IDENTIDADE NACIONAL ENTRE O DISCURSO E A PRÁTICA 1. Oliveira Martins, em 1887, na História da Civilização Ibérica, pretendia descobrir “os elementos trazidos ao corpo das nações espanholas pelos casos da história”, salientando a espontaneidade como sua nota caracterizadora mais significativa. E aduzia a seguinte argumentação: Os reinos, principados e condados que se vão formando na Espanha, à medida que a conquista avança sobre os territórios sarracenos, apresentam um aspecto absolutamente novo. Nem as tradições romanas por si sós, nem as germânicas, bastam para lhes avaliar a natureza, nem para lhes determinar a fisionomia. Ao lado e acima desses dois elementos, aparece uma condição especial à qual forçosamente hão-de subordinar-se. É a espontaneidade da formação. Tudo o que é tradicional está confundido, amalgamado, triturado, como se fossem matérias pulverizadas num gral4. Essa espontaneidade, se por um lado fragmenta, também conferirá realidade própria aos povos que desse acidente resultam. Um outro aspecto é a do isolamento e resistência que, porventura, não decorre apenas de condicionalismo mesológico em que a realidade da reconquista pesou. Interiorizada, desde cedo, a luta obstinada contra o “infiel”, malgrado as medidas integradoras que o poder político e, em parte, a sociedade inicialmente providenciaram, o certo é que a figura de Santiago mata Mouros renasce em Alcácer Quibir ou em Lepanto, entrando no imaginário e na piedade popular. E o mesmo aconteceria com os judeus. Numa configuração de estrita e unidireccional observância também não viríamos a saber ou poder receber como prática as opções conciliadoras erasmianas quando reformas cristãs de diferente sentido se apresentaram. A finisterra de que fomos feitos produziu uma permanente resistência ao que é exógeno, na razão directa de invocação de vivências, sentimentos e meditações próprias, mesmo que de expressão potencialmente universal, como acontece com a saudade. Sem conotação particularista pode eventualmente usar-se o conceito de portugalidade, no sentido de encarar Portugal como problema. Esse questionamento, sob o lema de decadência peninsular, esteve bem presente na mobilização da geração a que pertenceu Oliveira Martins e que se prolongou em sucessivas renascenças até à propriamente dita Renascença Portuguesa. Essas gerações interpretarão de modo contrapolar um mesmo problema: a ideia de Portugal5. Mas, malgrado, a feição mais 4 5 MARTINS, 1909: 157. CALAFATE, 2006:19 e ss. 67