CÂNCER ENTREVISTA Entrevista concedida a Edmilson Silva Futuro do tratamento do câncer aponta para o uso de supercélulas. Até lá, entretanto, os métodos tradicionais de prevenção não devem ser abandonados. Um conjunto de doenças reduzidas a uma das mais dolorosas simplificações taxonômicas que a literatura médica já foi capaz de criar, o câncer já não é mais sinônimo de morte, mas tem ceifado a vida de bilhões e bilhões de pessoas mundo afora. A batalha contra o câncer não é nova nem tão cedo irá acabar, graças aos estudos que não páram de ser desenvolvidos ou concluídos, em busca de ferramentas que atuem na prevenção dos tumores, como é o caso dos métodos de diagnósticos, cada vez mais sofisticados, graças à junção da biologia molecular e informática, por exemplo, muitos casos de câncer já podem ser controlados e até curados. Em outro flanco, a indústria farmacêutica aprimora-se mais e mais à custa de muito investimento em ciência e tecnologia, para criar drogas mais seguras contra esse grupo de doenças, em que a radioterapia e a quimioterapia continuam tão válidas quanto o auto-exame e a busca de um especialista, tão logo se apresentem sintomas clássicos dessa patologia. A tecnologia, aliada à divulgação quase que imediata de seus progressos, traz esperança aos pacientes portadores da doença, que, no futuro, de acordo com o presidente da mais conceituada entidade de assistência, pesquisa e ensino na área do câncer, o Inca - como é conhecido o Instituto Nacional do Câncer - , Jacob Kligerman, terá um potente adversário em um grupo especial de células. As supercélulas-tronco, como ele as chama nessa entrevista para Biotecnologia. O desafio para o futuro na luta contra a doença consiste na seleção das células-tronco e sua manipulação em laboratório, permitindo a expansão e utilização mais segura dessa tecnologia. Estas células podem ser modificadas, permitindo a construção de supercélulas capazes de reconhecer e destruir células tumorais. Células-tronco pluripotenciais para regenerar vários tipos de tecidos orgânicos poderão ser utilizadas ainda após tratamentos agressivos, permitindo a recuperação do indivíduo após cirurgias mutilantes, antecipa Kligerman. Dr. Jacob Kligerman é oncologista e um dos maiores especialistas mundiais em tumores da cabeça e do pescoço. É também um dos organizadores do 2o Congresso Mundial da Federação Internacional das Sociedades Oncológicas de Cabeça e Pescoço e do 8o Congresso Internacional de Câncer oral, que será realizado no Rio de Janeiro, entre os dias 29 de novembro e 02 de dezembro de 2002. 4 Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento - nº 28- setembro/outubro 2002 BC&D - A biotecnologia tem sido uma boa companheira na luta contra o câncer? Dê alguns exemplos dessa arma para a detecção de tumores. Kligerman - A ressonância nuclear magnética (RNM) e a tomografia com posítrons (PET) são métodos de imagem que podem vir a auxiliar na detecção precoce de tumores. É o caso, por exemplo, da RNM na detecção precoce de tumores de mama em mulheres jovens com mutação em brca1 e brca2, que as colocam num patamar de risco bem acima da população geral. Em função da juventude, essas mulheres possuem mamas densas, e a mamografia não é um método sensível o suficiente para detectar lesões, nesses casos. Os estudos, porém, estão nos estágios iniciais e não se pode recomendá-los fora de um contexto de pesquisa. Outros dois tipos de exames - de microarranjos (ou microarrays) e de proteomics - são muito promissores. Ambos se referem à caracterização molecular dos tumores, mas o microarrays leva em consideração as alterações nos genes específicos para cada tumor, possuindo a vantagem de analisar milhares de genes simultaneamente. Já o proteomics diz respeito às proteínas individuais de cada tumor e permite diagnosticar com maior precisão casos mais difíceis; prever respostas diferentes aos tratamentos administrados e, talvez, mais importante, desenhar tratamentos direcionados baseado nessas informações. Porém todas essas possibilidades precisam ainda ter demonstrada a sua eficiência em termos individuais e de saúde pública. BC&D - Ainda há controvérsias sobre o auto-exame de mama. Qual é a sua opinião sobre ele? Kligerman - Sabe-se que quanto mais cedo for realizado o diagnóstico de um tumor mamário, maior será a chance de cura da mulher. O auto-exame permite a detecção de tumor de mama numa fase inicial, possibilitando tratamento mais eficaz. Apesar de estudos não demonstrarem aumento de sobrevida com essa estratégia, trata-se de modalidade com várias vantagens para países como o Brasil: é barata; não exige tecnologia para a sua realização (apesar da necessidade da mesma nos desdobramentos do método) e não tem efeitos colaterais, salvo um eventual estresse emocional. Assim, a realização regular do autoexame pela população feminina brasileira seria um avanço no sentido de detecção de tumores menores do que aqueles atualmente encontrados nas consultas médicas. BC&D - Há alguma terapia preventiva para o câncer em portadoras de HPV, como o laser à base de CO2 (gás carbônico) que vem sendo empregado no Hospital São Luiz, em São Paulo, para o tratamento de lesões precursoras (do câncer do colo uterino)? As linhas de pesquisa a serem desenvolvidas prevêem a análise de banco de dados genéticos, visando ao estudo dos processos de gênese e desenvolvimento de células cancerosas e a modelagem de biomoléculas, com aplicação prática na área de Farmacologia Kligerman - Inicialmente deve-se entender que a infecção pelo HPV não significa a necessidade de tratamento imediato. Em 80% dos casos a infecção pelo HPV é passageira e a eliminação do vírus ocorre de forma espontânea, cabendo apenas o controle citopatológico. Nos casos em que o HPV produz uma infecção persistente, poderá ser produzido algum tipo de lesão precursora de baixo ou alto grau de malignidade. Em qualquer dos casos, a repetição do exame citológico poderá diagnosticar a alteração do colo do útero e a mulher será encaminhada para uma colposcopia, que visualizará o colo uterino através de uma lente de aumento. Na presença de lesão epitelial, a mulher será submetida a algum tipo de tratamento, de preferência não- destrutivo, que permita o exame histopatológico do material. O laser à base de CO2 pode ser utilizado como tratamento destrutivo do epitélio, ou, de maneira mais precisa, como instrumento de excisão da lesão, utilização em que seu uso é mais adequado. O laser de CO2, porém, por ser uma tecnologia cara, não é de fácil utilização em larga escala. Atualmente, o tratamento preconizado em nível mundial para estes tipos de lesões préneoplásicas é a utilização de bisturis de cirurgia de alta freqüência, mais baratos e de maior facilidade de utilização no nível ambulatorial. BC&D - O exame de captura híbrida para detecção do HPV é considerado mais eficaz que o exame de Papanicolau. Isto é verdade? E o primeiro já está disponível na rede pública? Kligerman - É bastante prematura a afirmação de que a captura híbrida seja mais eficaz do que o Papanicolaou, pois somente este último foi utilizado em larga escala e obteve resultados de redução de mortalidade por esta doença. O Ministério da Saúde, depois de amplas discussões em 2000, estabeleceu a realização de um estudo comparativo no âmbito do SUS, entre o rastreamento com a utilização da captura híbrida e o exame de Papanicolaou. Este estudo ainda está na fase de coleta de dados e os resultados deverão ser publicados no primeiro semestre de 2003. A captura híbrida, por não ser um método estabelecido de resultados finais conhecidos, ainda não é um exame incluído como procedimento padrão no Sistema Único de Saúde , como não é em nenhum outro país do mundo. BC&D - Quantos protocolos de pesquisa estão sendo feitos atualmente no Inca e quantos pacientes estão envolvidos neles? Kligerman - Atualmente, o Inca tem 18 estudos clínicos em andamento, e a expectativa para esse ano é ter entre 100 e 150 pacientes envolvidos neles. BC&D - Freqüentemente se ouve falar de novas tecnologias ou no- Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento - nº 28- setembro/outubro 2002 5 vas terapêuticas contra o câncer. Quais as mais importantes e que já estão disponíveis aos pacientes assistidos pelo Inca? O Glivec (laboratório Novartis), por exemplo, já está em uso na rede pública de saúde brasileira? Kligerman - O Inca tem padronizado os medicamentos e outros insumos médico-hospitalares que atendem suas condutas institucionais. Desde outubro de 2001, o tratamento da leucemia mielóide crônica teve seu protocolo e diretrizes terapêuticas estabelecidas pelo Ministério da saúde, que definiu todos os aspectos diagnósticos, terapêuticos e prognósticos dessa doença, inclusive os procedimentos compatíveis com todos os tratamentos indicados para essa doença, entre os quais se inclui Mesilato de Imatinibe (Glivec). BC&D - Desenvolvido por pesquisadores do University of Mississipi Medical Center, um teste com a saliva é a mais nova arma para a identificação precoce do câncer de mama. Esse teste, que quantifica uma proteína chamada c-erb-2, já está disponível no Brasil? Kligerman - Artigos desde o início da década de 90 abordam que a detecção de proteínas presentes na saliva poderiam indicar a presença ou recidiva de tumores, como o de mama. O conceito é muito interessante: uma forma não invasiva e um material de fácil obtenção. Entretanto, os estudos ainda estão em estágio muito embrionários, havendo necessidade de o método ser utilizado em um maior número de pessoas, e, principalmente, de uma comparação com métodos já estabelecidos, antes de se sugerir que essa é uma nova forma de detecção precoce de tumor de mama. BC&D - Além da biotecnologia, a informática tem se demonstrado excelente parceira no desenvolvimento de métodos de diagnóstico contra o câncer. Na área de informática, o que poderíamos destacar e o que estaria sendo desenvolvido pelos pesquisadores do Inca? Kligerman - O Inca, desde o ano 6 2000, desenvolve parcerias com o LNCC (Laboratório Nacional de Computação Cientifica) e Faperj (Fundação de Apoio à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro) para a montagem de um laboratório de Bioinformática no Instituto. As linhas de pesquisa a serem desenvolvidas prevêem a análise de banco de dados genéticos, visando ao estudo dos processos de gênese e desenvolvimento de células cancerosas e a modelagem de biomoléculas, As células-tronco já são atualmente utilizadas no tratamento de leucemias e linfomas, pois representam a forma mais antiga de terapia celular, empregadas desde os primórdios do transplante de medula óssea.O desafio para o futuro consiste na seleção destas células e sua manipulação no laboratório, permitindo a expansão e utilização mais segura com aplicação prática na área de Farmacologia. BC&D - É verdade que um dos efeitos colaterais do tamoxifeno seria o aumento do risco de câncer de útero? Kligerman - É verdade. Considerando-se que uma em cada mil mulheres pode, ao longo da vida, desenvolver câncer de endométrio (o tecido interno do útero), o tamoxifeno aumenta esse risco para duas a quatro em mil. Em termos absolutos esse risco é desprezível em face dos benefícios. Vale ressaltar que a maioria dos casos de câncer de endométrio relacionados com tamoxifeno têm um diagnóstico inicial, por estarem as mulheres em contínua assistência médico-hospitalar e, portanto, curáveis. BC&D - Então, apesar disso, vale a pena administrá-lo? Kligerman - Sim. O seu papel é muito importante no tratamento da doença Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento - nº 28- setembro/outubro 2002 avançada e da doença inicial, ou seja, com o câncer de mama já instalado. O que não está estabelecido é o seu papel na prevenção de câncer de mama. Nesse último cenário, o tamoxifeno é usado em mulheres sem câncer de mama, apenas com risco aumentado. Isso se chama quimioprevenção. Até o momento, os estudos não mostraram aumento de sobrevida das mulheres com essa indicação. Os benefícios da administração profilática desta substância, por outro lado, são muitos, como a redução do risco de reciviva do câncer de mama tratado em 50%, um índice que poucas medicações alcançam no tratamento do câncer de mama. Outro benefício do tamoxifeno é o aumento da densidade óssea, em mulheres após a menopausa, e uma melhoria do perfil lipídico. BC&D - Acaba de ser divulgado estudo, conduzido pela Women´s Health Initiative, condenando a Terapia de Reposição Hormonal (TRH), principalmente pelo fato dos riscos associados a ela de desenvolvimento de tumores nas usuárias. O Sr. concorda com isso? Kligerman - A reposição hormonal deve ser considerada como um tratamento. Todo tratamento tem a sua indicação e contra-indicação, além de efeitos colaterais que devem ser levados em consideração no momento da sua recomendação. A reposição hormonal é eficaz na prevenção de osteoporose e alívio de sintomas da menopausa, como fogachos e secura vaginal. Ao mesmo tempo, não mostrou benefício em termos cardiovasculares, havendo até mesmo aumento de efeitos cárdio e cérebrovasculares, e aumento do risco de câncer de mama. Vale ressaltar que os estudos anteriores de caso-controle e coortes, que sugeriam beneficio, caíram por terra quando estudos prospectivos e aleatórios foram realizados. A recomendação deve ser avaliada caso a caso. Em termos de saúde pública, não parece ser tratamento prioritário. BC&D - Além das tecnologias já disponíveis nessa longa jornada de luta contra o câncer, a terapia com células-tronco poderia ser mais um caminho contra os tumores? Kligerman - As células-tronco já são atualmente utilizadas no tratamento de leucemias e linfomas, pois representam a forma mais antiga de terapia celular, empregadas desde os primórdios do transplante de medula óssea.O desafio para o futuro consiste na seleção destas células e sua manipulação no laboratório, permitindo a expansão e utilização mais segura. Estas células podem ser modificadas permitindo a construção de supercélulas capazes de reconhecer e destruir células tumorais. Células-tronco pluripotenciais para regenerar vários tipos de tecidos orgânicos poderão ser utilizadas ainda após tratamentos agressivos, permitindo a recuperação do indivíduo após cirurgias mutilantes. BC&D - O aconselhamento genético é uma das estratégias para se prevenir e, portanto, vencer o câncer. Essa alternativa já está democratizada? Kligerman - Dispomos no Inca de projeto piloto multidisciplinar de aconselhamento genético. O projeto já tem dois anos e foi iniciado incluindo famílias com casos de câncer de mama e ovário. Atualmente, no âmbito desse projeto, já se avaliaram mais de 80 famílias, todas de doentes do Instituto. Ao longo desse tempo, foram acrescidos o grupo de câncer hereditário coloretal e retinoblastoma.Os grupos de estudo são compostos por membros do Inca provenientes de diversas áreas - oncologia, cirurgia, pesquisa básica, psicologia, serviço social e enfermagem. Essa atividade tem sido importante no sentido de não só oferecer uma prestação de serviço à população, como na caracterização de alterações genéticas específicas da população brasileira, por vezes distintas da maioria daquelas publicadas nas literaturas norte-americana e européia. No entanto, o aconselhamento genético é uma área extremamente delicada, pois envolve informações extremamente si- gilosas, que não podem ser divulgadas. Assim, há necessidade de abordagem multidisciplinar especializada e a testagem não pode ser encarada como um simples exame. Além disso, até o momento, não há evidências de que a detecção de mutação e as medidas utilizadas de forma a prevenir o câncer nessa população leve ao aumento da sobrevida. Por isso, acreditamos que ainda não seja o momento desta técnica ser colocada como opção de saúde pública. .. Estas células podem ser modificadas permitindo a construção de supercélulas capazes de reconhecer e destruir células tumorais. Células-tronco pluripotenciais para regenerar vários tipos de tecidos orgânicos poderão ser utilizadas ainda após tratamentos agressivos, permitindo a recuperação do indivíduo após cirurgias mutilantes BC&D - O seu trabalho à frente do INCA tem um forte significado de democratização e ampliação no atendimento, uma das razões pela qual o Brasil acaba de ser incluído entre os cinco países que se destacam na luta contra essa doença. Quais as principais razões que levaram, a seu entender, a chegar nesse patamar? Kligerman - O Inca vem superando obstáculos e desafios, no desempenho do seu papel em todas as frentes da prevenção e do controle do câncer. Essas frentes compreendem as áreas estratégicas em que o Inca atua: prevenção, pesquisa, formação e atualização de recursos humanos, e informação epidemiológica. Em 2001, o Inca consolidou parcerias como jamais havia feito antes. O trabalho conjunto com as Secretarias Estaduais de Saúde, com a Agência Nacional de Vigilância Sanitária e com a Organização Mundial da Saúde, apenas para citar algumas entidades, foi fundamental na consolidação de programas e campanhas na- cionais, a implantação do projeto Expande, com vistas a corrigir geográfica e tecnologicamente a oferta de serviços de oncologia, a publicação de medidas legislativas e a incorporação de novas técnicas para a regulamentação da composição, produção e venda dos derivados do tabaco. BC&D - Por que o câncer de colo de útero ainda mata tantas mulheres no Brasil ? Kligerman - Na realidade, entre os cânceres mais mortais, o do colo do útero ocupou a 11ª posição, em 1999, representando 3,4% dos mais de 114 mil óbitos esperados para aquele ano, no Brasil. Em 2002, a estimativa é de que esse percentual chegue a 3,2%. Esse percentual estabilizado é considerado natural para uma doença crônica, cujo perfil só se altera após anos de tomadas as medidas de efetivo controle.Por se tratar de uma doença silenciosa, que só apresenta sintomas depois de instalada, o Inca investe na política de conscientização através de ações educativas que incentivam o exame preventivo, tendo como público-alvo a população e os profissionais da saúde. Com as medidas que vêm sendo tomadas desde 1998, através de um Programa Nacional de Controle, certamente começaremos a verificar a queda deste percentual ou do número de mortes nos próximos anos. Fatores culturais, sociais, econômicos e comportamentais também podem ser obstáculos ao controle desta doença, sobretudo, pelo início da atividade sexual antes dos 18 anos de idade; pluralidade de parceiros sexuais; fumo; falta de higiene e o uso prolongado de contraceptivos orais. BC&D - Que nota o Sr. daria à luta contra o câncer no Brasil ? Kligerman - Nota sete, pois se fizemos muito, ainda temos muito a fazer. O Brasil é grandioso em tudo, tanto em necessidades, como em desafios. E temos ainda de vencer a dependência tecnológica e a incorporação passiva do conhecimento gerado por outrem, sem a adequação ao perfil do nosso país. Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento - nº 28- setembro/outubro 2002 7 Carta ao Leitor O Câncer é uma das doenças mais pesquisadas hoje em dia. Pesquisadores do mundo inteiro debruçam sobre o problema, numa busca incessante para desenvolver novos medicamentos e tratamentos. A Revista Biotecnologia, dentro da proposta de divulgar sempre assuntos que abordem os últimos avanços da BIOTECNOLOGIA Ciência & Desenvolvimento KL3 Publicações Fundador Henrique da Silva Castro Direção Geral e Edição Ana Lúcia de Almeida Diretor de Arte Henrique Castro Fº Projeto Gráfico Agência de Comunicação IRIS E-mail [email protected] Home-Page www.biotecnologia.com.br ciência, procura levar ao leitor as mais recentes questões em torno desse tema. Na última edição publicamos o artigo Genes e Câncer. Nessa edição confira o artigo Terapia Gênica, e a entrevista com Jacob Kligerman. Dr. Henrique da Silva Castro Nota: Todas as edições da Revista Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento estão sendo indexadas para o AGRIS (International Information System for the Agricultural Sciences and Technology) da FAO e para a AGROBASE (Base de Dados da Agricultura Brasileira). Departamento Comercial, Redação e Edição: SRTV - Sul Quadra 701 Ed. Palácio do Rádio II Sala 215 CEP: 70340-902 Brasília DF Os artigos assinados são de inteira responsabilidade de seus autores. ISSN 1414-4522 Impressão: Gráfica São Francisco Fotolito: Ribelito 10 Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento - nº 28- setembro/outubro 2002 Colaboraram nesta edição: Conselho Científico Dr. Dr. Dr. Dr. Dr. Dr. Dr. Dr. Dr. Dr. Aluízio Borém - Genética e Melhoramento Vegetal Henrique da Silva Castro - Saúde; Ivan Rud de Moraes - Saúde - Toxicologia; João de Deus Medeiros - Embriologia Vegetal; Maçao Tadano - Agricultura; Naftale Katz - Saúde; Pedro Jurberg - Ciências; Sérgio Costa Oliveira - Imunologia e Vacinas; Vasco Ariston de Carvalho Azevedo - Genética de Microorganismos; William Gerson Matias - Toxicologia Ambiental. Conselho Brasileiro de Fitossanidade - Cobrafi Dr. Luís Carlos Bhering Nasser - Fitopatologia Fundação Dalmo Catauli Giacometti Dr. Eugen Silvano Gander - Engenharia Genética; Dr. José Manuel Cabral de Sousa Dias - Controle Biológico; Dra. Marisa de Goes - Recursos Genéticos Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares - IPEN Dr. José Roberto Rogero Sociedade Brasileira de Biotecnologia - SBBiotec Dr. Luiz Antonio Barreto de Castro - EMBRAPA Dr. Diógenes Santiago Santos - UFRGS Dr. José Luiz Lima Filho - UFPE Dra. Elba P. S. Bon - UFRJ Adriane Pinto Wasko; Alda Luiza Santos Lerayer; Alexsander T. Carvalho; Aluízio Borém; Ana Carolina Sampaio Dória Chaves; Bryan Eric Strauss; César Martins; Cláudio Oliveira; Cristiano Almada Lobo; Dirce Maria Carraro; Edmilson Silva; Eugênia Costanzi-Strauss; Fábio Porto-Foresti; Fausto Foresti; Geisa Ribeiro Leitão; Inês Conceição Roberto; Janete Magali de Araújo; Jeroen Hugenholtz; João Paulo Kitajima; José Fernando Thomé Jucá; Jacob Kligerman; Magno Antônio Patto Ramalho; Marcelo Carnier Dornelas; Marcio Camargo de Melo; Marcio Luis Neves; Marcio O. Lásaro; Maria Lúcia P. Silva; Nicole R. Demarquette; Odilio B. G. Assis; Rodrigo. A. M. Carvalho; Solange Inês Mussatto; Veruschka Escarião Dessoles Monteiro. Entrevista Jacob Kligerman pág. 04 Pesquisa Marcadores genéticos e sua aplicação na piscicultura Seqüenciamento e bioinformática de genoma bacterianos Tratamento de grãos por técnica de plasma a frio Terapia gênica do câncer Engenharia metabólica de ácido fólico Produção biotecnológica de xilitol a partir da palha de arroz Biologia molecular do desenvolvimento reprodutivo em Pinus Escape gênico e impacto ambiental Estudos de fitotoxicidade Notícias BioNotícias pág. 12 pág. 16 pág. 22 pág. 26 pág. 30 pág. 34 pág. 40 pág. 44 pág. 48 pág. 54 Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento - nº 28- setembro/outubro 2002 11 PESQUISA Marcadores genéticos e sua aplicação na piscicultura Ilustrações cedidas pelos autores Marcadores genéticos na piscicultura César Martins, Dr. Professor Assistente do Departamento de Morfologia, Instituto de Biociências de Botucatu, Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, [email protected] Fábio Porto-Foresti, Dr. Pós-doutorando do Departamento de Morfologia, Instituto de Biociências de Botucatu, Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, [email protected] Adriane Pinto Wasko, Dra. Pós-doutoranda do Departamento de Morfologia, Instituto de Biociências de Botucatu, Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, [email protected] Geisa Ribeiro Leitão, Dra. Professor Adjunto do Departamento de Genética, Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro [email protected] Cláudio Oliveira, Dr. Professor Adjunto do Departamento de Morfologia, Instituto de Biociências de Botucatu, Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, [email protected] Fausto Foresti, Dr. Professor Titular do Departamento de Morfologia, Instituto de Biociências de Botucatu, Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, [email protected] Tecnologias de DNA e suas aplicações A última década do século XX representou um período particularmente excitante para a biologia. Novos métodos de análises de proteínas, DNA e RNA levaram a uma explosão de informações que permitiram aos cientistas estudar as células e suas moléculas de forma mais detalhada. Essas novas tecnologias têm permitido não somente decifrar as informações, mas também a maneira como os componentes moleculares interagem formando células e organismos complexos e funcionais. Até o início dos anos 70, o DNA era uma molécula difícil de ser analisada bioquimicamente. Hoje, graças à evolução das tecnologias de manipulação do DNA, ela é uma das moléculas mais fáceis de ser estudadas. Regiões específicas do genoma podem ser facilmente isoladas, propagadas em número inimaginável de vezes e sua se- qüência nucleotídica pode ser conhecida em questão de horas. O desenvolvimento de duas tecnologias em particular, a restrição enzimática e a reação em cadeia da polimerase (PCR, do Inglês Polymerase Chain Reaction) possibilitou avanços significativos na manipulação do material genético. Em 1962, W. Arber forneceu as primeiras evidências da existência das nucleases de restrição, enzimas bacterianas de clivagem de DNA que reconhecem seqüências curtas de bases e fazem um corte na dupla hélice do DNA. Sua função na célula bacteriana é destruir DNAs estranhos que possam ter entrado na célula. A tecnologia das enzimas de restrição possibilitou o isolamento de fragmentos específicos de DNA e sua posterior propagação em vetores de clonagem, facilitando seus estudos. Em 1985, K. B. Mullis e colaboradores inventaram a PCR, tecnologia que permite uma rápida e eficiente amplificação de regiões específicas do genoma. Mais precisamente, essa reação possibilita que uma região selecionada do genoma seja amplificada milhões de vezes, permitindo seu isolamento do resto do genoma. Particularmente, a tecnologia de PCR tem sido amplamente aplicada na identificação de marcadores de DNA úteis na aqüicultura e na conservação de estoques naturais de espécies de peixes. Marcadores genéticos aplicados à produção de peixes em cultivo Figura 1. Regiões organizadoras de nucléolos (RONs) detectadas com nitrato de Prata (setas em a) e diferentes fenótipos cromossômicos para RON encontrados em truta arco-íris (b). N1N1 - homozigoto normal; N1N2 - heterozigoto para a inversão; N2N2 - homozigoto para a inversão. Não foram encontrados exemplares com o fenótipo cromossômico N2N2 no estoque estudado e nos cruzamentos realizados 12 Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento - nº 28- setembro/outubro 2002 Marcadores morfogenéticos, geralmente associados a caracteres fenotípicos, e marcadores enzimáticos ou bioquímicos, associados a múltiplas formas moleculares de proteínas, representaram as abordagens iniciais que foram usadas para analisar característi- cas que refletem a composiAtravés desse monição genética de estoques de toramento, foi possível peixes. A simplicidade e o identificar a existência baixo custo da análise de elede exemplares com distroforese fizeram com que tintos fenótipos cromosessa ferramenta fosse amplasômicos - N1N1 (homomente utilizada para a caraczigotos) e N1N2 (heteterização genética de espérozigotos), referentes a cies, populações e/ou estoindivíduos com cromosques de peixes (May & Kruesomos com a NOR norger, 1990). Da mesma formal (N1) e portadores ma, marcadores cromossômide inversão (N2), não cos têm sido também utilizatendo sido encontrados dos com grande sucesso em exemplares com o feFigura 2. Cruzamento induzido envolvendo matrizes estudos de populações natunótipo cromossômico heterozigotas (N1N2), que deveria resultar em 25% de rais, assim como no manejo N2N2 (Fig. 1b), a condiindivíduos N2N2 no lote da geração F1. Não foram de estoques em cultivo. ção homozigota para a encontrados exemplares com o fenótipo cromossômico Os progressos no melhoinversão (Porto-Foresti et N2N2 nas amostras estudadas ramento genético de peixes al., in press). Segundo cultivados têm sido foco de os autores, entende-se discussões e revisões durante a última veis de ploidia dos produtos dos cruza- que os cruzamentos envolvendo madécada (Hulata, 2001). Os objetivos mentos interespecíficos que, em prin- trizes heterozigotas para o caráter estêm visado a aumentar a produção de cípio, poderiam resultar em indivíduos tudado deveriam resultar em 25% de novas linhagens, o desenvolvimento ginogenéticos, androgenéticos, triplói- indivíduos N2N2 no lote da geração F1 de tecnologias modernas, incluindo ma- des, tetraplóides e híbridos diplóides. (Fig. 2). Sendo letal, essa condição nipulação sexual e cromossômica, a Até recentemente, os estudos cito- provocaria, conseqüentemente, a percriopreservação de gametas, a obten- genéticos de peixes eram considera- da de 25% do total de indivíduos neste ção de indivíduos transgênicos e o dos como sendo de grande interesse tipo de cruzamento, que é considerada mapeamento genômico. Os conheci- básico e as novas tecnologias desen- expressiva em nível de produção nesmentos sobre marcadores de DNA volvidas na área confirmam um papel sa espécie de peixe, pelo seu valor evoluíram do seu estado experimental de grande significância para a citoge- econômico. e estão sendo atualmente incorpora- nética atualmente. Desses estudos, Por outro lado, cruzamentos envoldos à aqüicultura de forma prática e destaca-se o programa de monitora- vendo matrizes N1N1 e N1N2, dos eficiente. mento citogenético em truta arco-íris quais resultam lotes de trutas 50% (Oncorhynchus mykiss), através da N1N1 e 50% N1N2 (Fig. 3), demonsMarcadores Cromossômicos aplicação da metodologia de identifi- traram uma maior taxa de sobrevivêncação das regiões organizadoras de cia na geração F1, pelo fato de não Marcadores cromossômicos vêm nucléolos (RONs) com coloração com levarem à formação de indivíduos N2N2, o que seria interessante do sendo utilizados e aplicados em proje- nitrato de Prata (Fig. 1a). ponto de vista da produção. tos de Piscicultura, envolAssim, os indivíduos N1N2 vendo principalmente o do atual estoque não devericontrole dos cruzamentos. am ser necessariamente desOs dados citogenéticos cartados e, sim, uma vez idensão úteis na caracterizatificados e marcados, poderição de espécies crípticas am ser utilizados normalmene raças cromossômicas, a te como matrizes, desde que fim de prevenir possíveis fossem cruzados apenas com insucessos nos cruzamenparceiros homozigotos tos, devido a incompatibi(N1N1). lidades genéticas que posA utilização de marcadosam surgir. Por outro lado, res citogenéticos como o a citogenética também número e a fórmula cariotípipode auxiliar na identifiFigura 3. Cruzamento induzido envolvendo matrizes ca, de marcadores das RONs cação de bancos genétihomozigotas (N1N1) e matrizes heterozigotas (N1N2), e de outras metodologias de cos de espécies utilizadas demonstraram uma maior taxa de sobrevivência na gerabandamentos cromossômiem piscicultura e ainda ção F1, pelo fato de não levarem à formação de indivíduos cos, podem ter grande imem projetos de hibridaN2N2 portância em trabalhos de ção, nos quais é importanmelhoramento genético, mate a identificação dos níBiotecnologia Ciência & Desenvolvimento - nº 28- setembro/outubro 2002 13 nipulação cromossômica ou como simples marcadores aplicados em programas de piscicultura. dados mais informativos, como também a avaliação do potencial de cada técnica individualmente (Ward, 2000). Apesar da potencialidade das Marcadores de DNA análises de RAPD e de microssatélites, ainda existem poucos esRecentemente, marcadores tudos envolvendo esses marcamoleculares do genoma nuclear dores moleculares em peixes (nDNA), junto com padrões de Neotropicais. A estimativa da DNA mitocondrial (mtDNA), têm magnitude e de distribuição da sido considerados ferramentas variação genética é crítica em importantes e potenciais em esestudos de estrutura populaciotudos relacionados com a estrunal, conservação e cultivo e as tura de populações de peixes, aplicações de marcadores RAPD uma vez que esses tipos de e de microssatélites em pisciculanálises são úteis na detecção tura podem também incluir o de polimorfismos e fornecem monitoramento de alterações na informações seguras sobre os variabilidade genética, como conníveis de variabilidade e similaseqüência de estratégias diferidade entre distintas popularentes de cruzamento, e estimações ou estoques. A detecção tivas de parentesco entre potende variabilidade através do geciais reprodutores. Figura 4: Gel de agarose mostrando padrões de noma nuclear começou com o Nos últimos anos, programas RAPD para indivíduos pertencentes a um estoque de aquacultura têm dado elevauso da restrição enzimática, por cultivado e indivíduos provenientes de um estoque da importância às avaliações meio de análises de polimorfisda natureza de Brycon cephalus. Em destaque, genéticas, com vistas não somo de fragmentos de DNA gebandas/alelos que se apresentam monomórficas no mente a ampliar a produção rados por restrição enzimática estoque de cultivo e polimórficas no estoque da como também a manter a diver(RFLP, do Inglês Restriction natureza Fragment Length Polymorsidade genética dos estoques. phism) (Grodzicker et al., 1974). Estudos genéticos envolvendo Posteriormente, com o advento marcadores RAPD vêm sendo da PCR (Mullis & Faloona, 1987), diver- tados à aqüicultura e ao cultivo de utilizados com sucesso na avaliação sos outros marcadores moleculares tor- peixes, buscando a caracterização e a dos níveis de diversidade genética de naram-se disponíveis, incluindo seqüên- identificação de espécies, populações diferentes estoques naturais e cultivacias repetitivas de DNA como minissa- e híbridos, determinação de estruturas dos de Brycon cephalus (Fig. 4), espétélites (Jeffreys et al., 1985) e micros- populacionais, identificação de linha- cie de peixe popularmente conhecida satélites ou repetições de seqüência gens, determinação da variação gené- como matrinchã da Amazônia e de simples (SSR, do Inglês Simple Se- tica em populações selvagens e culti- grande importância econômica no Braquence Repeats) (Litt & Luty, 1989), e vadas, avaliação do impacto genético sil. Como esperado, tem sido verificaamplificação ao acaso de polimorfismo da introdução de peixes cultivados em da uma considerável redução na variade DNA (RAPD, do Inglês Random populações naturais, determinação de bilidade genética de estoques cultivaAmplified Polymorphic DNA) (Willia- estratégias para fins de criação e repo- dos da espécie. Os resultados obtidos ms et al., 1990; Welsh & McClelland, voamento e localização de marcadores parecem refletir uma prática comum 1990). Os marcadores de microssatéli- ligados a genes envolvidos com carac- em diversos programas de cultivo de tes e RAPD, por apresentarem altos teres de interesse econômico (Carva- peixes, em que um pequeno número níveis de polimorfismo, têm sido roti- lho & Hauser, 1998). de exemplares é utilizado como reproneiramente utilizados em estudos geMarcadores RAPD e microssatélites dutores, obtendo-se sucesso reprodunéticos que envolvem diferentes es- têm sido rotineiramente utilizados em tivo com apenas alguns casais geralpécies de peixes. diversas espécies de peixes, por pos- mente não identificados geneticamensuírem atributos que os tornam favorá- te e aplicando-se estratégias reproduMarcadores RAPD e veis para estudos de conservação e tivas não padronizadas. Esse manejo Microssatélites diversidade genética - são abundantes inadequado leva ao empobrecimento e apresentam altos níveis de polimor- genético dos estoques, podendo comCom o desenvolvimento de novas fismo. Além disso, análises comparati- prometer o sucesso no cultivo. Os metodologias que empregam marca- vas envolvendo esses marcadores em dados levantados são de extrema imdores de DNA aliadas às técnicas de conjunto, vêm se tornando cada vez portância para a elaboração de melhoclonagem e seqüenciamento, vários mais comuns nesses organismos, o que res estratégias de manejo da reproduestudos vêm sendo desenvolvidos vol- permite não somente a obtenção de ção e para a conservação da biodiver14 Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento - nº 28- setembro/outubro 2002 Figura 5: Gel de poliacrilamida mostrando a distribuição de alelos de um microssatélite em truta arco-íris. Excetuando o indivíduo 1, que é homozigoto, todos os indivíduos restantes são heterozigotos. M, marcador de peso molecular de 10 pares de bases; 1-16, indivíduos analisados sidade da espécie. Com relação aos microsatélites, foram realizadas análises envolvendo exemplares de quatro estoques cultivados de truta arco-íris (Oncorhynchus mykiss) e de um estoque capturado na natureza (resultado de um programa de propagação da espécie em rios brasileiros desenvolvido na década de 60), utilizando seis locos de microssatélites. Destes, apenas um se mostrou monomórfico, sendo que, para os outros cinco, o número médio de alelos por loco polimórfico foi de 8,6, variando de 6 a 26 alelos (Fig. 5). A heterozigosidade estimada variou de 0,47 a 0,96, com um valor médio de 0,74. Verifica-se, pois, que, pelas análises realizadas, as estimativas de diversidade genética revelam uma maior variação dentro dos estoques (93%), enquanto que entre estes foi baixa (7%). Esses resultados coincidem com valores relatados por Hershberger (1992), para a mesma espécie. Do mesmo modo, Carlsson et al. (1999) estudando truta marrom, relataram que 96,1% da diversidade total (HT) foi devida à diversidade dentro das populações e apenas 3,9% da diversidade entre populações. Todas as estimativas relativas à diferenciação genética (FST) entre os pares de estoques foram significativas (P<0,01). Essas observações são bastante importantes, pois permitirão o desenvolvimento de estudos futuros envolvendo o cruzamento de indivíduos dos diferentes estoques, visando ao incremento da heterozigose da espécie e possibilitando a formação de estoques sensíveis à aplicação de técnicas de melhoramento genético. Agradecimentos Os autores agradecem à FAPESP (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) e ao CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) pelos auxílios financeiros concedidos. Referências Carlsson, J., Olsén, K.H., Nilsson, J., Overli, O. & Stabell, O.B. Microsatellies reveal fine-scale genetic structure in stream-living brown trout. Journal of Fish Biology, 55: 1290-1303, 1999. Carvalho, G.R. & Hauser, L. Advances in the molecular analysis of fish population structure. Italian Journal of Zoology 65: 21-33, 1998. Grodzicker, T., Williams, J., Sharp, P. & Sambrook, J. Physical mapping of temperature-sensitive mutations of adenoviruses. Cold Spring Harbor Symposium of Quantitative Biology 39: 439-446, 1974. Hershberger, W.K. Genetic variability in rainbow trout populations. Aqualculture 100:51-71, 1992. Hulata, G. Genetic manipulations in aquaculture: a review of stock improvement by classical and modern technologies. Genetica 111: 155-173, 2001. Jeffreys, A. J., Wilson, V. & Thein, S. L. Individual-specific fingerprints of human DNA. Nature 316:67-73, 1985. Litt, M. & Luty, J.A. A hypervariable microsatellite revealed by in vitro amplification of a dinucleotide repeat within the cardiac muscle actin gene. American Journal of Human Genetics 44: 398401, 1989. May, B. & Krueger, C.C. Use of allozyme for population analysis. In: Electrophoretic and isoeletric focusing techniques in fisheries management. Whitmore DH ed. pp. 157-171, 1990. Mullis, K.B. & Faloona, F.A. Specific synthesis of DNA in vitro via polymerase-catalyzed chain reaction. Methods Enzymol. 155:335350, 1987. Porto-Foresti, F., Oliveira, C., Gomes, E.A., Tabata, Y.A., Rigolino, M.G. & Foresti, F. Investigation of a lethal effect associated with a polymorphism involving the NOR-bearing chromosomes in rainbow trout (Oncorhynchus mykiss). Journal of the World Aquaculture Society (no prelo). Ward, R.D. Genetics in fisheries management. Hydrobiologia 420: 191-201, 2000. Welsh, J. & McClelland, M. Fingerprinting genomes using PCR with arbitrary primers. Nucleic Acids Research 18: 7213-7218, 1990. Williams, J.G.K., Kubelik, A.R., Livak, K.J., Rafalski, J.A. & Tingey, S.V. DNA polymorphisms amplified by arbitrary primers are useful as genetic markers. Nucleic Acids Research 18: 6531-6535, 1990. Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento - nº 28- setembro/outubro 2002 15 Seqüenciamento e Bioinformática de Pesquisa Genomas Bacterianos Ilustrações cedidas pelos autores Estratégia para seqüenciamento completo de genomas bacterianos Dirce Maria Carraro, PhD Instituto Ludwig de Pesquisa sobre o Câncer São Paulo SP [email protected] João Paulo Kitajima, PhD Alellyx Applied Genomics Campinas SP [email protected] primeiro organismo a ter seu genoma completamente seqüenciado foi a bactéria Haemophilus influenzae, cujo trabalho foi concluído em 1995 por um grupo do TIGR (The Institute for Genomic Research) nos Estados Unidos. Foi utilizada a estratégia de seqüenciamento genômico completo por fragmentos aleatórios de DNA, eliminando assim a necessidade de abordagens de mapeamento genômico (Fleischmann et al. 1995). A capacidade de seqüen- Figura 1: A) Representação simplificada de reação de seqüenciamento. dNTPs: representados em verde, ddNTP: representados em vermelho, amarelo, azul e verde limão B) Representação da separação por tamanho dos supostos fragmentos gerados pela adição de ddNTP na reação de polimerização 16 Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento - nº 28- setembro/outubro 2002 ciar genomas bacterianos completos usando essa estratégia, acoplada a métodos computacionais de algoritmos que auxiliam a montagem, incrementou o número de genomas bacterianos seqüenciados nos bancos de dados. Hoje, sete anos depois da publicação do primeiro genoma completo, temos pelo menos 60 genomas microbianos concluídos (http://www.tigr.org/tdb/ mdb/mdbco-mplete.html) e mais de uma centena em andamento (http:// www.tigr.org/tdb/mdb/mdbinprogress. html). Os programas de predição gênica, utilizados com muita eficiência em genomas bacterianos, associados à anotação funcional, têm trazido informações importantes do ponto de vista biológico. Além disso, a análise comparativa de genomas bacterianos tem contribuído para a identificação de mecanismos adaptativos e tem permitido inferências nos aspectos evolutivos dessas formas de vida. Estima-se que as seqüências contidas nos bancos de dados representem 250.000 genes preditos (Fraser & Dando, 2001), os quais devem contribuir nos estudos de doenças infecciosas e também na compreensão dos mecanismos de instalação de doenças em vegetais. Em 2001, o Brasil incorporouse à era genômica com a publicação da seqüência completa do genoma da bactéria Xylella fastidiosa, causadora do amarelinho em culturas de citros (CVC Citrus Variegated Chlorosis) (Simpson et al. 2000). Esse foi o primeiro fitopatógeno no mundo a ser seqüenciado completamente. Depois disso, pelo fato de o Brasil movimentar uma grande parcela de sua economia em produtos agrícolas, foi colocado grande interesse na elucidação de outros genomas de patógenos de culturas de interesse nacional como cana-deaçúcar, citros e outros. Dessa forma, outras bactérias tiveram seus genomas seqüenciados completamente por grupos de cientistas brasileiros, como dife- rentes cepas de Xanthomonas citri, bactéria causadora do cancro cítrico (da Silva et al. 2002), outras cepas de Xylella fastidiosa que infectam especificamente outras culturas (finalizado; artigo submetido a publicação) e Leifsonia xyli subsp. xyli, causadora do carvão da cana-de-açúcar (finalizado; artigo em preparação). Todos esses projetos foram total ou parcialmente financiados pela FAPESP (Fundação de Amparo a Pesquisa do Estado de São Paulo) em parceria com outros grupos da iniciativa privada, especialmente empresas de interesse agrícola. A análise comparativa dos diferentes genomas de patógenos de plantas trará informações importantes na elucidação de mecanismos de instalação da doença em vegetais e também na identificação de novos agentes envolvidos nesse processo. Além disso, informações importantes estão sendo atribuídas a mecanismos específicos de interação entre patógeno-hospedeiro. O sucesso desse empreendimento por parte da FAPESP lançou interesse de outras instituições a financiar projetos desse tipo. O primeiro projeto de âmbito nacional financiado pelo CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) e pelo MCT (Ministério da Ciência e Tecnologia) foi o seqüenciamento da bactéria Chromobacterium violaceum, que possui compostos com propriedades terapêuticas e antitumorais (Duran et al. 2001). Nesta revisão nós abordaremos uma estratégia utilizada para seqüenciamento completo de microrganismos procariotos, tanto no que concerne à técnica de seqüenciamento e elaboração de bibliotecas de fragmentos aleatórios de DNA, quanto aos recursos bioinformáticos necessários, a saber: programas especiais de montagem, de predição de genes e de anotação funcional. Seqüenciamento de DNA Desde a primeira evidência, em 1944, em estudos com Pneumococcus, obtida por Avery, McLoad e McCarty, de que a molécula de DNA era a responsável pela transferência da informação genética de uma geração para outra, muitos estudos foram conduzidos para compreender sua composição e estrutura. Várias evidências obtidas naquela época levaram à conclusão de que o DNA é uma molécula Figura 2: Esquema simplificado das etapas para elaboração de bibliotecas de DNA genômico longa e fina, composta de 4 diferentes tipos de moléculas chamadas nucleotídeos. Cada nucleotídeo contém um grupo fosfato, uma desoxiribose (açúcar) e uma base nitrogenada, a saber: adenina, timina, citosina e guanina. Os resultados obtidos pelos estudos de raio-X realizados por Rosalind Franklin e Maurice Wikins levaram Watson e Crick, em 1953, a decifrarem a estrutura de dupla hélice dessa molécula. A determinação de sua estrutura e da complementaridade de suas fitas lançou bases para que se compreendesse como essa molécula poderia ser duplicada e, dessa forma, como a informação genética poderia ser transferida de uma geração para outra, mantendo, portanto, a característica semiconservativa. A partir dessas descobertas, a comunidade científica concentrou muitos esforços a fim de desvendar a informação genética contida na molécula da vida. O método mais utilizado para identificação das bases do DNA é o método de terminação da cadeia, também conhecido como método de Sanger (Sanger et al. 1977). Esse método é baseado na capacidade da enzima DNA Polimerase estender a cadeia polinucleotídica a partir de um iniciador ancorado por complementaridade em uma das fitas (fita molde). Como as fitas de DNA são complementares (A:T e C:G), a partir do molde, a enzima vai adicionando o nucleotídeo complementar necessitando do grupo hidroxila livre (OH) na posição 3, componente do desoxinucleotídeo anterior (dNTP). Para identificar a seqüência de uma molécula de DNA, é necessário adicionar a essa reação altas concentrações de nucleotídeos que interrompam a polimerização da cadeia, que são denominados didesoxinucleotídeo (ddNTP) que são nucleotídeos em que a pentose perdeu o grupo hidroxila da posição 3 (OH) necessário à continuidade da polimerização da cadeia. Durante os ciclos de polimerização, os ddNTPs vão sendo incorporados aleatoriamente, produzindo fragmentos de tamanhos diferentes. A mistura de fragmentos é submetida a uma eletroforese para separação por tamanho. Os diferentes ddNTPs apresentam marcas passíveis de reconhecimento. Em seqüenciadores automáticos, os diferentes ddNTPs são ligados a moléculas fluorescentes denominadas cromóforos, que quando estimuladas por raio laser, emitem diferentes comprimentos de ondas, sendo reconhecidas por programas apropriados e convertidas a determinada base nitrogenada (A, T, G ou C) (Figura 1). Com a automatização da técnica de seqüenciamento e com o advento da Bioinformática (disciplina que funde a biologia com a informática), foi possível automatizar a fase de geração de seqüências, produzindo-as em larga escala e digitalizando-as para o computador. Programas apropriados, capazes de processar os dados e de montar e anotar os genomas, foram desenvolvidos para facilitar o acesso e a dispo- Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento - nº 28- setembro/outubro 2002 17 Figura 3: O diagrama representa esquematicamente um exemplo de pipeline de montagem e de anotação de um genoma bacteriano. Diferentes laboratórios de seqüenciamento enviam seqüências para a bioinformática. Montagens são realizadas e um acompanhamento da evolução dos contigs pode ser acompanhada via Web. Os contigs podem ser anotados, primeiro identificando-se as ORFs e depois comparando estas ORFs com bancos de seqüências, em geral públicas e conhecidas, para determinação de função. Anotadores humanos podem intervir na anotação automática via Web nibilização de todas as informações durante o processo. Etapas básicas para seqüenciamento de genomas bacterianos Para seqüenciar completamente um genoma microbiano, primeiramente é necessário isolar o DNA do organismo em questão e elaborar bibliotecas de DNA genômico para servirem como molde para o posterior seqüenciamento. O fato de genomas bacterianos apresentarem um percentual relativamente baixo de seqüências repetitivas (em torno de 3%), torna possível fragmentar totalmente o DNA do organismo de interesse em pedaços de tamanhos variados, dispensando assim a necessidade de mapeamento físico prévio. Esse tipo de abordagem é denominado seqüenciamento genômico completo por fragmentos aleatórios (Whole Genome Shotgun Sequencing). Essa estratégia é empregada para seqüenciar pedaços de DNA que são longos demais para o seqüencia18 mento direto. A teoria shotgun está baseada na possibilidade de as seqüências aleatórias se sobreporem, formando seqüências contíguas. O número de clones a serem seqüenciados depende do tamanho do genoma em questão. Vários modelos matemáticos e estatísticos foram desenvolvidos e estima-se que uma cobertura de 10 vezes o tamanho do genoma consiga representar 99% da seqüência completa (Weber e Myers, 1997). Esses valores dependem de vários fatores, como a qualidade da biblioteca, no que concerne ao tamanho e à arbitrariedade dos insertos. Elaboração de bibliotecas de fragmentos aleatórios de DNA genômico Depois de isolado o DNA genômico, este é submetido à fragmentação por métodos preferencialmente mecânicos, a saber: sonicação ou nebulização. Esses métodos são vantajosos em relação à fragmentação por restri- Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento - nº 28- setembro/outubro 2002 ção enzimática, por apresentarem um caráter mais randômico. O produto obtido pela fragmentação deve ser separado por tamanho para evitar a clonagem de fragmentos pequenos, conforme esquema apresentado na Figura 2. Essa separação pode ser feita através de gel de agarose para extração e purificação dos fragmentos de DNA no tamanho desejado, que podem variar de 1 a 4 Kbp (1 Kpb = 1.000 pares de bases), a depender da estratégia adotada. O produto da fragmentação deve ser submetido ao reparo das extremidades com utilização de enzimas de modificação apropriadas, que têm o objetivo de tornar as extremidades abruptas e passíveis de serem clonadas em vetores especiais (plasmídeos). Os fragmentos devem ser ligados enzimaticamente em um sítio de ligação conhecido do plasmídeo. O produto de ligação é então introduzido em linhagens apropriadas de bactérias por um processo denominado de transformação. Nessa etapa, teremos uma mistura de bactérias transformadas (que receberam o plasmídeo) e não transformadas (que não receberam o plasmídeo), que devem ser separadas. Esses plasmídeos carregam genes marcadores (normalmente genes que conferem resistência a antibiótico) que têm a função de selecionar as bactérias transformantes. Assim, pelo crescimento em meio de cultura sólido com antibiótico, somente as bactérias transformantes serão capazes de crescer e formarão colônias. As colônias transformantes são então inoculadas individualmente em meio de cultura líquido para sofrerem multiplicação. Cada transformante traz um fragmento aleatório do DNA genômico do organismo em questão. Nessa etapa, os fragmentos podem ter sua seqüência decifrada por estarem clonados em plasmídeos de seqüências conhecidas. Assim, a cultura de colônia individualizada de transformante é submetida à extração de plasmídeo e este é submetido à reação de seqüenciamento (Figura 2). O número de seqüências a ser obtida depende da estratégia utilizada, da qualidade das bibliotecas e das próprias características do genoma. Essa fase é chamada de seqüenciamento em grande escala. Montagem em seqüências contíguas As inovações relativas à automatização do processo de seqüenciamento permitiram a produção em larga escala de um número muito grande de seqüências de DNA. Na área de Bioinformática, os avanços também foram significativos no que tange à disponibilização de novos softwares adequados para a manipulação dessa vasta quantidade de dados genômicos. O pipeline de tratamento de dados de genomas de bactérias pode ser organizado como um sistema (Figura 3). As entradas mais importantes são as leituras (reads) do seqüenciador de DNA. Concretamente, essas leituras são arquivos que contêm informações analógicas, que caracterizam as diferentes bases lidas pelo equipamento seqüenciador. É importante ressaltar que esses arquivos não contêm as bases explicitamente e, sim, medidas analógicas. Será necessário um primeiro programa, fundamental no pipeline, para converter estas medidas em bases ACGT propriamente ditas. Um programa bastante utilizado é o PHRED [PhredPhrap]. Esse programa pode ser encarado como um digitalizador de leituras de DNA. Utiliza algoritmos complexos de tratamento de sinais e atribui o que chamamos de ¨qualidade¨ da base. A qualidade PHRED corresponde a um inteiro entre 0 e 99 e está associada à probabilidade de erro de leitura. Uma base com qualidade 40 indica que o erro é de 1 base em 104 (a qualidade é o expoente multiplicado por 10). Empiricamente, considera-se uma base como aceitável se tiver qualidade no mínimo 20 (1 base incorreta em 100). Digitalizadas as seqüências recebidas, elas são consideradas prontas para o tratamento por outros programas. O PHRED gera arquivos que, estes sim, contêm explicitamente as bases lidas pelo seqüenciador, junto com suas qualidades. O programa PHRED pode gerar seqüências em diferentes formatos, sendo o formato FASTA o mais utilizado. Como descrito acima nos métodos inovadores de seqüenciamento, um genoma não é lido de uma vez só: ele é, na verdade, estilhaçado em milhares de fragmentos. Esses fragmentos são lidos por equipamentos de seqüenciamento e digitalizados em computadores (por exemplo, usando PHRED). O segundo passo do pipeline consiste naturalmente em regerar a seqüência genômica completa, a partir dos fragmentos lidos. Esse processo é conhecido como montagem do genoma, e depende de outros programas, como, por exemplo, PHRAP [PhredPhrap] e CAP3 [Cap3]. Alguns projetos desenvolvem seus próprios montadores domésticos, mais adaptados aos genomas seqüenciados. O PHRAP, programa bastante utilizado em projetos genomas de bactérias, é baseado em algoritmos eficientes de alinhamento de seqüências textuais. Esse programa, [1] lê os fragmentos já digitalizados, [2] procura encontrar redundâncias entre os mesmos e [3] aglutina os fragmentos, ancorados na parte comum que as liga, formando seqüências maiores chamadas de consensos. A montagem só é eficaz graças ao método aleatório de clonagem, que garante, estatisticamente, que sempre haverá redundância entre os fragmentos. Isso garante também a reconstituição da seqüência genômica original. Sem a redundância, o genoma não é possível de ser reconstituído. Comumente, não se espera montar o genoma após a chegada de uma quantidade suficiente de seqüências para reconstituir o genoma integralmente. Em um pipeline típico, são acionadas montagens regularmente, mesmo que nem todas as seqüências estejam disponíveis. Os consensos gerados durante esse processo intermediário são conhecidos por contigs. Idealmente, a montagem termina quando ela produz tantos contigs quanto replicons do genoma. Infelizmente, existem situações que complicam bastante o processo da montagem. O mais evidente é a existência de repetições no genoma, que confundem o programa montador. Essa primeira fase do tratamento bioinformático dos fragmentos de DNA é bastante trabalhosa, porém pode ser também muito automatizada. Tanto para genomas de procariotos, como de eucariotos, esse processo está bem dominado e a pesquisa nessa área se baseia em procurar novos algoritmos mais rápidos para montagem, mais confiáveis (por exemplo, que tratem automaticamente o problema de repetições) e que manipulem números cada vez maiores de fragmentos. Finalização do seqüenciamento completo O seqüenciamento em grande escala termina quando o aumento do número de seqüências não contribui para o alongamento do contig. Essa montagem não finalizada resulta em contigs interrompidos por gaps, que são regiões onde não se conhece a seqüência. Apesar do caráter aleatório das bibliotecas, há inevitavelmente a ocorrência de gaps. Essa ocorrência está associada com flutuações de clonagem, presença de regiões repetitivas longas, como operon ribossômico, seqüências com estruturas secundárias que dificultam o seqüenciamento e trechos no DNA que são refratários ao sistema de clonagem utilizado. Essa etapa não é automatizada e deve-se, portanto, lançar mão de métodos alternativos, normalmente trabalhosos, para finalizar o seqüenciamento. Além disso, cumpre ressaltar que, mesmo já codificada a seqüência final, é importante reforçar sua qualidade, em geral com seqüenciamento orientado, permitindo gerar fragmentos não mais aleatórios. O genoma somente é considerado fechado quando todas as bases apresentam valor de qualidade aceitável, o qual depende do critério de qualidade de cada projeto. Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento - nº 28- setembro/outubro 2002 19 Anotação do genoma O próximo grande passo do pipeline bioinformático (após a primeira etapa de montagem), consiste então em procurar dar significado biológico ao genoma montado, em outras palavras, significa identificar as regiões onde estão localizados os genes (regiões codificadoras) e identificar a sua função putativa. O princípio de base consiste em comparar a seqüência que se tem em mãos com outras, cujas funções são previamente conhecidas: seqüências estruturalmente similares devem ter funções também similares. É esse princípio que norteia a identificação biológica funcional gênica in silico. Antes de comparar seqüências gênicas desconhecidas com outras de função conhecida, é necessário identificar propriamente os genes do genoma. No caso de bactérias, esse processo é menos complexo do que no caso de genomas de eucariotos, onde os genes são interrompidos, apresentando íntrons e exons. Existem vários programas que realizam essa tarefa. Dois programas bastante utilizados são Glimmer (Delcher et al, 1999) e Genemark (Borodovsky e McIninch, 1993). Uma definição resumida do programa Glimmer é a procura na seqüência genômica de grandes ORFs (Open Reading Frame região de leitura aberta), ou seja, subseqüências iniciando por um códon de início e terminando com um códon terminal. O programa Genemark é mais preciso, pois considera também um modelo da região intergênica (que é diferente do modelo da distribuição estatística das bases dentro de um gene). A identificação gênica é um passo do pipeline que, em geral, envolve interferência manual grande, pois os preditores de genes incorrem em erros, seja superestimando o número de ORFs ou subestimando esse valor. Com um conjunto final de ORFs putativas, cada seqüência desse conjunto é então alinhada, ou seja, comparada com outras seqüências de função conhecida. Existem alguns bancos públicos de proteínas, como o banco do Genbank [Genbank] e o Swiss Prot [Swiss Prot], que são comumente utilizados como base de comparação. Os programas usados nessa fase possuem a mesma função dos programas de montagem: comparar seqüências. Porém, dado o crescente número de seqüências públicas de proteínas depositadas, os programas que comparam ORFs com bases de seqüências devem ser rápidos sem perder a precisão. É de praxe vasculhar manualmente ORF a ORF, por meio de um programa de edição pela Web, que permite aos anotadores humanos modificarem as escolhas feitas pelo computador, seja alterando informações estruturais, como funcionais. O serviço é considerado completo quando o genoma está decodificado e minimamente anotado, com seus genes identificados e conferidos. É indiscutível a contribuição das informações obtidas em um projeto genoma. No caso da bactéria Xylella fastidiosa, antes da elucidação da seqüência completa, muito pouco era conhecido do mecanismo molecular de patogenicidade da bactéria. Hoje, além dos genes relacionados com o metabolismo básico, vários genes relacionados com a patogenicidade foram identificados, alguns deles nunca anteriormente identificados em patógenos de plantas, trazendo novas inferências ao processo de patogenicidade bactéria-planta (Simpson et al. 2000). Conclusão A vasta quantidade de dados gerados por projetos na área genômica está ocasionando uma verdadeira revolução, com grande potencial para o desenvolvimento da biologia básica e aplicada. A comunidade científica está concentrada principalmente em decifrar a informação genética contida na molécula de DNA, com o objetivo de compreender a fisiologia dessas diferentes formas de vida, criando condições para interferir nos processos biológicos em prol da agricultura e da medicina. Endereços eletrônicos CAP3. http://genome.cs.mtu.edu/sas.html Genbank. http://www.ncbi.nlm.nih.gov/Genbank/GenbankOverview.html PhredPhrap. http: //www.phrap.org SwissProt. http://www.expasy.ch/sprot/ 20 Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento - nº 28- setembro/outubro 2002 Agradecimentos Os autores fazem um agradecimento especial a Andrew Simpson (Instituto Ludwig de Pesquisa sobre o Câncer), que foi um dos responsáveis pela introdução da genômica no Brasil, e também a Ricardo Brentani (Instituto Ludwig de Pesquisa sobre o Câncer), a João Carlos Setubal (Laboratório de Bioinformática/ Instituto de Computação da Unicamp) e a João Meidanis (Laboratório de Bioinformática/Instituto de Computação da Unicamp). Agradecem também a leitura crítica de Anamaria Aranha Camargo e também a André Luiz Vettore de Oliveira (Instituto Ludwig de Pesquisa sobre o Câncer) e a Felipe Rodrigues da Silva (Cenargen - Embrapa) pela elaboração da Figura 1 desse artigo. Referências Borodovsky, M., McIninch, J. 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The genome sequence of the plant pathogen Xylella fastidiosa. Nature 406 (6792):151-157. Weber, J. L., Myers, E. W. (1997). Human whole-genome shotgun sequencing. Genome Research 7:401409. Pesquisa Tratamento de grãos por técnica de plasma a frio Fotos e ilustrações cedidas pelos autores Alteração do comportamento hidrofílico para preservação e controle de germinação Introdução Alexsander T. Carvalho & Rodrigo. A. M. Carvalho, Bolsistas do Depto de Sistemas Eletrônicos Escola Politécnica da Universidade de São Paulo USP São Paulo, SP. [email protected] Maria Lúcia P. Silva, Dra. Pesquisadora do Depto de Sistemas Eletrônicos Escola Politécnica da Universidade de São Paulo USP São Paulo, SP [email protected] Nicole R. Demarquette, Dra. Professora assistente do Depto de Eng. Metalúrgica e de Materiais Escola Politécnica da Universidade de São Paulo USP São Paulo, SP [email protected] A afinidade por água de uma superfície orgânica, em especial a superfície de uma semente ou grão, é fundamental para a subsistência de microorganismos e para o início e desenvolvimento de sua degradação e germinação (Warren & Bennett, 1997). Essa afinidade pode ser definida pela molhabilidade, que é uma característica energética de uma superfície e que atua em facilitar ou dificultar o espalhamento de um líquido sobre essa superfície (Shimizu & Demarquette, 2000), favorecendo ou não a adsorção e hidratação interna, cujas condições são necessárias à germinação e manutenção de vida de uma semente. Ou seja, as características de hidrofobicidade ou hidrofilicidade da superfície de um grão podem definir, de certa forma, a facilidade e a taxa com que se estabelece sua germinação. A possibilidade de manipular essas Odilio B. G. Assis, Dr. características superficiais por meio do desenvolvimento de uma barreira de proteção pela implantação de radicais ou grupos hidrofóbicos permanentes, permitiria criar condições desfavoráveis ao início da germinação, o que pode ser consideravelmente vantajoso no que diz respeito à preservação para o transporte, tempo de estocagem e venda de grãos. Tratamentos para a alteração das características superficiais ou para a formação de filmes em superfícies orgânicas e inorgânicas vêm já há algum tempo, sendo realizados via química úmida convencional por meio de reações, unitárias ou seqüenciadas, com compostos ácidos ou alcalinos diversos. Essas reações promovem a quebra parcial das cadeias poliméricas que constituem a superfície incluindo novos grupos funcionais. Em particular, a potencialização das características hidrofóbicas é conseguida pela formação de radicais alcanos do tipo CH3, Pesquisador da Embrapa Instrumentação Agropecuária CNPDIA São Carlos, SP [email protected] Figura 1. Esquema de um reator de plasma a frio e principais espécies reativas geradas durante o processo 22 Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento - nº 28- setembro/outubro 2002 crescimento de filmes relaciCH2-CH 2 ou fluoralcanos, onam-se com o tempo de como CF3 e das hidrofílicas, exposição de superfícies no com radicais de OH e COOH. ambiente reativo e da comA presença e a inserção desposição do substrato. ses grupos em uma superfíDiversos radicais ou grucie tem tido aplicações intepos polares podem ser imressantes em diversos camplantados ou crescidos sopos da biotecnologia e da bre superfícies sólidas por agrociência (Assis & Martin, plasma a frio. Em particular, a 2001; Carvalho et al, 2002). incorporação por ligações No caso de interação, sucovalentes de funcionalidaperfícies constituídas por esdes de grupos organo-silanos truturas de polissacarídeos, pode ser facilmente consecomo madeiras e grãos, o guida a partir da ionização de emprego de reações por via uma série de gases precursoúmida nem sempre é aproFigura 2. Espectro de espectroscopia no res ricos em Si. Radicais do priado. O baixo controle soinfravermelho do filme de HMDS obtido nas tipo SiCH3, SiCH2 e Si confebre reações secundárias indecondições de depósito com os picos identificados sejáveis e seus produtos, a rem uma maior hidrofobiciadsorção de reagentes e o dade a uma superfície, reduvolume de espécies a serem zindo, por conseguinte, sua tratadas freqüentemente dificulta o uso te reativo (Lieberman & Lichetenberg, molhabilidade ou adesão de microoreficiente de processos úmidos, muitas 1994). ganismos. Além do mais esses radiais Na prática, o plasma a frio é conse- são de baixa toxicidade e ambientalvezes inviabilizando as modificações almejadas. Nesse caso, uma técnica guido por meio de uma câmara, a qual mente não agressivos. promissora no tratamento de superfíci- é previamente evacuada e o gás de Essa tecnologia tem vários campos es orgânicas é o plasma a frio e suas interesse, a ser ionizado, é controlada- de aplicação, mas é particularmente combinações (Tan et al., 2001; Pon- mente inserido até atingir pressões interessante no caso específico de grãos entre 0,1 a 2 torr. Nessas condições, a de feijão, embora possa ser aplicado a cin-Eppaillard et al.,1992). tensão externa é imposta ao sistema demais cultivares. O Brasil é o maior por meio de placas condutoras (eletro- produtor mundial de feijão e a estocaPlasma a frio dos). Energia é transferida aos elétrons gem desses grãos tem-se tornado um O plasma é o estado de manuten- livres, que irão colidir com as molécu- grande problema, considerando que ção de um gás parcialmente ionizado las do gás, iniciando um processo de esses sofrem um rápido processo deconfinado em um volume definido. fragmentação molecular e gerando generativo em condições de conservaNessas condições, ocorre geração de uma nuvem uniforme de espécies no ção não adequada. Em ambientes com espécies e de radicais que podem ser estado ionizado. Essas espécies são relativa umidade e sob temperaturas direcionalmente acelerados, provocan- aceleradas em função da polaridade flutuantes, pode ocorrer a germinação do a incidência, com certa energia, dos eletrodos, bombardeando a super- indesejável dos grãos estocados, além sobre uma amostra, e alterando, por fície de interesse. de que o ataque por fungos e demais Ao se trabalhar em baixas pressões, microorganismos são favorecidos, inviconseguinte, sua estrutura superficial ou gerando a formação de um filme é estabelecido um relativo vazio den- abilizando os grãos rapidamente para por deposição. Genericamente falan- tro da câmara, ou seja, um maior cami- consumo humano. do, o plasma pode ser assumido como nho livre para que os elétrons e os íons Neste trabalho, apresentamos os um ambiente constituído pela mistura se movimentem em direção aos ele- resultados preliminares sobre a aplicade elétrons, demais partículas negati- trodos. Nessas condições, poucas coli- bilidade da técnica de plasma a frio vas e positivas e espécies associadas a sões ocorrem no percurso, fazendo sobre grãos comerciais, com formação átomos e moléculas no estado neutro. com que as partículas neutras mante- de filmes com radicais hidrofóbicos, O plasma tem sido considerado o quar- nham-se em temperaturas próximas à avaliando as variações provocadas na to estado da matéria, onde dois tipos ambiente, permanecendo assim as re- taxa de germinação e conservação em podem ser gerados: aquele em altas ações em baixas temperaturas, daí o condições úmidas. temperaturas, cuja ionização se dá em nome plasma a frio. As principais espéfunção de colisões em altas velocida- cies que ocorrem em um reator de Metodologia des, e em baixas temperaturas, onde o plasma a frio estão ilustradas no esqueestado ionizado torna-se possível pela ma da Figura 1. O tratamento por plasma empreExperimentalmente, a intensidade gado neste estudo foi realizado em um excitação do gás, ou combinação de gases, por indução via radiofreqüência das reações por plasma está relaciona- reator rotativo, de câmara cilíndrica, no ou por outra fonte variável de potên- da com a energia necessária para a qual lotes com 200 grãos foram aleatocia. No plasma, o ambiente formado é manutenção das espécies no estado riamente dispostos. Esse reator é um inerentemente instável e extremamen- ionizado, assim como a formação e o equipamento não comercial, disponíBiotecnologia Ciência & Desenvolvimento - nº 28- setembro/outubro 2002 23 vel no Departamento de Engenharia Metalurgia e de Materiais da Escola Politécnica da USP em São Paulo, SP (Tan, et al.,1999). O sistema rotativo permite a circulação constante dos grãos no interior da câmara, durante a aplicação de carga, expondo suas diversas faces à ação reativa do plasma. As amostras depositadas foram grãos de feijão tipo jalo (Phaseolus vulgaris L.), classificação 1. O gás empregado foi obtido a partir do estabelecimento de uma atmosfera saturada de vapor de HMDS - hexametildissilazana C6H19NSi2 inserido de forma controlada no interior da câmara. A ionização deu-se sob pressões próximas a 0,3 torr com potência imposta aos eletrodos de 400 W por um período de 5 minutos para uma completa deposição. A identificação dos radicais gerados no filme foi conduzida por espectroscopia no infravermelho. Foram realizados também testes de resistência à umidade e do envelhecimento sob exposição à radiação ultravioleta. O acompanhamento da germinação em condições controladas de temperatura e umidade foi realizado em bancada montada na Embrapa Instrumentação Agropecuária, em São Carlos, SP. A germinação foi estabelecida estatisticamente através da medida in loco do comprimento da radícula. Alterações superficiais Os organosilanos são compostos de baixa toxicidade, baixos custos e ambientalmente não agressivos (Nogueira, 2000). A polimerização do HMDS sobre uma superfície à base de celulose, como grãos e sementes, possibilita formar uma rede de terminais do tipo CH3, que são tipicamente hidrofóbicos. Os principais compostos obtidos com o uso de HDMS sobre feijão estão identificados no espectro da Figura 2. Os compostos formados, como esperado, são ricos em Si e apresentam radicais não polares e hidrófobos. A polimerização desses compostos ocorre pela interação entre as espécies ativas e os grupos hidroxilas da superfície da casca dos grãos com liberação de produtos na forma gasosa. Na Figura 3, temos a representação de um fragmento estrutural da celulose, que é o constituinte básico da casca do feijão, que vemos ser rica em grupos OH, ou 24 Figura 3. Fragmento da estrutura da celulose, constituinte principal da casca de grãos seja, uma superfície polar e altamente reativa (Dumitriu, 1998). O que ocor- ra alteração (aumento de brilho) nos re como resultado do uso do HDMS é grãos tratados. Os grãos com depósito uma reação de superfície que substitui resistem à ação de ácidos e bases por uma camada, inicialmente com alta períodos superiores a 20 minutos e afinidade por água, por uma película não permitem a permeação de água que não apresenta essa afinidade. em meio aquecido em até 100 oC. A estabilidade da implantação des- Simulação ao envelhecimento por exses radicais sobre a superfície de grãos posição à radiação ultravioleta por dedepende, evidentemente, da compo- zoito dias indicou alterações no caráter sição química real da casca e da pureza de polimerização do filme, contudo, dos gases empregados para a forma- sem interferência nas características ção do ambiente de plasma. Contudo, hidrofóbicas dos depósitos formados. o bombardeamento pode gerar a queTestes de resistência à umidade bra de ligações da estrutura de polissa- por manutenção dos grãos em ambicarídeo, expondo radicais livres que ente de atmosfera saturada de vapor venham a recombinar ou a reagir com a atmosfera da câmara, gerando assim ligações fortes. Espécies ativas de silício podem formar ligações covalentes com a superfície devido à grande energia de ligações Si-O. Na Figura 4, temos, em forma esquemática, os tipos de estruturas que constituem o filme formado, tendo por base as identificações obtidas por espectroscopia. As estruturas e malhas formadas pelo depósito reFigura 4. Estruturas hidrofóbicas polimerizadas sobre sultam em filmes a superfície do feijão pelo uso de plasma de transparentes que hexametildissilazana introduzem ligei- Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento - nº 28- setembro/outubro 2002 manutenção do tratamento, validando assim a técnica, o que, certamente, trará benefícios significativos com respeito a estocagem e preservação fisiológica dos grãos, principalmente em condições de baixa ou relativa umidade e/ou para conservação em depósitos por longos períodos. Bibliografia Figura 5. Aspecto dos grãos de feijão Jalo, após uma semana em ambiente saturado com vapor d´água. Diferenças significantes no estado de conservação são observadas com relação às amostras tratadas e não tratadas d´água resultaram em significativa alteração na textura superficial, corrugado e disforme para os grãos não tratados, com início de ataques por fungos e pouca alteração, com manutenção do brilho e aparência inicial, para as amostras submetidas ao depósito, melhor visualizados na Figura 5. Esse resultado é de extrema importância e confirma o caráter hidrofóbico, protetor dos filmes à base de silício formado pelo sistema empregado. A eficiência dos depósitos para manutenção do estado inerte dos grãos é confirmada em ensaios de germinação sob condições controladas. Lotes imersos em meio úmido foram acompanhados em condições de laboratório, através da medida do surgimento e desenvolvimento da radícula, por um período de 10 dias. A germinação resultante pode ser visualizada pelos histogramas apresentados na Figura 6. Para a referência (amostras não tratadas), no final do período, a amostragem apresentava uma proporção próxima a 55% de grãos germinados. Já o material tratado com plasma teve uma total ausência de germinação dentro do período de avaliação. Esses resultados são significativos e confirmam essa técnica como potencialmente importante em aplicações de revestimento de grão para manutenção do estado latente. O conjunto de análises realizado indica a manutenção das características do depósito por períodos indeterminados. Contudo, deverão ser realizados testes adicionais para constatar a permanência e Figura 6. Variação da fração germinada de grãos tratados e não-tratados sob condição de laboratório Assis O.B.G., Martin, A. (2001) Biocompatibility improvement of inorganic and organic polymeric surface by cold-plasma functional groups incorporation. Sixth International Conference n Frontiers of Polymers and Advanced Materials. (Gomes, A.S.L. et al., eds) Recife. PE. Technical Digest, p.269. Carvalho, A.T., Carvalho, R.A.M., Silva,M.L.P.,Demarquette, N.R., Assis, O.B.G. (2002). Evaluation of Oganosilicon combined deposition for hydrophobic coatings of beans. (Proc. of 4th ISNaPol 2002) São Pedro, SP. Embrapa Instrumentação Agropecuária. Dumitriu, S (ed.) (1999) Polysaccharides. Marcel Deker Inc. New York. Lieberman M. A. & Lichetenberg A.J. (1994). Principles of Plasma Discharges and Materials Processing. J.Wiley &Sons, Inc., New York. Poncin-Epaillard, F., Legeay, G., Brosse, J.C. (1992) Plasma modification of cellulose derivatives as biomaterials. J. of Applied Polymer Science 44: 1513-1522 Shimizu R.N. & Demarquette N. R. (2000). Evaluation of surface energy of solid polymers using different models. J. of Applied Polymer Science 76 [12]: 1831-1845 Tan I. H., Silva M. L. P., Demarquette N. R. (2001). Paper surface modification by plasma deposition of double layers of organic silicon compounds. J. Mater. Chem., 11: 10191025 Tan I. H., Demarquette N., Silva M. L. P., Degasperi F. T., Dallacqua R. (1999). Adhesion improvement of cellulose to polypropylene: a comparison of plasma treatment o PP and plasma deposition on cellulose, ISPC-14 Symposium proceedings, p.1907 Warren, J.E., Bennett, M.A. (1997). Seed hydration using the drum priming system. HortScience,32: 1220-1221. Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento - nº 28- setembro/outubro 2002 25 Terapia Gênica do Câncer Pesquisa Fotos e ilustrações cedidas pelos autores O caminho entre a bancada do laboratório e a clínica médica Eugênia Costanzi-Strauss, PhD Instituto de Ciencias Biomedicas Universidade de São Paulo [email protected] Bryan Eric Strauss, PhD Instituto do Coração Faculdade de Medicina, USP [email protected] 26 tecnologia de transferir genes sadios para células somáticas de um paciente com o objetivo de alterar o curso de uma doença é chamada Terapia Gênica. O racional da terapia gênica está no conhecimento das bases moleculares das doenças humanas e nas estratégias de introdução de material genético (na forma de um ou mais genes) nas células alvo. Tipicamente, os estudos no campo da terapia gênica são iniciados em laboratórios de pesquisa básica e só após um longo período de validação experimental, é que os conhecimentos gerados nas bancadas dos laboratórios são transferidos para a clínica médica. O caminho entre o laboratório de pesquisa e o primeiro teste clínico em humanos de um protocolo de terapia gênica (Fase I) é rigoroso e está marcado por dois importantes passos: o primeiro passo é a definição da doença, do gene terapêutico e do sistema de transferência gênica que serão utilizados. O segundo passo é a validação da estratégia terapêutica experimental. Os resultados gerados nas fases de definição e de validação são pré-requisitos para a submissão e aprovação ou não de uma nova proposta de tratamento experimental. Esses dados serão analisados e considerados pelos órgãos reguladores competentes, incluindo comitês de ética institucionais, locais e federais, como indicadores da garantia de relevância, eficiência e segurança do novo tratamento. Levantamento realizado em 2001 revelou que, em 12 anos de terapia gênica (o primeiro protocolo clínico de terapia gênica aconteceu em 1990) Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento - nº 28- setembro/outubro 2002 foram realizados 600 testes de Fase I e cerca de 4.000 pacientes receberam genes terapêuticos. As principais patologias tratadas foram câncer, anomalias genéticas monogênicas (fibrose cística, hemofilia, entre outras), doenças infecciosas (como AIDS) e anomalias cárdio-vasculares. (1) Definição da doença, do gene terapêutico e do sistema de transferência gênica que serão utilizados: Terapia gênica é um tratamento experimental e, como tal, a escolha da doença e do grupo de pacientes deve considerar riscos e benefícios. Por exemplo, quimioterapia é eficiente no tratamento de alguns tipos de leucemias e linfomas, não justificando o uso de procedimentos ainda em fase experimental, como terapia gênica. Em contraste, portadores de glioblastoma, um tumor de cérebro, possuem baixa sobrevida e altíssima mortalidade. Tratamentos convencionais, incluindo cirurgia, rádio e quimioterapia são ineficientes, portanto, os pacientes com glioblastoma necessitam de novas opções e são considerados como candidatos a protocolos clínicos de terapia gênica do câncer. A premissa da terapia gênica é corrigir a doença pela raiz tratar o gene anormal. Essencialmente existem várias formas de se tratar um gene defeituoso (doente). As principais e mais utilizadas são: (a) transferência de uma cópia normal do gene defeituoso. Por exemplo, o gene supressor de tumor p53 é freqüentemente perdido em células transformadas. Nas células normais, esse gene controla a proliferação e monitora a integridade do ge- noma celular, devido a essas propriedades, p53 é chamado de guardião do genoma. A transferência do gene p53 é capaz de inibir o crescimento tumoral e aumentar a sensibilidade do tumor ao tratamento quimio e radioterápico; (b) transferência de genes tóxicos ou suicidas, com o objetivo de matar células do câncer. O gene tk (timidina quinase derivado do vírus Herpes simplex) é o melhor exemplo nessa cate- tégia funciona de forma similar a uma vacina gênica, porquê tem como objetivo imunizar o organismo contra a presença de células tumorais; (d) transferência de genes inibidores da proliferação de células dos vasos sangüíneos. A meta desse tratamento é bloquear o suplemento sangüíneo tumoral, através da redução da formação de novos vasos sangüíneos (angiogênese) ao redor do tumor. e não-virais têm sido amplamente utilizados como vetores em ensaios de terapia gênica. Vírus possuem extraordinária capacidade de atingir e transferir parte de seu genoma para células alvo e essa propriedade tem sido explorada na criação de inúmeros sistemas virais de transferência gênica. Vetores virais de transferência gênica são construídos a partir de modificações em vírus naturais, com o objetivo goria. A estratégia é relativamente simples: apenas as células tumorais que receberam o gene tk exógeno são eliminadas após a administração da droga quimioterápica ganciclovir. A presença do gene tk nas células confere sensibilidade ao ganciclovir e o resultado esperado é a eliminação do tumor; (c) transferência de genes ativadores do sistema imunológico, tendo como alvo despertar a resposta imune contra as células tumorais. Esse tipo de estra- O grande desafio da terapia gênica está no sistema de transferência gênica. O gene terapêutico deve ser transferido e expresso na célula alvo de forma eficiente e segura. O corpo humano possui diversas defesas naturais contra material genético estranho; assim a administração de um medicamento, onde um gene é o remédio, é um problema especial. A terapia gênica depende da tecnologia de transferência gênica, diversos sistemas virais de ganhar eficiência e segurança. Hoje, 70% dos protocolos de terapia gênica utilizam vírus recombinantes como veículo para transferência e expressão do gene terapêutico, sendo que 38% dos protocolos aplicam retrovírus, 26% adenovírus e os restantes 6% utilizam adenovirus associado, herpes simplex virus ou pox virus. O processo de criação dos veículos de transferência gênica é contínuo e ainda não existe um sistema ideal e capaz de satisfazer Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento - nº 28- setembro/outubro 2002 27 a todos os requisitos de um vetor perfeito. Com os elementos doença, gene e vetor defenidos, o pesquisador ínicia o trabalho na bancada do laboratório, produzindo pequenas quantidades do vírus portador do gene terapêutico de interesse, com vistas a demonstrar experimentalmente o mérito e a relevância da nova estratégia. No caso da terapia gênica do câncer, esse processo involve experimentos básicos realizados in vitro e in vivo (veja a Figura, por exemplo). Com a obtenção de resultados positivos, o pesquisador está pronto para dar o segundo passo, ou seja, validar a nova estratégia de terapia gênica. Nessa fase, o trabalho deve ser realizado sob condições que permitam documentação e controle de qualidade dos procedimentos, reagentes e equipamentos utilizados. (2) Validação da estratégia terapêutica experimental. Os ensaios pré-clínicos têm como objetivo demonstrar a eficácia e a segurança da nova proposta de terapia gênica. Seguindo o exemplo do sistema adotado nos EUA, esse processo é muito rigoroso e representa um grande passo do caminho até a clínica. Os ensaios pré-clinicos podem ser divididos em três áreas gerais: 1) Modelos animais relevantes capazes de demonstrar não apenas a eficácia, mas, principalmente, o mecanismo da ação e a segurança da transferência do material genético recombinante para o animal; 2) Estudos toxicológicos direcionados para a análise da resposta do organismo contra o tratamento gênico. Freqüentemente, esses ensaios são iniciados em animais de pequeno e médio porte e concluídos em primatas nãohumanos; 3) Estudos de biodistribuição, com o fim de avaliar a permanência e distribuição do vetor terapêutico no corpo de animais de laboratório. Ensaios de PCR (reação de polimerização em cadeia) são utilizados para detectar o material genético exógeno (vírus terapêutico) em todos os tecidos e líquidos do corpo do animal (não apenas no tecido alvo). Esses estudos são complexos, longos e requerem múltiplas coletas de material realiza28 das em diferentes tempos após a administração do vetor terapêutico. As condições nas quais os ensaios pré-clínicos descritos acima são feitos são igualmente importantes como os resultados em si. A execução dos testes pré-clínicos exige condições especiais de trabalho, capazes de garantir um rigoroso controle de qualidade, documentação e análise dos dados. Ou seja, todo o trabalho de validação de um ensaio de terapia gênica pré-clínico deve obedecer às normas descritas nas boas práticas do laboratório (Good Laboratory Practices, GLP) e nas boas práticas de manufaturação (Good Manufacturing Practices, GMP). As normas de GLP têm como alvo a documentação dos experimentos, que deve ser feita com altissímo padrão de qualidade, incluindo os instrumentos, reagentes, análise estatistica dos dados gerados e supervisão de pessoal treinado. A alma dos ensaios pré-clinicos de terapia gênica é a produção do vetor terapêutico sob condições GMP internacionalmente normatizadas. Em outras palavras, produzir vírus terapêuticos com nível de qualidade similar a de um produto farmacêutico. Todo o processo de produção de vírus terapêutico com qualidade GMP é cuidadosamente supervisionado e controlado, garantindo consistência entre os diferentes lotes de vírus e ausência de contaminantes nas preparações virais. A segurança e qualidade de cada lote de produção é determinada por meio de testes de esterilidade, presença de micoplasma, vírus com competência para replicar e ausência de agentes pirogênicos ou outros agentes oportunistas. Assim, a potência e a pureza do vírus podem ser demonstradas antes do ínicio de ensaios préclinicos. Em última análise, a producão de vírus terapêuticos em condições GMP garante qualidade igual à de uma droga farmacêutica para o medicamento gênico. Isso implica a validade dos resultados obtidos nos modelos animais com os vírus de padrão GMP, que podem, então, ser transferidos para testes clínicos de fase I em humanos. A grande maioria (95%) dos 600 Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento - nº 28- setembro/outubro 2002 protocolos clínicos de terapia gênica foram e estão sendo realizados na América do Norte e na Europa. Curiosamente, protocolos de terapia gênica em fase I já foram concluídos no continente Africano e na América Central. Até hoje, nenhum protocolo foi iniciado no continente Sul-americano. Apesar do Brasil possuir conhecimentos e dominar tecnologias nas áreas de transferência gênica, normas de produção de produtos farmacêuticos e experiência em testes clínicos de drogas convencionais (não gênicas), apenas após a implementação de um laboratório dedicado a produção de virus terapêuticos com qualidade GMP será possível para o Brasil percorrer todo o caminho da terapia gênica, ou seja, da bancada do laboratório de pesquisa até e produção e aplicação de virus terapêuticos. Leituras recomendadas http://www.fda.gov/cber/gene.htm Anderson, W. F. (1998). Human gene therapy, Nature 392, 25-30. Costanzi-Strauss, E., Strauss, B. E., Naviaux, R. K., and Haas, M. (1998). Restoration of growth arrest by p16INK4, p21WAF1, pRB, and p53 is dependent on the integrity of the endogenous cell-cycle control pathways in human glioblastoma cell lines, Exp Cell Res 238, 51-62. Dani, SU. 2000. Terapia gênica. Rev. Biotecnologia 2 (12): 28-33 Mountain, A. (2000). Gene therapy: the first decade, Trends Biotechnol 18, 119-28. Somia, N., and Verma, I. M. (2000). Gene therapy: trials and tribulations, Nat Rev Genet 1, 91-9. Strauss, B. E., and Costanzi-Strauss, E. (1999). Efficient retrovirus-mediated transfer of cell-cycle control genes to transformed cells, Brazilian Journal of Medical & Biological Research 32, 905-14. Strauss, B. E., Fontes, R. B., Lotfi, C. F., Skorupa, A., Bartol, I., Cipolla-Neto, J., and Costanzi-Strauss, E. (2002). Retroviral transfer of the p16INK4a cDNA inhibits C6 glioma formation in Wistar rats, Cancer Cell Int 2, 2. Verma, I. M., and Somia, N. (1997). Gene therapy promises, problems and prospects, Nature 389, 239-42. Engenharia metabólica de Pesquisa Ácido Fólico Ilustrações cedidas pelos autores Engenharia metabólica em Lactococcus lactis para aumentar a produção de ácido fólico Resumo Ana Carolina Sampaio Dória Chaves, Dra. Doutora em Tecnologia de Alimentos Bolsista da Fapesp (Fundação de amparo à pesquisa do estado de São Paulo) Faculdade de Engenharia de Alimentos UNICAMP Campinas, SP [email protected] ou [email protected] Jeroen Hugenholtz, Dr. Pesquisador do NIZO food research e Wageningen Centre for Food Science (WCFS) EDE - Holanda [email protected] Alda Luiza Santos Lerayer, Dra. Pesquisadora do Tecnolat / ITAL (Instituto de Tecnologia de Alimentos) Campinas, SP [email protected] Neste trabalho a engenharia genética foi utilizada para elucidar a importância da via metabólica da enzima serina hidroximetil transferase (SHMT) proveniente de duas bactérias lácticas, Streptococcus thermophilus e Lactococcus lactis, na formação de ácido fólico. O gene glyA (que codifica a enzima SHMT) teve sua expressão otimizada no sistema NICE e, conseqüentemente, observou-se um aumento na produção da enzima SHMT, proporcional ao nível de indução com nisina. Esta superprodução da enzima foi observada de duas maneiras: em gel de poliacrilamida (no qual visualiza-se um claro aumento na banda com 46kDa) e pelo aumento da atividade Figura 1. Plasmídeo pNZStglyA, derivado do vetor pNZ8148 (NIZO Food Research), construído para promover o aumento da expressão do gene glyA de S. thermophilus B130 sob controle do PNIS, em L.lactis NZ9000. Onde: repA = origem de replicação; repC = repressor; cm = gene de resistência ao antibiótico cloranfenicol, T = terminador de transcrição e em azul o PNis = promotor da nisina 30 Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento - nº 28- setembro/outubro 2002 enzimática. Cultivando-se as linhagens de L. lactis com superexpressão do gene glyA em meio GM17, foi observado um aumento significativo da produção de ácido fólico, proporcional ao nível de indução com nisina, confirmando desta maneira o envolvimento da SHMT no metabolismo de ácido fólico. Introdução O ácido fólico é uma importante vitamina do complexo B (B9) que contribui no combate à anemia, na regeneração celular e melhora a insuficiência cardiovascular (devido à substancial queda no teor de homocisteína no plasma). A suplementação de ácido fólico durante a gravidez foi associada ao baixo risco de defeitos no tubo 2000). Segundo Blakley (1969), essa purinas, de novo timidilato, metionina, neural favorecendo, assim, o desen- enzima é essencial na regeneração do lipídeos e outros compostos especiais volvimento saudável do bebê. Esta composto tetrahidrofolato, a partir da (Blakley, 1969). vitamina possui um importante papel sua forma metilada (5,10-metileno teA engenharia genética vem sendo na redução da incidência de câncer, trahidrofolato) e catalisando a síntese utilizada para a obtenção de linhagens devido a sua atuação como cofator em de glicina e 5,10-metileno tetrahidro- microbianas com diferentes caracterísreações envolvendo transferência de folato, a partir de serina e tetrahidrofo- ticas, com o objetivo de melhorar, carbonos primários (Lin & Young, 2000). lato (THF). intensificar ou conferir propriedades O ácido fólico pode ser encontrado em diversos alimentos, tais como: folhas verdes, carnes, aves e produtos lácteos. O leite e os leites fermentados representam uma importante fonte de ácido fólico, porém a pasteurização Esta reação é muito importante, desejáveis aos alimentos, levando ao pode reduzir o teor desta vitamina no pois é a maior fonte dos grupos de desenvolvimento de novos produtos, leite (Scott, 1989). As bactérias lácticas carbonos primários (C1), fundamentais de acordo com as necessidades dos podem ser utilizadas em fermentações para diversas reações. O composto consumidores. As bactérias lácticas, para aumentar o conteúdo desta vita- 5,10-metileno tetrahidrofolato e as suas largamente utilizadas na indústria alimina. Além de S. thermophilus, outras formas reduzida e oxidada são reque- mentícia e, em especial, no setor de bactérias lácticas também são capazes ridos em reações nas quais existe a laticínios, constituem um alvo ideal de produzir elevados teores de ácido necessidade de transferência de carbo- para a utilização de engenharia metafólico, como por exemplo, Lactobaci- nos primários, como por exemplo: na bólica uma vez que possuem: (1) um llus acidophilus (Lin & Young, 2000). biossíntese de compostos contendo metabolismo relativamente simples, Enquanto no leite existe de 20 a grupos metil, anéis biossintéticos de basicamente convertendo o açúcar em 60µg/L de ácido fólico, ácido láctico; (2) vias metabóem leites fermentados, licas relativamente bem cocomo por exemplo o ionhecidas; (3) genomas de algurte, os níveis podem gumas espécies já seqüenciados e vários outros em andachegar a 200µg/L, demento e (4) uma longa histópendendo das condições ria de uso seguro na indústria de armazenamento e das de alimentos (Kleerebezem linhagens utilizadas. O et al, 2000). teor final de ácido fólico O mercado dos alimentos depende principalmenfuncionais tende a crescer cada te da linhagem de Lactovez mais, assim como a busca bacillus delbrueckii por alimentos nutritivos e sausubsp. bulgaricus (L. buldáveis. A produção de leites garicus) utilizada, uma fermentados com teor elevavez que essa bactéria condo de ácido fólico é muito some o ácido fólico prointeressante para esse mercaduzido durante a fermendo e as bactérias lácticas utilitação pela outra bactéria zadas na fermentação podem láctica do iogurte, S. theraumentar o valor nutricional mophilus (Wouters et al., destes produtos. O objetivo 2002). deste trabalho foi construir liA enzima serina hinhagens de L. lactis com sudroximetil transferase perexpressão do gene glyA (EC.2.1.2.1.), também (que codifica a enzima SHMT) chamada de treonina alpara estudar o envolvimento dolase (Weeb, 1992), Figura 2. Plasmídeo pNZLlglyA, derivado do dessa enzima no metaboliscodificada pelo gene glyA vetor pNZ8148 (NIZO Food Research), construído mo de ácido fólico. (Liu et al., 1998), está para promover o aumento da expressão do gene envolvida no metabolisglyA de L. lactis sob controle do PNIS, em L.lactis Material & Métodos mo de ácido fólico em NZ9000. Onde: repA = origem de replicação; todos os organismos repC = repressor; cm = gene de resistência ao Os genes glyA da linhacomo, também, na biosantibiótico cloranfenicol, T = terminador de transgem B130 de S. thermophilus síntese de glicina em anicrição e em azul o PNis = promotor da nisina e da linhagem MG1363 de L. mais, plantas e microrgalactis foram obtidos diretanismos (Ogawa et al., Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento - nº 28- setembro/outubro 2002 31 Figura 3. Gel de poliacrilamida (SDS-PAGE) mostrando o aumento da produção da enzima SHMT em L. lactis NZ9000 contendo o gene glyA de S. thermophilus sob controle do promotor da nisina e determinação da atividade SHMT (conversão de serina em glicina) nos diversos níveis de indução. Uma unidade da atividade SHMT corresponde à formação de um ηmol de glicina por minuto de reação por miligrama de proteína no extrato enzimático mente a partir do DNA cromossômico por meio de uma reação de PCR (Polymerase Chain Reaction). Estes genes foram clonados no vetor comercial pGEM-T (Promega, Madison/EUA) gerando os plasmídeos pLlglyA (glyA da linhagem MG1363 de L. lactis) e pStglyA (glyA da linhagem B130 de S. thermophilus). Subseqüentemente, as seqüências destes genes foram determinadas utilizando-se o seqüenciador automático ALFred (Automatic Laser Fluorescent DNA Sequencer da Phamacia Biotech). As reações de seqüenciamento foram realizadas com um Kit comercial (Autoread Sequencing, Phamacia Biotech), de acordo com as instruções do fabricante. O sistema NICE (NICE SYSTEM®) desenvolvido e patenteado pelo NIZO Food Research (Ruyter et al., 1996) é um sistema de expressão de proteínas induzido por nisina. Os genes glyA de S. thermophilus e de L. lactis presentes nos plasmídeos pLlglyA e pStglyA, foram obtidos por meio de digestão com as enzimas XbaI e BspHI e inseridos no vetor pNZ8148, sob controle do promotor da nisina, resultando nos plasmídeos: pNZLlglyA (Figura 1) e pNZStglyA (Figura 2). Células competentes de L. lactis (linhagem NZ9000) foram transformadas por eletroporação, com estes dois plasmídeos, geran32 do as linhagens mutantes LlglyALl (com superexpressão do gene glyA de L. lactis) e LlglyASt (com superexpressão do gene glyA de S. thermophilus). A expressão do gene glyA foi regulada por meio da indução com diferentes concentrações de nisina (0; 0,1ng/ ml; 0,6ng/ml e 3ng/ml). Após indução, foram preparados extratos enzimáticos nos quais verificou-se a superexpressão do gene glyA pela (1) determinação da atividade enzimática de SHMT, por meio da conversão de serina em glicina (Schirch & Gross, 1968) e (2) aplicação destes extratos em géis de poliacrilamida SDS-PAGE (Laemmli, 1970). A concentração de ácido fólico foi determinada por método desenvolvido pelo Nizo Food Research segundo Moloy & Scott (1997); Horne & Patterson (1988) e Phillips & Wrigth (1982 e 1983). Este método consiste em ensaio microbiológico, no qual utiliza-se uma linhagem de Lactobacillus casei auxotrófica para ácido fólico. A concentração de proteína dos extratos protéicos foi determinada utilizandose um kit Bio-Rad GmbH (Alemanha), baseado no método de Bradford (Bradford, 1976). Resultados & Discussão Com o experimento NICE, após indução com nisina, foi constatada a superexpressão do gene glyA, com conseqüente superprodução da enzima SHMT de S. thermophilus e L. lactis, que foi observada de duas maneiras: em gel de poliacrilamida (no qual visualiza-se um claro aumento na banda com 46kDa) e pelo aumento da atividade enzimática de SHMT, determinada por meio da conversão do aminoácido serina em glicina (Figura 3). Cultivando-se as linhagens de L. lactis com superexpressão do gene glyA em meio GM17, foi observado um aumento significativo da produção de ácido fólico, proporcional ao nível de indução com nisina (Figura 4) confir- Figura 4. Produção de ácido fólico pela linhagem LltglyASt, nos diferentes níveis de indução com nisina Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento - nº 28- setembro/outubro 2002 Figura 5. Ilustração do gene glyA no NICE SYSTEM (NIZO Food Research), sob o controle do PNis com aumento da produção da enzima serina hidroximetil transferase e de ácido fólico mando, desta maneira, o envolvimento da SHMT no metabolismo de ácido fólico, como já havia sido indicado por Cossins & Chen (1997) e Ogawa et al. (2000). Sumarizando os resultados obtidos neste trabalho, os genes glyA de S. thermophilus e de L. lactis foram isolados, seqüenciados e clonados em linhagens de L. lactis. Nas linhagens de L. lactis com superexpressão do gene glyA foi observado um incremento na produção de ácido fólico (Figura 5). Os conhecimentos obtidos ao longo deste trabalho podem contribuir para melhorar as características tecnológicas de linhagens de L. lactis, assim como também de S. thermophilus, visando a produção de leites fermentados e/ou iogurtes com teor de ácido fólico elevado, aumentando, deste modo, o valor nutricional deste produto. Para que os conhecimentos adquiridos com este estudo possam reverter em benefícios para a indústria alimentícia, os genes glyA de S. thermophilus e de L. lactis devem ser clonados em um vetor de grau alimentício (Food grade), ou seja, sem o gene de resistência ao antibiótico e contendo somente seqüências de DNA proveniente destes microrganismos. Agradecimentos Este trabalho teve o apoio financei- ro da Fapesp (bolsa de doutorado de Ana Carolina S. D. Chaves), assim como também do Professor Willem de Vos diretor do centro de pesquisas Wageningen Centre for Food Science (WCFS) em Wageningen na Holanda. Referências Bibliográficas 1. Blakley, R. L. 1969. In Frontiers of Biology. Amesterdam: North Holand, Neuberger; A.; Tatun, E. D. (Eds), v. 13. p. 190. 2. Bradford, M. M. 1976. A rapid and sensitive method for quantification of microgram quantities of protein utilizing the principle of protein-dye binding. Anal. Biochem.72:248-254. 3. Cossins E.; Chen, L. 1997.Folates and one carbon metabolism in plants and fungi. Phytochemistry, 45:437-452. 4. Horne, D. W.; D. Patterson. 1988. Lactobacillus casei Microbiological assay of folic acid derivatives in 96 well microtiter plates. Clin. Chem., 34/1: 2357-2359. 5. Kleerebezem M.; Hols P.; Hugenholtz J. 2000. Lactic acid bacteria as a cell factory: rerouting of carbon metabolism in Lactococcus lactis by metabolic engineering. Enzyme Microb. Technol., 26(910): 840-848 6. Leammli, U. K. 1970. Cleavage of structure proteins during the assembly of the head of bacteriophage T4. Nature, 227: 630-685. 7. Lin, M. Y.; Young, C. M. 2000. Folate levels in cultures of lactic acid bacteria. International Dairy Journal, 10: 409-414. 8. Liu, J-Q.; Dairi, T.; Itoh, N.; Kataoka, M.; Shimizu, S.; Yamada, H. 1998. Gene cloning, nucleotide sequencing, purification, and characterization of low-specificity l-threonine aldolase from Escherichia coli. European Journal of Biochemistry, v. 255: 220-226. 9. Moloy, A. M.; Scott J. M. 1997. Microbiological assay for serum, plasma and red cel folate using cryopreserved, microtiter plates method, In Methods in enzymology, v. 281, 4353. 10. Ogawa, H.; T. Gomi; M. Fujioka. 2000. Serine hydroxymethyltransferase and threonine aldolase: are they identical? The Intern. J. of Biochem. & Cell Biol. 32:289-301. 11. Phillips, D. R.; Wright, A. J. A. 1982. Studies on the response of Lactobacillus casei to different folate monoglutamates. Br. J. Nutr. 47:183189. 12. Phillips, D. R.; Wright, A. J. A. 1983. Studies on the response of Lactobacillus casei to different folate vitamin in foods. Br. J. Nutr. 49:181186. 13. Ruyter, P. G. G. A., O. P. Kuipers; W. M. de Vos. 1996. Controlled gene expression system for Lactococcus lactis with the food-grade inducer nisin. Appl. Envirol. Microbiol. 62: 3662-3667. 14. Scott, K. J. 1989. Micronutrients in milk product. In: E. Renner, Micronutrients in milk and milk-based food products. London: Elsevier Applied Science, p: 71-123. 15. Weeb, E. C. 1992. In J. F. G. Vliegenthart (ed.), Enzyme nomenclature NC-IUBMB, International Union of Biochemistry and molecular biology, Academic Press, INC Publisher Harcourt Brace Jovanovich. San Diego. . p.173 e 460 16. Wouters, J. T. M.; Ayad, H. E. E.; Hughenholtz, J.; Smit, G. 2002. Microbes from raw milk to fermented dairy products. International Dairy Journal, v. 12: 91-109. Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento - nº 28- setembro/outubro 2002 33 PESQUISA PRODUÇÃO BIOTECNOLÓGICA DE XILITOL A PARTIR DA PALHA DE ARROZ Ilustrações cedidas pelas autoras Aproveitamento de resíduo agrícola para geração de um edulcorante de elevado valor agregado Solange Inês Mussatto Engenheira Industrial Química, Mestre em Biotecnologia Industrial Professora do Departamento Básico da Faculdade de Engenharia Química de Lorena FAENQUIL Lorena SP [email protected] Inês Conceição Roberto Doutora em Tecnologia BioquímicoFarmacêutica pela USP Professora e Pesquisadora do Departamento de Biotecnologia da Faculdade de Engenharia Química de Lorena FAENQUIL Lorena SP [email protected] Figura 1. Composição da palha de arroz (%)(Mussatto, 2002) 34 arroz é um dos alimentos mais consumidos não só no Brasil como em quase todos os países do mundo. Entretanto, sua plantação só pode ser feita em locais com condições adequadas de clima e de solo, condições estas que podem ser encontradas em quase todas as regiões do Brasil. No mundo todo, mais de 50 países contribuem com uma produção de cerca de 100 milhões de toneladas de arroz anualmente (Kadam et al., 2000). No Brasil, segundo dados do IBGE, a produção de arroz com casca na safra 2000/2001 foi de, aproximadamente, 11,1 milhões de toneladas, quantidade suficiente para gerar um resíduo de cerca de 15 milhões de toneladas de palha de arroz (Mussatto, 2002). O acúmulo de grandes quantidades desse resíduo no solo pode causar mudanças no ecossistema (Sun et al., 2000), e, segundo alguns médicos, a prática de queimadas como forma de sua eliminação pode provocar ataques de asma, não somente em crianças, mas também em adultos, durante um Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento - nº 28- setembro/outubro 2002 período de vários anos (Jacobs et al., 1997). Uma forma de contornar esses problemas é a retirada desse resíduo dos campos e sua utilização na geração de produtos que sejam benéficos para o homem. Isso é possível devido à palha de arroz ser um material lignocelulósico fibroso, de elevado valor nutritivo. Em sua composição, a palha de arroz apresenta um teor de cinzas de 11,4 % (Mussatto, 2002), e essas cinzas geralmente contêm (%): SiO2 (75), K2O (10), P2O5 (3), Fe2O3 (3), CaO (1,3) e pequenas quantidades de Mg, S e Na (Kadam, 2000). Contudo, seus principais componentes orgânicos são a celulose, a hemicelulose e a lignina, nas proporções (%) apresentadas na Figura 1. A fração hemicelulósica desse resíduo é composta basicamente por polímeros heterogêneos com cadeias lineares que apresentam ramificações laterais, sendo constituídas, principalmente, por pentoses (D-xilose e L-arabinose) e, em uma menor proporção, hexoses (D-glicose, Dmanose e D-galactose), ácidos Dglucurônicos e grupos acetilas (Kuhad e Singh, 1993). Uma estrutura típica da hemicelulose encontrada na palha de arroz está apresentada na Figura 2. Por ser um material lignocelulósico fibroso, a palha de arroz pode ser utilizada na geração de energia, alimentação animal, produção de combustíveis domésticos (gás metano) e produção de fibras de papel e celulose. Além de todas essas aplicações, esse resíduo pode ser também utilizado como matéria-prima para a produção biotecnológica de xilitol, devido ao seu elevado conteúdo de pentosanas (fração hemicelulósica) for- Tabela 1. Valores de pH, concentração (g/L) de glicose, xilose, arabinose, furfural, hidroximetilfurfural (HMF) e ácido acético, e estimativa dos produtos derivados da lignina (PDL), do hidrolisado de palha de arroz em sua forma original, concentrado e tratado Caracterização Glicose Xilose Arabinose Furfural HMF Ácido Acético PDL* pH * absortividade a 280 nm Original 3,29 18,33 3,40 0,10 0,17 1,05 0,16 1,22 necer um hidrolisado susceptível à ação de microrganismos (Roberto et al., 1996; Silva e Roberto, 1999). O xilitol é um poliálcool de estrutura aberta e fórmula molecular C5H12O5 (sua estrutura molecular pode ser observada na Figura 3). Esse poliálcool de valor calórico igual a 2,4 Kcal/g apresenta características relevantes que permitem seu uso na manufatura de alimentos, em produtos farmacêuticos e em cosméticos. O xilitol é considerado ainda como um adoçante perfeitamente capaz de substituir com vantagens a sacarose. Isso porque, além de poder adoçante, apresenta propriedade anticariogênica e possui várias aplicações clínicas que o Hidrolisado Concentrado 19,80 119,90 22,90 0,07 0,32 2,28 0,52 0,40 indicam no tratamento de pessoas com diabetes, desordem no metabolismo de lipídeos, lesões renais e parenterais, na prevenção de otite, infecções pulmonares e osteoporose (Mäkinen, 2000). O xilitol pode ser encontrado na natureza em muitas frutas, vegetais e cogumelos, porém, em quantidades inferiores a 900 mg/100 g, o que torna sua extração um processo antieconômico e impraticável (Parajó et al., 1998b). Uma alternativa à extração do xilitol diretamente dessas fontes naturais é a sua obtenção pela hidrogenação da D-xilose presente na matéria vegetal, seja por via química, seja por via biotecnológica. Tratado 18,75 117,39 21,78 0,00 0,11 1,97 0,38 0,40 O processo químico é o único atualmente utilizado para produção de xilitol em larga escala. Esse processo é realizado em várias etapas, e entre essas, a purificação da xilose presente no hidrolisado é considerada a mais crítica, pois, além de requerer uma elevada eficiência (para que não ocorram problemas posteriores na produção), é a etapa mais dispendiosa de todo o processo. De uma forma geral, quando comparada à produção de sacarose ou sorbitol, a produção de xilitol por processo químico apresenta um custo cerca de 10 vezes maior (Heikkilä et al., 1992). Na tentativa de desenvolver uma técnica menos dispendiosa e que tam- Figura 2. Estrutura da hemicelulose (Software ACD / ChemSketch vs.4.55) Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento - nº 28- setembro/outubro 2002 35 Tabela 2. Fatores de Conversão: Substrato em Produto (YP/S), Substrato em Células (YX/S), Células em Produto (YP/X), Produtividade Volumétrica (QP), e eficiência (η, em % do máximo teórico que pode ser alcançado) obtida para o processo fermentativo de produção de xilitol, a partir de hidrolisado de palha de arroz fração hemicelulósica da biomassa vegetal, já se encontra em fase avançada, apresentando resultados promissores. Parâmetros Fermentativos Hidrolisado Tratado YP/S (g/g) 0,72 QP (g/L.h) 0,57 YP/X (g/g) 6,08 YX/S (g/g) 0,11 η (%) 79 Fator de Conversão de Substrato em Produto - Máximo Teórico = 0,917 g/g Para ser utilizada como substrato na produção de xilitol, a palha de arroz (obtida localmente) foi submetida a um processo de hidrólise ácida (H2SO4 1% p/v) sob condições brandas (120 oC, por 30 minutos) visando à recuperação de uma fração hemicelulósica contendo xilose como maior constituinte. O hidrolisado obtido foi submetido a um processo de concentração sob vácuo a uma temperatura de 70º ± 5 oC, com vistas a aumentar a concentração de xilose, pois esse é um dos principais fatores que afetam o rendimento em xilitol por leveduras. Em processos de hidrólise de materiais lignocelulósicos, além da liberação dos açúcares, é comum ocorrer a formação de compostos provenientes da degradação da glicose, da xilose (hidroximetilfurfural e furfural, respectivamente) ou da lignina (aromáticos, fenólicos e aldeídos). Também é comum ocorrer a liberação de substâncias provenientes da própria estrutura lignocelulósica (extrativos e ácido acético) ou dos equipamentos de hidrólise (íons ferro, cromo, níquel e cobre). Todos esses compostos atuam como potentes inibidores da ação microbiana, interferindo negativamente no rendimento do processo fermentativo (Palmqvist e Hahn-Hägerdal, 2000). Dessa forma, para tornar o hidrolisado obtido mais susceptível à ação do microrganismo, esse foi tratado com carvão ativo em pó, na proporção: 1 grama de carvão : 40 gramas de hidrolisado, nas condições: pH 2,0, agitação 150 rpm, tempo 60 minutos e temperatura 45 °C (Mussatto, 2002). Após a etapa de tratamento, o hidrolisado obtido já pode ser utilizado como meio de fermentação para a produção de xilitol. O microrganismo empregado nesse trabalho foi a levedura Candida guilliermondii (FTI 20037), proveniente da coleção de culturas do Grupo de Processos Fermentativos do Departamento de Biotecnologia da Fa- bém possa ser utilizada em escala industrial, a Faculdade de Engenharia Química de Lorena (Faenquil) vem potencialmente estudando o processo biotecnológico de produção de xilitol, aproveitando resíduos agrícolas e florestais como a palha de arroz (Mussatto, 2002), o bagaço de cana-de-açúcar (Marton, 2002), a palha de trigo (Canilha, 2002), e a madeira de eucalipto (Cannettieri, 2001), que são encontrados facilmente e em grandes quantidades no Brasil. Esses resíduos apresentam uma fração hemicelulósica rica em xilose, que pode ser convertida em xilitol, através da ação de microrganismos (processo biotecnológico). O processo biotecnológico tem-se mostrado, por diversas razões, uma boa alternativa ao processo químico, pois, além de dispensar a purificação da xilose, pode utilizar enzimas ou microrganismos específicos que atuam somente na conversão de xilose em xilitol, o que leva a um maior rendimento em produto e, conseqüentemente facilita a sua separação. Vale a pena destacar que, entre os microrganismos, as leveduras (especialmente as que pertencem ao gênero Candida) têm sido consideradas mais aptas que as bactérias e os fungos para produzir esse edulcorante (Mayerhoff et al., 1996). A Figura 4 apresenta um esquema geral de como ocorre o metabolismo de xilose no processo biotecnológico de produção de xilitol . A obtenção de xilitol por via biotecnológica está associada à capacidade dos microrganismos em sintetizar a enzima xilose redutase (XR). Inicialmente, essa enzima catalisa a redução de xilose a xilitol com a participação 36 dos cofatores NADPH ou NADH (Roseiro et al., 1991). O xilitol, composto relativamente estável, ou é excretado da célula, ou é oxidado a xilulose pela enzima xilitol desidrogenase (XDH), cuja atividade requer os cofatores NAD ou NADP. A fosforilação da D-xilulose a Dxilulose-5-fosfato é catalisada pela enzima xilulose quinase e envolve gasto de energia na forma de ATP. A Dxilulose-5-fosfato formada, pode, subseqüentemente, ser convertida a piruvato, através da conexão da via das Figura 3. Estrutura química do xilitol (Mäkinen, 2000) fosfopentoses (onde é gerado o NADH necessário nas vias biosintéticas) com a via Embden - Meyerhof - Parnas (EMP) (Webb e Lee, 1992; Nolleau et al., 1993). O piruvato obtido pode ser descarboxilado e reduzido a etanol, ou pode entrar no ciclo dos ácidos tricarboxílicos que, acoplado com a cadeia de transporte de elétrons, regenera NAD+ e ATP. Atualmente o processo biotecnológico de produção xilitol por leveduras, a partir de hidrolisados oriundos da Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento - nº 28- setembro/outubro 2002 Metodologia Tabela 3. Fator de Conversão de Substrato em Produto (Y P/S) e Produtividade Volumétrica em Xilitol (QP), em processos fermentativos a partir de hidrolisado de diferentes matérias-primas Matéria-prima Farelo de cevada Sabugo de milho Sabugo de milho Bagaço de cana-de-açúcar Folhas de milho Madeira de eucalipto Madeira de eucalipto Palha de arroz YP/S (g/g) 0,61 0,71 0,52 0,79 0,64 0,63 0,04 0,72 enquil, selecionada por Barbosa et al. (1988), para produção de xilitol. Inicialmente foi preparado um inóculo da levedura cultivada em meio contendo xilose, extrato de farelo de arroz, sulfato de amônio e cloreto de cálcio, em frascos incubados a 30 °C, em agitador rotatório a 200 rpm, por QP (/L.h) 0,33 0,60 0,26 0,52 0,36 0,41 0,02 0,57 24 horas. Após esse período, as células foram separadas e inoculadas no meio de fermentação contendo o hidrolisado de palha de arroz tratado com carvão ativo. A fermentação foi conduzida em frascos Erlenmeyer de 125 mL, contendo 50 mL do meio de fermentação, inoculados com uma con- Referência Cruz et al., 2000 Kim et al., 1999 Cruz et al., 2000 Alves et al., 1998 Cruz et al., 2000 Converti et al., 2000 Cruz et al., 2000 No presente trabalho centração celular de 3 g/L, e incubados a 30 °C em agitador rotatório a 200 rpm, durante 116 horas. Durante a fermentação, foram retiradas amostras, periodicamente, para acompanhamento do processo. As concentrações de glicose, xilose, arabinose, xilitol, furfural, hidroximetilfurfural e ácido acético foram determinadas por Cromatografia Líquida de Alto Desempenho (HPLC). A determinação dos produtos derivados da lignina foi feita de acordo com a metodologia descrita por Rocha (2000), baseada na leitura de absorbância em espectrofotômetro em um comprimento de onda de 280 nm. O pH foi determinado por potenciometria em um aparelho com correção de temperatura. Os cálculos dos fatores de conversão e produtividade do processo fermentativo foram feitos de acordo com Moser (1985). Resultados e Conclusões Figura 4. Metabolismo de xilose em leveduras (adaptado de Parajó et al., 1998a) O hidrolisado hemicelulósico de palha de arroz obtido nesse trabalho foi caracterizado físico-quimicamente, em suas formas original, concentrado e tratado, para determinação dos teores de glicose, xilose, arabinose, furfural, hidroximetilfurfural e ácido acético, e absortividade a 280 nm (estimativa dos produtos da degradação da lignina - PDL). Os dados referentes a essas determinações estão apresentados na Tabela 1. A análise desta tabela mostra que o processo de hidrólise foi capaz de promover o fracionamento seletivo dos açúcares presentes na fração hemicelulósica da palha de arroz, libe- Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento - nº 28- setembro/outubro 2002 37 Figura 5. Processo fermentativo de produção de xilitol por Candida guilliermondii, em hidrolisado hemicelulósico de palha de arroz: A-) Consumo de Açúcares (%); B-) Produção de xilitol e Células (g/L) durante o decorrer do processo fermentativo rando dentre estes, a xilose, como principal constituinte. Em respeito às concentrações de ácido acético, furfural e hidroximetilfurfural, pode-se dizer, com base em dados da literatura, que os teores desses compostos presentes no hidrolisado de palha de arroz concentrado, encontram-se abaixo dos níveis capazes de inibir o metabolismo da levedura Candida guilliermondii. Já os compostos provenientes da degradação da lignina (PDL) só se enquadraram nesses níveis após o tratamento do hidrolisado com carvão ativo, devido à remoção parcial ocorrida. Contudo, pode-se afirmar que as propriedades físico-químicas desse hidrolisado apresentam características favoráveis à sua utilização no processo de bioconversão de xilose em xilitol. A confirmação disso só pôde ser obtida após a fermentação desse hidrolisado. Na Figura 5, nota-se que o microrganismo foi perfeitamente capaz de produzir xilitol a partir da xilose presente no hidrolisado de palha de arroz, confirmando que esse hidrolisado hemicelulósico pode ser empregado em processos de bioconversão, atingindo resultados satisfatórios. Durante o processo fermentativo, observou-se um consumo simultâneo da glicose e da xilose presente no hidrolisado. Entretanto, a glicose por estar em uma concentração cerca de 6,5 vezes menor, foi totalmente esgotada 38 até as primeiras 24 horas do processo, estando seu consumo relacionado com o aumento da concentração celular. Ao contrário da glicose, a xilose é a fonte de carbono utilizada principalmente para a bioconversão em xilitol. A eficiência desse processo de bioconversão pode ser melhor observada através dos valores dos parâmetros fermentativos mostrados na Tabela 2. Nota-se nessa tabela que o hidrolisado de palha de arroz mostrou ser um meio perfeitamente favorável à ação do microrganismo, que foi capaz de produzir xilitol com uma elevada eficiência. É importante ressaltar que o hidrolisado utilizado nesse trabalho foi empregado como meio de fermentação sem a adição de nutrientes, ou seja, o hidrolisado de palha de arroz foi capaz de promover ao microrganismo todos os compostos necessários para o seu crescimento e bioconversão. Dentre as matérias-primas normalmente empregadas na produção de xilitol (bagaço de cana-de-açúcar, palha de trigo, madeira de eucalipto, sabugo de milho...) a palha de arroz é a única que tem sido capaz de gerar um hidrolisado com características nutricionais que suprem a necessidade de suplementação adicional, para que possa ser empregado em processos de bioconversão. Esse fato é de extrema importância pois acarreta uma redução no custo global do processo. As pesquisas de produção de xili- Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento - nº 28- setembro/outubro 2002 tol realizadas até hoje com outras matérias-primas têm apresentado resultados similares ou até inferiores aos obtidos nesse trabalho, contando sempre com um meio de cultivo adicionado de nutrientes. Alguns exemplos de trabalhos de produção de xilitol a partir de outros resíduos lignocelulósicos são dados na Tabela 3. Em todos esses casos foram, adicionados nutrientes para que o processo de bioconversão ocorresse com maior eficiência. Com base nos resultados obtidos nesse trabalho, podemos concluir que, além de contribuir na solução de possíveis problemas ambientais, a utilização da palha de arroz no processo de bioconversão de xilose em xilitol surge como uma alternativa interessante de produção desse edulcorante, pois apresenta resultados promissores e que podem ser ainda melhorados. Estudos de outras variáveis de grande efeito em processos fermentativos, como a transferência de oxigênio em biorreator, por exemplo, estão sendo realizados no Departamento de Biotecnologia da Faenquil, e esperamos, em um futuro próximo, aumentar ainda mais os resultados dessa bioconversão, e estabelecer, de uma forma geral, a melhor tecnologia para produção desse edulcorante, que, cada vez mais, vem apresentando propriedades e efeitos benéficos para a saúde do homem. Agradecimentos Os autores agradecem à FAPESP e ao CNPq pelo apoio financeiro concedido para execução deste trabalho. Referências Bibliográficas ALVES, L.A., FELIPE, M.G.A., SILVA, J.B., SILVA, S.S., PRATA, A.M.R. Pretreatment of Sugar Cane Bagasse Hemicellulose Hydrolysate for Xylitol Production by Candida guilliermondii. Applied Biochemistry and Biotechnology, v. 70-72, p. 89-98, 1998. BARBOSA, M.F.S., MEDEIROS, M.B., MANCILHA, I.M., SCHNEIDER, H., LEE, H. Screening of Yeasts for Production of Xylitol from D-Xylo- se and Some Factors which Affect Xylitol Yield in Candida guilliermondii. Journal of Industrial Microbiology, v.3, p.241-251, 1988. CANNETTIERI, E.V., ALMEIDA e SILVA, J.B., FELIPE, M.G.A. Application of Factorial Design to the Study of Xylitol Production from Eucalypus Hemicelluosic Hydrolysate. Applied Biochemistry and Biotechnology, v.94, p.159-168, 2001. CANILHA, L. Aproveitamento do Hidrolisado de Palha de Trigo para a Obtenção de Xilitol por Via Microbiana. 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Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento - nº 28- setembro/outubro 2002 39 Biologia molecular do desenvolvimento reprodutivo em Pinus Pesquisa Fotos cedidas pelos autores Biotecnologia da reprodução em pinheiros Reprodução em pinheiros Cristiano Almada Lobo, Dr. [email protected] Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, Depto. de Ciências Florestais Marcelo Carnier Dornelas, PhD [email protected] Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, Depto. de Ciências Florestais A maior parte dos pinheiros utilizados comercialmente para a produção de madeira para lápis e polpa de celulose para a fabricação de papel e papelão é do gênero Pinus e pertence ao grupo das coníferas. As coníferas evoluíram das prógimnospermas no final do período Devoniano e constituíam um dos grupos de plantas terrestres mais norte e alguns tipos de formações florestais do hemisfério sul, como as florestas de araucárias. As sementes das gimnospermas são nuas, ou seja, não estão envoltas em outra estrutura protetora como as sementes das angiospermas, que são incluídas nos frutos. Uma característica marcante das coníferas é o arranjo dos órgãos reprodutivos de maneira espiralada, formando um cone, também chamado de Figura 1: A: Nuvem de pólen liberada por cones reprodutivos (estróbilos) masculinos de Pinus, durante a fase reprodutiva. B: Estróbilos masculinos de Pinus em diferentes fases de desenvolvimento. C: Grãos de pólen de Pinus vistos em microscopia eletrônica de varredura. Note as estruturas em forma de bóias denominadas sacci (setas) que auxiliam na dispersão pelo vento e no processo de fecundação. Barras: B: 4cm; C: 30µm abundantes durante a era Mesozóica (Miller, 1978). Atualmente, espécies de coníferas dominam as florestas temperadas do hemisfério 40 Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento - nº 28- setembro/outubro 2002 estróbilo. Há estróbilos masculinos, produtores de pólen (Figura 1), e estróbilos femininos, compostos de brácteas, que contém um ou dois óvulos (Figura 2). Uma mesma árvore de Pinus pode conter estróbilos masculinos e femininos; no entanto, em alguns gêneros (como em Araucaria, por exemplo), há árvores masculinas e árvores femininas (Figura 3). A maior parte das espécies do gênero Pinus são monóicas, ou seja, possuem cones masculinos e femininos na mesma planta (Figura 4). Semelhante a muitas angiospermas, o floresFigura 2: A: Ramos contendo estróbilos femininos maduros de Pinus, que já cimento em pinheiros liberaram as sementes. B: Estróbilo feminino de Pinus na fase em que o mesmo do gênero Pinus iniciase encontra receptivo aos grãos de pólen. C: Uma das escamas ovulíferas do cone se com a transformação feminino mostrado em B, visto em microscopia eletrônica de varredura. As setas de um meristema indeapontam para os óvulos. Barras: B: 0,5 cm; C: 150µm terminado (de uma gema axilar), em um meristema determinado, que formará um ção da fase vegetativa, durante a detalhadamente em plantas angiestróbilo. Os estróbilos tornam-se qual o meristema produz órgãos ospermas. De maneira geral, a exanatomicamente diferenciáveis com vegetativos (folhas), para a fase pressão de LFY durante a fase vegeo desenvolvimento de brácteas. reprodutiva, durante a qual o me- tativa, é inicialmente baixa, mas Complexos constituídos de esca- ristema da inflorescência produz aumenta com a idade da planta. Os mas e brácteas ovulíferas são dife- os meristemas florais. Estes, por níveis de expressão são mais altos renciados na periferia do eixo dos sua vez, produzem os órgãos re- na entrada da fase reprodutiva, sumeristemas das gemas reproduti- produtivos, em estruturas especi- gerindo que a concentração do provas femininas (Figura 2). Já nas alizadas, as flores. Em plantas gim- duto de gene LFY pode ser crítica gemas reprodutivas masculinas, nospermas, como o pinheiro, não para a transição para o floresciiniciais dos microsporângios são há produção de ¨flores¨ propria- mento. Essa evidência tem sido conproduzidos na periferia do eixo mente ditas, mas dos cones mascu- firmada com a demonstração de que, em plantas transgênicas supedos meristemas das gemas repro- lino e feminino. Durante a fase reprodutiva de rexpressando o gene LFY, há uma dutivas masculinas. No decorrer do desenvolvimento, os óvulos angiospermas, os genes de identi- redução do tempo necessário para contendo o saco embrionário são dade do meristema floral, em sua a formação da primeira flor (Blázdiferenciados pelas brácteas ovulí- maioria codificadores de fatores de quez et al., 1997; Peña et al., 2001). Em contraste com o que ocorre feras e pelos grãos de pólen que transcrição, promovem a iniciação são produzidos pelas estruturas que de flores individuais. Na planta com as angiospermas, a nossa comcompõem o estróbilo masculino (Fi- modelo Arabidopsis thaliana (uma preensão dos processos moleculaplanta da família da mostarda), os res que governam o desenvolviguras 1 e 2). principais genes de identidade do mento reprodutivo de gimnospermeristema floral são LEAFY (LFY) e mas é bastante limitada. Genes coBases moleculares do APETALA1 (AP1; Weigel, 1998). dificadores de fatores de transcridesenvolvimento Estes genes não só são necessários ção da família MADS, que se exreprodutivo em Pinus para a iniciação das flores, mas são pressam nos órgãos reprodutivos Estudos de genética e de biolo- suficientes para a indução do flo- de gimnospermas, têm sido isolagia molecular têm mostrado que os rescimento quando a superexpres- dos em Pinus (Mouradov et al., mecanismos controladores do de- são dos mesmos é induzida em 1999). Esses genes mostraram uma senvolvimento reprodutivo são lar- plantas transgênicas (Mandel & Ya- alta similaridade com os genes de gamente conservados entre as an- nofsky, 1995; Weigel & Nilsson, angiospermas, evidenciando a conservação evolutiva do papel biológiospermas (Weigel, 1998; Dorne- 1995). A indução da expressão de ortó- gico dos mesmos. Em angiosperlas, 2000). O primeiro passo do desenvolvimento floral é a transi- logos de LFY tem sido estudada mas, esses genes são responsáveis Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento - nº 28- setembro/outubro 2002 41 ospermas perdeu o homólogo correspondente a NLY durante sua evolução (Frohllich & Parker, 2000). Os padrões de expressão de NLY e PrFLL em meristemas reprodutivos de Pinus são semelhantes aos observados para os seus homólogos de angiospermas, sugerindo uma conservação evolutiva da função desse elemento-chave na iniciação do desenvolvimento reprodutivo (Mouradov et al., 1998). Apesar das análises das seqüências deduzidas de aminoácidos das proteínas PrFLL e NLY terem mostrado que estas possuem uma estrutura ligeiramente diferente dos seus homólogos de angiospermas, plantas transgênicas de Arabidopsis que superexpressam NLY apresentaram florescimento precoce quando comparadas com controles não transgênicos (Mouradov et al., 1998). Essa observação indica que os homólogos de LFY de Pinus comportam-se de maneira similar ao gene LFY endógeno de Arabidoposis, atuando em uma rede regulatória responsável pela entrada na fase reprodutiva. Perspectivas biotecnológicas do controle da reprodução em pinheiros Figura 3: A: Planta masculina de Araucaria, com estróbilos produtores de pólen. B: Planta feminina de Araucaria, com estróbilos produtores de óvulos pela formação de sépalas, pétalas, anteras e carpelos. O papel desses genes em coníferas é desconhecido. Igualmente, homólogos ao gene LFY de Arabidopsis têm sido isolados e caracterizados em Pinus (Mouradov et al., 1998; Mellerowics et al., 1998). O genoma de Pinus possui dois homólogos do gene LFY, denominados NEEDLY (NLY) e PrFLL. Surpreendentemente, a proteína PrFLL mostrou uma maior simi42 laridade de seqüência (cerca de 70%) em relação aos homólogos de angiospermas como LFY, do que em relação a NLY (cerca de 50%), indicando que a divergência entre os dois genes de Pinus não ocorreu com a mesma velocidade. Recentemente, outros homólogos de LFY foram clonados de gimnospermas e angiospermas em nosso laboratório (Dornelas et al., dados não publicados) e há evidências de que a linhagem que deu origem às angi- Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento - nº 28- setembro/outubro 2002 Uma aplicação óbvia para os genes responsáveis pela passagem da fase vegetativa para a fase reprodutiva em plantas é o florescimento precoce. Isso já foi demonstrado em plantas de interesse agrícola, como citrus (Peña et al., 2001). Plantas transgênicas de citrus que superexpressaram o gene LFY floresceram precocemente (antes de 1 ano) e, portanto, produziram frutos mais cedo. O florescimento precoce é particularmente importante em espécies florestais, pois o melhoramento genético de plantas arbóreas é altamente prejudicado pelo longo tempo de geração. Em alguns casos, o melhorista de árvores precisa esperar algumas décadas, até que as árvores recém-plantadas atinjam a maturidade reprodutiva para realizar novos cruzamentos. Dessa for- o desenvolvimento reprodutivo precoce ou tardio. Referências Figura 4: Presença de estróbilos masculinos (setas amarelas) e femininos (setas brancas) em uma mesma planta de Pinus ma, plantas arbóreas que apresentem florescimento precoce acelerariam enormemente os programas de melhoramento. Uma vez que os genes responsáveis pela passagem da fase vegetativa para a fase reprodutiva já foram isolados em pinheiros (Mouradov et al., 1998; Dornelas et al., dados não publicados), espera-se que plantas transgênicas que superexpressem esses genes apresentem florescimento precoce. Por outro lado, plantas de pinheiro transgênicas que tiverem os homólogos de LFY silenciados também são igualmente interessantes. Se esse silenciamento resultar na repressão da fase reprodutiva, a energia que seria gasta pela planta para a produção de estruturas reprodutivas, seria canalizada para a produção de estruturas vegetativas (inclusive materiais de interesse comercial, como madeira e resina). Como a aceitação de plantas transgênicas ainda é variável em algumas partes do mundo, o conhecimento dos genes responsáveis pela reprodução em pinheiros também pode ser aproveitado para a geração de marcadores moleculares para a seleção precoce. Dessa forma, a variabilidade natural da expressão e a seqüência gênica dos homólogos de LFY em Pinus pode ser aproveitada para a seleção (ainda no viveiro) de plantas que apresentem uma tendência genética para Blázquez, MA, Soowal, LN, Lee, I, Weigel, D (1997) LEAFY expression and flower initiation in Arabidopsis. Development 124, 38353844. Coen ES, Meyerowitz EM. 1991. The war of the whorls: genetic interactions controlling flower development. Nature 353:3137. Dornelas, MC (2000) Construindo flores, o controle molecular da arquitetura floral. Biotecnologia 12: 44-46 Frohlich, M. W., and D. S. Parker (2000) The mostly male theory of flower evolutionary origins. Syst. Bot. 25:155170. Mandel, M. A., Gustafson-Brown, C., Savidge, B. and Yanofsky, M. F. (1992). Molecular characterization of the Arabidopsis floral homeotic gene APETALA1. Nature 360, 273-277. Mellerowicz, E.J., Horgan, K., Walden, A., Coker, A., Walter, C. 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Agrônomo, M.S., Ph.D., Professor da Universidade Federal de Viçosa [email protected] Magno Antônio Patto Ramalho Eng. Agrônomo, M.S., D.S., Professor da Universidade Federal de Lavras. [email protected] transformação gênica tem potencial para melhorar a produtividade, resistência, qualidade nutricional e outras características das plantas cultivadas. As técnicas moleculares utilizadas na transformação gênica consistem basicamente na introdução e integração de pequenos fragmentos de DNA isolados e clonados a partir de genes de outros organismos, no genoma da espécie receptora. Apesar dos benefícios evidentes das cultivares geneticamente modificadas, a preocupação de que estas possam apresentar algum impacto negativo ao meio ambiente, como o escape dos transgenes, tem sido alvo de estudos por pesquisadores em diversas instituições. Um dos argumentos contra o 44 Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento - nº 28- setembro/outubro 2002 emprego de cultivares transgênicos é o fluxo gênico, isto é, a passagem do gene para outras cultivares da mesma espécie ou para algum parente silvestre e até mesmo para espécies não aparentadas. A passagem para parentes silvestres tem recebido maior atenção, porque segundo alguns ambientalistas este fato poderia mudar as propriedades genéticas das espécies nativas, com reflexo na biodiversidade. É preciso desde logo, comentar que o fluxo gênico nada mais é que um processo migratório de alelos que é encontrado nos compêndios de genética de populações. Como se sabe, o efeito da migração entre populações da mesma espécie depende da proporção de indivíduos migrantes e da diferença nas freqüências do alelo nas duas populações (Falconer e Mackay, 1996). No caso dos transgênicos, como a população receptoras não possui ainda o gene, não é como a transferência de alelos que normalmente ocorre entre populações. Contudo, ela pode ser tratada do mesmo modo. Deve ser salientado também que genes uma vez introduzidos no parente silvestre, poderá por meio da recombinação, ser disseminado. É evidente que a seleção natural, irá atuar e, assim ele só perma- Tabela 1: Porcentagem de pólen acumulada provenientes de diferentes distâncias em sete campos de milho Bt em Ontário. Porcentagem de pólen acumulada nas distâncias Campo 0m 1m 10 m 25 m 50 m 100 m 1 46 75 91 97 99 100 2 43 70 88 94 96 100 3 46 73 88 95 96 100 4 47 81 92 96 98 100 5 35 69 88 93 98 100 6 41 76 90 97 98 100 7 38 72 84 96 98 100 Média 43 74 Fonte: Eastham e Sweet, 2002 89 95 98 100 necerá na população se conferir alguma vantagem seletiva. Em realidade o fluxo gênico entre espécies relacionadas, que sobrevivem em um mesmo ambiente por milhares de anos, deve ocorrer com freqüência e mesmo assim podem permanecer com suas propriedades genéticas particulares. Como esse assunto tem sido muito comentado na atualidade, é importante que alguns aspectos do fluxo gênico sejam discutidos e quando necessário adotar medidas para atenuar o seu efeito. O fluxo gênico pode ocorrer por meio de semente ou por dispersão de pólen. Nessa publicação a ênfase será a discussão do pólen como veículo do fluxo gênico. É também necessário salientar que o fluxo gênico pode ser vertical, quando envolve cultivares e/ou populações da mesma espécie, ou horizontal, quando envolve a hibridação entre espécies diferentes, aparentadas ou não. Nesse aspecto é preciso ressaltar que embora o termo híbrido seja utilizado em diferentes conotações, sob ponto de vista, de genética de populações, ele é utilizado quando envolve o cruzamento entre espécies. Já a expressão recombinação é restrita para os cruzamentos entre populações de mesma espécie (fluxo gênico vertical). Considerando o conceito de espécie (Ramalho et al., 2001) não é esperado que ocorram hibridações. Contudo, em casos esporádicos, com a interferência do homem ou não, ela pode ocorrer. Foi esse fenômeno que deu origem a um grande número de novas espécies, entre elas o trigo cultivado Triticum aestivum L., o algodão Gosypium hirsutum e várias outras. É importante salientar, que esses casos ocorreram a milhares de anos e em realidade o fluxo gênico envolveu o genoma inteiro, e não apenas alelos ou genes. Fatores que Afetam a Dispersão de Pólen e Conseqüentemente a Taxa de Fluxo Gênico Tipos de espécie. As espécies cultivadas diferem na taxa de fecundação cruzada. Inclusive são classificadas em autógamasquando há predominância de autofecundação e, alógamas, quando há predominância de fecundação cruzada, além das intermediárias. Como espécies autógamas típicas pode-se citar, a soja, trigo, feijão, alface cuja freqüência de fecunda- ção cruzada é inferior a 5%. Como alógamas tem-se o milho, girassol, cebola e eucalipto, entre outras, a fecundação cruzada é alta, normalmente acima de 90%. Já nas espécies intermediárias como o algodão, a taxa de autofecundação é superior a 5% das alógamas, mas inferior aos 95% das autógamas. Diferença entre cultivares da mesma espécie. Há diferença entre os cultivares com relação à cor e tamanho das flores, atraindo mais ou menos polinizadores, e a produção de pólen, os quais afetam a taxa de fecundação cruzada. No milho, por exemplo, há grande diferença no tamanho do pendão entre cultivares e por conseqüente na produção de pólen. A taxa de fecundação cruzada entre espécies ou entre cultivares da mesma espécie depende da produção e dispersão de pólen (Raybould e Gray 1993). Modelos matemáticos têm sido utilizados para simular os padrões de dispersão de pólen em milho e outras espécies. O Caso do Milho Para se entender o fluxo gênico é necessário conhecer informações Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento - nº 28- setembro/outubro 2002 45 sobre a biologia floral da espécie. O milho é uma gramínea monóica, isto é, tem órgão masculino (pendão) e feminino (espiga) separados, porém na mesma planta. A inflorescência masculina (pendão) se localiza na parte terminal do colmo, enquanto as inflorecências femininas (espigas) se localizam nas axilas foliares. A quantidade de pólen produzida é muito acima da necessidade da planta. Há estimativas que para cada óvulo que se desenvolve em um grão, a planta produza de 9.000 a 50.000 grãos de pólen (Weatherwax, 1955). Depreende-se então que se for considerado uma espiga que tenha em média 500 grãos, tem-se cerca de 4,5 a 25 milhões de grãos de pólen por planta (Eastham e Sweet, 2002). A duração da antese varia entre as cultivares, porém de um modo geral ela ocorre, em geral, durante 5 a 8 dias. A longevidade do pólen é variável com as condições ambientais, dependendo especialmente da temperatura e umidade relativa do ar. Há relatos de viabilidade após24 horas até alguns dias (Emberlin, 1999). Contudo, Luna et al. (2001) obtiveram dados que nas condições de San Jose Del Valle, no México, não ultrapassou duas horas. O conhecimento da longevidade do pólen é fundamental para se acessar o fluxo gênico. O grão de pólen de milho é, relativamente, muito grande, em média com 90 a 125 µm, e o principal veículo de polinização é o vento. Estudos teóricos apontam que pelo vento ele pode ser levado até alguns kilometros. Contudo, há inúmeros relatos que apontam que a dispersão do pólen se concentra a poucos metros da fonte. A tabela 9, mostra a dispersão do pólen em experimentos conduzidos em Ontário, utilizando como marcador genético o gene Bt, em sete campos diferentes (Sears e Stanley-Horn, 2000). Observa-se que mais de 96% do pólen em todos os campos, situou-se a 25 m da fonte de pólen. 46 Em função de resultados como este, tem sido proposto o isolamento em campos de produção de sementes de 200 m para se ter 99,9% de pureza (Ingram, 2000 e Luna et al., 2001). Associando o isolamento espacial de 200 a 300 m, com o temporal, isto é, intervalo na semeadura superior a 30 dias, a chance de ocorrer fluxo gênico vertical, por meio do pólen é nula. Fluxo gênico horizontal para parentes silvestres por meio do pólen Os parentes silvestres mais próximos do gênero Zea, pertencem ao gênero Tripsacum, os quais não se cruzam com o milho. As espécies sexualmente compatíveis com o milho possuem distribuição geográfica restrita ao México e Guatemala e não há relatos de outros parentes sexualmente compatíveis com o milho no Brasil. Portanto, por meios convencionais não é esperado a ocorrência do fluxo gênico horizontal envolvendo o milho no Brasil. Literatura Consultada Bateman, A. J. 1947. Contamination in seed crops - I. Insect pollination. J. Genet. 48: 257275. Borém, A. Escape gênico e transgênicos. Rio Branco: Editora Suprema. 204 p. Borém, A. Melhoramento de plantas. Viçosa: Editora UFV. 3ª edição 500 p. Brubaker, C.L; Brown, A.H.D; Stewart, J.M; Kilby, M.J; e Grace, J.P. 1999. Production of fertile hybrid germplasm with diploid Australian Gossypium species for cotton improvement. Euphytica 108: 199-213. Burrows, P. 1999. Deliberate release of genetically modified organisms: the UK regulatory framework. 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Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento - nº 28- setembro/outubro 2002 47 Estudos de PESQUISA Fitotoxicidade Ilustrações cedidas pelos autores Estudos de toxicidade em aterros de resíduos sólidos urbanos Resumo Marcio Camargo de Melo Bioólogo, Mestrando em Engenharia Civil Universidade Federal de Pernambuco- Recife PE Brasil [email protected] Veruschka Escarião Dessoles Monteiro, MSc Doutoranda em Engenharia Civil Universidade Federal de Pernambuco Recife PE Brasil [email protected] Marcio Luis Neves, MSc Pesquisador assistente, Depto. de Antibióticos Universidade Federal de Pernambuco Recife PE Brasil Janete Magali de Araújo, DSc Professora Adjunta, Depto. de Antibióticos Universidade Federal de Pernambuco Recife PE Brasil José Fernando Thomé Jucá, DSc Professor Adjunto, Depto de Engenharia Civil Universidade Federal de Pernambuco Recife PE Brasil [email protected] 48 Aterros de Resíduos Sólidos Urbanos, por apresentarem lixo procedente de muitas fontes, apresentam agentes tóxicos, além de serem uma fonte de inúmeros microrganismos patógenos, que podem ser nocivos aos seres vivos e ao meio ambiente. Por isso, verificar o grau de contaminação por agentes tóxicos é um importante critério, assim como analisar a biota microbiana dos resíduos depositados no aterro, a fim de serem avaliados os danos que podem ser causados à saúde pública e ao meio ambiente. Um outro aspecto a ser avaliado é que os agentes tóxicos podem influenciar na própria biota microbiana de aterros de resíduos sólidos urbanos, interferindo, portanto, na evolução do processo degradativo dos resíduos. Uma outra finalidade para o desenvolvimento dessas pesquisas é o possível manuseio desses resíduos após a bioestabilização e a reutilização desse material para diversos fins. Neste sentido, com o material proveniente do Aterro da Muribeca, foram realizados testes de fitotoxicidade, determinação de microrganismos patógenos, além de ensaios complementares como: teor de umidade, sólidos voláteis, teor de metais, temperatura e pH. 1. Introdução Os resíduos depositados em aterros de resíduos sólidos procedem, na maioria das vezes, de fontes domiciliares, industriais e comerciais, tendo uma composição bastante diversificada como: alimentos, podas de árvores, jardim, fraldas descartáveis: rejeitos industriais, pilhas etc. Esses produtos são constituídos por diferentes macromoléculas, as quais serão hidrolizadas por enzimas extracelulares, chamadas hidrolases, que são secretadas por diversos microrganismos. Essa composição variada permite o desenvolvimento Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento - nº 28- setembro/outubro 2002 de diversos microrganismos, em decorrência da elevada concentração de compostos orgânicos, além de elevado índice de metais pesados e outros constituintes tóxicos, inclusive subprodutos do metabolismo microbiano. O comportamento dos resíduos depositados em aterros é semelhante a um biorreator e, em condições ótimas, o biorreator provê uma quebra completa da fração biodegradável do lixo. Do ponto de vista da engenharia, a quebra acelerada dos compostos, através do controle das condições ambientais, conduz a uma estabilização mais rápida, maiores recalques e eventual reutilização do local (McDougall et al. 2001). O campo experimental foi o Aterro de Resíduos Sólidos da Muribeca, localizado na região metropolitana do Recife, no município de Jaboatão dos Guararapes, costa nordeste do Brasil; possui uma área de 60 hectares e recebe diariamente 3.000 toneladas de resíduos domésticos e industriais, sendo cerca de 60% do lixo composto de material orgânico, 15% de papéis, 8% de plásticos, 2% de metais, 2% de vidros e 13% de outros materiais; desde 1985, funciona como depósito de resíduos. O aterro está passando por uma fase de reestruturação, passando de lixão para aterro sanitário. O aterro é constituído por células de idades variáveis. Sendo que os estudos foram realizados na Célula 1, a mais antiga do aterro, com idade de 17 anos. Essa célula tem dimensões 200mx200m e uma espessura média da camada de lixo de 20m (Jucá et al 2002). O objetivo deste trabalho é verificar o grau de contaminação de agentes tóxicos como um importante critério para avaliar a evolução do processo de biodegradação dos resíduos depositados no aterro, bem como os danos à saúde pública e ao ambiente. 2. Material e Métodos Os ensaios realizados na Célula 1 envolveram a coleta de amostras líquidas (chorume) e sólidas (resíduo sólido) obtidas a partir de sondagem a percussão (SPT) em diferentes profundidades, tendo como objetivo a análise dos agentes tóxicos por meio de testes de fitotoxicidade e teor de metais; análises microbiológicas, além de outros parâmetros medidos durante os ensaios. O teste de fitotoxicidade consiste em semear sementes de diferentes espécies de plantas e analisar o crescimento e o tamanho da raiz (Tíquia et al. 1996). Paralelamente a esses ensaios, realizou-se também a identificação e a quantificação de microrganismos patógenos presentes na massa de lixo. Estes ensaios foram complementados com a determinação de testes físico-químicos como: teor de metais, temperatura, pH, teor de umidade, sólidos voláteis. 2.1. Análises Físico-Químicas e Microbiológicas Análises físico-químicas e microbiológicas do chorume e do resíduo sólido em diferentes profundidades foram realizadas a fim de determinar o grau de contaminação do lixo depositado na Célula 1. Essas análises permi- tiram verificar com detalhes como evoluiu o metabolismo microbiano nas diferentes profundidades. A metodologia empregada para essas análises foi segundo a APHA, 1992, e a Portaria nº 829, de 15 de fevereiro de 2001 do Diário Oficial nº 35-E. De acordo com WHO (1979), foram realizados os ensaios de umidade, sólidos voláteis e pH. As amostras foram coletadas por meio de ensaios SPT, de acordo com a NBR 6484 / NBR 7250, e segundo a técnica de coleta e conservação da CETESB, (1986). Para a coleta de microrganismos anaeróbios utilizou-se equipamento desenvolvido no Laboratório de Solos e instrumentação da UFPE. 2.2. Fitotoxicidade e Metais O ensaio de fitotoxicidade consistiu em semear duas diferentes espécies de plantas. As plantas escolhidas foram tomate (Lycopersicon lycopersicum) e repolho (Brassica oleraceae). Essas duas espécies de plantas são recomendadas para teste de fitotoxicidade (USEPA,1982;FDA,1987) Nesses ensaios foi observada a quantidade de sementes germinadas e o comprimento da raiz, e, então, calculado o índice de germinação (%) e o crescimento médio da raiz (%), segundo Tíquia et al. (1996). Os ensaios de fitotoxicidade e metais foram realizados para avaliar o nível de toxicidade nas diferentes profundidades, e quais eram os seus efeitos na biota microbiana. Além do mais, o teste de fitotoxicidade é um critério que pode ser utilizado para avaliar o níveis de toxidez antes de o resíduo ser reutilizado para diversos fins, e assim evitar acidentes ambientais. Segundo Wang & Keturi (1990), a germinação de plantas e o comprimento da raiz tem sido um teste bastante usado por ser uma técnica simples, rápida, segura e reproduzível, para avaliar os danos causados pelas combinações tóxicas presentes em vários compostos. 3. Resultados e Discussão 3.1 . Análises Físico-químicas e Microbiológicas Os resultados das análises físicoquímicas são apresentados na Tabela 1. Esses resultados sugerem uma bioestabilização que pode ser ilustrado pelos índices de DBO e DQO, que são Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento - nº 28- setembro/outubro 2002 49 bastante baixos (333 e 4.941, respectivamente). Esses valores condizem com a baixa atividade microbiológica (Figura 1) nas diferentes profundidades, onde houve quantificação e qualificação de microrganismos do grupo coliforme totais e fecais. Espécies como Pseudomonas aeruginosas, Streptococcus fecaes, Staphylococcus aureus e Clostridium perfringens indicam essa baixa atividade, pois encontrou-se valores de NMP (Número Mais Provável) na ordem de grandeza de 103 a 105, o que representa valores baixos. Contudo, essa contagem mostrou-se praticamente constante ao longo da profundi50 dade, indicando uma constância nas condições do meio (massa de lixo). Outros parâmetros monitorados (Figura 2) comprovam o estágio de bioestabilização dos resíduos depositados na Célula 1. Isso pode ser evidenciado pelo teor de sólidos voláteis dos resíduos da Célula 1, que, nos últimos ensaios realizados (2001), variaram em torno de 5% (constante ao longo da profundidade), sendo um indicativo de que a quantidade de matéria orgânica existente na Célula é bastante reduzida. Nos ensaios realizados em 1999, esses teores eram de 10%. Isso pode indicar uma possível mineralização do Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento - nº 28- setembro/outubro 2002 material depositado na Célula 1. Contudo, o teor de umidade dos resíduos da Célula 1 mostra uma faixa de variação ao longo da profundidade de 20% a 40%, sendo essa faixa favorável para o processo de biodegradação do lixo (Palmisano & Barlaz, 1996). Apesar de o estágio de degradação estar bastante avançado, os teores de umidade se mantêm na faixa ótima. Isso poderia ser explicado pelos elevados níveis de precipitação anual, o que deixa os resíduos com uma taxa de umidade elevada. A temperatura da massa de lixo foi um outro parâmetro monitorado, que serve de indicador da evolução do processo de degradação. A temperatura da massa sólida é bastante uniforme ao longo da profundidade, com valores oscilando em torno de 30oC a 35oC, o que corresponde à temperatura ambiente no Aterro da Muribeca. A faixa de variação do pH também é bastante pequena, oscilando em torno de pH 8, valor típico de resíduos na fase de maturação final. chorume, uma vez que o NMP de microrganismos foi, de uma maneira geral, inferior ao NMP obtido no resíduo sólido. O ensaio de fitotoxicidade pode ser um parâmetro que comprova essas análises. O fato de o ambiente ser menos tóxico no resíduo permite um melhor desenvolvimento da biota mi- crobiana, como também para o crescimento e germinação das sementes. Os resultados dos ensaios de quantificação de metais (Tabela 2) coincidem com os resultados dos testes de fitotoxicidade, havendo uma diminuição dos níveis de metais com o aumento da profundidade e, conseqüentemente, 3.2 Fitotoxicidade e Metais A análise dos resultados dos ensaios de fitotoxicidade (Figura 3) permitiu verificar que, com o aumento da profundidade, o índice de germinação para o chorume e o resíduo sólido aumentou gradativamente, indicando um material menos tóxico em profundidades mais elevadas. Também foi observado que o chorume é mais tóxico que o resíduo, uma vez que o crescimento da raiz e a germinação foi maior para o resíduo sólido. Esse resultado possivelmente é devido ao chorume carrear consigo os elementos tóxicos. Isso também reflete no número de microrganismos presentes no Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento - nº 28- setembro/outubro 2002 51 maior germinação e, comprimento da raiz. Segundo Tíquia et al. (1996) o aumento na germinação de sementes e no crescimento da raiz coincide com o decréscimo no NH 4 + N , Cu e Zn do lixiviado. O que foi observado nos testes realizados no Aterro da Muribeca (Tabela 2). O desaparecimento da toxicidade dos resíduos com o aumento da profundidade pode ser indicador da maturidade da massa de lixo depositada na célula. Entretanto, o número baixo de microrganismos possivelmente seja devido mais à idade avançada da célula que à concentração de metais pesados. 4. Considerações Finais Os estudos de fitotoxicidade aliados a outros ensaios físico-químicos e microbiológicos, mostraram-se eficientes na avaliação do comportamento dos aterros de lixo urbano. Esses ensaios são capazes de indicar o comportamento dos resíduos depositados no aterro e o estágio de degradação desses resíduos em função do tempo, a fim de verificar o grau de contaminação de agentes tóxicos, podendo ser avaliados danos à saúde pública e ao ambiente. Também esses estudos representam um indicativo do nível de contaminação no caso de um possível manuseio de resíduos após a sua provável bioestabilização, em caso de reutilização desse material para diversos fins. Os estudos realizados na Célula 1 sugerem uma bioestabilização do material depositado, já que os parâmetros físico-químicos como a DBO, DQO e o teor de sólidos voláteis apresentam valores baixos. O NMP da biota microbiana também apresentou valores bem reduzidos, indicando também uma pequena concentração de matéria orgânica. A ordem de grandeza de NMP foi de 104, sendo inferior a uma célula em plena atividade, que apresenta uma ordem de grandeza da ordem de 108. Além do mais, o NMP manteve-se constante, sugerindo uma massa de 52 lixo homogênea e bioestabilizada. Em relação aos ensaio de fitotoxicidade da Célula 1, verificou-se que houve uma diminuição da toxicidade com o aumento da profundidade, possivelmente devido à diminuição das concentrações de metais, os quais inibem o crescimento celular vegetativo e bacteriano. Essa diminuição é conseqüência da lixiviação e dissolução da matéria orgânica, bem como da degradação biológica da massa de lixo. Vale salientar que a massa de lixo que se encontra na base da célula é mais antiga, sendo evidente que o substrato ali depositado está mais degradado do que o resíduo sólido encontrado nas camadas superficiais. Estudos mais detalhados estão sendo desenvolvidos, o que permitirá entender melhor o comportamento de resíduos sólidos urbanos, além de consolidar esse tipo de estudo para avaliar o nível de contaminação presente em células de resíduos depositados. 5. Referências Bibliográficas 1. APHA - American Public Health Association. 1992. Standard Methods for the Examinations of Water and Wastewater. 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Também esses estudos representam um indicativo do nível de contaminação no caso de um possível manuseio de resíduos após a sua provável bioestabilização, em caso de reutilização desse material para diversos fins. Os estudos realizados na Célula 1 sugerem uma bioestabilização do material depositado, já que os parâmetros físico-químicos como a DBO, DQO e o teor de sólidos voláteis apresentam valores baixos. O NMP da biota microbiana também apresentou valores bem reduzidos, indicando também uma pequena concentração de matéria orgânica. A ordem de grandeza de NMP foi de 104, sendo inferior a uma célula em plena atividade, que apresenta uma ordem de grandeza da ordem de 108. Além do mais, o NMP manteve-se constante, sugerindo uma massa de 52 lixo homogênea e bioestabilizada. Em relação aos ensaio de fitotoxicidade da Célula 1, verificou-se que houve uma diminuição da toxicidade com o aumento da profundidade, possivelmente devido à diminuição das concentrações de metais, os quais inibem o crescimento celular vegetativo e bacteriano. Essa diminuição é conseqüência da lixiviação e dissolução da matéria orgânica, bem como da degradação biológica da massa de lixo. Vale salientar que a massa de lixo que se encontra na base da célula é mais antiga, sendo evidente que o substrato ali depositado está mais degradado do que o resíduo sólido encontrado nas camadas superficiais. Estudos mais detalhados estão sendo desenvolvidos, o que permitirá entender melhor o comportamento de resíduos sólidos urbanos, além de consolidar esse tipo de estudo para avaliar o nível de contaminação presente em células de resíduos depositados. 5. Referências Bibliográficas 1. APHA - American Public Health Association. 1992. Standard Methods for the Examinations of Water and Wastewater. Washington, DC. 2. Bendix et al Anaerobic digestion Elsevier Science Amsterdan .1996. 30: 171-180. 3. CETESB, (1986). Guia de coleta e conservação de amostras de água. 4. Diário Oficial nº 35-E. (2001). Portaria nº 829 de 15 de Fevereiro de 2001. 5. Jucá, J.F.T, Monteiro, V.E.D.,Melo, M.C., (2002), Monitoreo ambiental de la recuperación del Vertedero de resíduos sólidos de Muribeca, Brasil 1a parte., Residuos Revista Técnica Medio Ambiente. Ategrus Asociación Técnica para la Gestión de Residuos y Medio Ambiente, Año XII, No 64 Enero-Febrero 2002, pp. 100-106. España. 6. Jucá, J.F.T, Monteiro, V.E.D.,Melo, M.C., (2002), Monitoreo ambiental de la recuperación del Vertedero de resíduos sólidos de Muribeca, Brasil 2a parte., Residuos Revista Técnica Medio Ambiente. Ategrus Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento - nº 28- setembro/outubro 2002 Asociación Técnica para la Gestión de Residuos y Medio Ambiente, Año XII, No 65 Marzo - Abril 2002, pp. 68-76. España. 7. Kinman, R.,J. Richabaugh, J. Donelly, J. Nutini, And M. Lambert. 1986. Evaluations and disposal of waste materials within 19 teste lysimeters at Center Hoill. EPA- 600/2-86-035.U.S. Environmental Pretection Agency, Cinicinnati, OH. 8. McDougall J.R. & Philp J.C. (2001), Parametric Study of Landfill Biodegradation Modelling: Methanogenesis & Initial Conditions, In Proc. Sardinia 2001, 8th Intl. Waste Man. & Landfill Symp. Eds. Christensen TH, Cossu R & Stegmann R, CISA, Cagliari, Vol. 1, pp 79-88. 9. Monteiro, V.E.D., Melo, M.C, .Jucá, J.F.T., (2002), Biological Degradation Analisis in Muribeca Solid Waste Landfill Associated with Local Climate Recife, Brazil, Fourth International Congress on Environmental Geotechnics 4ISEG, Rio de Janeiro, RJ, Brazil. 10. NBR 6484, ( 1979). Execução de Sondagens de Simples Reconhecimento nos Solos. 11. NBR 7250, (1980). Identificação e Descrição de Amostras de Solos Obtidos em Sondagens de Simples Reconhecimento. 12. Palmisano, A.C. & Barlaz, M.A. 1996. Microbiology of Solid Waste, In Anna C. Palmisano, Morton A. Barlaz (eds), 1224. 13. Pahren, H. Microorganisms in municipal solid waste and public health implications, CRC Crit. Environ. Control.. 1987. 17:187-228 14. Tíquia S.M., Tam N.F.Y.& Hodgkiss I.J., (1996), Effects of Composting on Phytotoxicity of Spent Pig-Manure Sawdust Litter, Enviromental Pollution, Vol. 93, pp. 249-256. Elselvier Scince Ltd. Great Britain. 15. USEPA (US Enviriomental Protection Agency). 1982. Seed Germination/Root Elongation Toxicity Teste. EG 12. Office of Toxic Substances, Washington D.C., USA 16. Wang, W.& Keturi, P.H. (1990). Comparative Seed Germination Tests Using Ten Plant Species for Toxicity Assessment of a Metal Engraving Effluent Sample. Wat. Air Soil Pollut., 52, 369 376. 17. WHO - International Reference Center for Wastes Disposal, (1979), Methods of analysis of sewage sludge solid wastes and compost, Switzerland. ANÚNCIO COBRAFI Conselho Brasileiro de Fitossanidade (Repete fotolito pág 45 ed. 22 de setembro/outubro de 2001) Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento - nº 28- setembro/outubro 2002 53 Expointer 2002 premiou soro que cura o botulismo A parceria entre a Embrapa Gado de Corte e os Laboratórios Vencofarma do Brasil Ltda é premiada. No último domingo, dia 1º de setembro, o soro hiperimune contra o botulismo bovino (Botulin C-D) recebeu o prêmio destaque Expointer 2002 na categoria insumo agropecuário. O medicamento é único no País para o tratamento de animais já doentes. Até então, só havia no mercado nacional as vacinas preventivas. O tratamento do botulismo bovino é fruto de uma pesquisa inédita no Brasil. No ano passado o mesmo pesquisador da Embrapa, o médico-veterinário Pedro Paulo Pires, foi premiado com a tecnologia da identificação eletrônica de bovinos por meio de um chip. A tecnologia é a base de um sistema eficaz de rastreamento e gerenciamento de rebanhos proposto pela Embrapa de Campo Grande, MS. Fonte: Thea Tavares - (MTb 3207 - PR) OBS: A Embrapa possui um serviço gratuito de atendimento (SAC) que pode ser acessado também através do email geral sac @ embrapa. br - Nota do editor. Vacina apresenta bons resultados na luta contra o câncer Pedro Biava Uma pesquisa realizada pelo Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da USP em parceria com o Hospital Sírio Libanês, e com o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), vem analisando a eficácia de uma vacina no combate a tumores de pacientes com câncer de rim e de pele (melanoma). A vacina é resultado de um alto investimento em tecnologia feito pelo Sírio Libanês e pela Fapesp e já apresenta alguns resultados que permitem aos médicos sonharem com a cura desses tipos de câncer. A idéia central é explicada pelo coordenador do projeto, o imunologista e professor do ICB, José Alexandre Marzagão Barbuto: A intenção é fazer com que o sistema imune, inibido pela doença, seja induzido pela vacina e que, depois, possa continuar sozinho o combate às células cancerosas. Para desenvolver a vacina, são retiradas células 54 dendríticas (apresentadoras de antígenos) de pessoas sadias e células de tumores dos pacientes a serem tratados. A partir de uma fusão feita em laboratório, são criadas células híbridas que atuarão no combate às células doentes. A pesquisa já dura um ano e os resultados colhidos têm sido satisfatórios, apesar de ainda pouco conclusivos. Na pesquisa foram estudados casos de câncer de rim e de melanoma (pele). Nos 30 pacientes que receberam a vacina na primeira fase do projeto, foi possível notar que na maior parte dos casos os tumores pararam de progredir, havendo até mesmo regressão, ainda que pequena. A escolha dos pacientes foi feita de acordo com a condição clínica que melhor se encaixava no estudo. Todos recebem o tratamento experimental gratuitamente, mesmo porque ainda seria muito caro fazê-lo caso fosse colocado no mercado. Barbuto ressalta o caráter experimental da vacina mas se mostra otimista quanto a resultados futuros. Não há previsão de quando essa vacina poderá ser disponibilizada, pode ser daqui a três meses, um ano ou muito mais. O importante é que os resultados já têm aparecido, comenta otimista. A vacina é preparada no laboratório de patologia do Hospital Sírio Libanês ficando para o ICB boa parte do trabalho instrumental no desenvolvimento e aprimoramento de novas técnicas. A pesquisa em câncer realizada hoje no País é das mais modernas do mundo e ganhou um grande reforço com a inauguração do Centro de Oncologia do Sírio Libanês. O Centro compete com qualquer outro do mundo. O grande diferencial é a abordagem que nós fazemos, diz Barbuto que está participando, até domingo (18) do III Congresso Internacional de Cancerologia e Imunobiomodulação em São Paulo. Mais informações: (11) 3091-7375 Agência USP de Notícias Ortopedistas poderão cicatrizar fraturas com laser O laser de baixa intensidade é muito usado em tratamentos médicos, mas ainda não é empregado na ortopedia. A irradiação funciona como suporte energético para células envolvidas na recu- Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento - nº 28- setembro/outubro 2002 peração de lesões em tecidos do sistema locomotor, e o feixe de luz ajuda na modelagem da cicatriz, o que diminui o atrito com outras estruturas e facilita a reabilitação dos movimentos. Isso é o que indica estudo da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) que prevê uma cicatrização mais rápida e de melhor qualidade. Uma fratura que demora dois meses para cicatrizar, por exemplo, talvez tenha seu período de recuperação reduzido a um mês, observa o coordenador do curso de pós-graduação em Ortopedia e Traumatologia da Unifesp, Flávio Faloppa. Com relação à qualidade da cicatrização, o laser pode auxiliar no difícil tratamento das fraturas em pontos de irrigação sangüínea mais limitada. Em algumas pessoas, o osso não se consolida. O que poderá ser feito é abrir uma janela no osso e aplicar o laser especificamente para sua consolidação, de forma independente de tratamentos cirúrgicos, diz Faloppa. Esses resultados foram obtidos por meio de testes na estrutura óssea de ratos. O laser funciona como um bioestimulante e amplia significativamente a capacidade do organismo de reparar essas lesões, explica o médico. O trabalho foi apresentado em 2001, ano em que uma equipe de professores ligados à cirurgia da mão, e alunos de graduação e pós-graduação da universidade iniciou os estudos. As pesquisas com os tendões ainda não foram finalizadas, mas os resultados parciais são animadores. Os testes sobre o impacto da irradiação apontam que o laser apressa o restabelecimento desse tecido.O objetivo é diminuir a aderência, explica Faloppa. Quando há um dano tendinoso, fibras envolvem o local e acabam grudando em outros pontos, como a pele e os ossos. Isso constrange o deslizamento do tendão e, por conseguinte, a movimentação. Já os nervos são o maior desafio. Precisamos acertar bem a dose de energia do laser porque o nervo é muito sensível, e se esquentar um pouco, o trabalho fica prejudicado, comenta Faloppa. A intenção é também amplificar o potencial de restauração do tecido. O coordenador comenta que os testes estão na fase final, e a intenção é apresentar os resultados no 4º Congresso do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação Científica (Pibic), do CNPq, em outubro próximo, em São Paulo. Precisamos ampliar os estudos, mas o efeito de cicatrização já é comprovado; isso porque o laser tem uma ação antiinflamatória, observa Faloppa. Eles pretendem verificar a eficácia do tratamento em ratos provocando fraturas e demais lesões. Várias cobaias já foram sacrificadas porque a radiação pode produzir danos, irritações no local e predispor processos infecciosos. Por esse motivo, é preciso ter certeza da dosagem antes de ser aplicada no ser humano, completa. Além de toda essa gama de benefícios, os estudos ainda apontam a ausência de efeitos indesejáveis, pois o laser age localmente e apenas facilita um processo natural do organismo. Para Faloppa, os estudos são animadores porque os resultados são positivos e o custo benefício é favorável em algumas situações, como no caso das lesões circulatórias, uma região com dificuldade de se consolidar. Radiobrás- Agência Brasil - ABr Cecília Resende Tabaco mata 100 mil brasileiros todos os anos Brasília, 30 (Agência Brasil - ABr) - O tabaco é responsável pela morte de 100 mil brasileiros, por ano. Apesar de estatísticas tão negativas serem divulgadas, cada vez mais, com agressividade pela autoridades públicas de saúde, o apelo do cigarro continua forte. Tudo por influência da propaganda subliminar, aquela que não enfoca diretamente o produto, mas que o relaciona a benefícios como o bem-estar, o status e o poder. A indústria do tabaco investe pesado na propaganda porque precisa conquistar o jovem, para substituir os que morrem todo ano e que, portanto, deixam de ser seus consumidores, afirma o pneumologista Celso Antônio Rodri- gues da Silva, coordenador de Câncer e Tabagismo da Secretaria de Saúde do Distrito Federal. Médico que já conviveu, no consultório, com as conseqüências maléficas do cigarro, Rodrigues disse que o hábito de fumar é traiçoeiro. Aquele companheiro, amigo que o fumante acredita ter, o levará a desenvolver um câncer só 20 anos depois de instituído o hábito. Se não é o câncer, é o enfisema pulmonar. Nas mulheres, por exemplo, ainda tem o inconveniente das rugas na pele e o desgaste do cabelo. Cigarro, ainda por cima, envelhece, constata. O tabaco está relacionado a 95% dos casos de câncer de pulmão. O 5% restantes são casos de trabalhadores de minas de carvão, que desenvolvem uma doença do pulmão chamada silicose ou das minas de amianto. Outros tipos de câncer também são altamente relacionados com o tabaco, segundo Rodrigues, como o de rim, bexiga, trato urinário, boca, ânus, intestino e colo uterino. A nicotina, no ato de fumar, cai na corrente sangüínea, é metabolizada pelo fígado e vai para diversos órgãos. Esse acúmulo gradual pode causar câncer, fato comprovado por diversos estudos científicos. A rede pública de saúde do Distrito Federal oferece tratamento gratuito para quem quer parar de fumar. Há 7 grupos, que variam entre 10 e 20 componentes, sendo acompanhados por profissionais como psicólogos, enfermeiros, assistentes sociais e médicos em reuniões semanais. Cada grupo passa por quatro meses de atendimento. O cigarro causa dependência química, mas é mais fácil de se livrar dele do que do álcool, por exemplo, atesta o médico. Rodrigues acredita que as reuniões grupais ajudam a fortalecer o fumante e a convencê-lo de que os malefícios do tabaco são maiores do que os benefícios. Quando alguém não consegue se livrar do cigarro apenas com o acompanhamento psicológico, usa-se reposição de nicotina com adesivos e chicletes, e também com ansiolíticos, remédios que atuam na re- dução da ansiedade. O fumante passivo é outra preocupação constante na linha de ação da Coordenadoria de Câncer e Tabagismo do DF. Levantamento recente feito entre os pacientes do ambulatório do maior hospital público de Brasília, o Hospital de Base, revelou algo surpreendente. Só 34% declararam que não fumam, nem têm contato com o cigarro por meio de colegas de trabalho e outros membros da família. Já 44% deles afirmaram que convivem com fumantes. E só 22% dos pacientes fumavam. Nossa conclusão é de que 66% fumam, porque o fumante passivo também está passível de sofrer das doenças relacionadas ao tabaco, afirma. Também chamam atenção as estimativas do Instituto Nacional do Câncer (Inca) de que 21 mil novos casos de câncer relacionados ao tabaco surjam a cada ano e que 16 mil óbitos são registrados como conseqüência da doença. O consumo de cigarro é tido como a causa mais devastadora e, ao mesmo tempo, evitável de doenças e mortes prematuras da história da humanidade. Estima-se que existam no mundo cerca de 1,25 bilhão de fumantes, sendo que, deste total, pelo menos metade deverá morrer em decorrência de doenças provocadas pelo cigarro. Segundo o coordenador da Câncer e Tabagismo do DF, há 700 mil fumantes na capital federal. O Ministério da Saúde insituiu, em 1986, o dia 29 de agosto como o Dia Nacional de Combate ao Fumo, justamente para alertar a população sobre os malefícios do cigarro. O mesmo fez a Organização Mundial de Saúde (OMS), ao criar o Dia Mundial Sem Tabaco, em 1988, para combater o tabagismo. A celebração desse dia é feita sempre em 31 de maio. Radiobrás- Agência Brasil - ABr - Lana Cristina (Nota do editor : Sobre tabagismo acesse www.inca.gov.br) mcz-28168.oeb.harvard.edu/mcztypedb.htm Primary Type Specimen Database contém mais de 28.000 espécimes de referência da coleção do Departamento de Entomologia do Museu de Zoologia Comparada da Universidade de Harvard. www.clunet.edu/BioDev/omm/gallery.htm The Online Macromolecular Museum é uma página para o estudo de macromoléculas. Para a visualização das macromoléculas é necessário ter instalado no computador um dos visualizadores grátis como RasMol, Chime ou Protein Explorer. www.protocol-online.org Protocol Online novamente no ar e agora mais atualizado, contém protocolos de biologia molecular, bioinformática, bioquímica, biologia celular, imunologia, meios e soluções, entre outros. BioDicas é uma colaboração de Marcio O. Lásaro [email protected] Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento - nº 28- setembro/outubro 2002 55 Morfina será distribuída gratuitamente pelo SUS Brasília, 30 (Agência Brasil - ABr) Os medicamentos para dor que tenham como princípio ativo a morfina, a metadona e a codeína serão distribuídos gratuitamente nos hospitais públicos cadastrados no Ministério da Saúde como Centros de Alta Complexidade em Oncologia (Cacon) ou como Centros de Referência em Tratamento em Dor Crônica. A facilidade ao acesso deve-se a resolução da Agêncial Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), que retira a exigência da notificação de receita A, de distribuição restrita, e permite a prescrição dos opiáceos mediante a receita de controle especial, de distribuição mais flexível. Para o secretário de Assistência à Saúde, Renilson Rehem, a inclusão dos opiáceos na lista de medicamentos gratuitos distribuídos no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS) e a simplificação da prescrição deverão beneficiar mais de 30 mil pacientes. Esse foi o número inicial estimado com base no número de pacientes oncológicos atendimentos nos Cacons de todo o país, hoje avaliado em cerca de 40 mil. O Ministério baixou as duas portarias em julho, uma incluindo os opiáceos no sistema de distribuição e a outra estabelecendo normas para o cadastramento dos hospitais como centros de referência no tratamento da dor. É um marco que vai beneficiar muitas pessoas, dando-lhes qualidade de vida, observou. Haverá um centro para cada milhão de habitantes inicialmente, mas a meta é chegar a uma escala de um para cada 200 mil habitantes, segundo João Augusto Figueiró, coordenador do Programa Nacional de Educação Continuada em Dor da Associação Médica Brasileira (AMB) e também integrante do grupo técnico nomeado em janeiro, pelo ministro da Saúde, para orientar e assessorar as entidades públicas ou privadas na organização de serviços e iniciativas na área de dor e cuidados paliativos. Foi quando a secretaria de Assistência à Saúde criou o Programa Nacional de Assistência à Dor e Cuidados Paliativos. Para ter acesso aos opiáceos, os pacientes têm que estar cadastrados no programa de assistência à dor do ministério e devem ser acompanhados nos ambulatórios dos centros de referência, cuja criação foi normatizada também em portaria específica. Pode cadastrar-se como centro de referência no tratamento à dor qualquer Centro de Alta Complexidade em Oncologia de Tipo I, II ou III já cadastrado como tal pela Secretaria de Assistência à Saúde (SAS) ou os hospitais gerais, cadastrados pelo SUS e que tenham em funcionamento instalações como centro cirúrgico, farmácia hospitalar, serviço de anestesiologia, neurologia, estatística e arquivo médico, enfermarias de clínica médica ou pediátrica e de clínica cirúrgica, além de ambulatório para avaliação e acompanhamento dos pacientes em tratamento da dor crônica. Segundo avaliação da SAS, 174 hospitais gerais se encaixam nessas condições. Somando-se aos 167 Cacons já existentes, os pacientes com dor crônica terão mais de 340 centros especializados no atendimento à dor. Acredito que o Brasil seja o primeiro a ter um programa dessa natureza no âmbito público e também pioneiro nesse serviço. O paciente assim tem amparo legal para ter acesso a uma boa assistência, o que certamente se traduzirá em números. Um tratamento especializado em dor reduz os dias de internação hospitalar, o número de consultas e cirurgias. E, o mais importante, permite ao paciente voltar às suas atividades normais com mais qualidade de vida, ressalta Figueiró. Rehem acredita que o número de pacientes a serem atendidos nos centros de referência será cada vez mais crescente. Afinal, não há estatística exata sobre as pessoas que padecem do mal. Estima-se, por exemplo, que dois terços dos pacientes que sofrem de dor crônica sejam oncológicos. Há especialistas, no entanto, que acreditam que a proporção seja inversa, entre 60% e 70% dos casos de dor crônica não seriam oncológicas. Todas essas iniciativas encontram resposta num conceito relativamente novo de que dor não é apenas sintoma, como sempre se pensou, ela pode ser a própria doença. É o caso de lesões nervosas periféricas ou do sistema osteo-articular, entre outras. A Organização Mundial de Saúde vem alertando constantemente que a dor crônica acomete uma grande parcela da humanidade e que é uma das principais causas de incapacitação física para o trabalho, além de um limitante na qualidade de vida do homem moderno. Esse entendimento, que o Programa de Educação Continuada em Dor e Cuidados Paliativos da AMB dissemina há alguns anos, ganha, com as iniciativas do Ministério da Saúde, um reforço oficial. Figueiró acredita que o convencimento do ministério para a importância desse quadro colaborará para combater o mal preventivamente e para criar uma consciência entre médicos e pacientes de que a dor pode ser o problema em si, e não só seu sintoma. Estamos tirando um atraso, na verdade, já podíamos estar oferecendo esse tipo de atendimento, admite o secretário de Assistência à Saúde, Renilson Rehem. O Brasil, segundo Rehem, era constantemente criticado pela Organização das Nações Unidas (ONU), em fóruns internacionais, pelo baixo consumo de opiáceos. A situação atual, que queremos mudar, é de controle do consumo, quando deveríamos flexibiliar o uso adequado, afirma. A crítica da ONU se baseia nas recomendações de um de seus órgãos, a Junta Internacional de Fiscalização de Entorpecentes (Jife), para os governos examinarem os métodos de avaliação das necessidades de opiáceos para fins médicos, bem como revisarem suas legislações sanitárias de forma a facilitar a disponibilidade dessas substâncias para tratamento da dor crônica. O custo da distribuição dos opiáceos na rede pública será absorvido, conforme explicou o secretário, pelo montante economizado com a retirada do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) de vários medicamentos incluídos na lista do SUS. O desconto do ICMS foi negociado diretamente com o Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), em julho. A lista de remédios distribuídos gratuitamente pulou assim de 70 para 100. Isso resultou numa economia de aproximadamente R$ 120 milhões anuais, assim mantivemos o total dos recursos repassados para estados e municípios, para que fosse possível incluir novos medicamentos, explica Rehem Radiobrás- Agência Brasil - ABr Lana Cristina