Milagres de Jesus: Uma Derrogação das
Leis da Natureza?
Renato Costa
É relativamente comum ouvirmos palestrantes espíritas interpretarem relatos
evangélicos sobre milagres de Jesus como eventos naturais explicáveis pelo bom
senso ou pela ciência oficial de nossos tempos.
Não há dúvida que alguns casos realmente podem ser interpretados desse modo,
como é o caso da “ressurreição” de Lázaro. O relato bíblico diz que, ao saber da
notícia, Jesus chorou uma vez que Lázaro lhe era muito querido, mas diz também
que, pouco tempo após, o Mestre afirmou que Lázaro não tinha morrido mas
estava apenas dormindo. Parece-nos sensato interpretarmos o caso como um
caso de letargia ou catalepsia. Ao saber da notícia, Jesus, sentindo a sinceridade
de quem lhe comunicava a notícia, se entristeceu. No entanto, após ter utilizado
sua portentosa capacidade mediúnica para fazer contato mental com Lázaro e ter
sentido que o amigo estava vivo, afirmou o real estado de Lázaro aos presentes
com segurança.
Há outros casos, entretanto, que não podem ser interpretados como fenômenos
naturais baseados nas leis conhecidas mas que poderão perfeitamente ser
explicados por leis naturais que serão conhecidas no futuro. Um deles é o do
milagre de transformação de água em vinho. A explicação do “bom senso” diz que,
como os odres com a água “transformada” foram deixados para o final, os
convidados já estariam bêbados, sendo incapazes de distinguir água de vinho.
Essa interpretação, no entanto, não convence pois, mesmo que um bêbado não
saiba distinguir com precisão o que está bebendo, ele não confunde uma bebida
alcoólica com água. Por que não aceitar que possa ter havido de fato a
transformação, segundo leis naturais que a ciência atual desconhece mas que
conhecerá no futuro? Um ser humano normal, em meados do século XX, jamais
acreditaria se lhe falassem que existem certas células, chamadas “células tronco”,
capazes de se transformar em células de qualquer parte do corpo. O que em uma
época parece impossível, na seguinte pode ser tornar de conhecimento público. A
sinalizar que a hipótese de ter de fato havido a transformação de água em vinho é
aceitável, temos, ainda, os relatos de pessoas que convieram com Sai Baba,
relatos esses que afirmam, por exemplo, ter testemunhado o notável mensageiro
transformar água em combustível para automóvel em um momento de
necessidade.
Outro caso notável que se enquadra como o anterior é o dos freqüentes
desaparecimentos de Jesus quando o queriam prender e não era chegada a hora
ou o caso do desaparecimento de seu corpo físico do sepulcro onde tinha sido
colocado. Soa altamente improvável que em todos os momentos em que Jesus
desapareceu do meio dos que o queriam perder, esse desaparecimento tenha
sido uma hábil fuga sua do local. Jesus era um homem adulto e de porte altaneiro,
não um adolescente frágil, malandro e lépido que se pudesse esquivar por entre
as pernas dos que o cercavam. E mais, aqueles que queriam prendê-lo eram
inteligentes e ardilosos. Não se deixariam enganar com facilidade. Do mesmo
modo, a hipótese de terem seus discípulos roubado o cadáver e dado um fim a ele
para alegar que Jesus teria ressuscitado tampouco soa razoável. Os discípulos
estavam com medo dos sacerdotes e dos soldados romanos, tendo se escondido
quando Jesus foi preso. Como iriam eles violar um sepulcro guardado?
Uma hipótese que me parece perfeitamente razoável é acreditar que Jesus, assim
como outros espíritos evoluídos que encarnaram no Planeta, possui pleno controle
sobre o fluído cósmico universal e, por conseguinte, sobre tudo o que dele é feito,
podendo imprimir ao mesmo, a cada instante, o grau de sutileza, a composição e
a aparência necessários. Para ele, portanto, transformar água em vinho era, nesse
sentido, uma ação semelhante à de materializar ou rematerializar seu próprio
corpo.
A capacidade de manipular o fluido cósmico universal para desmaterializar e
rematerializar o próprio corpo físico é uma capacidade certamente inexplicável
pela ciência atual mas isso não nos autoriza a concluir que os relatos sobre os
desaparecimentos de Jesus no meio das pessoas ou sobre o desaparecimento
posterior de seu cadáver sejam falsos ou que devam ser interpretado de forma
figurada.
É relevante que, pelos relatos que chegaram até nós, não só Jesus demonstrou a
capacidade de desmaterialização e rematerialização de seu corpo físico. Ocorremme dois exemplos de tradições distintas. Na tradição semítico-cristã, um caso de
desmaterialização me vem logo à mente. Ao subir aos céus “em uma carruagem
de fogo”, Elias não deixou nenhum vestígio de seu corpo físico para Eliseu
enterrar. Logo, parece válida a hipótese de o espírito Elias ter desmaterializado
seu corpo ao desencarnar. No oriente, as tradições milenares hinduísta e budista
dão conta de diversos casos de desmaterialização e de rematerialização. Um
deles é o das diversas vezes em que Moggallana, um dos maiores discípulos do
Buda Gautama, de acordo com os Cânones Pali, as escrituras sagradas do
Budismo Theravada, se desmaterializou e rematerializou para escapar àqueles
que lhe queriam tirar a vida quando ainda não era chegada sua hora. Não terá
sido exatamente isso o que fez Jesus em mais de uma oportunidade?
Pois bem, pelo que a tradição indica, nem Elias nem Moggallana tinham atingido
ainda a perfeição quando os relatados casos ocorreram. O espírito de Elias
precisou voltar mais tarde como João Batista para resgatar a dívida que tinha
assumido com a Justiça Divina ao mandar matar os sacerdotes de Baal. E
Moggallana precisou, afinal, aceitar que os assassinos sucedessem em seu cruel
intento, por dívida cármica que trazia de um passado remotíssimo quando teria
matado ou estado preste a matar seus pais – as fontes discordam quanto à
consumação do ato.
Sendo Jesus um Espírito puro, capaz, como foi, de manipular as forças cósmicas
para criar o nosso planeta e impor a ele a dinâmica que hoje possui, mesmo
sabendo que outros espíritos de escol o auxiliaram em tão grandiosa tarefa, por
que não aceitar como possível a hipótese que o Mestre pudesse fazer o mesmo
para transformar água em vinho ou desaparecer e reaparecer aos olhos dos que o
circundavam?
Bibliografia:
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Bíblia Sagrada. Tradução dos originais mediante a versão dos Monges de Mardesous pelo
Centro Bíblico Católico. 112 ed. São Paulo: 1997.
MURPHET, Howard. Sai Baba: O Homem dos Milagres. 9 ed. São Paulo: Nova Era, 1997.
THERA, Nyanaponika et HECKER, Hellmuth. Great Disciples of the Buddha. Boston:
Wisdom Publications, 1997.
Artigo publicado originalmente na Revista Internacional de Espiritismo, Ano LXXXIV, nº 10,
Novembro de 2009
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