A ÉTICA É UMA SÓ
Rushworth Kidder
Esta dissertação baseia-se no tema central de uma apresentação feita ao
Conselho de Serviços Humanos do Nordeste da Flórida, uma organização de
entidades sem fins lucrativos. © 1993 do Instituto pela Ética Global.
A ética não é um luxo e tampouco uma opção. Ela é essencial para a nossa
sobrevivência. Para apoiar esse ponto de vista, permitam que eu lhes apresente três
afirmações, duas definições e uma conclusão.
Eis a primeira afirmação. Não conseguiremos sobreviver ao longo do século XXI
com a ética do século XX.
Por que afirmo isto? Bem, há alguns anos, em 1989, me vi de pé na manhã de uma
segunda-feira de março a algumas centenas de metros do muro do reator Número
Quatro da usina nuclear de Chernobil, na União Soviética. Relembrando aquela
experiência, posteriormente, e lendo os recortes de matérias publicadas na época
para ver o que mais havia sido escrito sobre o tema, constatei que provavelmente
eu fui o único jornalista do Ocidente a chegar tão perto de Chernobil. Fui levado até
lá na companhia de dois membros de uma equipe de emergência que havia
chegado logo após o acidente, em 26 de abril de 1986, para ajudar a limpar a
confusão. A precipitação radioativa daquele desastre foi detectada em todos os
países do mundo capazes de captar radioatividade na atmosfera. A explosão e seus
desdobramentos mataram milhares de soviéticos.
Por que aquele acidente aconteceu? Naquela noite de 1986, os responsáveis pela
sala de controle eram dois engenheiros elétricos - não engenheiros nucleares, mas
elétricos. Dizer que eles estavam "brincando" com os reatores talvez seja a maneira
mais branda de descrever o que aconteceu. Eles queriam ver o que aconteceria se
realizassem um experimento não autorizado. Segundo relatos dos soviéticos, eles
tentaram ver por quanto tempo a turbina continuaria girando se desligassem a
energia e, para desligá-la, precisaram desativar seis sistemas separados de alarmes
acionados por computador. Cada sistema avisou: “Parem! Não façam isso!
Extremamente Perigoso!" No entanto, em vez de desativarem seu experimento,
desativaram os alarmes. Quando meus amigos chegaram lá, descobriram que havia
válvulas travadas na posição aberta para não fecharem automaticamente e
interromperem o experimento. Isso nos dá uma idéia de como tudo ocorreu
deliberadamente.
Agora, a pergunta que me ocorre quando me lembro daquele incidente é a seguinte:
“O que estava se passando na mente daqueles engenheiros elétricos enquanto
faziam aquilo tudo?" Obviamente, eram pessoas inteligentes. A usina de Chernobil
oferece empregos muito bem remunerados, para os quais só são contratadas
pessoas que atingem a média aritmética de 4,0 na escala russa de qualificação
acadêmica, equivalente à pontuação 800 dos SAT1 , só alcançada por estudantes
de nível suficientemente elevado para fazer parte das Phi Beta Kappas2 das
universidades soviéticas. Aqueles dois sabiam o que estavam fazendo: se a questão
se resumisse aos seus conhecimentos, poderíamos dizer que eles estavam agindo
corretamente.
Sendo assim, o que aconteceu de errado? Parece-me que antes de desativar o
primeiro alarme computadorizado, eles precisaram desativar seu senso de ética. Em
algum ponto, foi necessário desligar a consciência antes que os sistemas de alarme
pudessem ser desligados. É impossível que eles não tivessem consciência das
possíveis conseqüências do que estavam fazendo. Chernobil não explodiu por falta
de conhecimentos, e sim por falta de ética.
Essa é uma questão crucial para o século XXI. No século XIX, não existia qualquer
máquina que pudéssemos colocar nas mãos daqueles engenheiros e dizer “façam o
que de mais amoral lhes vier à cabeça com esta máquina" com qualquer
probabilidade de provocar os danos causados por Chernobil. Para dar um exemplo
diferente, que carga poderíamos ter colocado a bordo do maior navio existente no
século XIX, sob a responsabilidade de um capitão embriagado e fazendo-o encalhar
no Estreito Príncipe William no Alasca, para provocar os mesmos danos causados
pelo petroleiro Valdez da Exxon? Ou, ainda, onde encontraríamos, no século XIX,
um sistema financeiro privado tão grande quanto o das instituições de poupança e
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Os Scholastic Aptitude Tests, testes de aptidão acadêmica aplicados, por algumas universidades
nos Estados Unidos, a estudantes que concluem o 2º Grau e desejam ingresar nas mesmas. N.T.
Sociedade de estudantes universitários de elevada qualificação acadêmica nos Estados Unidos.
N.T.
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crédito norte-americanas, para colocá-lo nas mãos de um Charles Keating e fazer
com que produzisse os mesmos prejuízos generalizados de bilhões de dólares
causados pela crise da S&L?
A questão é que a própria escala de nossos sistemas, a escala da nossa tecnologia,
está alavancando nossa ética de uma maneira jamais vista no passado, o que
representa um fenômeno novo. Todos os sistemas administrativos, sejam eles de
pequeno ou grande porte, têm, no ápice de sua estrutura, apenas um ou dois
indivíduos que efetivamente tomam as decisões. O que acontece na mente desses
indivíduos
determina
diretamente
a
utilização
do
sistema.
Assim,
independentemente do tamanho e do poder das tecnologias, elas são regidas pela
ética dos que estão no comando.
No século XXI, os problemas causados por Chernobil, pelo vazamento do petroleiro
Valdez da Exxon e pela crise da S&L serão insignificantes. Imaginem a escala de
nossas futuras tecnologias. Imaginem, então, a sofisticação ética necessária para
adminstrá-las. Esses são os fatos que me levam a afirmar que não conseguiremos
atravessar o século XXI com a ética do século XX. É necessário que ocorra uma
mudança significativa.
Isso me leva à minha segunda afirmação: não reunimos as condições necessárias
para promover essa mudança. Qual é a leitura do barômetro ético da nação? Bem,
existem alguns sinais positivos. Verificando o índice do jornal The New York Times
de 1969 a 1989, o pesquisador Deni Elliot, da Faculdade de Dartmouth, observou
que o número de matérias indexadas sob a palavra “ética" aumentou 400% nesse
período de 20 anos. Um outro sinal positivo é que, segundo pesquisas realizadas
pelo Instituto Gallup ao longo da última década, a proporção do público que
considera muito importante as pessoas terem “um rígido código de ética” aumentou
de 47% em 1981 para 60% em 1989. Em outras palavras, o interesse do público na
questão da ética está aumentando, bem como seu desejo de contar com uma ética
mais sólida.
No entanto , embora estejamos interessados na ética, não há sinais tão claros de
que estejamos efetivamente agindo no sentido de promovê-la na prática. Esse fato
fica particularmente claro se considerarmos nossas instituições educacionais. Uma
pesquisa realizada há cerca de dois anos pelo Grupo Pinnacle de Minnesota revelou
que 59% dos estudantes de 2º Grau entrevistados estavam dispostos a enfrentar
uma condicional de seis meses por uma transação ilegal que lhes rendesse 10
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milhões de dólares. Sessenta e sete por cento afirmaram: "Sim, pretendo
superdimensionar os gastos em meus relatórios de despesas para reembolso
quando entrar no mundo empresarial". Cinqüenta por cento afirmaram que
aumentariam suas reivindicações de pagamentos de seguros com itens falsos.
Sessenta e seis por cento afirmaram que mentiriam para alcançar um objetivo
comercial. Numa outra pesquisa, realizada pela organização Louis Harris para as
Bandeirantes da América, dois terços dos alunos de 2º Grau responderam
afirmativamente à pergunta “Você colaria para ser aprovada numa prova
importante?". E numa pesquisa patrocinada pela empresa Shearson-Lehman em
1992, 37% dos entrevistados na faixa etária dos 18 aos 29 anos afirmaram que a
“corrupção" era um meio importante para vencer na vida, enquanto 37% afirmaram
que a "fraude" era outro meio importante para o mesmo fim.
Considerem uma pesquisa que envolveu quase 16.000 alunos de 31 importantes
universidades, realizada pelo Professor Donald McCabe, da Universidade Rutgers:
76 por cento dos estudantes com pretensões de desenvolver carreiras empresariais
admitiram ter colado pelo menos uma vez numa prova. Noventa por cento admitiram
ter colado quatro vezes ou mais. Além disso, 68 por cento dos futuros médicos, 63
por cento dos futuros advogados e 57 por cento dos futuros educadores admitiram
terem colado em prova pelo menos uma vez .
Vocês podem pensar que estamos tratando apenas de estudantes, mas não é
verdade. Estamos falando de administradores de nível médio dos Estados Unidos
no ano 2020 - e de diretores-presidentes de empresas, senadores, deputados e
chefes de entidades beneficentes importantes no ano 2030. Estamos falando de
pessoas que estarão pilotando nossos aviões enquanto estaremos sentados em
nossas poltronas pensando: "Esse cara sabe realmente pilotar ou será que colou
em seus exames?” Estamos falando sobre as pessoas que estarão administrando o
seu fundo de aposentadoria.
Por que nossos estudantes pensam dessa maneira? Podemos constatar alguns
fatos importantes nas entrelinhas das respostas a outras perguntas incluídas na
pesquisa das Bandeirantes da América. Perguntou-se aos estudantes: “Qual seria,
na sua opinião, a autoridade de maior credibilidade para questões relacionadas à
verdade? O que você qualificaria como ‘a verdade’? Que é ‘a verdade'? Como você
sabe ‘a verdade'? Pouquíssimos dos entrevistados responderam “a imprensa” ou “a
ciência”. Alguns outros responderam "meus pais" ou “minha religião". A maioria, na
verdade, respondeu: "Eu. Não existe qualquer outra autoridade para a verdade além
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de mim mesmo. Se eu não achar que uma coisa é verdadeira, não há ninguém a
quem eu possa recorrer para saber o que seria a verdade". Comentário triste, na
minha opinião, sobre o estado da humanidade e da situação da educação de um
modo geral - uma triste falta de compreensão do fato de que a educação tem a ver
com a vida da mente, com o melhor que se sabe e se pensa no mundo, e com a
capacidade de aprender com outras pessoas e com a história.
Seria culpa dos jovens? Acho que não. O New York Times publicou uma matéria há
pouco tempo sobre um menino de dez anos que encontrou uma carteira na rua
cheia de dinheiro, cartões de crédito e identificação. Segundo o artigo, o menino
levou a carteira para a escola, onde não conseguiu encontrar ninguém - nenhum
professor, nenhum administrador - que se dispusesse a lhe dizer o que seria correto
fazer com a carteira. Essencialmente, todos disseram; "Puxa, não posso induzi-lo a
assumir meus valores, garoto. Quer dizer, se eu dissesse a você o que fazer, isso
não seria correto. Você precisa decidir o que fazer por conta própria, senão acabará
agindo segundo a minha ética e não a sua. Além disso, você é pobre e é óbvio que
esse cara é rico. Sua mãe pode ficar zangada se eu lhe disser para devolver a
carteira. Não, decida você mesmo.”
Mencionei esse exemplo em um jantar em um pequeno College da Califórnia,
contando a história e perguntando aos estudantes o que achavam. Todos eles, sem
exceção, disseram: "Aqueles professores e administradores estavam absolutamente
certos. Eles não podiam induzir aquele menino a assumir seus valores."
O que está acontecendo? Por que pensam assim? Por que nosso sistema
educacional gerou uma situação onde até os conceitos mais fundamentais de
honestidade, responsabilidade e respeito pelo próximo estão sendo ensinados?
Essa questão me leva à minha terceira afirmação, que é, simplesmente, a seguinte:
a dificuldade que estamos enfrentando é o que os filósofos chamam de relativismo
ético. Trata-se da noção de que nada é absoluto, de que não há valores comuns,
nenhum conjunto essencial de idéias morais que possa ser compartilhado e
compreendido. É a noção de que toda a ética varia de acordo com a situação, é
negociável, fluida e intensamente pessoal. Permitam que eu lhes dê um exemplo de
onde ela vem à tona: em reuniões de pais e professores. Digamos que os membros
da diretoria de uma escola comecem a pensar a respeito das grandes questões que
o mundo terá que enfrentar no próximo século e como moldar o sistema educacional
de modo a preparar as crianças para enfrentá-las da melhor maneira possível. Logo
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alguém se dá conta de que temos estado ensinando principalmente fatos as
crianças - fatos sobre o meio ambiente, fatos matemáticos ou fatos históricos - e
todos percebem que isso é bom, mas não suficiente, ou seja, que não
conseguiremos sobreviver no próximo século sem um senso ético mais aprimorado.
Então alguém sugere que as crianças devem aprender a desenvolver seu caráter e
um senso de ética adequado. Assim que a reunião chega nesse ponto, alguém se
levanta no fundo da sala e diz: "Mas vocês ensinarão a ética de quem?” Uma
pergunta para por fim à discussão ali mesmo. O que está por trás dela é a noção de
que não existe uma ética comum - e a postura de que “se você ousar ensinar ética a
meu filho, ele estará sendo induzido a assumir seus valores, o que eu não aceito de
forma alguma!”
Vamos, então, examinar essa questão do relativismo ético mais detalhadamente, já
que é o tema subjacente de muitos dos argumentos que vocês ouvirão ao
levantarem a questão da ética em nossos dias. Comece a falar sobre ética e logo o
nome de alguém que ficaria horrorizado de se ver usado dessa maneira é citado:
Albert Einstein. As pessoas adoram dizer: "Veja bem, Einstein provou que tudo é
relativo. Se nada é absoluto no mundo físico, por que algo deveria ser absoluto no
mundo da moral? Estamos no século XX. Não acreditamos mais em valores
absolutos e constantes."
Bem, da próxima vez que você encontrar aquela física simpática que mora no seu
bairro, pergunte-lhe o que aconteceria se ela fosse para o seu laboratório amanhã e
dissesse: "Bem, já que tudo é relativo, hoje vou definir a velocidade da luz...
vejamos, perto dessa medida aqui! E digamos que a Constante de Planck será esta,
que o número de Avogrado será este e que a aceleração provocada pela gravidade
será mais ou menos esta aqui." Pergunte-lhe que resultados ela obteria se
realmente acreditasse que Einstein estava dizendo que todas as coisas são relativas
e que não existem constantes.
Não acredite nesse argumento. Existem constantes no mundo físico. Mas será que
existem constantes no mundo da moral? Um amigo meu, que é professor da
Universidade de Stanford, sempre diz o seguinte aos seus alunos, quando levantam
a questão do relativismo ético: “Tudo bem, vou lançá-los de pára-quedas em algum
país sem dizer onde fica. Quando chegarem no solo, dirijam-se até a primeira
pessoa que encontrarem, tirem tudo dela e saiam correndo. E vejam o que
acontece." A menos que você caia em frente de um monge budista, leve sua tigela
de pedir comida e ele diga "é a lei do carma", você infringirá leis de propriedade
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diretamente. Nós as resumimos nos Dez Mandamentos como "Não Roubarás", mas
elas existirão em qualquer cultura na qual você caia.
Parece, então, que temos pelo menos um elemento moral universal: em todas as
culturas e em todos os povos, há uma profunda concordância em torno da noção de
que roubar é errado. Essa noção aparentemente constitui uma prova sólida da
existência de elementos éticos comuns. No entanto, o ensino da "ética" nos últimos
30 anos ignorou, em grande parte, esse fato tão claro. Ela foi ensinada sob um
regime descrito por educadores como o da “educação neutra em relação a valores".
Nesse regime, espera-se que o professor não tenha qualquer ponto de vista - que
ele seja uma espécie de robô sem princípios morais que leva os alunos a
"esclarecer" seus próprios valores sem nunca sugerir que existem conjuntos de
valores que o próprio professor nutre e pelos quais se orienta ou que são
amplamente aceitos como padrões. O fato de termos produzido um sistema
educacional onde nossos professores ouviram regularmente que não devem
assumir uma postura definida em relação a alguns desses princípios morais
fundamentais sugere a profundidade do problema que estamos enfrentando. Gary
Edwards, do Centro de Recursos Éticos de Washington, tem uma boa frase para
descrever essa situação: "Com esse tipo de ensino de ética e uma arma na mão,
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você esta pronto para assaltar a 7-Eleven ”.
É necessário, então, reconhecer que dispomos de um conjunto básico de valores
que podem e devem ser ensinados. E que valores seriam esses? Já descobrimos
um: a idéia de não roubar. Existiriam outros? Lembram-se da Regra de Ouro? Quem
disse "tudo o que desejarem que os homens lhes façam, façam o mesmo com eles,
porque esta é a lei e os profetas"? Foi Jesus. Mas quem disse “o que consideram
detestável, não façam com seu próximo. Essa é toda a lei: o resto é acessório"? É
assim que o Talmud coloca a questão. O Islã faz a mesma afirmação da seguinte
maneira: "Nenhum de vós será um crente se não desejar para seu irmão o que
deseja para si." Ou, como Confúcio afirmou, "Eis aqui a máxima de ouro: não fazer
com outros o que não desejamos que façam conosco". O mesmo pensamento está
presente no hinduísmo, no budismo, no taoísmo, no zoroastroísmo e em todas as
outras grandes religiões do mundo. Seria um princípio ético comum? Eu diria que
sim! Pode ser ensinado? Certamente que sim!
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Rede de lojas de conveniências. N. T.
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Bem, prometi que lhes daria duas definições úteis de "ética", de modo que aqui vão
elas . A primeira reside numa frase que usamos como subtítulo do relatório sobre
ética recentemente publicado pelo Terceiro Setor. Trata-se de uma frase de Lord
Moulton, um jurista britânico do século XIX, que descreve a ética simplesmente
como a "obediência ao que não é passível de punição por lei". Obediência ao que é
passível de punição por lei? Isso, ele afirmou, é um mero formalismo legal - uma
parte importante, mas somente uma pequena parte, da razão que nos leva a
comportar-nos de uma determinada maneira. Obediência ao que é passível de
punição por lei é o que nos impede de dirigir a mais de 100 quilômetros por hora
perto de uma escola. Você é multado. A obediência ao que não é passível de
punição por lei, no entanto, é o que nos impede de entrar num supermercado e,
quando uma velhinha está quase conseguindo pegar um último carrinho disponível
para fazer suas compras, empurrá-la para longe com o cotovelo, e pegar o carrinho
para nós. Não existe nenhuma lei que diz: “Você não pode roubar carrinhos de
supermercado de velhinhas." Você não faz isso porque as pessoas não fazem esse
tipo de coisa - devido a princípios de convivência em sociedade que, embora
adotados na prática, não são passíveis de punição por lei.
Esse conceito da ética como obediência ao que não é passível de punição por lei
ajuda a explicar algumas das coisas que vemos acontecer à nossa volta em círculos
regulamentadores e legislativos. É óbvio que nosso modo de agir será regulado de
uma ou de outra maneira - essa é a natureza da experiência humana. Nossa opção
se resume a sermos auto-regulados ou regulados por fatores externos. Quando eu
era um menino, não jogávamos lixo na rua pela janela do carro porque “as pessoas
não fazem coisas desse tipo". Hoje em dia, não se joga lixo na rua pela janela do
carro porque a multa por esse tipo de conduta é de 500 dólares. Por que? Porque se
descobriu que as pessoas fazem coisas desse tipo. À medida em que a ética da
auto-regulação foi sendo abandonada, a lei entrou correndo para preencher o
espaço vazio deixado por sua ausência. E será sempre assim. Se vocês se
perguntarem porque somos uma sociedade litigiosa, regulada por leis por todos os
lados, a resposta não seria, em grande parte, porque nossa ética foi perdendo sua
força e a lei foi trazida às pressas para substituí-la? O que era obediência ao que
não é passível de punição por lei tornou-se obediência ao que é passível de punição
por lei. A regulação por nossos bons hábitos foi substituída pela regulação imposta
pelos legisladores.
A segunda definição que eu gostaria de compartilhar com vocês está relacionada à
nossa preocupação com as definições encontradas nos dicionários para a palavra
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ética. Elas geralmente enfocam a ética no contexto da diferença entre o certo e o
errado. Francamente, para a maioria de nós, a ética é freqüentemente a batalha
entre o certo e o certo. Diante de um dilema ético, poucas pessoas pensam da
seguinte maneira: "Tenho, por um lado, o magnificente, o bom, o maravilhoso, o
puro e, por outro lado, tenho o medonho, o mal, o desprezível, o terrível - e estou
dividido entre eles.” Não é assim que pensamos. A partir do momento em que
definirmos o mal, ele é praticamente eliminado. Não passa por nossas cabeças, por
exemplo, que, para resolver um problema que temos com o presidente do nosso
conselho, só nos resta conversar com ele ou envenenar sua peixada.
Não posso me esquecer que também lhes prometi uma conclusão, de modo que
aqui vai ela após tudo o que conversamos. Vocês talvez não se surpreendam se eu
lhes disser que não existe o que se poderia chamar de “ética sem fins lucrativos", e
tampouco uma "ética médica”, uma "ética empresarial", uma "ética jurídica" ou uma
"ética jornalística". Só existe ética e nada mais. Ela se aplica a todas as áreas, em
todos os sentidos. Não se iludam pensando que uma pessoa pode ser antiética em
questões financeiras pessoais e, ao mesmo tempo, ético numa função de
administrador de uma entidade sem fins lucrativos. Não se iludam pensando que um
executivo pode ser um grosseirão com sua família e ao mesmo tempo um exemplo
das mais sublimes virtudes em seu trabalho. Não se iludam pensando que um
político eleito pode dizer; "veja bem, essa é a minha vida particular, que não deve
ser levada em consideração. Julguem-me como político." O público não se deixa
mais iludir com essa linha de raciocínio - como nossos políticos estão cada vez mais
descobrindo. A ética não pode ser dividida em compartimentos. Só existe uma ética
e nada mais.
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A Ética é uma Só