Richard Locke Dossiê Confiança e desenvolvimento local Recentemente, o tema da confiança, como fator explicativo da emer gência de cooperação entre indivíduos, tem sido intensamente explorado em vários campos das ciências sociais. A partir da década de 1990, atenção particular tem sido dada a esse fator na compreensão de processos locais de desenvolvimento econômico. O artigo de Richard Locke, que abre o nosso dossiê, não apenas constitui-se em uma ótima introdução ao tema, mas é também a exploração de uma possibilidade crucial, sobretudo para todos aqueles interessados em implicações para políticas públicas, qual seja a confiança pode ser construída? Reconhecendo a centralidade da questão, Maria Lúcia Maciel e John Wilkinson expõem, nos respectivos comentários, suas dúvidas, igualmente instigantes. Os Editores Econômica, v. 3, n. 2, p. 253-281, dezembro 2001 - Impressa em setembro 2003 251 Construindo confiança 252 Econômica, v. 3, n. 2, p. 253-281, dezembro 2001 - Impressa em setembro 2003 Richard Locke Construindo confiança * Richard M. Locke* * Introdução Nos últimos anos, houve um súbito interesse a respeito de confiança [trust] e dos diversos fatores que a promovem (isto é, capital social, associativismo e a existência de determinadas instituições-chave). De acordo com essa literatura, confiança é um fator importante para a prosperidade econômica (FUKUYAMA , 1995), para o desenvolvimento econômico (HUMPHREY E SCHMITZ, 1996) e para a eficiência dos arranjos organizacionais internos e entre firmas (MILLER, 2001; GIBBONS, 2001). Confiança e capital social também são vistos como os principais ingredientes subjacentes ao bom governo (PUTNAM, 1993, vários dos textos presentes em BRAITHWAITE E LEVI, 1998), à boa escola (COLEMAN, 1988; SCHNEIDER, TESKE E MARSCHALL, 1997), ao fornecimento de assistência médica de qualidade (CATTELL, 2001) e até à resolução de conflitos étnicos (VARSHNEY, 2001). Dadas as virtudes associadas à confiança e sua reconhecida escassez, uma questão central impõe-se, tanto aos acadêmicos quanto aos políticos: se a confiança pode ou não ser criada e, em caso afirmativo, como fazê-lo. Este artigo procura tratar dessa questão. O restante do trabalho é dividido em quatro partes. Primeiramente, irei rever de forma altamente estilizada as duas abordagens básicas ao estudo da confiança encontradas atualmente na literatura. Em segundo lugar, avançarei meu próprio argumento sobre como a confiança pode ser construída através de um processo seqüencial que combina interesses privados e políticas públicas. Em terceiro, ilustro esse argumento com a análise de dois casos de comportamento desse tipo em duas regiões supostamente desprovidas da mesma: o Sul da Itália e o Nordeste brasileiro1 . O artigo conclui com uma extrapolação dos estudos de caso, estabelecendo lições * Tradução do original em inglês: Pedro Rocha de Oliveira. Revisão: Carlos Augusto Vidotto. ** Sloan School of Management, MIT. E-mail: [email protected]. Econômica, v. 3, n. 2, p. 253-281, dezembro 2001 - Impressa em setembro 2003 253 Construindo confiança mais gerais a respeito da construção de confiança em locais onde ela inicialmente poderia não estar presente. Duas visões sobre confiança 254 Grosso modo, pode-se dividir a literatura sobre confiança em duas correntes ou perspectivas, cada uma associada a uma idéia diferente a respeito do que é confiança e das condições para sua manifestação2 . A primeira corrente é de natureza sociológica. De acordo com esta escola de pensamento, confiança é um produto de longo prazo de padrões históricos de associativismo, compromisso cívico e interações extrafamiliares. Devido a suas diferentes histórias, algumas sociedades seriam culturalmente mais dispostas à associação do que outras. Assim, lugares onde as pessoas sentem-se mais inclinadas a reunirem-se, formar clubes, organizar ligas de futebol, etc., também seriam os lugares onde elas estariam mais propensas a confiar umas nas outras, engajandose em ações coletivas para solucionar problemas comuns. O livro Making Democracy Work, de Robert PUTNAM (1993), ilustra esta linha de trabalho. Nele, o autor procura explicar as diferenças de comprometimento cívico e de eficácia dos governos regionais existentes entre as regiões do Norte e do Centro da Itália em relação ao Sul ou Mezzogiorno, lançando mão das diferenças entre os tipos de capital social existentes em cada região3 . De acordo com Putnam, os governos regionais são mais eficientes na parte Centro-Norte da Itália, pois nestes lugares conta-se com tradições cívicas melhor desenvolvidas. No Sul, os governos regionais são falhos porque não possuem como ponto de partida tradições históricas similares de associativismo, reciprocidade e confiança4 . Francis FUKUYAMA (1995) elabora seu trabalho sobre o de Putnam e argumenta que diferenças na performance econômica de diferentes países surgem de diferenças nas suas propensões culturais a criar relações de confiança para além das famílias nucleares. Nas sociedades em que os atores econômicos conseguem confiar em pessoas que não são membros de suas famílias e trabalhar com elas, constroem-se organizações maiores, mais burocráticas e mais eficientes, as quais, de acordo com Fukuyama, são necessárias à competi- Econômica, v. 3, n. 2, p. 253-281, dezembro 2001 - Impressa em setembro 2003 Richard Locke ção nas indústrias modernas de alta tecnologia e crescimento rápido. Isto explica porque algumas sociedades são caracterizadas por estruturas industriais menores, mais tradicionais e menos eficientes, enquanto outras possuem indústrias maiores, com mais capital e tecnologia 5 . A segunda tendência da literatura sobre confiança desloca-se para o âmbito da economia. Ao contrário do primeiro grupo de teóricos, que focaliza principalmente atributos sociológicos ou tradições históricas, a segunda tendência aponta, como elementos promotores desse tipo de comportamento, o interesse próprio [self-interest] de longo prazo e o cálculo de custos e benefícios de atores maximizadores de utilidade. De acordo com a formulação básica dessa visão, tais atores descobrem ser vantajoso cooperar com outros, orientados de forma similar, quando suas interações são repetidas, quando possuem informações completas a respeito de seu desempenho passado e quando há um número pequeno de atores (AXELROD, 1984). Robert Axelrod lança mão desta estrutura para descrever o comportamento cooperativo entre inimigos na I Guerra Mundial (idem, capítulo 4) e Eric VON HIPPEL (1987) utiliza a mesma abordagem para explicar por que firmas rivais algumas vezes cooperam, compartilhando segredos comerciais e outras informações relevantes para a competição. Têm surgido diversas elaborações e modificações a partir da estrutura original de Axelrod (veja-se NORTH ,1990, e HARDIN, 2001, para a discussão de algumas delas). GIBBONS (2001) soma efeitos de reputação a esta estrutura básica quando discute como uma estrutura de jogo repetido pode ajudar a explicar a existência de contratos relacionais, tanto dentro das firmas (entre empregados e gerentes) quanto entre firmas (produtores e seus fornecedores) dentro do mesmo setor da indústria. Avner GREIF (1998) soma as instituições políticas auto-reguladas ao conjunto de fatores que influenciam a cooperação ou não cooperação de atores maximizadores de utilidade, em sua análise das instituições políticas e dos padrões de crescimento econômico da Gênova do século XII. Elinor OSTROM (1990) utiliza-se de abordagem similar quando analisa casos de cooperação bem-sucedida entre atores envolvidos na criação de instituições de fundo comum de recursos, e Douglas NORTH (1990) enfatiza o papel fundamental que as instituições (tanto formais quanto informais) desempenham na mitigação dos problemas associados ao cenário básico Econômica, v. 3, n. 2, p. 253-281, dezembro 2001 - Impressa em setembro 2003 255 Construindo confiança 256 de jogo repetido e na promoção da estabilidade e da previsibilidade necessárias ao crescimento econômico. Entretanto, independentemente dessas modificações, o essencial de toda essa linha de trabalho é que a cooperação e o comportamento confiável [trust-like behavior]6 longe de serem um artifício cultural são uma resposta racional de atores individuais ao conjunto de oportunidades e limitações presentes em seu ambiente. Ambas as linhas de literatura sobre confiança devem ser levadas em conta na elucidação do papel importante que diversos fatores interesse próprio, instituições e a organização da sociedade civil desempenham na promoção e/ou sustentação da confiança. Claramente, a existência do interesse próprio encapsulado (HARDIN, 2001) é peça determinante de grande parte de nosso comportamento. Instituições fortes que asseguram domínio da lei, o cumprimento de contratos e a proteção dos direitos de propriedade (NORTH, 1990; GLAESER, JOHNSON E SCHLEIFER, 2001; JOHNSON, MCMILLAN E WOODRUFF, 2000) são, sem dúvida, importantes para o bom funcionamento da economia. E a importância de uma sociedade civil bem articulada, caracterizada por associações secundárias e redes de informação múltiplas e inter-relacionadas e por uma relação de reciprocidade com o governo, tanto no nível econômico quanto no nível político, também é intuitivamente admissível. Entretanto, ambas as versões da literatura sofrem de sérios problemas conceituais e empíricos que limitam sua utilidade na compreensão de como a confiança é criada, especialmente em condições adversas. A literatura a respeito desse tema sofre de três problemas básicos. Primeiramente, sua concepção dos fatores de sustentação da confiança é estática. Em segundo lugar, sua visão de como a confiança é gerada e sustentada a partir de uma lista de condições favoráveis é mecanicista. Finalmente, como resultado dos dois primeiros problemas, tal literatura é majoritariamente pessimista quanto às possibilidades de se criar confiança no contexto onde as condições favoráveis e/ou pré-requisitos de que eles supostamente dependem não estão dados. A maior parte da literatura sobre confiança é estática porque assume que padrões de associativismo e/ou de capital social vistos, por alguns, como os pré-requisitos da confiança são fixos no tempo e no espaço. Em outras palavras: porque a região Norte da Itália era mais cívica do que a Itália meridional no século XII, ela continua a sê-lo hoje em dia. Mas nós Econômica, v. 3, n. 2, p. 253-281, dezembro 2001 - Impressa em setembro 2003 Richard Locke sabemos, a partir de diversos relatos históricos, que este não é o caso. Sociedades com uma história prévia de conflito civil e político e de subdesenvolvimento e exploração ao longo do tempo têm sido capazes, através da construção política de novas coalizões e instituições, de desenvolver um comportamento confiável. Isto é precisamente o que aconteceu na terceira Itália, que no livro de Putnam aparece como marcada por engajamento cívico e capital social ao longo das décadas de 1950 e 1960, e é também o que está acontecendo hoje no sul da Itália7 . Assim, os padrões de associativismo e capital social não são regras rígidas e imutáveis mas, ao contrário, são certas vezes criados e outras vezes destruídos através das interações políticas de diferentes grupos da sociedade. A maior parte da literatura também é excessivamente mecanicista por tratar os pré-requisitos da confiança sejam eles institucionais ou sociológicos como variáveis homogêneas, binárias. De acordo com estes relatos, ou as sociedades possuem as instituições certas ou não as possuem. Ou elas possuem um estoque suficiente de capital social ou uma quantidade insuficiente dele. Mas nós sabemos por nossas próprias experiências, bem como pelos nossos anos de pesquisa, que isso não é assim. Nem todos os clubes e associações secundárias são iguais. Faz muita diferença falar-se de grupos de juventude nazista ou do Rotary Club (BERMAN, 1997). Como ilustrou Suzanne Berger há anos atrás, em sua pesquisa sobre as organizações de camponeses franceses, alguns clubes e associações agregam as pessoas de tal forma que as ligam a outros grupos e instituições da sociedade, enquanto que outras organizações agregam as pessoas de forma a torná-las isoladas dos outros grupos diversos da sociedade. Da mesma forma, GRANOVETTER (1973, 1982) demonstrou como a estrutura de conexões ou laços entre os grupos determina a quantidade e qualidade de informações trocadas entre eles. Assim, a contagem dos clubes ou associações não é o suficiente. Precisamos saber algo mais decisivo a respeito dos traços qualitativos destes clubes, o que acontece dentro deles, como eles agregam seus membros e que tipo de conexão eles desenvolvem com outros grupos e instituições da sociedade. O que é válido para jogos repetidos também se aplica a confiança. Ter uma boa reputação ou dispor dos apoios institucionais corretos, por si mesmo, não induz os indivíduos racionais à cooperação, mesmo quando é Econômica, v. 3, n. 2, p. 253-281, dezembro 2001 - Impressa em setembro 2003 257 Construindo confiança 258 seu interesse próprio fazê-lo. A história está repleta de episódios de desastres que poderiam ter sido evitados se os atores relevantes tivessem simplesmente cooperado. Da mesma forma, os esforços para induzir esta cooperação por meio de engenharia constitucional e/ou incentivos seletivos freqüentemente falharam. Ao contrário, em outras sociedades onde estas instituições supostamente fundamentais não estavam presentes, um comportamento confiável tem se manifestado há muito tempo. Assim, não há qualquer relação automática ou mecânica entre a presença das instituições certas e a existência de confiança entre os atores econômicos. Finalmente, ambas as variantes da literatura sobre confiança são majoritariamente pessimistas. Qual é o destino de todos aqueles lugares do mundo que não possuem nem as leis/instituições apropriadas nem os prérequisitos sociológicos da confiança? Será que estes lugares os quais entendo constituírem a maioria do mundo estão fadados a um futuro de pobreza, subdesenvolvimento, corrupção e governo ineficaz? Este artigo avança uma resposta alternativa e mais otimista a esta questão. Ele sugere que a confiança pode ser construída, mesmo em situações adversas, por meio de um processo seqüencial que combina ação de interesse próprio, política governamental e o desenvolvimento de mecanismos de autogovernança. Mas, antes de elaborar este argumento, gostaria de deixar clara a definição de confiança empregada neste artigo. Definindo confiança Conforme apropriadamente ilustrado por HARDIN (2001), as definições e concepções de confiança são numerosas e muitas vezes contraditórias. De acordo com o Webster Dictionary, o termo trust significa a crença firme na honestidade e confiabilidade de outrem. (1984: 641) Em outras palavras, trata-se de um atributo pessoal. Algumas pessoas são confiáveis [trustworthy] e outras não. Diego GAMBETTA (1988, 219) oferece uma definição alternativa. De acordo com ele, confiar em uma pessoa significa acreditar que, uma vez oferecida a chance, ela não se comportará de forma a nos prejudicar. Confiança, nessa definição, é situacional e/ou relacional, algo que se desenvolve entre dois ou mais atores em um contexto ou relacionamento particular. Para os propósitos do presente artigo, que Econômica, v. 3, n. 2, p. 253-281, dezembro 2001 - Impressa em setembro 2003 Richard Locke enfoca a confiança e seu impacto no desenvolvimento econômico, trabalharei à luz da definição de Gambetta, afirmando que os atores econômicos manifestam confiança quando, em situações de informação incompleta e incerteza (as quais, eu acredito, caracterizam a maioria das situações econômicas do mundo), estes atores expõem-se apesar disso ao risco de comportamento oportunista porque têm razões para acreditar que os outros atores não tirarão proveito dessa oportunidade. Resumo do argumento: confiança pode ser construída O que este artigo procura estabelecer é que confiança pode realmente ser construída, através de um processo seqüencial que combina elementos de interesse próprio encapsulado (HARDIN, 2001), intervenção governamental e o desenvolvimento de mecanismos de autogovernança e monitoramento pelos próprios atores (OSTROM, 1990; GREIF, 1997). Assim, meu argumento a respeito de como a confiança pode ser construída depende e combina elementos da literatura discutida acima. De forma similar aos teóricos do jogo repetido, eu também acredito que o comportamento confiável, conforme se manifesta no comportamento cooperativo entre atores maximizadores de utilidade, começa com o interesse próprio. Como HARDIN (2001) indica convincentemente, apesar de algumas pessoas cooperarem e/ou agirem de forma confiável por causa de afeto ou mesmo compromisso moral, a maioria de nós inicialmente aproxima-se dos outros porque acredita que é de nosso interesse próprio fazê-lo. Entretanto, há limites para esta forma de cooperação. A maioria de nós sente-se inclinada a cooperar apenas com pessoas que já conhecem, ou que são suficientemente parecidas conosco, ou mesmo que possuam boa reputação. Em diversas situações do mundo real, entretanto, informações completas a respeito de parceiros em potencial não estão disponíveis, não estando dadas tampouco quaisquer certezas a respeito das circunstâncias que compreendem a interação. Muitas vezes, nossos parceiros são diversos, e podem não apenas ser diferentes de nós, mas também diferentes entre si (heterogêneos). Além disso, algumas vezes, a cooperação entre pequenos grupos de atores de orientação similar pode levar a cartéis, o que pode beneficiar os membros do cartel, mas prejudicar o resto de nós. Dado Econômica, v. 3, n. 2, p. 253-281, dezembro 2001 - Impressa em setembro 2003 259 Construindo confiança 260 que este artigo está interessado na confiança e em suas conseqüências benéficas para o desenvolvimento econômico, sugiro que um elemento importante para a construção da confiança seria uma participação ativa da política governamental. COHEN E ROGERS (1992, 1995) afirmaram que associações secundárias com certos atributos (responsabilização da liderança perante o grupo, capacidade de inclusão dos membros no grupo, modos cooperativos de interação com outros grupos) têm maior probabilidade de agregar e representar interesses de forma a facilitar uma atuação democrática do que outros grupos com traços qualitativamente diferentes (relações hierárquicas no interior do grupo, preocupações provincianas, política conflituosa). Aqueles autores também sugerem que o governo pode utilizar uma série de incentivos seletivos para artificialmente moldar grupos e associações de acordo com estes traços. No seu livro sobre o desenvolvimento industrial no Brasil, na Índia e na Coréia, Peter EVANS (1995) ilustrou as possibilidades da sinergia Estado-sociedade, a qual resulta de uma combinação de intervenção estatal e esforços cooperativos privados. Com base em ambas as agendas de pesquisas, afirmo que os esforços cooperativos iniciados por atores agindo em seu próprio interesse têm maior probabilidade de se tornarem organizações mais abrangentes e responsivas, produzindo benefícios não apenas para seus próprios membros como também, mais amplamente, para a comunidade, quando a política governamental intervém para reforçar este comportamento. Conforme ilustrado pelos casos abaixo, as agências governamentais são muitas vezes capazes de cumprir este objetivo oferecendo um bem público ou quase público que diretamente beneficia o grupo em troca da capacidade de inclusão e receptividade do grupo. A intervenção governamental, entretanto, é insuficiente para garantir a função contínua destes esforços cooperativos. Ainda que a política governamental possa ser de importância crítica nos primeiros estágios de desenvolvimento de uma associação (ajudando a torná-la uma organização abrangente, receptiva e internamente democrática), estas mesmas intervenções também podem criar problemas para tais esforços coletivos. Na medida em que empreendimentos cooperativos se transformam de entidades menores e homogêneas em organizações maiores e por certo mais diversas e heterogêneas internamente, as possibilidades de ocorrência de Econômica, v. 3, n. 2, p. 253-281, dezembro 2001 - Impressa em setembro 2003 Richard Locke negligência, trapaça e outros comportamentos oportunistas da parte de membros isolados aumentam significativamente. Esse comportamento oportunista pode ameaçar todo o esforço cooperativo. Com base nos insights de OSTROM (1990), eu concordo que o governo não possui o knowhow e muito menos a capacidade de intervir e continuamente monitorar o comportamento dos membros individuais. Ao invés disso, as próprias associações precisam desenvolver seus mecanismos de autogovernança de modo a assegurar que seus membros possam comportar-se de forma confiável e cooperativa. Como resultado, o terceiro passo no processo de construção de confiança é o desenvolvimento de um conjunto de mecanismos internos de monitoramento e autogovernança que asseguram a estabilidade e a longevidade destes esforços cooperativos. Comparo tal processo a um projeto de construção no qual cada estágio é importante e necessário para que se possa completar o projeto satisfatoriamente. O interesse próprio dos atores estabelece o fundamento de todos os esforços coletivos confiáveis [trust-like]. É isto que aproxima os atores no início e também o que os mantém juntos. Sem isto, nossa estrutura fica armada sobre solo incerto, não sendo firmemente enraizada em sua realidade. A intervenção governamental assegura que nossa estrutura funcione como manda o figurino e, portanto, esteja pronta para existir dentro de seu meio e não a suas expensas. Finalmente, os mecanismos de autogovernança fornecem a infra-estrutura que permite que nossa estrutura funcione e se sustente mesmo muito tempo depois de a primeira pintura começar a descascar. Para ilustrar este processo de construção da confiança, as próximas seções analisam dois casos de comportamento confiável em duas regiões freqüentemente representadas como desertos de confiança, onde nenhum dos pré-requisitos ou condições favoráveis básicas para a cooperação estão presentes: o Sul da Itália e o Nordeste do Brasil. Cooperação em Campania: a construção de confiança entre os produtores de mozzarella de búfala no sul da Itália8 Desde a fundação do estado italiano, há 130 anos, o problema mais importante que desafia o país é o assim chamado Problema do Sul. O Sul da Itália, também conhecido como Mezzogiorno, com seus 21 milhões de habitantes, possui uma taxa de desemprego média de 22% (a média Econômica, v. 3, n. 2, p. 253-281, dezembro 2001 - Impressa em setembro 2003 261 Construindo confiança 262 nacional é de cerca de 9%; nas regiões central e setentrional, fica por volta de 5-6%) havendo uma diferença de renda per capita de 45% com relação ao Centro-Norte (BARCA, 2001). Para remediar estes problemas, o governo italiano estabeleceu uma agência especial, a Cassa per il Mezzogiorno, em 1950. Tendo por modelo o Tennessee Valley Authority dos Estados Unidos, a Cassa procurou promover o desenvolvimento econômico no Sul da Itália. Entre 1950 e 1992 (quando a Cassa, em suas diversas encarnações, foi finalmente fechada), bilhões de dólares foram transferidos do governo central em Roma de modo a desenvolver a infra-estrutura da área, mudar empresas estatais para o Sul e oferecer diversos incentivos para firmas do Norte da Itália que desejassem estabelecer novas instalações no Sul. Os resultados, entretanto, foram na melhor das hipóteses mínimos (TRIGILIA, 1992). Apesar de certas diferenças de renda, emprego e qualidade dos serviços sociais entre o Norte desenvolvido e o Mezzogiorno terem aparentado uma diminuição durante os anos de 1960 e 1970, desde a década de 1980 estas diferenças novamente alargaram-se. De fato, foi indicado por alguns autores que todo o esforço governamental de promover o desenvolvimento econômico no Sul através da Cassa não apenas falhou, mas também exacerbou os problemas do Mezzogiorno, criando maiores oportunidades para corrupção e clientelismo (TRIGLIA, 1992). Como resultado de sua longa história de atraso e dos diversos problemas sociais associados com ele, o Sul da Itália foi caracterizado igualmente por estudiosos italianos e estrangeiros como o caso paradigmático de uma sociedade de baixa propensão à confiança. Edward BANFIELD (1958) argumentou que os problemas do Mezzogiorno deveram-se à relutância, ou talvez à inabilidade dos italianos do Sul de cooperarem, de comprometerem-se em ação coletiva inabilidade esta que seria um produto de sua ética familista amoral. Robert PUTNAM (1993) retratou o Sul italiano como sendo deficiente em capital social e, portanto, afligido por um governo fraco e serviços sociais de baixa qualidade. Entretanto, desse deserto de confiança, desta terra de corrupção, clientelismo, criminalidade e atraso, emergiram alguns casos extremamente interessantes de comportamento confiável. E, a partir destes esforços cooperativos, um desenvolvimento econômico significativo está tendo lugar.9 Um dos casos é o Consorzio di Tutela di Mozzarella di Bufala Campana Econômica, v. 3, n. 2, p. 253-281, dezembro 2001 - Impressa em setembro 2003 Richard Locke (que chamarei simplesmente de Consorzio), localizado na região de Campania, no Sul. A apenas uma hora de carro de Roma, a capital da Itália, Campania é uma das oito regiões que compõe o Mezzogiorno subdesenvolvido. Com uma população de cerca de 5,8 milhões de pessoas, Campania abriga alguns dos melhores destinos turísticos italianos: Pompéia, Capri, Nápoles e a Costa de Amalfi. É também uma região famosa pelo crime organizado, bem como pela corrupção dominante e o clientelismo (CHUBB, 1982). Com uma taxa de desemprego oficial de 25,8% e um PIB per capta que atinge só 51% dos níveis registrados para as áreas do Centro-Norte (SVIMEZ, 1999), Campania tem a imagem de ser uma das regiões mais problemáticas da república italiana. O Consorzio está localizado em Caserta, o coração desta região. Ao redor do Consorzio, desenvolveu-se um ativo aglomerado [cluster] de produtores de queijo mozzarella de búfala. Cerca de duzentos produtores (de diferentes tamanhos), empregando aproximadamente vinte mil pessoas e produzindo cerca de US$500 milhões por ano em vendas a varejo, desenvolveram-se em uma área que era previamente subdesenvolvida e inabitável, dominada por pântanos infestados de malária. A história desta transformação ilustra como, mesmo nas circunstâncias mais adversas, confiança pode ser construída e produzir benefícios para a economia local. A produção de mozzarella de búfala possui uma longa história no Sul italiano, e especialmente na área ao redor de Caserta. Tradicionalmente, criava-se búfalo nas terras pantanosas ao redor de Nápoles, pois outros tipos de gado não sobreviveriam nos pastos de baixa qualidade e repletos de doenças. A mozzarella de búfala era vendida primariamente em mercados locais, em Nápoles e ao redor dela, sendo vista como uma fonte de proteína mais acessível para uma população que muitas vezes não podia comprar carne. A partir da década de 1960, entretanto, o número de búfalos e, portanto, a produção de queijo mozzarella, cresceu drasticamente10 . Entre os anos de 1960 e 1970 e, novamente, entre 1970 e 1980, o número de búfalos dobrou nesta área. A produção do leite de búfala e, conseqüentemente, a produção de queijo mozzarella, cresceu (veja Tabela 1). Na medida em que a produção de queijo mozzarella cresceu, os produtores começaram a vendê-lo além de seus mercados tradicionais, em diversas Econômica, v. 3, n. 2, p. 253-281, dezembro 2001 - Impressa em setembro 2003 263 Construindo confiança 264 cidades da região norte-central da Itália (por exemplo, Roma e Milão) bem como em outras cidades européias. Devido ao seu sabor inconfundível, a demanda por este produto era alta, e devido à sua oferta limitada, os produtores puderam pedir um preço significativamente alto por este produto. As margens de lucro ficavam ao redor de 25% neste setor. Entretanto, estas altas margens também geraram problemas para a indústria local, uma vez que atraíram a atenção de conglomerados agroindustriais do norte da Itália (por exemplo, a Parmalat e a Locatelli), que tentaram entrar neste setor, e também encorajaram alguns produtores locais a aumentar sua produção adulterando seu produto (misturando o leite de vaca menos caro e muito mais disponível). Isto, por sua vez, ameaçou a qualidade e identidade de toda a indústria local. Para lidar com estes problemas, quatro grandes produtores locais (envolvidos tanto na criação do búfalo quanto na produção do queijo) reuniram-se em 1981 para formar o Consorzio. Hoje, o Consorzio possui cerca de cem membros (50% do total de produtores) de diferentes tamanhos. Nos últimos vinte anos, o Consorzio teve um papel fundamental no desenvolvimento da indústria, promovendo inovações tecnológicas para a criação de búfalo e para a produção de queijo, estabelecendo procedimentos claros e padronizados para a produção de mozzarella de búfala, fazendo lobby junto ao governo para obter uma marca registrada regional (DOC) para a indústria local, organizando iniciativas coletivas de marketing e vendas e desenvolvendo um conjunto de mecanismos de monitoramento visando garantir a qualidade do produto. A primeira conquista do Consorzio foi uma lei de 1986 que resultou da formação de um lobby junto ao Parlamento. Esta lei determinou que todos os produtores de mozzarella de búfala deveriam individualmente embrulhar cada pedaço de queijo em um papel indicando o nome do produtor. Antes disso, a mozzarella era vendida em embalagens anônimas, tornando impossível monitorar os produtores individuais. Agora, cada pedaço de queijo estava ligado a um produtor individual, e esforços para combater a adulteração do produto tornaram-se viáveis. Em 1989, o Consorzio candidatou-se a uma Denominazione di Origine Controllata (DOC) do governo italiano. Este DOC, que é similar àquele que diversos vinhos possuem, é essencialmente uma marca registrada que identifica a Econômica, v. 3, n. 2, p. 253-281, dezembro 2001 - Impressa em setembro 2003 Richard Locke área geográfica de um produto, de modo a impedir que firmas de outros lugares utilizem a mesma marca quando vendendo seus produtos muitas vezes similares. Em 1993, o DOC foi concedido e o Consorzio ganhou o direito de supervisionar a utilização correta do DOC, realizar os controles necessários e interferir junto a todos aqueles que utilizassem este rótulo de forma ilegal. Em 1996, um reconhecimento similar foi concedido ao Consorzio pela Comissão Européia. A mozzarella de búfala é o único queijo do Sul da Itália a obter um DOC; os demais queijos assim contemplados têm sua origem no Norte (Gorgonzola, Parmigiano Reggiano). A obtenção do DOC foi uma grande vitória para o Consorzio e para a indústria local, uma vez que diminuiu a ameaça externa oferecida por grandes conglomerados do Norte (criando uma barreira eficaz à sua entrada) e, ao mesmo tempo, deu ao Consorzio a posição legal para disciplinar produtores individuais cujas técnicas de produção de aumento de quantidade poderiam prejudicar a reputação da indústria local como um todo. A quantidade de sócios do Consorzio aumentou dramaticamente depois que ele obteve o DOC: de quinze membros, no final da década de 1980, para cem membros em meados da década de 1990. De fato, em troca do DOC, o governo italiano exigiu que qualquer produtor de mozzarella de búfala da região da Campania pudesse se unir ao Consorzio. O ato de associação deveria ser voluntário, e as taxas variariam dependendo do nível de envolvimento no Consorzio (membros com poder de voto pagariam mais do que simples usuários da marca) e do tamanho dos produtores. Os membros do Consorzio devem seguir procedimentos de produção muito específicos, objetivando garantir o nível de qualidade de seu produto. O Consorzio procurou beneficiar-se dos procedimentos de controle de qualidade associados ao DOC, lançando uma campanha de marketing e vendas multimilionária, objetivando familiarizar clientes em potencial com a marca comercial, convencendo-os de que apenas os produtores afiliados ao Consorzio produziam a genuína mozzarella de búfala. A despeito da existência do Consorzio, e do seu controle sobre o DOC, a escassez do leite de búfala e as vantagens econômicas que podem ser alcançadas adulterando-se o produto ainda são um problema. Analistas da indústria estimam que a adição de um pouco de leite de vaca (que custa um terço do preço do leite de búfala) à receita poderia reduzir os custos de Econômica, v. 3, n. 2, p. 253-281, dezembro 2001 - Impressa em setembro 2003 265 Construindo confiança 266 produção significativamente, sem quase nenhuma alteração sobre o gosto do queijo (IL LATTE, 1993). Assim, firmas individuais poderiam unir-se ao Consorzio, utilizar seu rótulo DOC e então adulterar seu produto para aumentar os lucros e apenas os paladares mais refinados reconheceriam a diferença. Entretanto, se os consumidores descobrirem que o produto pelo que estão pagando um alto preço não é realmente pura mozzarella de búfala, eles simplesmente se recusarão a pagar este preço. E dado que o produto é identificado pela maioria dos consumidores pela sua origem geográfica, todos os produtores locais (tanto os cooperadores quanto os independentes) serão prejudicados. E isto realmente aconteceu no início da década de 1990. Entre 1987 e 1993, grupos de consumidores promoveram três investigações independentes sobre a mozzarella de búfala produzida por diversas companhias locais. Os testes descobriram que entre 33% e 60% das amostras analisadas eram, de fato, mozzarella de búfala adulterada (LA PIRA 1991, p. 100; IL LATTE 1993, p. 160). Os resultados ameaçaram toda a indústria local, uma vez que os consumidores (tanto locais quanto os de outros lugares) começaram e exigir uma diminuição do preço do produto. Para reverter esta situação, o Consorzio estabeleceu sua própria equipe de monitoramento e inspeção que periodicamente conduz visitas de surpresa aos produtoresmembros para testar a composição química de seu produto. Membros que estejam promovendo adulteração recebem uma multa de US$6 mil na primeira vez que são pegos, o dobro disso na segunda vez e são expulsos do Consorzio se forem pegos adulterando seus produtos pela terceira vez11. Como resultado deste processo de monitoramento e das sanções a ele associadas, o número de amostras adulteradas entre as firmas consorciadas diminuiu significativamente de 23% em 1993 (antes de o Consorzio ter adquirido o DOC) a 7% em 1997 (veja Tabela 2). Além de assegurar que os padrões de qualidade sejam respeitados por produtores locais, o Consorzio também trabalhou com o serviço de extensão em agricultura da Universidade de Nápoles para desenvolver maneiras de aumentar a oferta de leite de búfala, de modo a aumentar a produção de seus membros. Naturalmente, as búfalas têm filhotes (e, portanto, produzem o leite) no inverno (quando a demanda de mozzarella é baixa). Assim, no verão, quando a demanda é alta, o leite de búfala torna-se Econômica, v. 3, n. 2, p. 253-281, dezembro 2001 - Impressa em setembro 2003 Richard Locke especialmente escasso e caro. Para remediar este problema, o Consorzio trabalhou com o serviço de extensão em agricultura para introduzir novas técnicas, tais como ordenhamento mecânico entre os criadores de búfalo locais (o ordenhamento mecânico é muito mais produtivo) e novas formas de escalonar os nascimentos de novos búfalos ao longo do ano. Ambas as técnicas (agora empregadas pela vasta maioria dos produtores locais) levaram a um aumento na produtividade e no output dos produtores locais. Assim, ao invés de simplesmente coagir os produtores locais a participarem de seus padrões de qualidade, o Consorzio procurou ajudá-los a aumentar sua produção (e, portanto, as vendas e os lucros) de diversas formas. O Consorzio também encorajou os produtores locais a promover experimentos com técnicas de pasteurização, objetivando estender a vida do produto, de forma a tornar mais viável sua exportação para mercados distantes. Hoje, a mozzarella de búfala afiliada ao Consorzio pode ser encontrada em lojas dos Estados Unidos, Japão e América Latina. Finalmente, o Consorzio continua a promover projetos de propaganda e venda na Itália e no exterior. Uma visita à região revela claramente o sucesso destas diversas estratégias. Por toda a região de Caserta, podem ser encontradas firmas produtoras de queijo extremamente modernas e lucrativas, todas orgulhosas de sua afiliação ao Consorzio, e claramente beneficiando-se dela. A análise de como este comportamento confiável foi desenvolvido e sustentado na Campania, uma região famosa por sua falta de engajamento cívico, capital social e comportamento cooperativo, é a chave para nosso entendimento de como a confiança pode ser construída mesmo nas circunstâncias mais adversas. Mas antes de empreendermos esta análise, nos deteremos ainda em um segundo e igualmente impressionante caso de construção de confiança, ocorrido no Nordeste do Brasil. O comércio de manga em Petrolina-Juazeiro: a construção de confiança no Nordeste brasileiro12 Os nove estados que compõe o Nordeste brasileiro possuem uma longa história de pobreza, seca, subdesenvolvimento e corrupção. Com uma população de 45 milhões de pessoas e uma área equivalente ao tamanho da França, Alemanha e Espanha juntas, o Nordeste brasileiro concentra um terço da população do Brasil13. Um terço da população vive em absoEconômica, v. 3, n. 2, p. 253-281, dezembro 2001 - Impressa em setembro 2003 267 Construindo confiança 268 luta pobreza, e aqueles que têm a sorte de possuir um emprego na economia formal ganham cerca de US$100 por mês, o salário mínimo legal. Como muitas regiões cronicamente subdesenvolvidas do mundo, os nove estados do Nordeste são lendários por suas práticas clientelistas e pelos serviços públicos de má qualidade. Analfabetismo, mortalidade infantil, desigualdade econômica e prostituição infantil são abundantes nesta região. Em 1999, 53 de cada mil crianças com menos de um ano de idade morriam no Nordeste, apenas 32% dos lares possuíam água potável e esgoto e 27% da população adulta era analfabeta14. Em 1996, cerca de um terço da força de trabalho ativa trabalhava quarenta horas por semana e recebia menos que o salário mínimo legal15. Entretanto, também aqui, numerosas instâncias de comportamento confiável e desenvolvimento econômico emergiram nos últimos anos16. Um dos casos mais fascinantes é a associação de produtores Valexport, localizada em Petrolina-Juazeiro17. Petrolina-Juazeiro (que chamarei simplesmente de PJ) é uma área de cerca de 53 mil quilômetros quadrados, com uma população de um pouco mais de quinhentos mil habitantes, que fica na fronteira dos estados da Bahia e Pernambuco, na bacia do rio São Francisco. Na década de 1960, a região de PJ não era diferente da maioria das outras áreas rurais do Nordeste brasileiro. Sua população era pobre e sua economia era atrasada constituída primariamente pela atividade de meeiros e concentrando-se na produção de gado, algodão e lavouras de subsistência (principalmente feijão e milho). Em meados da década de 1990, entretanto, PJ tornou-se uma vibrante área de prósperas fazendas cultivando uma ampla gama de produtos agrícolas de alto valor agregado, exportados para mercados na Europa e Estados Unidos. No fim dos anos 1990, 90% das exportações de manga do Brasil e 30% de sua exportação de uvas de mesa vinham desta região. Cerca de duzentas firmas agrícolas de tamanho médio, empregando cerca de 40 mil trabalhadores assalariados, estão envolvidas no cultivo e exportação de diversos produtos agrícolas de alto valor agregado18. Os trabalhadores nesta área ganham cerca de 22% acima do salário mínimo e, ao contrário da maioria dos trabalhadores rurais do Nordeste, são trabalhadores registrados (formais), recebendo, portanto, benefícios adicionais (previdência social e seguro médico). Dois terços dos trabalhadores de PJ Econômica, v. 3, n. 2, p. 253-281, dezembro 2001 - Impressa em setembro 2003 Richard Locke são treinados em diversas habilidades, incluindo a utilização de equipamentos de irrigação, embalagem de frutas e poda de árvores. Estes trabalhadores recebem bônus por estas habilidades. A maioria dos trabalhadores está organizada pelo sindicato de trabalhadores rurais. Interessante notar que as relações entre empregados e empregadores em PJ são boas, e firmas de diferentes tamanhos colaboram entre si na promoção de diversos projetos coletivos. A evolução desta região oferece um fascinante estudo de caso em que atores sociais numerosos e heterogêneos, muitas vezes com interesses conflitantes, uniram-se e construíram novas instituições que levaram à melhoraria da economia local. DAMIANI (1999) documenta satisfatoriamente o importante papel que certas agências governamentais desempenharam na promoção desta transformação em PJ. Essencialmente, diversas agências governamentais, mas uma agência em particular, a CODEVASF, a agência federal criada para promover desenvolvimento econômico na bacia do rio São Francisco empregaram uma série de políticas não tradicionais para desenvolver a região. Não apenas a CODEVASF promoveu a eletrificação e irrigação de grande parte da região, mas também estabeleceu nesta área um grupo variado de fazendeiros. Em contraste com diversos projetos de reforma agrária e recuperação de terras, onde a terra é normalmente dada a camponeses sem-terra locais, a CODEVASF decidiu recrutar e assentar, ao mesmo tempo, camponeses sem-terra e empresas de agricultura de médio porte do Sul do Brasil (o tradicional centro de agricultura do país). A CODEVASF ativamente recrutou estas firmas privadas, encorajando-as não apenas a se estabelecerem em PJ, mas também a cooperar e compartilhar informações com os camponeses recém-assentados. A CODEVASF também criou um competitivo sistema de licitação para alocação dos pedaços de terra, e concedeu títulos de terra e direitos de água a produtores que demonstraram seu compromisso com o desenvolvimento da região. De forma similar à descrição de AMSDEM (1988) a respeito do processo de industrialização da Coréia, a CODEVASF cuidadosamente monitorou a performance dos produtores individuais, punindo-os (revogando seus títulos e desligando sua Econômica, v. 3, n. 2, p. 253-281, dezembro 2001 - Impressa em setembro 2003 269 Construindo confiança 270 água) caso não obtivessem sucesso na implementação dos planos de desenvolvimento que apresentaram quando do processo de licitação. Mas a maior parte do desenvolvimento da região também é um resultado dos esforços dos próprios produtores, especialmente através de sua associação local: a Valexport. Ela tomou a frente na coordenação dos esforços dos produtores locais para desenvolver e diversificar sua produção, exterminar pragas que atacavam as frutas, estabelecer e assegurar padrões de qualidade e facilitar as exportações para mercados estrangeiros. Criada em 1986, em parte como resposta a uma crise entre os produtores locais de melão, a Valexport foi fundamental na promoção de esforços coletivos entre os produtores da região. Antes da fundação da Valexport, não existia nenhuma associação ou autoridade que reunisse os produtores locais. Por causa disso, pouca ou nenhuma ação coletiva era desenvolvida. Os resultados foram desastrosos para muitos produtores locais. A crise sofrida pelos produtores de melão em PJ foi, em vários sentidos, um resultado de seu sucesso anterior. No início da década de 1980, PJ emergiu como um importante pólo de produção de melão no Brasil e também como sua principal exportadora de melões. Cerca de 10% da terra irrigada da região era dedicada à produção de melão. Devido ao clima favorável de PJ, melões com alta concentração de açúcar eram cultivados durante todo o ano. No início da década de 1980, parecia que a demanda por melões de PJ era ilimitada. Não importava quanto os fazendeiros locais produzissem, eles poderiam vender para atacadistas europeus. Entretanto, como foi o caso dos produtores de mozzarella de búfala, os bons tempos também estimularam alguns produtores locais a se engajar em práticas questionáveis. Na medida em que um grande número de fazendeiros começou a cultivar melões e novas firmas entraram no mercado de exportação, o controle de qualidade e de práticas de cultivo foi comprometido. Ao contrário dos produtores originais de melão, que tinham anos de experiência no cultivo e exportação deste produto no Sul, muitos dos novatos possuíam pouca experiência com ele. Os novos produtores plantavam diversos tipos diferentes de melão e faziam uma utilização irregular de fertilizantes e pesticidas. Conseqüentemente, a qualidade da produção local de melão começou a variar tremendamente. Melões de diferentes tipos, tamanhos e gostos começaram cada vez mais a serem cultivados pelos Econômica, v. 3, n. 2, p. 253-281, dezembro 2001 - Impressa em setembro 2003 Richard Locke produtores locais. Alguns destes novos produtores e exportadores dispensaram as práticas de controle de qualidade e acabaram exportando melões apodrecidos ou sem gosto para a Europa. Mas, assim como a mozzarella de búfala dos primeiros anos, os melões eram reconhecidos pela sua região ou origem (uma vez que nenhum produtor possuía uma marca suficientemente bem conhecida). Por isso, aqueles carregamentos de má qualidade acabaram ferindo a reputação de todos os produtores locais. De fato, na medida que novos carregamentos de melões de diferentes qualidades continuaram a chegar de PJ, atacadistas de fruta de Rotterdam começaram a reduzir os preços que estavam dispostos a pagar pelos melões. Por volta de 1996, os preços caíram a níveis tais que não cobriam sequer o preço de exportação dos melões. Isto resultou em um colapso do mercado de melões de PJ e uma onda de falências entre os produtores locais. Devido a esta experiência prévia, produtores de PJ decidiram que a cooperação era essencial para qualquer esforço futuro de exportação de seus produtos. Ao mesmo tempo, diversos produtores maiores começaram a cultivar uvas de mesa e mangas, planejando exportá-las para os Estados Unidos e Europa. De modo a não repetir os erros do passado, quatro dos maiores produtores da região formaram a Valexport. Em alguns meses, 43 membros adicionais uniram-se à associação. Hoje, cerca de duzentos produtores de diferentes tamanhos são membros da Valexport. Apesar da missão inicial da Valexport ser principalmente o levantamento de informações sobre mercados estrangeiros, a formação de lobby com as agências federais de assistência à exportação e o desenvolvimento de um programa de controle de qualidade que pudesse atingir toda a região, ao longo do tempo, a associação tornou-se ativa na coordenação de esforços de controle de pragas, organizando iniciativas coletivas de marketing e vendas, e promovendo o desenvolvimento e a diversificação dos produtos cultivados na região. O importante papel da Valexport para a indústria local pode ser ilustrado por suas diversas iniciativas dirigidas à erradicação da praga da mosca de fruta na região de PJ. Para que produtores estrangeiros de fruta possam exportar para os Estados Unidos, eles precisam receber a aprovação do departamento de agricultura deste país (o USDA US Department of Agriculture). Para que isto ocorra, o USDA precisa certificar-se de que Econômica, v. 3, n. 2, p. 253-281, dezembro 2001 - Impressa em setembro 2003 271 Construindo confiança 272 a região é isenta de moscas de fruta, o que exige a implementação de um programa de controle de pragas permanente altamente detalhado e custoso na região de exportação. Além disso, o USDA insiste para que produtores estrangeiros de manga conduzam um tratamento com água quente póscolheita que consiste em mergulhar cada fruta individualmente em água quente (116oF, ou 54oC) por até noventa minutos. Finalmente, os inspetores americanos (um para cada firma de exportação) devem pessoalmente testemunhar o tratamento pós-colheita e o empacotamento das frutas de modo a certificar-se de que todos os requisitos estão sendo cumpridos pelas firmas estrangeiras. É desnecessário dizer que este processo demanda muito tempo e é extremamente caro. Só o equipamento para tratamento com água quente custa US$150 mil, e as instalações aprovadas de embalagem e armazenamento normalmente custam US$500 mil. Além disso, cada firma de exportação precisa pagar o salário e outras despesas do inspetor da USDA durante o tempo em que passar promovendo a inspeção da colheita. E, o que é mais importante, o controle de pragas deve ser uma prática universal entre os produtores locais. Não importa quão rigorosamente a maioria dos fazendeiros trabalhem na eliminação das moscas de fruta de suas terras: se um de seus vizinhos relaxa em seus esforços, todos na região sofrerão. Dado o alto custo envolvido no processo de controle de pragas, é fácil imaginar como alguns fazendeiros sem dinheiro poderiam se sentir inclinados a reduzir os custos e comprometer os padrões sempre que possível. De modo a auxiliar os produtores locais em seus esforços por eliminar as moscas de fruta na região de PJ, a Valexport organizou uma série de encontros educacionais a respeito do processo de controle de qualidade para produtores locais. Ela também organizou um lobby com diversas agências governamentais para ajudá-la a implementar o programa de erradicação de moscas de fruta, primeiramente fazendo com que arcassem parcialmente com os custos de equipamento e pessoal associados a este programa. Isto, por outro lado, permitiu que a Valexport propiciasse este serviço para seus membros. Assim, apesar da maioria dos produtores locais não poderem arcar sozinhos com os custos do processo de controle de pragas, a Valexport conseguiu estender o emprego deste processo para todos, oferecendo-o coletivamente. E os esforços coletivos tiveram retorno. Em 1997, Econômica, v. 3, n. 2, p. 253-281, dezembro 2001 - Impressa em setembro 2003 Richard Locke já havia catorze produtores locais exportando mangas para os Estados Unidos. Além deste papel coordenador no programa de erradicação de moscas de fruta, a Valexport conseguiu reativar as exportações da região, primeiramente contratando experts para dar consultoria aos produtores locais e subsidiando o comparecimento dos produtores locais (ou de seus representantes) em feiras de negócios no exterior. Ela também desempenhou um papel fundamental no desenvolvimento da indústria local de uvas, organizando a associação nacional de produtores de uvas de mesa. A Valexport até mesmo desenvolveu uma marca única para comercializar as uvas de mesa brasileiras. Ao longo de todo este processo, o governo brasileiro, através da CODEVASF, ofereceu um suporte significativo à Valexport. A CODEVASF não apenas forneceu à associação um espaço para seu escritório inicial e pagou o salário de sua equipe nos primeiros anos, mas também ajudou a escrever o estatuto da associação. E, conforme descrito acima, a CODEVASF dividiu os custos do caro programa de erradicação de moscas de fruta da região, oferecendo à Valexport alguns dos equipamentos e ainda emprestando alguns agrônomos para ajudar os produtores locais a satisfazerem os padrões e procedimentos da USDA. Em troca de sua assistência, a CODEVASF insistiu que a Valexport estivesse aberta para receber todos os produtores locais que desejassem juntar-se à associação, independentemente de seu tamanho. De fato, de seu total de 201 membros, 134 são pequenos fazendeiros (antigos camponeses sem-terra) e 67 são firmas de agricultura particulares mais desenvolvidas. Em uma região muitas vezes caracterizada por sua sociedade civil pouco desenvolvida e pela falta de associativismo, o sucesso da Valexport é impressionante. Além de queijos e frutas: reflexões finais sobre a construção de confiança Este artigo sugere que a confiança pode ser criada, mesmo em contextos onde os supostos pré-requisitos e/ou precondições para tanto não estão presentes. Procurei ilustrar este argumento através de dois relatos de ação coletiva, um entre produtores no Sul da Itália e outro no Nordeste do Econômica, v. 3, n. 2, p. 253-281, dezembro 2001 - Impressa em setembro 2003 273 Construindo confiança 274 Brasil. Embora ambos os casos apresentados neste artigo estejam centrados na indústria de alimentos/agricultura, minha outra pesquisa inclui casos similares de cooperação entre produtores nas indústrias de calçados, vestuários, jóias e maquinaria. Em resumo, os resultados observados não são, de forma alguma, particulares ou derivados dos dois setores descritos acima. O que esses casos têm em comum é o processo através do qual a confiança foi construída em todos eles. Apesar dos desafios iniciais enfrentados pelos exportadores de fruta em Petrolina-Juazeiro serem diferentes daqueles dos fabricantes de mozzarella em Campania, o ponto central de seus problemas era o mesmo: o insucesso na cooperação prejudicaria a competitividade e talvez inviabilizasse a indústria local. Conseqüentemente, os produtores reuniram-se em defesa de seu interesse próprio. Também pode-se dizer que, em ambos os casos, a iniciativa foi tomada por um pequeno grupo de grandes produtores, precisamente aqueles que teriam mais a perder caso a situação não fosse corrigida. Em Caserta, quatro grandes produtores envolvidos tanto na criação de búfalo (produção de leite) quanto na manufatura de queijo juntaram-se para fundar o Consorzio, de modo a defender-se da dupla ameaça: de um lado, grandes firmas externas entrando na indústria local e, de outro, firmas locais adulterando o produto. Em Petrolina-Juazeiro, novamente, quatro dos maiores produtores reuniram-se para estabelecer a Valexport, de modo a impedir os enganos passados que levaram à destruição da indústria local de melões. Entretanto, em ambos os casos, as associações destes produtores rapidamente tornaram-se organizações mais abrangentes e, portanto, mais representativas. Como resultado de pressão governamental, tanto o Consorzio quanto a Valexport abriram suas portas aos produtores locais envolvidos nos mesmos setores. Assim, as duas associações logo agregaram uma mistura diversa de membros, tanto com tamanhos diferentes quanto, às vezes, com diferentes interesses. O que essencialmente aconteceu foi que agências governamentais fizeram um acordo com as associações destes produtores. Em troca do fornecimento de um bem público ou quase público a outorga do DOC no caso dos produtores de mozzarella de búfala no Sul da Itália e o extenso apoio técnico e financeiro para o programa de erradicação de pragas, no caso de Petrolina-Juazeiro o governo insistiu que estas associações abrissem suas portas e se tornassem corpos Econômica, v. 3, n. 2, p. 253-281, dezembro 2001 - Impressa em setembro 2003 Richard Locke realmente representativos. Isto faz todo o sentido uma vez que os governos democráticos não devem apoiar atores sociais seletos, mas sim todos os seus cidadãos. Entretanto, há numerosos exemplos precisamente desse tipo de apoio seletivo a atores industriais por parte de governos em todo o mundo (veja EVANS, 1995). Assim, o que estou afirmando não é que os governos de todos os lugares sempre agem de forma a encorajar as associações a tornarem-se mais representativas e abrangentes, e sim que a política pública pode desempenhar um papel positivo na construção da confiança precisamente por se envolver nesse tipo de troca. Finalmente, ambos os casos ilustraram a importância dos mecanismos de autogovernança para a manutenção e apoio dos esforços cooperativos dos produtores locais. O cuidadoso monitoramento conduzido pela Valexport foi essencial ao sucesso do programa de erradicação das moscas de fruta. Sem estes esforços e sem o fornecimento de serviços coletivos pela associação para todos os seus membros, o controle de pragas na região de PJ não teria sido possível. A checagem periódica e as sanções aos membros também foram essenciais ao Consorzio em sua tentativa de reduzir as práticas de adulteração entre seus membros. Se tais práticas tivessem continuado, a marca distintiva e, portanto, a fonte de competitividade da indústria como um todo teria certamente sido prejudicada. Em resumo, os três elementos o interesse próprio, a política governamental e a autogovernança das instituições foram essenciais na construção da confiança entre os produtores em Campania e em PetrolinaJuazeiro. Se é possível construir confiança no Mezzogiorno italiano e no Nordeste brasileiro, áreas freqüentemente retratadas nesse sentido como desérticas, em que estão ausentes todas ou a maioria das supostas precondições sociológicas de que dependem este recurso, então, certamente, há esperança para outros atores em outras regiões do mundo. Minha esperança é que este artigo nos ajude a olhar além de nossas noções preconcebidas a respeito das circunstâncias muito limitadas sob as quais a confiança pode existir, de modo a começarmos a imaginar como o comportamento confiável pode ser promovido em uma ampla gama de circunstâncias socioeconômicas e políticas. Econômica, v. 3, n. 2, p. 253-281, dezembro 2001 - Impressa em setembro 2003 275 Construindo confiança Tabela 1 - Evolução do setor de mozzarella de búfala (estimativas aproximadas) Ano Número de búfalos 1960 1970 1980 1990 1993 1996 27.000 55.000 103.000 143.000 151.000 170.000 Produção de leite de búfala (milhões de kg) 65,5 102 150 Produção de mozzarella (milhões de kg) 8,2 24,2 35,40 Fonte: Consorzio Mozzarella di Bufala Campana DOC Tabela 2 - O monitoramento e suas conseqüências para os membros do Consorzio Ano 276 1993 1994 1995 1996 1997 Número de amostras analisadas 165 194 214 199 % de resultados positivos (adulterados) 23% 15% 10% 11% 7% Expulsões do Consorzio 2 6 2 Fonte: Consorzio Mozzarella di Bufala Campana DOC Notas 1 Este artigo ampara-se em um projeto mais amplo a respeito de confiança e desenvolvimento econômico no Sul da Itália, no Nordeste do Brasil e na Alemanha Oriental. 2 HARDIN (2001) apresenta uma discussão muito mais abrangente e fascinante a respeito da literatura sobre confiança. 3 Numerosas críticas ao trabalho de Putnam foram levantadas. Veja, por exemplo, Making Social Science Work Across Space and Time : A Critical reflection on Robert Putnams Making Democracy Work, de Sidney TARROW (American Political Science Review, v. 90, n. 2, junho de 1996: 389-398) e Margaret Levi, Social and Unsocial Capital : A Review Essay of Robert Putnams Making Democracy Work in Politics and Society, v. 24, n. 2, março de 1996). Interessante notar que, em um estudo de 1995 sobre o associativismo no Sul da Itália, descobriu-se que algumas regiões do Sul possuíam tanta densidade associativa quanto regiões mais cívicas do Norte italiano. Infelizmente, estas regiões não são caracterizadas pela vitalidade econômica ou por bom governo. Ver Carlo TRIGILIA (ed.). Cultura e Sviluppo, Catanzaro: Meridiana Libri, 1995. 4 Pessoalmente, vejo no livro de Putnam um relato muito mais otimista de como confiança e capital social são construídos, baseado em seus capítulos que descrevem a evolução Econômica, v. 3, n. 2, p. 253-281, dezembro 2001 - Impressa em setembro 2003 Richard Locke dos governos regionais italianos e do aprendizado que se dá em seu interior. Esses capítulos de Making Democracy Work ilustram o processo mais incremental e seqüencial de construção de confiança entre atores políticos em locais onde previamente ela não existia. 5 Ver também LA PORTA, LOPEZ-DE-SILANES, SCHLEIFER E VISHNY (Trust in Large Organizations, in American Economic Review Proceedings, 1997), onde uma linha de argumentação similar é apresentada. Para uma visão alternativa a respeito do porquê de diferentes sociedades possuírem diferentes estruturas sociais, ver Michael PIORE e Charles SABEL (The Second Industrial Divide, New York: Basic Books, 1984), texto que também discute a competitividade relativa de firmas maiores com relação a firmas menores. 6 Doravante, exceto explícita menção em contrário, a expressão comportamento confiável corresponde, no original, a trust-like behavior (N. do R.) 7 Ver Carlo T RIGILIA , Grandi Partiti e Piccole Imprese: Comunisti e democristiani nelle regioni a economia diffusa (Bologna: Il Mulino, 1986); Richard M. LOCKE, Remaking the Italian Economy (Ithaca, N.Y.: Cornell University Press, 1995, capítulo 4); Suzanne BERGER e Richard LOCKE, Il Caso Italiano and Globalization, Daedalus, v. 130, n. 3, verão de 2001, p. 85-104; e Vittorio CAPECCHI, The Informal Economy and the Development of Flexible Specialization in Emilia-Romagna, in The Informal Economy (Alejandro Portes, Manuel Castells, Lauren Benton, eds., Baltimore: Johns Hopkins Press, 1989). 8 Esta seção baseia-se em pesquisa de campo feita no verão de 1998. A maior parte dos dados aqui relatados foi obtida a partir de entrevistas com produtores locais e representantes do Consorzio di Tutela di Mozzarella di Bufala Campana. Gostaria de agradecer a Tito BIANCHI, estudante de pós-graduação do Departamento de Estudos Urbanos e Planejamento do MIT, por seu auxílio na pesquisa relativa a esta parte do projeto. Algumas das descobertas feitas aqui foram utilizadas por Bianchi em seu próprio artigo, Development Discontinuities: Leaders and Intermediaries in Producers Associations, inédito, MIT, novembro 1999. Também gostaria de agradecer ao Professor Achille Flora da Universidade de Nápoles II, Campus de Capua, por compartilhar comigo seu conhecimento a respeito da indústria em questão. 9 Para maiores informações a respeito deste desenvolvimento, ver Richard LOCKE, Building Trust in a Rent-Seeking World, manuscrito em preparação. Para clarificar, vale dizer que não estou defendendo que o desenvolvimento econômico no Sul da Itália (ou, de fato, em qualquer outro lugar) só está associado ao comportamento confiável. Outras formas de desenvolvimento econômico, baseadas em maneiras bem diferentes de interação social, também emergiram no Sul. Eu as discuto em meu manuscrito. Para outras perspectivas sobre desenvolvimentos recentes no Sul italiano, ver BARCA (2001), BACULO (1996) e VIESTI (2000). 10 Esta é uma história interessante e, sob muitos aspectos, típica do Sul da Itália. Devido ao fato de as terras pantanosas ao redor de Nápoles serem vistas como prejudiciais à saúde pública, a Cassa financiou um projeto que objetivava recuperar estas terras, para então utilizá-las de forma mais produtiva como pasto para gado. Uma vez que os búfalos representavam o passado atrasado para os políticos italianos da época, eles desejaram substituí-los pelos diversos tipos de gado europeu. Entretanto, depois que as terras foram melhoradas, os fazendeiros locais continuaram criando seus búfalos nelas. Isto não apenas levou a um aumento no número de búfalos, mas também a um aumento na produção de leite (com pastos melhores, podia-se alimentar um número maior de animais, e cada animal conseguia produzir mais leite). Este aumento na oferta de leite Econômica, v. 3, n. 2, p. 253-281, dezembro 2001 - Impressa em setembro 2003 277 Construindo confiança 278 levou a um aumento de produção de queijo mozzarella, o qual, por sua vez, levou à expansão do mercado deste produto para além dos mercados locais tradicionais. 11 Entrevista com Vincenzo Olivero, Diretor do Consorzio, 27 de julho de 1998. 12 Esta seção ampara-se em pesquisa de campo conduzida no Nordeste brasileiro entre 1997 e 2000. O projeto, financiado pelo Banco do Nordeste, foi dirigido por minha colega, a Professora Judith Tendler (Planejamento e Estudos Urbanos, MIT) e por mim. Foram feitas centenas de entrevistas e visitas de campo em toda região nordestina. Foi feita uma análise de projetos econômicos nos setores de calçados, vestuários, tecidos, frutas para exportação e metalurgia. Oito estudantes de pós-graduação do MIT participaram deste estudo. A seção sobre o Valexport e Petrolina-Juazeiro amparou-se bastante na dissertação de PhD escrita por um destes estudantes, Octavio Damiani, baseada no trabalho de campo feito para este projeto. 13 Para uma descrição interessante do Nordeste, ver Judith TENDLER, Good Government in the Tropics, (Baltimore, Johns Hopkins University Press, 1997). 14 IBGE, Indicadores Sociais; e Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil. 15 IPEA, Brasil em Perspectiva, 1998. 16 Estes e outros casos são discutidos em Richard LOCKE, Building Trust in a Rent-Seeking World, manuscrito em preparação. 17 Para maiores informações sobre esta organização e o desenvolvimento de PetrolinaJuazeiro, ver Octavio DAMIANI, Beyong Market Failures: Irrigation, the State, and Non-Traditional Agriculture in the Northeast of Brazil, Dissertação de Ph.D., Departamento de Estudos Urbanos e Planejamento, MIT, fevereiro de 1999. 18 Além disso, também existem nesta área pouco mais de duas mil fazendas familiares, assentamentos dados a camponeses sem-terra. Interessante notar que grandes firmas particulares de agricultura e pequenas fazendas familiares colaboram em diversos projetos na região de PJ. Referências bibliográficas AMSDEN, Alice. 1989. Asias Next Giant: South Korea and Late Industrialization. Oxford: Oxford University Press. AXELROD, Robert. 1984. The Evolution of Cooperation. New York: Basic Books. BACULO, Liliana. 1997. Segni di industrializzazione leggera nel Mezzogiorno. Stato e Mercato, dic.: 377-418. BANFIELD, Edward. 1958. The Moral Basis of a Backward Society. New York: Free Press. BARCA, Fabrizio. 2001. New Trends and the Policy Shift in the Italian Mezzogiorno. Daedalus, Spring: 93-113. BATES, Robert; AVNER Greif; LEVI, Margaret; ROSENTHAL, Jean-Laurent; BARRY Weingast. 1998. Analytic Narratives. Princeton: Princeton University Press. Econômica, v. 3, n. 2, p. 253-281, dezembro 2001 - Impressa em setembro 2003 Richard Locke BERGER, Suzanne. 1972. Peasants against Politics: Rural Organization in Brittany 1911-1967. 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