SERVIÇO ACADEMIAS DE GINÁSTICA
O Brasil é o segundo país com mais
academias de ginástica (só perde para
os Estados Unidos). Até o meio do ano
passado havia 15.551 estabelecimentos
desse tipo em território brasileiro, de
acordo com dados da International
Health, Racquet & Sportsclub Association
(IHRSA) – entidade internacional do setor
de esporte e saúde. Após mais de um
ano, certamente esse número aumentou
consideravelmente. Só que, infelizmente,
quantidade não significa qualidade. O Idec
analisou o contrato de dez academias da
capital paulista e notou diversos casos de
desrespeito aos direitos do consumidor.
Os principais problemas e as armas
disponíveis para fazer valer seus
direitos podem ser conferidos ao longo
desta reportagem
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CADÊ O
CONTRATO?
De olho no
contrato
22 • Setembro 2011 • REVISTA DO IDEC
O primeiro problema enfrentado por aqueles que
querem frequentar uma academia de ginástica é a disponibilização do contrato apenas na hora de se efetuar a
matrícula. Muitas vezes é preciso implorar para ter acesso a
esse documento previamente. “No momento da contratação, muitas vezes o consumidor não tem condições de ler
minuciosamente o contrato de adesão [aquele elaborado
exclusivamente pelo fornecedor, sem que o consumidor
possa discutir suas cláusulas]. Por isso, é de suma importância que ele possa levar uma cópia para casa; além disso,
esse documento poderia estar disponível no site da academia”, observa Mariana Ferraz, advogada do Idec responsável pela pesquisa.
O que fazer: o consumidor pode se recusar a efetuar
a matrícula. “A empresa que não disponibiliza o contrato
apresenta conduta pouco transparente e fere o Código de
Defesa do Consumidor (CDC), seja ao descumprir o direito
básico à informação, seja ao desconsiderar a disposição
mais específica de seu artigo 46, que é claro ao desobrigar
o consumidor de obedecer aos termos do contrato quando
não lhe for dada a possibilidade de analisá-lo antecipadamente”, diz Mariana.
REAJUSTE
DE PREÇOS
A Lei nº 9.069/1995 (Lei do Real) determina que em
contratos de duração igual ou superior a um ano o reajuste
seja feito a cada 12 meses. Por isso, cláusulas que permitam a correção monetária antes de um ano são nulas. “O
descumprimento dessa regra configura cobrança indevida,
cabendo ao consumidor o direito de exigir a devolução
da quantia paga em dobro. Afinal, não se pode prever em
cláusula contratual qualquer disposição diferente da lei”,
orienta Mariana.
O que fazer: o consumidor precisa ficar atento às
cláusulas sobre reajuste de preço, e caso não concorde
com elas ou perceba algum abuso, deve questionar a
empresa antes de assinar o contrato. O mesmo deve ser
feito se não ficar clara a periodicidade do reajuste.
CANCELOU,
PAGOU
A cobrança de multa por cancelamento não é ilegal, no
entanto, o valor da multa não pode ser excessivo. No caso
dos contratos de academias de ginástica, o Idec entende
que seria razoável cobrar 10% do valor que o consumidor
precisaria pagar até o fim do contrato. Por exemplo, se ele
contratasse um pacote de seis meses por R$ 600 e desistisse no terceiro mês, deveria receber de volta 90% desse
valor (R$ 270), e não os R$ 300 correspondentes à metade
do plano, pois 10% corresponderiam à multa.
“Em todos os contratos analisados pelo Idec foram
encontrados possíveis abusos quanto aos valores da multa
aplicada, ou detectada falta de clareza no texto das cláusulas, que não esclarecem, muitas vezes, como é calculado o
valor da multa”, afirma Mariana.
O que fazer: o consumidor pode dizer à empresa que
não considera correto o valor da multa. Se a conversa não
der resultado, uma alternativa é pagar a multa e lutar pela
devolução do valor em um Juizado Especial Cível (JEC), ou
ainda discutir judicialmente a cláusula abusiva.
Como foi feita a pesquisa
Durante o mês de julho, técnicos do Idec matricularam-se ou
demonstraram interesse em se matricular (sem, contudo, assinar contrato)
em dez academias da cidade de São Paulo (de pequeno, médio e grande
porte): Bio Ritmo, B. Sport, Companhia Athletica, Competition, Contours,
Curves Brasil, InShape, Rubel, Runner e Smart Fit. Em todas elas foi solicitado
o contrato, mas em algumas, ele foi obtido em sua página virtual.
“O objetivo da pesquisa foi mostrar ao consumidor quais são as cláusulas
e as práticas que podem ser consideradas abusivas, para ele poder avaliar
criticamente as condições impostas pela academia de seu interesse, não
importando em qual estado do Brasil ele se encontre”, explica Mariana.
REVISTA DO IDEC •
Setembro 2011 • 23
SERVIÇO ACADEMIAS DE GINÁSTICA
RESPONSABILIDADE PELO
GUARDA-VOLUMES E
PELO ESTACIONAMENTO
EXAME MÉDICO
E AVALIAÇÃO FÍSICA:
ONDE FAZER?
ATLETAS
INSTRUÍDOS
Respostas das empresas
Das dez academias pesquisadas, apenas cinco responderam à
notificação enviada pelo Idec com os resultados da pesquisa.
l Bio Ritmo: disse que examinou todos os comentários
“O estabelecimento comercial que oferece estacionamento ou serviço de guarda-volumes, ainda que gratuitamente, assume a responsabilidade pela guarda, sendo
assim responsável por furtos ou danos”, esclarece Mariana.
Portanto, cláusulas contratuais que retiram a responsabilidade da academia podem ser consideradas abusivas,
segundo o artigo 51 do CDC, que diz: “são nulas de pleno
direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao
fornecimento de produtos e serviços que impossibilitem,
exonerem ou atenuem a responsabilidade do fornecedor
por vícios de qualquer natureza dos produtos e serviços”.
O que fazer: solicitar à empresa o ressarcimento pelos
prejuízos sofridos, e caso a academia insista em não se
responsabilizar, recorrer ao Procon ou a um Juizado
Especial Cível (JEC).
Outros problemas
Depois de assinar o contrato, os frequentadores de academia
podem deparar, no dia a dia, com situações que desrespeitam
seus direitos. Saiba como solucionar alguns casos comuns:
l Cobrança pela confecção da carteirinha: não
há legislação que impeça essa cobrança. No entanto, o valor deve
ser justo, senão poderá ser enquadrado como prática abusiva.
Caso o consumidor não concorde com o valor, deve negociar com
a empresa ou procurar outra academia.
l Exigência de que materiais e acessórios
para as aulas sejam comprados na própria academia: essa situação pode ser considerada venda casada. Para
não cometer esse abuso, a academia deve oferecer ao consumidor a opção de comprar touca, óculos e maiô para natação, por
exemplo, na loja da academia ou em qualquer outra de sua escolha, e nunca condicionar a venda desses materiais à matrícula.
l Distribuição de senha para as aulas mais
concorridas: nesse caso, deve ser informado claramente ao
consumidor, no contrato, que algumas aulas possuem horários
estabelecidos, e que em virtude da demanda, é necessário pegar
senha para garantir a vaga. Caso o consumidor não tenha essa informação antes de contratar o pacote, poderá reclamar por seus
direitos, inclusive na Justiça.
24 • Setembro 2011 • REVISTA DO IDEC
A academia pode (e deve) exigir que o consumidor
apresente sua avaliação física e seu atestado de exame
médico como forma de garantir que sua saúde está em
dia para suportar esforços físicos. Mas este tem o direito
de realizar esses exames com o médico que escolher,
seja do plano de saúde, seja em uma clínica particular.
No entanto, algumas academias exigem que esses
procedimentos sejam feitos no local indicado por elas,
geralmente a própria academia. Essa exigência pode ser
considerada venda casada, vedada pelo artigo 39 do CDC.
O que fazer: o consumidor pode citar o CDC e se
recusar a efetuar a matrícula se a academia não aceitar
exames feitos no local de sua escolha.
Treinar em uma academia sem nenhum tipo de instrução, além de não render os resultados desejados, pode
ser perigoso. Por esse motivo, os contratos das academias
devem prever suas obrigações quanto a isso. No entanto,
muitas vezes, eles se limitam a tratar das obrigações do
consumidor.
É importante lembrar que segundo o artigo 14
do CDC, o fornecedor de serviços responde,
independentemente da existência de culpa, pela
reparação dos danos causados aos consumidores por
defeitos relativos à prestação do serviço, bem como
sobre informações insuficientes ou inadequadas
sobre a sua fruição e riscos.
O que fazer: o aluno deve exigir a presença de um
instrutor durante seus treinos.
l Competition: não comentou as questões levantadas pelo
Idec, apenas informou que fornece uma cópia do termo de adesão
a todos que o solicitam.
l Curves: informou que já estava pretendendo alterar seu
contrato, mas que por ser uma marca estrangeira, as mudanças
precisam passar por aprovação. Estabeleceu o prazo de 30 dias
para que um novo contrato seja entregue às futuras alunas
[a academia só aceita mulheres] e também às que já estão
matriculadas.
l Rubel: solicitou esclarecimento a respeito do valor que
USO DE IMAGEM
E ENVIO DE MATERIAL
PROMOCIONAL
MUDANÇA
DE LOCAL
Um dos fatores que o consumidor leva em conta na
hora de escolher uma academia é a localização, geralmente próxima ao local onde mora ou trabalha. Mas no
contrato da Runner há uma cláusula que diz que em caso
de mudança de endereço em um raio de até 10 quilômetros, o consumidor só poderá desistir do plano mediante
pagamento de multa, nas mesmas condições de um cancelamento comum. “Tal disposição é considerada abusiva
pelo Idec, porque coloca o fornecedor em vantagem
manifestamente excessiva em relação ao consumidor”,
pondera Mariana.
O que fazer: o primeiro passo é conversar com o
gerente da academia, e, em último caso, recorrer ao
Procon ou à Justiça (pode ser o Juizado Especial Cível)
para buscar o ressarcimento do valor pago pela multa.
do Idec a fim de aperfeiçoar sua prática contratual, e se
comprometeu a modificar ou suprimir algumas cláusulas em um
prazo de 15 dias.
Ao assinar o contrato de algumas academias,
como a Smart Fit e a Bio Ritmo, automaticamente
o consumidor as autoriza a usar sua imagem, por
exemplo, em campanhas publicitárias, e a lhe enviar
material promocional.
“Os direitos de imagem e de privacidade são considerados fundamentais pela constituição brasileira. Por
isso, dispor sobre esses temas em contrato de adesão é
inadequado”, pondera Mariana, que completa: “Essas práticas não devem ser compulsórias, e, sim, condicionadas à
expressa autorização do consumidor”.
O que fazer: o uso indevido de imagem é passível de
indenização, que o cliente pode exigir na Justiça. Já para
acabar com o marketing não solicitado, a melhor maneira
é pedir que a academia o exclua de seu mailing.
poderia ser cobrado pela taxa de rescisão de contrato, e enviou ao
Idec novas propostas de cláusulas contratuais.
l Smart Fit: considerou a avaliação do Idec valiosa
contribuição para o aperfeiçoamento de suas práticas
contratuais. Segundo a academia, dentro de 15 dias as cláusulas
“problemáticas” serão modificadas ou suprimidas.
RECONHEÇA AS
CLÁUSULAS PROBLEMÁTICAS
Ao assinar qualquer contrato que regule uma relação de consumo, leia com atenção e observe se ele
descreve detalhadamente todos os direitos e obrigações do consumidor e do fornecedor.
O consumidor não está obrigado ao cumprimento de:
l Contratos não fornecidos previamente;
l Exigências que não estejam previstas no contrato;
l Cláusulas contratuais de difícil compreensão, por
exemplo, com exagero de termos técnicos;
l Cláusulas que podem ser consideradas abusivas
(como aquelas que colocam o consumidor em desvantagem excessiva).
REVISTA DO IDEC •
Setembro 2011 • 25
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