Capítulo 2 do livro: "O manual do Peregrino Moderno" de Peter Kreeft, Editora Ecclesiae O CÉTICO: É verdade que não existe nenhuma verdade? Imediatamente após deixarmos a caverna, o caminho bifurcou e, portanto, tivemos que parar para que eu decidisse qual a direção que iria escolher. Eu estava satisfeito neste ponto e Sócrates me perguntou por quê. Eu respondi: — Porque eu temia que o caminho fosse longo, árduo e monótono antes que algo acontecesse. — Oh, ele será longo. E pode ser árduo. Mas garanto que não será monótono. A cena com a qual me deparei foi a seguinte. Bem abaixo no caminho da direita, parecia existir uma abertura no teto ou forro da estrada subterrânea em que estávamos. A luz do sol brilhava através do buraco, misturada com poeira e neblina. Abaixo, no caminho da esquerda, bem próximo, outro tipo de luz emanava de um quarto brilhante, sem cor, de vidro e metal, cheio de telas de computador e teclados alinhados. O quarto era de uma limpeza cintilante e formidavelmente novo. Na porta para este quarto, acenando para mim, um homem em um manto branco como o de Sócrates, porém mais novo, limpo e evidentemente mais caro. Parecia mais magro, não obstante. — Ele é outro de seus amigos filósofos? — perguntei a Sócrates. — Somos amigos muito antigos — retrucou. É Protágoras, o sofista. Em breve você poderá vê-lo se transformar em J.G. Fichte, um filósofo mais próximo do seu tempo. — Outra reendoutrinação, eu suponho. — Sim. Eu sabia que tinha que ouvir Protágoras antes de decidir por mim mesmo que caminho tomar. O caminho da esquerda que me levaria para a sua sala, ou o da direita para continuar a minha aventura para «a grande saída». — O que você busca? — Protágoras me perguntou. — A Verdade — respondi. — Você a encontrou aqui — ele respondeu. — Porque ela está aqui nesta pequena sala cheia de computadores? — Porque a verdade é subjetiva, não objetiva. Cada um de nós, em sua sala, como esta. A verdade é a sua verdade. Não importa o que você acredita ser a verdade, ela é para você. O homem é a medida de todas as coisas. Eu estava um tanto perplexo pelo seu estilo dogmático, parecendo um pregador, mas eu tinha que investigar a sua filosofia. — Então você está me convidando para a sua sala? — perguntei com uma certa suspeita. — Não — ele respondeu — por que eu deveria impor a minha verdade sobre a sua? Você tem a sua própria sala e a sua própria tela de computador. Você gera a sua própria «realidade virtual» com ele. — Onde está a minha sala? — perguntei. — Você já está nela. Você sempre esteve e sempre estará. Você nunca poderá escapar de si mesmo. É lógica simples. Tudo que você pensa aparece na tela do seu computador pessoal, dentro da sala da sua consciência pessoal. Simplesmente não há saída. Assim, por bem, você pode parar de tentar encontrar uma. Eu estava contente que ele estava começando a soar lógico, mas depressivo por causa da sua filosofia. — E quanto à luz do sol ali, na estrada da direita, saindo daquele buraco no teto? Você diria que é apenas uma ilusão? — Tanto quanto esta sala é uma ilusão, nem mais nem menos — ele retrucou. — Não importa o que você vê ou pensa, está tudo na sua consciência. De outra forma, você não vê ou pensa a respeito. Então, a verdade está dentro da sua consciência, a única verdade que você poderá conhecer. Você já tem isso. Não há necessidade de viajar adiante. O argumento sofisticado de Protágoras e sua voz suave soaram muito convincentes. Por ora, eu me senti triste por minha jornada ter terminado tão cedo, e tolo por minha aventura atrás de uma «verdade objetiva lá fora» ter sido uma bobeira. Eu estava prestes a escolher o caminho da esquerda em direção a Protágoras, e acreditar no que ele havia me dito, quando a voz severa de Sócrates me interrompeu. Eu havia me esquecido dele por alguns instantes. — Podemos pensar sobre as opções de caminho antes de decidir? — Oh, claro — eu disse um tanto assustado. — Mas pensei que eu tinha acabado de fazer justamente isso. Parece não haver como refutar os argumentos dele. — Você pensou os pensamentos dele. Mas você não quer pensar outros? — Claro! Mas quais outros? O que ele disse parece ser uma verdade autoevidente que me compele a acreditar nela. — Compelido pelo quê? Pela lógica? — Sim, pela lógica. — Então você vai aceitar a lógica como sua professora? Você vai seguir a lógica do argumento não importa onde ela te leve? — Sim. — Ótimo. Vamos explorar a questão com um pouco mais de cuidado, exatamente onde o argumento leva, se você tiver paciência. Protágoras! — Sócrates virou e chamou seu amigo de longa data. — Você debateria comigo a grande questão da verdade subjetiva versus verdade objetiva aqui, na presença deste peregrino de tal forma que ele possa ver com maior clareza e decidir o seu caminho por conta própria? — Prefiro não fazer isso, Sócrates. Eu disse o que tinha a dizer. Agora é a sua vez de tentar virar de volta a mente dele. — O debate não é o seu estilo, não é, Protágoras? — Não, Sócrates. Eu prefiro fazer discursos belos e convincentes. — Eu não estou surpreso com isso. Se você não acredita em verdade objetiva, os debates se tornam meramente jogos, ou desafios pessoais. Para mim, o debate é feito de duas pessoas em busca da Verdade explorando qual das duas estradas realmente alcança o objetivo. Se você não acredita em objetivo, eu vejo porque você não quer acreditar em um debate sobre este assunto. Bem, — foi quando Sócrates se virou para mim — então você deve escolher entre o caminho da direita ou da esquerda. Mesmo que a Verdade objetiva exista, ou não. Estas são as suas duas possibilidades de escolha, não são? — É isso mesmo — eu disse. — Agora, como você entende o sentido dessas duas filosofias? O que você entende sobre «verdade subjetiva» e «verdade objetiva»? — Como Protágoras disse, verdade subjetiva significa algo que é verdade para você. — Como uma dor qualquer, ou uma dor de cabeça, por exemplo? — Sim. — Ou um sonho? — Sim. — Ou uma opinião? Uma crença? Por exemplo, eu posso acreditar que esta estrada se estende por mais de uma milha, e você pode acreditar que não. — Sim, todas essas coisas são subjetivas porque elas estão no sujeito, em mim, na minha mente. — E quanto à verdade objetiva? O que seria? — Se não existe, como poderia ser algo? — Eu não perguntei se era algo, apenas o que seria, se existisse. O que isso significa? — Mas as coisas irreais podem ter algum significado? — Claro! O termo unicórnio tem algum significado para você? — Sim. — Os unicórnios existem realmente? — Não. — Então coisas que não existem podem ter algum significado. — Sim. — O que «verdade objetiva» significa, existindo ou não? — O oposto de verdade subjetiva, eu acho. — E o que seria isso? — Algo independente de mim, da minha mente, das minhas opiniões, sentimentos, crenças, desejos e experiências. — Ótimo. Agora que temos uma definição simples e clara dos nossos termos, vamos tentar descobrir se existem ou não. — Bem, verdade subjetiva certamente existe. — Por quê? — Porque se não existisse, não existiriam pensamentos, opiniões ou sentimentos na minha consciência subjetiva. — Ótimo. Então concordamos que verdade subjetiva existe. E quanto à verdade objetiva? — Eu não sei. Como podemos descobrir que ela existe? Todo esse assunto não é puramente subjetivo? Algumas pessoas acreditam que sim e outras não. Se você acredita que sim, é verdade para você, e é isso. — Vamos ver se é isso mesmo. Podemos? — Como? — Vamos ver as consequências dessas duas filosofias. Se existe uma verdade objetiva, consequentemente as nossas verdades subjetivas, nossas opiniões, poderiam estar erradas, fora de alinhamento com a verdade objetiva. Não é assim? — Sim. E isso me parece boa razão para não acreditar em verdade objetiva. Nós poderíamos julgar, criticar e chamar as pessoas de «erradas», quando, de fato, seriam apenas diferentes. — Sim, essa seria a consequência. Se não existir verdade objetiva, não há padrão para julgamento e a verdade subjetiva falha em ser este padrão. — Exatamente. A verdade subjetiva — um pensamento — não é errada ou falsa; apenas é o que é. — Esta é uma conclusão necessária, sim. — E minha filosofia da verdade objetiva, também é apenas o que é. Não é mais falsa e nem mais verdadeira que a filosofia de Protágoras. — Oh! — Talvez você queira descompactar este «oh». — Parece que o subjetivismo refuta a si mesmo. — Como? — Diz que existe verdade no fato de não existir uma verdade. Ou que é objetivamente verdadeiro que não exista uma verdade objetiva. — Um momento! Interrompeu Protágoras. — Bom conselho — retrucou Sócrates. — É apenas subjetivamente que podemos dizer que não existe uma verdade objetiva. O que há de errado nisso? Onde está a contradição? Não há contradição! Proclamou de forma triunfante. — Mas, se existe apenas a verdade subjetiva de que não existe a verdade objetiva, isso apenas significa que você tem aquela opinião na sua mente, não que você está certo e Sócrates errado — eu disse procurando rebater com lógica. Todos nós concordamos que você tem aquela opinião. Nós não o estamos chamando de mentiroso. Sua filosofia é subjetivamente verdadeira, ou seja, ela é sua. Mas eu quero saber se ela é objetivamente verdadeira. E eu não posso saber isso se não existe uma verdade objetiva. — Mas você não percebe? — pleiteou Protágoras. — É apenas isso. Você não pode saber. Eu não digo que sei que não existe uma verdade objetiva como se fosse uma verdade objetiva. Eu apenas digo que você não pode saber. Percebe como sou modesto? Como esta posição não é dogmática? — Então é ceticismo e não subjetivismo, rotulou Sócrates. — Sim, disse Protágoras. — Mas não são igualmente autocontraditórios? Coloquei a questão, me apropriando da destreza lógica de Sócrates. — Como assim? — perguntou Protágoras. — Você agora sabe que apenas não sabe, certo? — Certo. — Você sabe que você apenas não sabe? — Sim. — Então você sabe. — Está certo então. Não, eu não sei. — Então você não pretende que o ceticismo seja verdadeiro. — Não. — Então você não está dizendo que você está certo e Sócrates errado. — Não. — Então porque eu devo escolher o seu caminho ao invés do dele? Protágoras não tinha resposta para este simples argumento, e eu pensei que se um principiante como eu o derrotou, o sofista mais famoso da Grécia, só poderia ser porque eu era um sábio ou porque ele era um tolo. E eu sabia que eu não era um sábio. Fiquei em silêncio por um momento, perguntando à minha mente se eu estava totalmente convencido. Para minha surpresa, não estava. Então eu me perguntei por que, e veio a resposta. Eu virei para Sócrates e disse: — Sócrates, eu estou convencido que este homem é um tolo, mas eu ainda não estou totalmente satisfeito. Nós mostramos que o subjetivismo é autocontraditório, mas não que a verdade objetiva existe. O nosso argumento tem sido totalmente negativo. Existe um positivo também? Por quais motivos eu deveria acreditar que a verdade objetiva realmente existe? — E quanto à sua experiência pessoal? — O que você quer dizer? — Você também já experimentou descobrir verdades objetivas que contradizem os seus sonhos e fantasias? Por exemplo, você sonha estar no Havaí e então você topa com um monte de neve e se vê na Nova Inglaterra. — Sim, claro. — Então você experimenta essas duas coisas e a diferença entre elas. — Sim. — Você diria que é a diferença entre ciência e arte? — Não tenho certeza. O que você quer dizer com isso? — Um artista — romancista, por exemplo — cria um mundo ficcional? — Sim. — E as coisas daquele mundo são verdadeiras apenas nele, não são? Por exemplo, na Odisséia existem Ciclopes e no Senhor dos Anéis existem Elfos. — Sim. — Elfos são verdadeiros no Senhor dos Anéis, mas não fora daquele mundo ficcional. — Sim. — Então você poderia chama-las de verdades subjetivas. — Tudo bem. — Mas verdades objetivas são descobertas, não criadas; pela ciência, não pela arte; no mundo real, não em mundos ficcionais. Coisas como lagostas, quasares e princípios como a lei da gravitação. — Isto parece uma distinção óbvia. Mas suponha que todas as ideias científicas são apenas subjetivas também. Suponha que a ciência é apenas outra forma de arte. Porque não pode ser assim? — Se fosse assim, porque nós só descobrimos ossos de dinossauros e nunca de dragões? — Ah, sim. Não é possível ignorar esta diferença. — E isto é uma diferença na sua experiência, não é mesmo? Eu falo da diferença entre criação e descoberta. A diferença entre compor uma ideia na sua mente e topar com coisas reais. — Sim, mas a verdade não é uma coisa. Nós queremos provar a existência da verdade objetiva e não de coisas reais, apenas. — Eu vejo que você já está ficando mais sutil, filosófico e demandante. — Sinto muito... — Não se sinta assim. Eu disse isso como um elogio. — Oh. — A sua questão merece uma resposta. Você já teve a experiência de topar com verdades objetivas com a sua mente, assim como topar contra coisas objetivas com o seu corpo? — Por exemplo? — Que duas coisas mais duas sempre formam um conjunto de quatro. E que todas as coisas caem naturalmente, não sobem. E que as árvores têm folhas. — Mas estas coisas são concretas, árvores e folhas. A verdade não é uma coisa concreta como uma árvore ou uma folha. — Está é uma boa distinção. Árvores são coisas materiais e as folhas também. Mas o fato das árvores terem folhas não é uma terceira coisa material. É uma verdade sobre aquelas duas coisas. — Sim. — E esta é uma verdade objetiva. Como a verdade que as pedras são duras. — Por algum motivo eu não me sinto absolutamente certo que estas verdades são objetivas — admiti. Eu tinha que ser totalmente honesto com minhas dúvidas, não importando quão estúpidas poderiam parecer. Neste ponto, Sócrates deliberadamente me empurrou de tal forma que meu pé bateu em uma rocha larga e pontuda. — «Ai!!» — gritei, agarrando o meu pé que sangrava (estávamos usando sandálias abertas). — Viu? — disse Sócrates gentilmente. — Você tem a experiência de um mundo externo. Um mundo que você não fez e que não pode mudar apenas com o pensamento. Eu estava quase convencido neste ponto, mas Protágoras, que aguardava a sua vez, deve ter visto que eu estava prestes a deixá-lo para sempre, e por isso, entrou na conversa em uma última tentativa: — Como você sabe que você não criou exatamente isso? Como você sabe que não mudou o mundo apenas pensando sobre ele? É claro que você pode. E você pode pensar em Sócrates, não pode? É claro que pode! Suponha que primeiramente você pensou em encontra-lo e depois você o encontrou. Pode ser que a primeira coisa causou a segunda. Pode ser que seu pensamento sobre ele criou o encontro com ele. — Isto está ficando ridículo — eu disse impacientemente. Mas para a minha surpresa, Sócrates me refreou e disse: — Paciência. Você precisa ter certeza. Se você não resolver todas as suas dúvidas agora, elas irão te perturbar depois, quando você estiver fortemente tentado a querer acreditar que não existe verdade objetiva. — O que você quer dizer? — Perguntei. — Eu quero dizer que chegaremos a discutir verdades sobre o bem e o mal, não apenas sobre árvores e folhas, e quando alguém elogiar você por fazer algo de bom, você irá querer acreditar que isso foi realmente uma boa ação, e que você realmente e verdadeiramente merece o elogio, não é mesmo? — Sim. — E quando alguém culpar você por fazer algo ruim, você vai querer acreditar que esta verdade é apenas subjetiva, apenas na mente de alguém, não vai? Não são nesses momentos que você quer acreditar que não existe nada bom ou ruim, mas que se tornam assim pelo pensamento? — Eu suponho que sim. — Então é melhor que decidamos este assunto agora, antes que retorne e torne tudo mais confuso, com os sentimentos do seu ego e algo mais. — Você está certo. Temos de ser honestos. — Agora, vamos responder a Protágoras. Algumas vezes topamos contra uma coisa depois de pensarmos sobre ela, não é? — Sim. — E às vezes topamos com alguma coisa antes de pensarmos sobre ela, não? Você queria dar uma topada com o seu dedão? Você planejou isso? Você se importou em fazer isso? — Não, não fiz. Se eu tivesse pensado sobre isso antes, eu teria evitado. — Então aquela pedra, e a topada, não podem ter sido causadas pelo seu pensamento sobre elas, porque você não estava pensando sobre elas. — Oh. Como é simples! — Diga—me, por experiência própria: o que acontece com a sua mente quando você dá uma topada contra o seu dedão? — As «teias de aranha» são arrancadas. — Você quer dizer os sonhos, fantasias, desejos e ideias falsas, certo? — Sim. — Você já topou o seu dedo em um dragão? — Não. — Por que não? Porque você nunca pensou sobre dragões? — Porque dragões não existem. — O meu argumento está dado. — Oh, você está obviamente certo, Sócrates. Tão certo como chove. Como poderia alguém em seu perfeito senso escolher o caminho de Protágoras? E com isso eu caminhei decididamente a passos largos pelo caminho da direita, com Sócrates acenando a cabeça em sinal de aprovação e Protágoras sacudindo a dele, de um lado para o outro, profetizando privadamente a minha condenação.