional a
partir da década de 1990.
Na visão do Empreendedorismo Internacional, há algumas divergências nas
trajetórias das duas firmas. Aparentemente, no entanto, a Grifa teve uma
internacionalização mais acelerada porque se decidiu e planejou-se para isso,
a princípio, de forma mais proativa que a Drama Filmes.
Finalmente, o fenômeno Born Globals é mais evidente para a Grifa Filmes do
que para a produtora de cinema. Esse talvez seja o resultado mais evidente do
presente estudo.
6.2.
RECOMENDAÇÕES PARA PESQUISAS FUTURAS
Como discutido anteriormente, verificou-se que, tanto para a Grifa Filmes (TV)
quanto para a Drama Filmes (Cinema), o processo de internacionalização
contou com o forte apoio das redes de relacionamento. Assim, uma pergunta
interessante para trabalhos futuros pode ser:
É possível dizer que, para as produtoras independentes do audiovisual, o papel
das alianças e parcerias é fundamental para suas atividades internacionais? E
para outros segmentos da Indústria Criativa? Por quê?
Da mesma forma, para os dois casos estudados percebeu-se uma nítida
diferença na motivação para a internacionalização. No caso da Grifa Filmes,
135
existia um desejo de tornar-se internacional desde sua concepção, e uma forte
orientação ao mercado, às necessidades do cliente. No caso da Drama Filmes,
essa orientação era voltada ao produto, ao fruto de sua arte, e a
internacionalização foi uma consequência de sua participação em festivais
internacionais de cinema. Portanto, uma boa pergunta de pesquisa poderia ser:
Produtores de cinema com orientação ao mercado tenderiam a ter mais
sucesso na internacionalização do que produtores focados no valor artístico
intrínseco de suas obras? E para outros segmentos da Indústria Criativa?
Na abordagem de Redes viu-se que a Drama Filmes era uma Entrante Tardia
em seu mercado, e a Grifa Filmes uma pioneira. Porém, a primeira se
internacionalizou em 2001 e a segunda em 1997, uma diferença de apenas
quatro anos. Peculiaridades setoriais foram, em parte, responsáveis por essa
divergência. Nesse caso, um questionamento para estudos futuros poderia
perguntar:
Até que ponto as diferenças setoriais entre as indústrias do Cinema e da TV
podem
impactar
a
internacionalização
de
produtoras
brasileiras
independentes? E para outros segmentos da Indústria Criativa? Como seria
esse impacto?
Também é possível, e assim se espera, que estudos longitudinais com as
mesmas ou outras firmas do setor audiovisual ajudem a explicar, com maior
precisão, o processo de internacionalização de produtoras independentes
brasileiras. Servirá, assim, de referencial útil a estudiosos, gestores e agências
de fomento interessadas em compreender a internacionalização de empresas
brasileiras da Economia Criativa, em particular do setor audiovisual.
Por fim, as análises aqui efetuadas não esgotam o assunto. Desse mesmo
trabalho, muitos outros achados interessantes poderiam ser discutidos. No
entanto, o objetivo da pesquisa não foi encerrar as discussões, e sim abrir
caminho para que estudiosos de Negócios Internacionais começassem a se
136
interessar mais pela internacionalização de empresas brasileiras criativas, um
fenômeno até então bem pouco discutido pela academia.
137
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155
APÊNDICES
156
APÊNDICE 1 – ROTEIRO DE ENTREVISTA
Data: ___/_____/2013
Pesquisador: ___________________
Empresa: ___________________________________________________
Endereço: ___________________________________________________
Telefone: ______________ e-mail: _______________________________
PARTE 1 – DADOS GERAIS
1. Informações sobre o Entrevistado
1.1. Nome Completo:___________________________________________________
1.2. Cargo:____________________________________1.3. Idade:_______________
1.4. Desempenha esta função desde: _______ 1.5. Trabalha na empresa desde _____
1.5. Tem curso universitário?  Não  Sim
Graduação: (curso e instituição)_____________________________________
Pós-Graduação: (curso e instituição)________________________________
1.6. Já estudou no exterior?  Não  Sim – Que tipo de curso?__________________
Duração aproximada do curso:___________________________
2. Informações sobre a Empresa
2.1. Ano de fundação: _______ 2.2. Ramo de atividade: _____________________
2.3. Número de funcionários no Brasil:________ 2.4. No exterior:________
2.5. Percentagem do faturamento proveniente de serviços prestados para fora do
Brasil: _____ %
2.6. Principais serviços comercializados pela empresa:
Serviços (por ordem de importância no faturamento)
1.
2.
No Brasil
No Exterior
157
3. HISTÓRICO DA EMPRESA E DO ENTREVISTADO
3.1. Você poderia nos dar um breve histórico de sua empresa? Quais os fatos e momentos
mais marcantes? Quais as pessoas mais relevantes no desenvolvimento da empresa e que
contribuição deram?
3.2. Agora fale um pouco de você e de sua experiência profissional anterior à atuação na
empresa.
3.3. Que aspectos de sua experiência profissional anterior você considera que foram
importantes para suas experiências atuais?
3.4. Em suas experiências anteriores, você estabeleceu contatos com pessoas ou empresas no
exterior? Quais?
3.5. Na sua avaliação, qual a importância de suas experiências anteriores para a
internacionalização da empresa?
4. HISTÓRICO DAS OPERAÇÕES NO EXTERIOR
4.1. Por que a empresa resolveu atuar no exterior? (Motivação geral para a
internacionalização)
4.2. Por favor, faça um relato histórico da experiência internacional de sua empresa, indicando
países em que atua ou já atuou, pela ordem em que ocorreu, que tipo de atividade foi ou é
realizada e o que motivou a entrada nesse país.
Ordem
País
Ano
Lista de motivações:
no país estrangeiro
Tipo de atividade (exportação,
licenciamento, franquia, parceria,
escritório etc.)
Motivações (ver lista a seguir;
colocar a(s) letra(s) e/ou
escrever)
A - Solicitação de um cliente da empresa no Brasil que estava atuando
B – Solicitação de um cliente potencial no país estrangeiro.
C – Porque executivos da empresa já conheciam esse país estrangeiro
– De que forma?
a. por ter relações familiares ou visitar com freqüência
b. por ter estudado nesse país
c. por ter trabalhado anteriormente nesse país
d. por dispor de relações profissionais estabelecidas
anteriormente com pessoas no país
158
4.3. SE A EMPRESA DISPUSER DE INSTALAÇÕES FÍSICAS NO EXTERIOR: Estas instalações que a
empresa tem são próprias ou alugadas? Pertencem totalmente à empresa ou são em parceria
com terceiros?
4.4. Qual é hoje o mercado estrangeiro mais importante para a empresa? Como as percepções
e opiniões dos executivos da empresa foram se modificando desde o início das atividades
neste mercado? Como a empresa foi aprendendo sobre o mercado? Pedir exemplos.
4.5. A atitude da empresa com relação ao primeiro mercado, por ocasião da decisão de atuar
naquele mercado, era vista como definitiva ou como exploratória? E hoje, para o conjunto de
mercados?
4.6. Em que momento percebeu que a empresa estava pronta para entrar em um novo
mercado? Que fatores levaram a essa decisão? E nos mercados seguintes? A empresa adotou
uma estratégia passo a passo, ou uma estratégia mais agressiva?
4.7. Quem são as pessoas responsáveis por dirigir as atividades internacionais (nome, cargo, há
quanto tempo estão na empresa, se já tinham experiência internacional prévia e como a
adquiriram).
5. ALIANÇAS E PARCERIAS PARA AS ATIVIDADES INTERNACIONAIS
5.1. A empresa estabeleceu alguma parceria com outras empresas em suas atividades
internacionais? (INSISTA SOBRE QUALQUER TIPO DE PARCERIA, SEJA COM EMPRESAS
BRASILEIRAS OU EMPRESAS DO PAÍS, OU MULTINACIONAIS, OU ATÉ MESMO INDIVÍDUOS). 
Sim  Não (PULE PARA PARTE 6, MAS SÓ DEPOIS DE SE ASSEGURAR DA RESPOSTA
NEGATIVA)
Parceiro (nome e/ou país, caso Tipo
(indivíduo,
empresa Período de duração
não queira fornecer o nome)
brasileira, no exterior, MN,
governo etc.)
AS QUESTÕES SEGUINTES TRATAM DE APROFUNDAR COMO DECORREU A PARCERIA. SE A
EMPRESA TIVER MAIS DE 3 PARCERIAS, ESCOLHA A PRIMEIRA, A QUE FUNCIONOU MELHOR E
A QUE FUNCIONOU PIOR PARA APROFUNDAR.
5.2. A iniciativa para a formação dessa parceria foi da sua empresa ou da empresa no
exterior?
5.3. Existia algum relacionamento prévio de sua empresa com esse parceiro antes de
estabelecer alguma relação comercial com o mesmo? Que tipo de relacionamento? (pessoal,
profissional, comercial etc.)
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5.4. Que benefícios essa parceria trouxe para a sua empresa? (VEJA EXEMPLOS A SEGUIR, MAS
SÓ FAÇA SUGESTÕES DEPOIS DE O ENTREVISTADO HAVER RESPONDIDO PLENAMENTE).
- adicionou tecnologia ao produto/serviço da empresa
- trouxe conhecimento sobre as práticas comerciais naquele mercado
- trouxe clientes potenciais
- permitiu à empresa ultrapassar barreiras legais para atuar naquele mercado
5.5. E que benefícios sua empresa trouxe para a parceria? (VEJA EXEMPLOS A SEGUIR, MAS SÓ
FAÇA SUGESTÕES DEPOIS DE O ENTREVISTADO HAVER RESPONDIDO PLENAMENTE).
- adicionou tecnologia ao produto/serviço do parceiro
- permitiu à parceira oferecer outro produto/serviço aos seus clientes já existentes
- permitiu à parceira aumentar a sua competitividade, oferecendo um produto/serviço
equivalente por preço menor
5.6. Essa parceria se restringiu ao desenvolvimento de mercado no exterior ou também para o
mercado brasileiro?
5.7. A parceria foi estabelecida por meio de um documento formal (contrato) ou os negócios
aconteceram de maneira informal? Por favor, explique como funcionava, na prática, a relação
com o parceiro no exterior.
5.8. O que aconteceu? A parceria continua ou foi terminada?
5.9. Como você avalia os resultados da parceria? Se fosse começar de novo, o que faria
diferente?
5.10. Como você sintetizaria o aprendizado obtido com essas alianças e parcerias?
6. PLANEJAMENTO E ESTRATÉGIAS LIGADAS À INTERNACIONALIZAÇÃO
6.1. A sua empresa busca os clientes no exterior ou costuma ser procurada por clientes de fora
do Brasil? (EXEMPLOS).
6.2. A empresa faz algum tipo de planejamento, formal ou informal, para as atividades
internacionais? Poderia descrever em que consiste?
6.3. Há algum planejamento de visitas ao exterior por ano?
6.4. A empresa faz algum tipo de estudo de mercado, formal ou informal? Qual a principal
fonte de informação utilizada para a atuação no exterior?
6.5. É difícil para a empresa obter as informações de que necessita para sua atuação no
exterior? (APROFUNDAR TIPOS DE INFORMAÇÕES NECESSÁRIAS E NATUREZA DA
DIFICULDADE)
6.6. Quais os diferenciais da empresa que permitem vender seus produtos/serviços fora do
Brasil? (POR EXEMPLO, PREÇO, QUALIDADE, CARACTERÍSTICAS TÉCNICAS ETC. APROFUNDAR,
DE MODO A ENTENDER BEM AS VANTAGENS COMPETITIVAS.)
6.7. Como a empresa faz a divulgação de seus produtos/serviços no exterior? (POR EXEMPLO,
BOCA A BOCA, PARCEIROS, PROPAGANDA, INTERNET ETC. NÃO SUGERIR, MAS APROFUNDAR.)
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6.8. Que canais de distribuição a empresa utiliza? (PODEM SER PARCEIROS, LOJAS, INTERNET
ETC. NÃO SUGERIR, MAS APROFUNDAR.)
6.9. A empresa está ligada a algum consórcio de exportação, ou realiza atividades de
promoção conjuntas com outras empresas no exterior?
6.10. Quais os principais concorrentes brasileiros da empresa no exterior? (VERIFICAR QUAIS
SÃO E COMO SE COMPARAM EM TERMOS DE TAMANHO E SERVIÇOS OFERECIDOS).
7. O PROCESSO DE NEGÓCIO
7.1. Como sua empresa identifica/identificou oportunidades no mercado internacional?
(EXEMPLOS)
7.2. Como foi feita a negociação com clientes de outros países?
7.3. De que forma são definidos os preços? Ou seja, como é o processo de precificação?
7.4. Como são fechados os contratos?
7.5. Como é feita a entrega do serviço exportado?
7.6. A empresa faz algum tipo de atividades pós-venda? Quais? Como essas atividades são
estruturadas para atender clientes no exterior?
8. PERSPECTIVAS
8.1. Como vê a importância, para a empresa, de ter atuação no exterior? Sua percepção
quanto a esta importância mudou desde o início da atuação internacional até agora? Como?
8.2. Em sua percepção, a rentabilidade que a empresa obtém no exterior é maior ou menor do
que no Brasil?
8.3. A empresa planeja crescer no exterior? (APROFUNDAR MOTIVOS A FAVOR E CONTRA)
8.4. EM CASO POSITIVO: Quais as principais diretrizes que devem orientar esse crescimento?
(POR EXEMPLO, APROFUNDAMENTO DA PRESENÇA NO(S) PAÍS(ES) EM QUE JÁ TEM PRESENÇA
ATUALMENTE, EXPANSÃO PARA OUTROS PAÍSES, OFERTA DE NOVOS SERVIÇOS ETC.)
8.5. Quais os principais aprendizados obtidos pela empresa como resultado de sua experiência
internacional?
8.6. Quais os principais benefícios da internacionalização para a empresa? Você acha que os
benefícios obtidos são maiores do que as dificuldades, e vale a pena prosseguir?
(APROFUNDAR).
8.7. Há algum tópico que não tenha sido abordado, mas que você considera muito importante
para que nós possamos entender a experiência de sua empresa com a internacionalização?
OBRIGADO PELO TEMPO E ATENÇÃO.
É POSSÍVEL QUE VENHAM A SURGIR ALGUMAS DÚVIDAS POSTERIORMENTE.
NESTE CASO PODERÍAMOS ENTRAR EM CONTATO POR TELEFONE OU SKYPE?
ENVIAREMOS UMA CÓPIA DO CASE FINAL PARA SUA APROVAÇÃO.
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