A Protecção Social face à transformação dos agregados familiares moçambicanos Módulo F – Pobreza, População e Protecção Social Nuno Cunha, Hélder Nhamaze e LucaPellerano III Conferência Internacional do IESE Maputo 5 de Setembro de 2012 Contexto Histórico • Fenómenos ocorridos no último quartel do século XX ditaram mudanças na estrutura dos agregados familiares em Moçambique. Alguns dos mais marcantes são: – Guerra civil e pacificação com todos os processos inerentes (êxodo rural, relocação das populações, reconfigurações da estrutura familiar) – O aparecimento e crescimento nas taxas de prevalência de HIV e SIDA – Processo de liberalização económica acentuada, com efeitos nefastos sobre os grupos populacionais mais vulneráveis Órfãos causados pelo HIV e SIDA 626,037 564,616 502,690 441,451 382,115 325,805 273,229 225,090 f 181,952 144,110 64,130 85,411 111,818 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 Órfãos devido ao HIV/SIDA As “novas” formas de família • Agregados chefiados por idosos sem a presença de qualquer outro adulto: mais de 50% dos infectados em países pobres são adultos, cujos órfãos serão cuidados por idosos (Fouad, s/d) • Agregados chefiados por mulheres • Agregados chefiados por crianças • Agregados com a presença de pessoas portadoras de deficiência sem adultos com capacidade para trabalhar Distribuição por tipo de Agregado Familiar Distribuição N de AF (milhares) Dimensão média Nº médio Crianças [0-17 anos] Nº médio de idosos, PPD e doentes crónicos AF sem membros adultos capacitados para trabalhar idosos 8,1% 413 2,3 0,9 1,4 PPD, doentes crónicos 0,2% 10 2,2 1.1 1,0 AF temporariamentese m membros com capacidade para trabalhar Crianças CAF 0,1% 5 1,7 1.7 0 Adultos temporariamente incapacitados 1,5% 76 4,4 2.2 1,1 AF sem restrições laborais Chefiados por mulheres 20,2% 1,032 4,1 2.5 0,4 Chefiados por homens 69,9% 3,571 5,1 2.7 0,1 4,7 2,5 0,3 Total Desafios para os “novos” Agregados • Fraco acesso a redes de solidariedade e protecção • Percepções sociais orientadas pelo estigma e discriminação • Nível de rendimentos baixo e/ou instável • Agregados com capacidade produtiva reduzida – CONCORRENDO PARA… UMA SITUAÇÃO DE VULNERABILIDADE Distribuição dos tipos de AF por quintil de riqueza O que entendemos por Protecção Social? Falta de rendimento do trabalho Benefícios – dinheiro ou em género Alívio Agregados Familiares Riscos Sociais Segurança de Rendimento Direito Humana Redução de vulnerabildiades Segurança alimentar Acesso a cuidados de saúde Justiça Social Direito a um padrão de vida digno Apoio Familiar Origens da Protecção Social • A Protecção social existe desde sempre – A Protecção encontrava-se essencialmente fundada nas estruturas familiares e comunitárias (Protecção de Proximidade), assentando em relações de vizinhança ou de parentesco • com o processo de urbanização e alterações nas relações familiares e/ou comunitárias os mecanismos tradicionais de protecção começaram a perder a sua eficácia • A redução do risco não podia ficar apenas a cargo das famílias e das redes sociais • Numa primeira fase foi implementada por instituições de índole caritativa - destaque para as congregações religiosas • A assistência social pública ganhou estatuto jurídico com as Leis dos Pobres de 1601, instituindo a responsabilidade das paróquias de tomarem conta dos seus pobres Formalização da Protecção Social • Teve lugar em duas fases e ocorreu em paralelo com o processo de industrialização, em resposta ao desenvolvimento do mercado de trabalho assalariado e ao êxodo rural. • Inicialmente, através do surgimento de mutualidades e de seguros privados para dar cobertura aos trabalhadores em termos de saúde e pagar subsídios de funeral aos familiares em caso da sua morte • Posteriormente alguns Estados introduziram legislação destinada a exigir que as entidades patronais providenciassem alguma cobertura de risco aos seus trabalhadores (Bismark foi o precursor dos seguros sociais obrigatórios em finais do século XIX) – um modelo que se caracteriza por fazer depender a protecção da condição de emprego do indivíduo, sendo os benefícios atribuídos no sentido de garantir a falha nos rendimentos profissionais. • Para conferir um maior grau de abrangência social aos sistemas existentes, desenvolveu-se uma nova concepção (durante a II GM)Relatório Beveridge - que propôs um sistema que pretendia estender a protecção social à totalidade da população com: – recurso às contribuições para o financiamento das prestações de substituição de salários – recurso à fiscalidade para o financiamento das prestações familiares e dos serviços de saúde Protecção Social em África – Avanços e Desafios • Sistemas: • inicialmente orientados para a cobertura de funcionários públicos • Seguidamente para os trabalhadores assalariados do sector formal • Mais recentemente introdução de programas de assistência social não contributivos no sistema formal de protecção social; • O principal desafio continua a ser a extensão da protecção social aos grupos sem capacidade contributiva e aos trabalhadores da economia informal. • A situação em uma grande parte dos países pode ser caracterizada pela coexistência de: – Um pequeno grupo, de dimensão reduzida, cuja protecção é garantida por seguros privados e/ou internacionais e por redes familiares com ramificações nos países desenvolvidos; – Uma reduzida classe média, cuja protecção é assegurada pelos mecanismos formais de protecção social (seguros sociais); – Uma elevada parcela da população que baseia a sua protecção em mecanismos informais envolvendo familiares, parentes, amigos e patrões; – Uma parcela significativa da população, incluindo os trabalhadores da economia informal, que se encontra numa situação crítica de total ausência de protecção Opções para Moçambique • De uma população economicamente activa estimada em 11 milhões: – Mais de 60% são trabalhadores por conta própria – 25% são trabalhadores familiares não remunerados – Apenas 11% são trabalhadores assalariados (incluindo 4,1% de funcionários públicos) • Cerca de 75% encontra-se no sector informal e um número equivalente trabalham na agricultura (dependendo em grande parte de uma agricultura de subsistência) • Mais de 54% vive abaixo da linha de pobreza Complexo assegurar, pelo menos a curto-prazo, uma expansão substancial da cobertura através de um regime contributivo: • Complexidades técnicas • Fraca capacidade contributiva da generalidade da população E através de regimes não-contributivos !!?? ..... Analisemos alguns cenários....... Cenário A – Benefício por Família – Subsídio para famílias com crianças (40% das famílias elegíveis) – Pensão Social para AF com idosos (40% das famílias elegíveis) – Programa de Trabalhos Públicos (máximo de 35% em 2015 e depois 20% de entre os mais pobres (definir melhor)) – Transferência de 1/3 da linha de pobreza para SC e PS – Transferência equiv. Linha de Pobreza para TP Cenário B – Benefício por Família – Subsídio para famílias com crianças (80% das famílias elegíveis) – Pensão Social para AF com idosos (80% das famílias elegíveis) – Programa de Trabalhos Públicos (máximo de 35% em 2015 e depois 20% de entre os mais pobres (definir melhor)) – Transferência de 1/3 da linha de pobreza para SC e PS – Transferência equiv. Linha de Pobreza para TP Cenário C – Benefícios Individuais – Subsídio para famílias com crianças (80% das famílias elegíveis) – Pensão Social com idosos (80% das famílias elegíveis) – Programa de Trabalhos Públicos (máximo de 35% em 2015 e depois 20% de entre os mais pobres (definir melhor)) – Transferência de 1/3 da linha de pobreza para SC e PS – Transferência equiv. Linha de Pobreza para TP Será viável para Moçambique discutir opções deste género? (ponto de vista fiscal) Creation of Fiscal Space (Cumulative during 2012-2022, percent of GDP) 3.0 2.0 Previsões do FMI ainda sem quantificar possibilidades que se poderão criar com as indústrias extractivas 1.0 0.0 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018 2019 2020 2021 2022 -1.0 -2.0 -3.0 Fiscal revenue Grants for budget support Spending Reprioritization External loans for budget support Domestic financing Total fiscal space -4.0 • • Necessário ter em conta que o país tem muitas necessidades e que é normal uma grande concorrência entre sectores. Dependerá de opções políticas em termos de definição de prioridades. Vejamos o exemplo de 2 países que usaram os recursos minerais para criar recursos fiscais e proceder à expansão dos seus sistemas de protecção social Botswana - aproveitando diamantes para criar espaço fiscal • Rápido crescimento Económico (taxa média de crescimento de 9% entre 1966 e 1990) • Produz 22% dos diamantes mundiais • Acumulação significativa de reservas e superávits fiscais • A APD reduziu-se de cerca de 11% do PIB (1970 e 1989) para cerca de 1,8% do PIB (1990 e 2008) • Dívida externa de 47% PIB em 1973 para 3,5% em 2008 – Redução do serviço da dívida • Altos níveis de poupança • A maior fonte de recursos fiscais são provenientes dos minerais, alfândegas e do investimento das reservas – não recai sobre a população 17 Momento chave – a renegociação dos contratos com a De Beers • Acordo inicial – 20/80 jointventure entre o governo e a empresa • Renegociação passando para um Acordo 50/50 – Governo comprou mais 30% das Acções – Mas deixou a gestão da empresa ao parceiro privado • Aconteceu num momento em que outros países procediam a nacionalizações – a empresa e o governo perceberam que para as 2 partes era melhor uma solução mais equilibrada Sistema de Protecção Social • Maior parte das despesas é financiada por receitas governamentais – não há regime contributivo público • Existe um leque amplo de Programas: – – – – Famílias pobres com crianças Pensões Universais para Idosos (equi. a $29 Us) Programa para Órfãos Programa de apoio à prestação de cuidados domiciliários na Comunidade 18 Evolução da taxa de pobreza e taxa de mortalidade infantil no Botswana 19 Despesa Pública nos sectores Sociais • Em % da despesa pública e em % do PIB 20 Despesas em Protecção Social • Em % da despesa pública e em % do PIB 21 Bolívia – Financiar a extensão através de impostos nos hidrocarbonetos – gás social • Um dos países mais pobres da América Latina • Maioria da população depende da agricultura • Maior fonte de recursos do país é a exploração de gás natural • Expansão importante do PIBpc nos últimos ano e melhoria nos indicadores de consumo • Grandes progressos nos últimos anos na extensão da protecção social • Modelo que combina sistema contributivo e não contributivo – A componente contributiva tem uma cobertura muito baixa (apenas 12% da PEA) – Grandes evoluções nos últimos anos na cobertura dos programas não contributivos 22 Sistema não contributivo • • • • Pensão Universal para todos os cidadãos com mais de 60 anos (Renda Dignidade) Seguro Universal Materno Infantil (todas as mulheres grávidas e crianças com menos de 5 anos têm assistência gratuita) Transferência Monetária condicionada à participação na escola (BonoJuancito Pino) Transferência Monetária condicionada à utilização dos cuidados de saúde durante a gravidez e até que as crianças façam 2 anos de idade (BonoJuanaAzurduy) RentaDignidad – Pensão de Velhice Universal • Mensalmente aprox. US$28,5 para os que não têm uma pensão contributiva e US$21 para os têm outra pensão • Fonte de financiamento é o “Fondo de Renta Universal de Vejez” •30% de todos os recursos recebidos pelo estado dos impostos directos sobre o gás natural •Lucros das empresas de gás com capitais públicos 23 O Impacto das receitas fiscais relacionadas com o gás natural 24 Evolução dos gastos com PS não contributiva 25 Será viável para Moçambique discutir opções deste género? • A implementação deste tipo de programas não depende apenas do espaço fiscal • Para a implementação com este tipo de escala é necessário garantir ao nível operacional que é possível fazê-lo de forma eficiente implicando sistemas: – de identificação e selecção (particularmente quando a cobertura não é universal); – pagamento; – monitoria e acompanhamento de caso; – relação com outros serviços • Implica elevados investimentos institucionais, incluindo o investimento em recursos humanos capazes de desenvolver este trabalho • Muito Obrigado pela atenção