Anais do 5º Encontro do Celsul, Curitiba-PR, 2003 (176-180) APAGAMENTO DO FONEMA /R/ PÓS-VOCÁLICO DE TEXTOS ORAIS EM INFORMANTES EM AQUISIÇÃO DA LINGUAGEM Almerinda Tereza Bianca Bez Batti DIAS (Universidade do Sul de Santa Catarina) ABSTRACT: This essay is a longitudinal study of a changeable phenomenon of samples from two informants in phase of language acquisition. It aims investigate the hypothesis of erasing the posvocalic phoneme “R” at the social and linguistic context that might be motivating the phenomenon under the Labovian perspective. KEYWORDS: erasing; linguistic context, extra linguistic context; vibrant post-vocalic. . 0. Introdução Podemos observar o apagamento do fonema /r/ pós-vocálico no final de vocábulos (nominais e verbais), nas situações informais de fala (ex.: cantá no lugar de /cantar/), independentemente de fatores sociais, sendo considerado pelos lingüistas como um fenômeno a ser descrito e investigado, pois, poderá resultar em uma mudança na pronúncia do /r/. Não importa neste trabalho a maneira como o fonema /r/ é realizado, mas somente o fato de ser ou não realizado. Esse fenômeno - no português brasileiro - vem sendo objeto de estudo por investigadores de várias regiões do país: Votre (1978) investigou na fala de informantes mobralenses (adultos semianalfabetos) e universitários do Rio de Janeiro; Callou (1979) faz uma pesquisa diferente, já que fez uma descrição da fala urbana culta do Rio de Janeiro, usando um corpus de 55 informantes do banco de dados do projeto NURC; Mattos Lima (1992) fez sua investigação em tempo aparente com 64 entrevistas integrantes da amostra Censo da Variação Lingüística no Rio de Janeiro; no artigo “Aquisição de Padrões Fonológicos Variáveis” de Maria Cecília Mollica (1997) In: Variação e Aquisição, a autora dedica-se a observar à relação entre variação, mudança e aquisição, nessa relação entre outros fenômenos, ela investiga o apagamento do fonema /r/ pós-vocálico na modalidade vernacular semiespontânea falada do português como língua materna e como segundo idioma aprendido por índios, egressos de famílias lingüísticas diferentes, que estão localizados na Região do Alto Xingu Meridional; Monaretto (2000) pesquisou 36 entrevistas com informantes do banco de dados VARSUL; Oliveira (1981) estudou a fala de informantes de Minas Gerais. Todos esses pesquisadores afirmam que o apagamento do fonema /r/ é uma mudança em progresso, sendo que na classe verbal está mais adiantada. Nesse artigo - que é um recorte de uma pesquisa de dissertação de mestrado em andamento analisaremos o apagamento do fonema /r/ pós-vocálico em final de vocábulos verbais e nominais, e os fatores lingüísticos e extralingüísticos envolvidos na ocorrência desse fenômeno, utilizando entrevistas com dois informantes na fase da aquisição da linguagem. 1. Perspectiva Teórica A perspectiva teórica em que se insere este trabalho é a teoria da Variação Lingüística, postulada por Labov (1972), que pressupõe a heterogeneidade da língua, estando esta sujeita à variação e mudança, mas sendo possível a análise sistemática dessas variações, por meio de seus fatores estruturais e ou extra-estruturais, possibilitando identificar os possíveis processos de mudanças num indivíduo, num grupo de falantes ou numa determinada comunidade. A variação lingüística faz parte da natureza humana, já que o indivíduo e a sociedade são heterogêneos. Então, essas diferenças sociais se refletem na linguagem e, dependendo do grau de escolaridade, sexo, idade, origem geográfica, etnia e situação socio-econômica, haverá diversas variantes do idioma. Essas diferenças nas regras da linguagem falada podem ser: fonéticas-fonológicas, sintáticas, morfológicas, fonéticas, semânticas, lexicais e pragmáticas; e quando for possível identificar traços característicos de um modo de falar, serão chamadas de variações ou variedades lingüísticas. No entanto, há regras que não podem ser violadas, uma vez que nem todos os fenômenos da língua estão sujeitos a variações, segundo Monteiro (2000). Exemplo disso, na língua portuguesa, seria o uso do artigo antes do substantivo. Almerinda Tereza Bianca Bez Batti DIAS 177 2. Amostra O corpus analisado é parte de uma investigação que se constituirá de 18 meses de observação - ou seja: estudo longitudinal, porque acompanha o processo de aquisição da linguagem por seus informantes - por meio de entrevistas e interação com dois informantes: Hamilton (daqui em diante, informante 1), então com 4 anos e 4 meses e Marina (daqui em diante, informante 2) com 2 anos e 4 meses. A coleta de dados foi feita de forma espontânea, pois as crianças se encontravam em seu ambiente familiar, sem a intervenção de estranhos ou situações desconhecidas para elas. O objetivo dessa investigação é analisar quais fatores - lingüísticos e extralingüísticos - estão envolvidos no apagamento do /r/ no final do vocábulo - nas categorias verbais e nominais - nesses dois informantes em fase da aquisição da linguagem. E, num segundo plano, pretendemos também, avaliar de modo mais superficial esse fenômeno na aquisição da escrita, em textos produzidos por informantes da primeira série do primário, sob a perspectiva da sociolingüística laboviana. Assim como Oliveira (1981) e Monaretto (2000), consideramos ser necessário fazer a análise separada das categorias verbal e nominal, em virtude das diferenças entre apagamento do /r/ em verbos e não-verbos para verificarmos se há condicionamentos diferentes para ocorrência do fenômeno nessas duas classes morfológicas. Minha primeira decisão foi a de abordar a questão do cancelamento do ( r ) em 3 grupos maiores (representados por casos como ‘marcha’, ‘cantor’ e ‘andar’), tratando-os separadamente. Com isto não se correria o risco de se neutralizar possíveis efeitos de alguns fatores em um grupo pela irrelevância dos mesmos fatores em outros grupos. Caso os condicionamentos fossem idênticos, seria possível juntar-se todos os grupos num grupo maior, e não se perderia nada. (OLIVEIRA, 1981: 30) Foram eleitas para análise as variáveis: extralingüística: idade; lingüísticas: 1) Classe morfológica: verbos; não-verbos (substantivos e adjetivos) e outras palavras (qualquer, por); 2) Dimensão da palavra (se monossílabo, dissílabo, trissílabo ou polissílabo); 3) Contexto lingüístico precedente (vogais anteriores - é, ê, i, vogal média - a - e vogais posteriores - ó, ô, u); 4) Contexto lingüístico seguinte (consoante, vogal ou pausa - final de enunciado); 5) Acento lexical (se a vibrante está em sílaba acentuada ou não); 6) Subclasse dos substantivos (próprios e comuns) e, 7) Subclasse dos substantivos próprios (empréstimos ou não). Dos sete grupos de fatores apresentados, esse estudo abordará quatro que estão descritos a seguir: 3. Análise dos dados Os resultados dessa análise são parciais, porque analisamos uma pequena parte de um corpus de 18 meses - de uma dissertação de mestrado em andamento - que encerrará sua coleta de dados em novembro deste ano e a análise estatística será efetuada por meio do programa VARBRUL. A nossa hipótese é que será elevado, acima de 50%, o índice de aplicação da regra de apagamento do fonema /r/, tanto no grupo de fatores classe verbal como classe nominal. Gráfico 1 - FREQÜÊNCIA DO FONEMA /r/ PÓS-VOCÁLICO 178 APAGAMENTO DO FONEMA /R/ PÓS-VOCÁLICO DE TEXTOS ORAIS EM INFORMANTES EM AQUISIÇÃO DA LINGUAGEM 100 80 60 40 apagamento não apagamento 20 0 Observamos, no gráfico 1, que o apagamento do fonema /r/ pós-vocálico ultrapassa 98 % de freqüência, portanto, é categórico esse fenômeno, porque em 66 enunciados analisados - com ocorrência de vocábulos terminados com r - em apenas uma proposição não ocorreu o apagamento, corroborando também as afirmações de Oliveira, Mattos Lima, Mollica e Callou. Oliveira (1981) julgou de grande relevância analisar separadamente o apagamento do r nas categorias verbais e nominais, porque a investigação das duas classes, juntas, poderia distorcer os resultados, por exemplo: a dimensão do vocábulo não tem relevância para a classe verbal, entretanto, é importante e determinante para os nomes, indicando, então, a necessidade da verificação do fenômeno separando em dois grandes grupos: verbos e não-verbos. A hipótese para o grupo que trata da categoria verbal e nominal será de que a primeira terá maior índice de apagamento do fonema /r/, bem como afirmam Votre, Oliveira, Callou, Monaretto e Mattos Lima; entretanto, Votre (1978) afirma que não há nenhum efeito aparente favorecedor ou inibidor da manutenção do /r/. Nosso objetivo é conduzir a explicação do fato de estar mais avançado nesse contexto devido este tipo de item lexical ser mais freqüente na língua. As explanações baseadas na freqüência podem responder muitos casos de variação, de modo que a condição investigativa deste trabalho partirá desse pressuposto: se mais frequente, mais receptivo a mudança. TABELA 1 APAGAMENTO DO FONEMA /R/ SEGUNDO A CLASSE MORFOLÓGICA Informante 1 Informante 2 Aplic / total % Aplic / total % 43 / 43 100 21 / 20 95 Verbos 2/2 100 21 / 20 95 Não-Verbos Outros Total de dados analisados: 66 Conforme ilustra a tabela 1, o apagamento do fonema /r/ ocorreu de forma categórica nos dois grandes grupos - verbo e não-verbo - mas devemos considerar a ausência de palavras classificadas como outros (qualquer, por) e a baixa ocorrência de vocábulos não-verbos e, além disso, a ocorrência deste se deu com a mesma palavra - “Não faz isso, que isso queba, (inint) dí pastico.(inint) é aquele que é o meu, tu pego esse aqui amassado, o Vito me deu arrumadinho.” e “Eu não vô botá, enquanto a Maína não devolve o meu, a Maína pego esse aqui, e o Vito me deu aquele arrumadinho. Só pra Maína não fica brabinha né?” - sendo necessário uma análise quantitativa desse fenômeno fazendo uma relação com a freqüência das classes morfológicas numa amostra maior. Em relação ao grupo de fatores contexto lingüístico seguinte, devemos levar em consideração o padrão silábico [CVCV] como nos exemplos a seguir: MAR AZUL, MAR GRANDE CVC V CVC C do nosso idioma. O ambiente lingüístico seguinte que favoreceria o apagamento do fonema /r/ seria consoante ou a pausa, pois manteria esse padrão, sendo que o grupo apresenta três fatures: vogal, Almerinda Tereza Bianca Bez Batti DIAS 179 consoante e pausa. Definimos pausa como o final de enunciado ou uma pausa prolongada, ou seja, final de uma cadeia de fala seguida de um silêncio, isto é, sem contexto lingüístico imediato. TABELA 2 APAGAMENTO DO FONEMA /R/ SEGUNDO O CONTEXTO LINGÜÍSTICO SEGUINTE Informante 1 Informante 2 Aplic / total % Aplic / total % 12 / 12 100 2/2 100 Vogal 18 / 18 100 8 / 7 87 Consoante 15 / 15 100 11 / 11 100 Pausa Total de dados analisados: 66 Analisamos os dois informantes na tabela 2 e verificamos que só deixou de ocorrer apagamento diante do contexto seguinte consoante. Efetuando uma análise de todos os dissílabos (64%) encontrados no corpus, , 40% tinham como contexto seguinte consoante e 99% destes apagaram o fonema /r/, isso demonstra que o resultado obtido neste grupo de fator não invalida nossa hipótese, apenas nos impulsiona a coletar mais a fim de podermos discutir em que medida esse grupo condiciona o uso de uma ou outra variante. Nas pesquisas de Oliveira (1981), a dimensão do vocábulo é um fator determinante para o apagamento do fonema /r/ na classe morfológica não-verbo, substantivos e adjetivos, os monossílabos nominais mantêm o r, acreditamos que os vocábulos nominais menores - monossílabos - preservarão o r, mas para a classe verbal esse fator não será relevante. TABELA 3 APAGAMENTO DO FONEMA /R/ SEGUNDO A DIMENSÃO DOS VOCÁBULOS Informante 1 Informante 2 Aplic / total % Aplic / total % 3/3 100 1/1 100 Monossílabos Dissílabos 28 / 28 100 16 / 15 93 Dissílabos 14 / 14 100 4/4 100 Trissílabos Total de dados analisados: 66 Não foi elencado polissílabos, devido o não surgimento de verbos com esta quantidade de sílabas. A ocorrência de não-verbo foi muito pequena, e nas duas situações em que ocorreram foram vocábulos dissílabos, e propiciaram o apagamento do r, inviabilizando, assim, a análise quantitativa do fenômeno, entretanto, na classe verbal ocorreu o esperado, ou seja, a dimensão não se mostrou relevante, já que somente em um enunciado, com palavra dissílaba, manteve o fonema estudado, confirmando os dados de Oliveira (1981) que para esta classe morfológica esse fator não é relevante. Na amostra analisada os vocábulos terminados em ar correspondem a 85% (56 vocábulos terminados em ar sob o total de 66 analisados) das ocorrências, então, a hipótese seria que o apagamento também se desse nesse contexto - confirmando os dados da pesquisa de Mollica (1997), quando verificou que os índios do Alto Xingu apagavam o fonema /r/ nos verbos no infinitivo e vocábulos terminados em /ar/ seriam os mais atingidos pelo apagamento e os substantivos próprios terminados em /or/ teriam índice maior de preservação do r. A seguir exemplos do contexto precedente com seus três fatores: 1º fator: vogal anterior - “Tá!Eu vô escrevê meu nome.” (informante 1) 2º fator: vogal média - “Vô contá da Minhoca” (Informante 2) 3º fator: vogal posterior - “Não faz isso, que isso queba, (inint) dí pastico.(inint) é aquele que é o meu, tu pego esse aqui amassado, o Vito me deu arrumadinho.” (informante 1) TABELA 4 APAGAMENTO DO FONEMA /R/ SEGUNDO O CONTEXTO LINGÜÍSTICO 180 APAGAMENTO DO FONEMA /R/ PÓS-VOCÁLICO DE TEXTOS ORAIS EM INFORMANTES EM AQUISIÇÃO DA LINGUAGEM PRECEDENTE Informante 1 Aplic / total 8/8 Vogal anterior 35 / 35 Vogal média Vogal posterior 2 / 2 Total de dados analisados: 66 % 100 100 100 Informante 2 Aplic / total 21 / 20 - % 95 - Ao contrário do que esperávamos a vogal média coibiu o apagamento do fonema /r/, mas analisando o enunciado que manteve o r, “Eu vô jogar na bola.” , verificamos que o mesmo verbo “jogar” ocorreu em quatro situações, sendo que em mais uma delas diante do contexto lingüístico precedente consoante, onde ocorreu o apagamento do r, então, acreditamos que não invalida a hipótese, mas se faz necessário uma análise quantitativa para essa confirmação. Finalmente, é importante salientar que o que aqui expusemos trata-se de uma discussão parcial. Mesmo assim, fica claro que há uma mudança na pronúncia do r provocada pelo fenômeno do apagamento desse fonema, e que é mais evidente na classe verbal, segundo os autores: Mattos Lima, Monaretto, Mollica, Oliveira e Votre, no entanto, não há consenso na literatura - que trata desse fenômeno - sobre a causa do apagamento e porque está mais adiantada nos verbos no infinitivo. Deixamos a pergunta se não seria a alta freqüência da classe morfológica verbo a explicação para identificarmos o que está propiciando este fenômeno? Esperamos corroborar essa hipótese ao término da pesquisa para a dissertação. RESUMO: Este trabalho trata de uma pesquisa longitudinal de um fenômeno variável em amostras de dois informantes em fase de aquisição da linguagem. Tem como objetivo investigar a hipótese de apagamento do fonema /r/ pós-vocálico no final de palavras de natureza verbal e nominal, identificando os contextos sociais e lingüísticos que possam estar motivando esse fenômeno. É, portanto, uma pesquisa variacionista pautada no molde laboviano. PALAVRAS-CHAVE: Vibrante pós-vocálica; apagamento; contexto lingüístico e extralingüístico. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS CALLOU, D.I. “Estudo sobre a vibrante no português vernacular do Rio de Janeiro”. Tese de doutorado, Faculdade de Letras. UFRJ, 1979. MATTOS LIMA, Joana D’Arc. “Difusão lexical na vibrante final”. Dissertação de Mestrado. Faculdade de Letras. UFRJ, 1992. MOLLICA, Maria Cecília. Influência da fala na alfabetização. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1998. MONARETTO, Valéria N. de Oliveira. O Apagamento da Vibrante Posvocálica nas Capitais do Sul do Brasil: Revista Letras de Hoje, Porto Alegre, v.35, n.1, p.275-284, mar.2000. MONTEIRO, José Lemos. Para Compreender LABOV. 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