Propriedades dos Números Reais: um caminho para entender e representar desigualdades Gerson Geraldo Chaves1 GD3 - Educação Matemática no Ensino Médio Resumo: Esta proposta de trabalho baseia-se na preocupação com a compreensão, a interpretação e a representação de intervalos reais. Entende-se que na aprendizagem deste conceito devem-se considerar algumas propriedades dos números reais, como ordem e completude e que a construção do conceito de intervalos em IR deve-se dar a partir de situações contextualizadas. Esta pesquisa será desenvolvida com uma turma de alunos da primeira série do Ensino Médio, tendo como fio condutor um conjunto de atividades com enfoque na diferença entre conjuntos discretos e contínuos e na completude dos números reais, bem como uma abordagem para ensino de intervalos reais em um ambiente de Modelagem Matemática. A análise dos dados obtidos serão realizadas à luz de teorias que enfocam as imagens conceituais manifestadas durante a realização de atividades matemáticas e no comportamento matemático dos estudantes levando-se em consideração os aspectos formais, algorítmicos e intuitivos e suas inter-relações. Palavras-chave: Números reais. Intervalos reais. Educação Matemática. Introdução Este trabalho é, antes de mais nada, fruto de nossa experiência pessoal com o ensino de Matemática no Ensino Médio, área em que atuamos desde a formatura, em 1993. Apesar de já ter trabalhado com o Ensino Fundamental e lecionado para o Ensino Superior, nossa experiência maior é com o Ensino Médio e é aí que nos colocamos, nos identificamos e nos reconhecemos. O panorama do Ensino Médio no Brasil vem mudando nas últimas décadas, principalmente após a implantação dos Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Médio (PCNEM, 1 Universidade Anhanguera de São Paulo, e-mail: [email protected], orientadora:Vera Helena Giusti de Souza. 1999), que coloca como proposta, para esse nível de ensino, uma formação voltada para o "desenvolvimento de capacidades de pesquisar, buscar informações, analisá-las e selecionálas; a capacidade de aprender, criar, formular, ao invés do simples exercício da memorização" (BRASIL, 1999, p. 16). Sendo assim, entendemos que novas abordagens de ensino devem ser implementadas, de modo a contribuir para uma aprendizagem significativa 2 , o que aumenta nossas preocupações com um ensino significativo e essas inquietações perpassam o modo como a Matemática vem sendo por nós ensinada. Se fôssemos colocar aqui todos os temas que mereceriam nossa atenção para essa aprendizagem e esse ensino, poderíamos expor uma enorme lista; mas, um assunto nos desperta especial interesse: o entendimento de intervalos reais. A compreensão de intervalos sobre IR é importante, pois é fato a necessidade e a dependência dessa noção matemática para abordar vários problemas e assuntos tanto da matemática elementar quanto da matemática avançada. Podemos citar a interpretação e a representação de domínios e imagens de funções. Também está presente em diversos problemas contextualizados em que as soluções só podem assumir certos valores dentro de um intervalo específico, tais como problemas envolvendo áreas e volumes como exemplificado a seguir. Os intervalos reais são usados, ainda, para representar soluções de inequações, indicar imagens de funções como seno, cosseno e exponencial, calcular limites, estabelecer condições para a existência de um triângulo. Sua utilização também é necessária em outras disciplinas como na Física, em que as funções que representam determinada situação não podem assumir qualquer valor como, por exemplo, as funções que representam movimentos. A não compreensão de intervalos reais pode ser constatada em inúmeras situações no decorrer do Ensino Médio.Um exemplo disso pode ser observado quando o aluno precisa representar o domínio de uma função do tipo . Em alguns casos ele até constata que o domínio da função é o conjunto de todos os números reais maiores ou iguais a 2, justificado pela propriedade da não existência de raízes reais de ordem par de números reais negativos, mas ao representar a solução, principalmente na forma algébrica, muitas vezes escreve {x IR/ 2 ≥ x} ou {x IR/ x ≤ 2}, mas parece não atribuir significado a essa resposta, quando acha que existe um maior valor real à esquerda.de 2, do tipo 1,99. Em 2 Usaremos neste trabalho aprendizagem significativa no sentido colocado por MOREIRA (2013, p.6): "é aquela em que ideias expressas simbolicamente interagem de maneira substantiva e não-arbitrária com aquilo que o aprendiz já sabe. Substantiva quer dizer não-literal, não ao pé-da-letra, e não-arbitrária significa que a interação não é com qualquer idéia prévia, mas sim com algum conhecimento especificamente relevante já existente na estrutura cognitiva do sujeito que aprende". outros casos, o aluno acredita que apenas os números inteiros fazem parte desse intervalo e responde que o menor valor à esquerda é o 1. Um outro exemplo pode ser observado quando se tem uma função que representa a área de um retângulo de perímetro 20, a saber, . Podemos calculá-la para todos os números reais, mas na prática o domínio dessa função fica restrito ao intervalo e sua área ao intervalo 0 < y ≤ 25. Geralmente o aluno não percebe essas imposições de validade para a função e, quando percebe, na maioria das vezes, comete "erros" na representação desses intervalos, tais como: 0 < x > 10, x < 0 > 10 e 0 > x > 10. Nesse caso, o aluno parece não perceber que a variável x representa uma medida, que x não tem um menor ou um maior valor nesse intervalo e que x representa todos os números reais "entre" 0 e 10. Parece, ainda, que eles não percebem a relação de ordem que existe entre os números que representam a medida. A constatação desses erros, que nos parecem remeter à não compreensão de intervalos sobre IR e a recorrência de dificuldades na representação desses intervalos, por parte de nossos alunos, fizeram-nos perceber que vale a pena investigar uma forma de contribuir para o ensino e a aprendizagem desse tema, intervalos de números reais.Inferimos também que algumas propriedades de números reais, necessárias para a interpretação, entendimento e representação de intervalos reais parecem não estar sendo consideradas quando se aborda esse assunto em sala de aula, uma vez que "números reais [é] base necessária para a abordagem da noção de intervalo sobre IR" (GOUVEIA, 2007, p.53). A importância do tema e a dificuldade dos alunos em compreendê-lo motivou-nos a iniciar uma pesquisa sobre o assunto, o que suscitou algumas perguntas: a origem dessas incompreensões e "erros" estariam relacionadas à não compreensão de propriedades de números reais como ordem e completude? O estudo de intervalos reais a partir de situações contextualizadas e em um ambiente de Modelagem Matemática em que o aluno deve procurar o intervalo que satisfaz a solução de um problema contribuiriam para a compreensão de intervalos em IR? Com estas questões em mente, colocamos esta proposta de pesquisa, a ser desenvolvida no Programa de Pós-Graduação em Educação Matemática da Universidade Anhanguera de São Paulo, junto à linha Ensino e Aprendizagem de Matemática e suas Inovações. A escolha pelo Doutorado em Educação Matemática se deu por se tratar de uma área de pesquisa em que a busca de respostas se dá não apenas de maneira quantitativa mas, para além disso, por meio de uma análise qualitativa dos dados, o que, no nosso entender, pode trazer à tona contribuições importantes para a área de Educação Matemática. I. Justificativa Números é um conceito estruturante de toda a Matemática, assunto de muita importância tratado em todos os níveis de ensino. Os conjuntos numéricos são estudados desde os anos iniciais do Ensino Fundamental e ao final desta etapa amplia-se o conjunto dos números racionais para o conjunto dos números reais. No início do Ensino Médio, retoma-se o estudo dos conjuntos numéricos dando-se ênfase ao conjunto dos números reais.Quando se consultam documentos oficiais como os PCNEM (Brasil, 1999) ou as Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais para a Educação Básica (Brasil, 2010), não se observam orientações específicas sobre os conteúdos matemáticos. Os PCN+ do Ensino Médio (Brasil, 2002) colocam, em linhas gerais, que o ensino do bloco números e operações deve ser aprofundado em conexão com outros conceitos e não observamos nenhuma referência aos intervalos reais. Sobre números reais se coloca que: [...] é possível alargar e aprofundar o conhecimento dos alunos sobre números e operações, mas não isoladamente dos outros conceitos, isto é, pode-se tratar os números decimais e fracionários, mas mantendo de perto a relação estreita com problemas que envolvem medições, cálculos aproximados, porcentagens, assim como os números irracionais devem se ligar ao trabalho com geometria e medidas. É ainda importante para o aluno, nessa etapa de sua formação, o desenvolvimento da capacidade de estimativa da ordem de grandeza de resultados de cálculo ou medições e da capacidade de tratar com valores numéricos exatos ou aproximados de acordo com a situação e o instrumental disponível (BRASIL, 2002, p. 122). Apesar de não ter uma orientação específica, os documentos oficiais apontam para a importância da aprendizagem dos números reais, mas não constatamos uma sugestão do que seria um tratamento adequado, quando se trabalha com eles no Ensino Médio. Nesse sentido, Moutinho (2014) relata que: Falar sobre números reais na escola ainda é um desafio. Encontramos livros didáticos que ignoram o assunto ou que o abordam com grandes deficiências. Mas, por outro lado, o tema está presente em boa parte do programa de ensino da Matemática para a escola básica. A questão não é simples, pois podemos constatar em diversas pesquisas em Educação Matemática a existência de vários obstáculos cognitivos relacionados ao aprendizado dos números reais, que inclusive persistem entre discentes de licenciatura em Matemática e de cursos de especialização (MOUTINHO, 2014, p.1) Baldino(1997) ressalta que a maioria dos livros didáticos apresentam uma "circularidade" 3 ao definirem os números irracionais como aqueles que não são racionais e os reais como a união do conjunto dos números racionais com o conjunto dos números irracionais, o que também é observado por Silva (2011), quando coloca que a "questão da circularidade utilizada para definir os números reais nos livros de Ensino Médio ainda permanece na maioria das coleções de Matemática" (SILVA, 2011, p.120). Cobianchi (2001) e Dias (2002) constatam em suas pesquisas que a maioria dos professores pesquisados também introduzem o conceito de número real da maneira apontada acima. Com isso, acreditamos, que propriedades importantes para a construção da ideia de número real, como relação de ordem e completude, e que poderiam constituir um caminho importante para a compreensão de intervalos reais, não estão sendo consideradas ao se trabalhar com o assunto. Silva (2011) declara que: [...] os livros didáticos ainda não contribuem para esse movimento4, pois as noções matemáticas relacionadas ao conceito de número real são ainda pouco exploradas. Além disso, os professores não trazem para a sala de aula abordagens didáticas adequadas, pois a sua formação acadêmica não valoriza aspectos didáticos da matemática escolar (SILVA, 2011, p.70) A preocupação com o ensino e a aprendizagem de números reais, que serão colocadas em nossa futura revisão de literatura, é apontada em várias pesquisas que detectam dificuldades, tanto de natureza epistemológica quanto cognitiva, quando se trabalha com esse tema; porém, o estudo dos números reais, tendo como foco o aluno do Ensino Médio, é um assunto ainda pouco explorado no Brasil e em outros países. Após uma vasta revisão de literatura, Silva (2011) observa a recorrência desse tema em pesquisas realizadas com professores e futuros professores, mas destaca que apenas uma das pesquisas tem como principais sujeitos alunos do Ensino Médio, o que aponta para a escassez de estudos sobre o tema, direcionados para esse segmento de ensino. Apesar das noções matemáticas que envolvem o conceito de número real não ser o foco principal desta pesquisa, entendemos que ela poderá trazer contribuições para a 3 "A definição circular é dada por um enunciado no qual se define um conceito usando o próprio conceito na tentativa de definir. Em outras palavras, ele assume um entendimento prévio de termo que está sendo definido. Neste tipo de definição, o termo a ser definido é incluído como parte da definição e, por isso, a definição circular é caracterizada como um caso especial de falta de clareza no qual não fornece informação nova ou útil" (CARNEIRO, 2010). 4 O movimento a que Silva (2011) se refere trata do trabalho docente da Matemática no Ensino Médio como forma de resgate de noções iniciadas no Ensino Fundamental a fim de possibilitar um processo de transição entre a matemática elementar e avançada. aprendizagem das propriedades dos números reais, uma vez que as propriedades que serão exploradas fazem parte da construção das noções sobre o conjunto IR. No que se refere a pesquisas sobre intervalos reais, também notamos uma escassez de estudos nessa área. Em nossa revisão de literatura sobre o assunto, até o momento, encontramos apenas a pesquisa de Gouveia (2007), que pretendeu mostrar que "o estudo de intervalo a partir de situações contextualizadas pode favorecer a aprendizagem, pois coloca o estudante frente a uma situação-problema para a qual ele mesmo deve procurar o intervalo que satisfaz a situação" (GOUVEIA, 2007, p.17) 5. Concordamos com Gouveia (2007), que acredita na pertinência e na necessidade do estudo da noção de intervalo sobre IR a partir de suas definições e representações, mas que apenas isso não é suficiente. Ao fazer uma análise de como o assunto é abordado em livros didáticos, Gouveia (2007, p. 149).verifica que "fica evidente a necessidade da utilização de intervalos sobre IR em suas diferentes formas de representação, mas não é dada toda a atenção necessária para o trabalho com essa noção" e que "a noção de intervalo é tratada apenas como uma representação para a qual não existe nenhuma noção matemática associada e muito menos situações de referência onde esta noção pode estabelecer os limites para que um determinado fenômeno possa ocorrer" (GOUVEIA, 2007, p.223). Outro fato apontado por Gouveia (2007) é que as representações dos intervalos que são soluções do problema proposto em sua pesquisa quase sempre foram registradas incorretamente pelos alunos e, de acordo com o pesquisador, isso pode ser interpretado como a necessidade de um trabalho específico sobre essas representações. Essas incompreensões são justamente uma das preocupações que permearão a nossa pesquisa. Nossa proposta de estudo vai de encontro à pesquisa realizada por Gouveia (2007), uma vez que temos o intuito de verificar a contribuição, ou não, de uma abordagem com enfoque em problemas contextualizados, explorados em um ambiente de Modelagem Matemática, para a compreensão de intervalos sobre IR. Ainda tendo em vista a contribuição, ou não, das propriedades de ordem e completude dos números reais como fator de compreensão dos números que figuram na resposta, o que entendemos poder contribuir para a representação desses objetos matemáticos na forma algébrica. 5 Grifos do autor. Inferimos que as razões apresentadas ratificam nossa escolha e nos motivam a investigar o assunto. Para isso, colocamos como objetivos de nossa pesquisa: identificar dificuldades que alunos evidenciam para compreender um intervalo real e apontar caminhos que contribuam para a aprendizagem desse tema. Para atingir tais objetivos buscaremos, mais especificamente, respostas a algumas questões de pesquisa: • Qual a Imagem de Conceito da completude de números reais de um grupo de alunos do Ensino Médio? • Qual a Definição de Conceito da completude de números reais desse grupo de alunos? • Um conjunto de atividades, com enfoque na diferença entre conjuntos numéricos discretos e contínuos, contribui para o entendimento da completude dos números reais? • Qual a Imagem de Conceito de intervalos reais desse grupo de alunos? • Qual a Definição de Conceito de intervalos reais desse grupo de alunos? • Que dificuldades evidenciam no trabalho com intervalos reais? • Uma abordagem para o ensino de intervalos reais, com enfoque em problemas contextualizados, em um ambiente de Modelagem Matemática, contribui para que o aluno supere essas dificuldades? Para responder tais questões, buscamos nossa fundamentação teórica nas ideias de Imagem de Conceito e Definição de Conceito de Tall e Vinner (1981) e na inter-relação entre aspectos algoritmos, intuitivos e formais de Fischbein (1993), que descrevemos com mais detalhes em nossas considerações teóricas. II. Considerações Teóricas Neste capítulo, apresentamos as ideias teóricas que pretendemos utilizar para embasamento das questões a serem elaboradas para nossas atividades. Ressaltamos que aqui serão colocadas ideias que já se encontram na literatura e pretendemos expor, particularmente, aquelas que interessam para nossa pesquisa. II.1. Imagem de Conceito e Definição de Conceito A teoria de imagens de conceito e definição de conceito, proposta inicialmente por David Tall e Sholmo Vinner no artigo Concept image and concept definition in mathematics, with special reference to limits and continuity (TALL & VINNER, 1981), sugere que o processo cognitivo da formação dos conceitos matemáticos tem como referencial uma gama de impressões mentais adquiridas ou experiências vividas pelo indivíduo ao longo da vida e que pode ser mudada à medida que o sujeito amadurece. As diferentes maneiras de expor, verificar e observar um conceito são constituídas por um repertório de imagens, ideias e procedimentos que os autores denominam imagem de conceito, assim definida: Usamos o termo imagem conceitual para descrever a estrutura cognitiva total associada ao conceito, que inclui todas as figuras mentais e propriedades e processos associados. São construídas ao longo dos anos por meio de experiências de todo tipo, mudando enquanto o indivíduo encontra novos estímulos e amadurece ( Tall & Vinner, 1981, p. 152). A imagem de conceito é individual, varia de indivíduo para indivíduo e não é uma estrutura estática, podendo ter atributos incluídos, excluídos ou modificados, de acordo com a experiência escolar e/ou cotidiana, não necessariamente associada ao que está sendo estudado, que pode acrescentar novas características a uma imagem de conceito já existente. A imagem de conceito de um indivíduo pode ser formada por representações verbais e não verbais de todos os tipos, que se associam ao conceito. No caso dos intervalos reais, podemos imaginar, por exemplo, um segmento de reta, uma semireta, o domínio de uma função, um intervalo de tempo, dois números entre colchetes ou mesmo um intervalo na forma algébrica, representações essas que podem ou não ser coerentes com a definição formal 6. Ao conjunto de palavras que um indivíduo pode ou não utilizar para definir um conceito é denominado por Tall e Vinner (1981) de definição de conceito. Uma simples memorização ou, uma compreensão do significado matemático do conceito ou ainda uma reconstrução da definição formal podem ser consideradas como uma definição de conceito de um sujeito. Como acontece com a imagem de conceito, a definição de conceito pode ser enriquecida ou mesmo mudar ao longo do tempo. É importante salientar que o enriquecimento do repertório de imagens de conceito de um indivíduo pode favorecer a aprendizagem de determinado conceito matemático. Nesse sentido, Giraldo(2004) coloca que: 6 Usamos o termo definição formal no mesmo sentido utilizado por Giraldo (2004): " aquela consensualmente aceita pela comunidade matemática dentro de um dado contexto social, histórico e teórico" (GIRALDO,2004, p.9). a teoria de imagens de conceito7 sugere que o desenvolvimento cognitivo de um conceito matemático se dá através do enriquecimento de uma diversidade de ideias associadas ao conceito, e que a compreensão da própria definição do conceito só é possível quando a gama de ideias associadas é rica o suficiente. Sendo assim, a aprendizagem da matemática é favorecida pela multiplicidade de representações presentes na abordagem pedagógica (GIRALDO, 2004, p.3). De acordo com essa teoria, as imagens de conceitos podem ser enriquecidas e/ou até mudadas e, sendo assim, uma abordagem pedagógica que possa ampliar o repertório de imagens é importante para a aprendizagem de determinado conceito matemático. Nesta direção, este trabalho se propõe não só em permitir o enriquecimento das imagens de um conceito mas, acreditamos, contribuir para a imagem de conceito de intervalos reais. II.2. Ideias de Fishbein A principal ideia defendida por Fishbein (1994), em seu artigo The Interaction betwen the formal, the algorithmic and the intuitive components in a mathematical activity, é de que três aspectos básicos devem ser considerados ao se analisar o comportamento matemático dos estudantes: os aspectos formais, os algorítmicos e os intuitivos. Os aspectos formais relacionam-se aos axiomas, definições, teoremas, provas e demonstrações. Em uma atividade matemática, tais aspectos precisam estar bem entendidos, para que o indivíduo possa desenvolver e, de certa forma, generalizar, seu raciocínio.pois essa ciência tem sua estrutura e suas especificidades. Não significa que o indivíduo deve decorar demonstrações e teoremas, mas preocupar-se com o rigor, com o sentido lógico e com o desencadeamento coerente e consistente das ideias matemáticas. As técnicas de resolução e estratégias do tipo padrão estão relacionadas aos aspectos algorítmicos. Na resolução de problemas matemáticos, não é suficiente lidar bem com os aspectos formais mas, baseado nestes, é possível e necessário estabelecer estratégias e técnicas para resolver uma atividade matemática. Um exemplo dessa situação pode ser dado quando dada uma função f(x) = 3x - 1, pede-se ao aluno para calcular o valor de f(2u + 1). Ele pode conhecer as definições de função e de função composta em seu aspecto formal, mas se não souber técnicas ou estratégias de resolução pode não ter sucesso na atividade proposta. Os aspectos intuitivos caracterizam-se por um raciocínio intuitivo, ou seja, um entendimento ou solução intuitiva. Ficshbein e Gazit (1984, p.2, apud Alves e Borges Neto, 2011, p.42) 7 Grifos do autor esclarecem que "o termo 'intuição'8 significa, basicamente, uma avaliação global, sintética, não explicitamente justificada [ ]. Tal cognição global é sentida por um sujeito auto- evidente, auto-consciente, e duramente questionável". Em certos casos, os aspectos intuitivos poderão se tornar uma dificuldade ou até mesmo um obstáculo. Podemos citar como exemplo o aluno que usa um esquema de resolução de equações no caso das inequações "quando 'multiplicamos em cruz' para deixar a incógnita no numerador, por exemplo, estamos deixando que o aspecto intuitivo se sobreponha aos formais e algorítmicos: é preciso 'isolar'9 a incógnita, para chegar à solução"(SOUZA, 2008, p.50-51). Os aspectos formais precisam ser aprendidos ou inventados e usados ativamente, os aspectos algorítmicos precisam ser praticados e sistematizados de forma que a interação entre os três aspectos se torne um todo coerente. De acordo com Souza (2008, p.48) "parece que muitos dos problemas dos aprendizes reside na falta de leitura correta das notações científicas, já aceitas pela comunidade" o que a levou a acrescentar, com vistas às representações, as notações 10 . Não significa que esta seja essencial para a aprendizagem inicial dos aspectos formais, pois os alunos poderiam usar de outras formas para explicitá-lo. No entanto, parece que tanto professores quanto livros didáticos dão especial ênfase ao seu uso "correto"11 e imediato, sem se preocupar com o possível não entendimento por parte dos alunos dessas notações. Como trabalharemos nessa pesquisa com representações e notações de intervalos reais, achamos pertinente incluir esse aspecto aos elaborados por Fischbein. III. Revisão de Literatura Para situar nossa pesquisa na área da Educação Matemática, pretendemos ler e apresentar pesquisas na área, realizadas por Fischbein, Jehian & Cohen (1995), Igliori & Silva (2001), Cobianchi (2001), Dias (2002, 2007), Moutinho (2013, 2014), dentre outros. IV. Procedimentos Metodológicos Neste trabalho de investigação, optamos por uma pesquisa com análise qualitativa dos dados. Para responder nossas questões de pesquisa, pretendemos desenvolver os procedimentos 8 Grifo do autor. Grifos da autora. 10 Grifo nosso. 11 Grifo da autora. 9 metodológicos que descrevemos no que segue, junto a uma turma de até 40 alunos da primeira série do Ensino Médio. • Elaboração e aplicação de um questionário para determinar a Definição de Conceito e a Imagem de Conceito da completude dos números reais desse grupo • Elaboração e aplicação de um conjunto de atividades que enfocam a diferença entre conjuntos discretos e contínuos. • Análise dos protocolos, à luz das ideias de Fishbein. • Elaboração e aplicação de um questionário para determinar a Definição de Conceito e a Imagem de Conceito de intervalos reais desse grupo. • Análise dos protocolos obtidos com o questionário, para determinar as dificuldades que evidenciam no trabalho com intervalos reais. • Elaboração e aplicação de uma atividade para o ensino de intervalos reais, em um ambiente de Modelagem Matemática. • Análise dos dados à luz do referencial teórico adotado. 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