A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO
DE 9 A 12 DE OUTUBRO
REQUALIFICAÇÃO DOS CENTROS ANTIGOS E A “COMPETITIVIDADE
URBANA”: ESTUDO DAS INTERVENÇÕES SOBRE AS ÁREAS
CENTRAIS METROPOLITANAS DE SÃO PAULO E RIO DE JANEIRO A
PARTIR DA DÉCADA DE 1990
BRUNO AVELLAR ALVES DE LIMA1
Resumo: A chamada “globalização” tem imposto as cidades do capitalismo periférico
transformações socioespaciais advindas da adoção de princípios “estratégicos” de planejamento.
Intervenções de requalificação de centros antigos tem tido papel primordial, por representarem
oportunidades de promoção do turismo e de reprodução do capital imobiliário. A presente
comunicação, por meio de revisão da literatura e de documentos de ordem normativa, tem por
objetivo analisar as intervenções de requalificação urbana correntes nas áreas centrais antigas de
São Paulo e Rio de Janeiro, a partir dos anos 1990, com vistas a identificar as transformações
socioespaciais a partir da inserção do imperativo da competitividade urbana nessas cidades. Não se
trata de uma análise comparativa, mas da tentativa de identificar as convergências que se colocam
diante de um mesmo imperativo em contextos urbanos similares, contudo, com suas especificidades.
Palavras-chave: Centros Antigos, Requalificação Urbana, Gentrificação.
Abstract: The so called “globalization” has been imposing sociospacial transformations to the cities
in the periphery of capitalism due to the adoption of “strategic” principles of urban planning.
Interventions based on urban regeneration over old downtown areas have a primordial role, for it
represents touristic and real estate market opportunities. This essay, through literature revision and
official documental analysis, intents to analyze the current interventions of urban regeneration over old
downtown areas in São Paulo and Rio de Janeiro, since the 1990’s, attempting to identify the
sociospacial transformations by the insertion of the imperative of the “urban competitiveness” in these
cities. It may not be understood as a comparative analysis, but the attempt to identify the
convergences that emerge with the adoption of a common imperative in similar urban contexts,
although there are specificities in each one of them.
Key-words: Old Downtown Areas; Urban Regeneration; Gentrification.
1 – Introdução
Em oposição à rigidez da acumulação fordista, como destaca David Harvey
(2004), a partir da década de 1960 passa-se a estabelecer a chamada “acumulação
flexível”, a qual pressupõe a flexibilidade ou fluidez espaço-temporal do capital,
colocando para os governos locais o imperativo de “competir” pela atração do
mesmo (CASTELLS e BORJA, 1996).
1
- Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Ciência Ambiental do Instituto de Energia e Ambiente da
Universidade de São Paulo (PROCAM – IEE – USP). E-mail para contato: [email protected].
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Sobretudo a partir dos anos 1990, o ideário do Planejamento Estratégico de
Cidades (PEC) tem se colocado como importante nos países do capitalismo
periférico. O mesmo passa a ser difundido na América Latina por meio dos grandes
agentes promotores dos discursos e práticas neoliberais de planejamento e gestão
urbana, com destaque para o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e o
Banco Mundial (BM) (ARANTES, 2000).
Como um dos principais elementos ao PEC, a requalificação de lugares
desfuncionalizados diante das novas lógicas de acumulação, tais quais centros
antigos, onde residem edificações obsoletas por conta dos novos padrões
arquitetônicos do terciário avançado, parques industriais arcaicos, zonas portuárias
abandonadas e outros, é tida como oportunidade de recuperação de investimentos
passados e imobilizados diante de processos de consolidação de novas
centralidades terciárias e novos eixos de valorização imobiliária.
Para Otília Arantes (2000), o PEC pode ser compreendido como
“gentrificação estratégica”, sendo que o termo gentrificação remete a processos de
elitização de determinadas localidades diante de intervenções conjuntas dos
poderes público e privado sobre determinados territórios “estratégicos” ao capital.
Nesse contexto, tanto o Centro Antigo de São Paulo quanto a Zona Portuária do Rio
de Janeiro passaram desde os anos 1990 a ser alvo de múltiplas políticas e projetos
associados à retomada de sua dinâmica econômica e apropriação do espaço pelas
elites, obedecendo cada uma delas as especificidades locais em acordo com o que
é tido como mais “estratégico” em seus contextos urbanos específicos.
Assim, a presente comunicação, por meio de metodologia analítico-descritiva,
tem como objetivo analisar as intervenções de requalificação urbana correntes nas
áreas centrais antigas de São Paulo e Rio de Janeiro, a partir dos anos 1990, com
vistas a identificar as transformações socioespaciais a partir da inserção do
imperativo da competitividade urbana nessas cidades.
Para tal recorremos tanto à revisão da literatura sobre o tema, quanto à
revisão de documentos de ordem normativa que orientam as políticas e os projetos
de intervenção sobre as áreas centrais das metrópoles estudadas. É importante
salientar que não se trata de uma análise comparativa, mas antes da tentativa de
identificar
as
convergências
que
se
colocam
diante
da
tendência
de
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homogeneização
das
práticas
urbanísticas
ao
mesmo
tempo
em
que,
dialeticamente, tende-se a hierarquizar e fragmentar os lugares (LEFEBVRE, 1991).
2 – A Requalificação do Centro Antigo de São Paulo
A gestão de Paulo Maluf (1993-1996) foi importante na introdução e
consolidação do ideário da “competitividade urbana” em São Paulo. A concretização
do chamado “eixo sudoeste” da cidade, iniciado nos anos 1960 com a transformação
da Avenida Paulista em novo polo terciário moderno da cidade, foi uma das
principais características do referido governo.
Em meio à consolidação dessa “nova centralidade” enquanto polo tecnológico
do terciário moderno, o centro antigo de São Paulo2 passa a ser visto como
degradado, sobretudo por conta de sua popularização (KARA-JOSÉ, 2010).
Já nos anos 1970 o poder público municipal passou a elaborar, de forma
pontual e descontínua, planos e projetos para o centro antigo, ainda que pouco
fosse de fato implementado nesse período. Contudo, é a partir dos anos 1990,
segundo autores como Beatriz Kara-José (2010) e Glória da Anunciação Alves
(2011), que a “questão do centro” toma maior evidência, dado que a introdução de
princípios do PEC passava não apenas a influenciar a consolidação do eixo
sudoeste, mas também colocava diretrizes para a requalificação do centro antigo,
baseando-se em “casos de sucesso” como Londres, Nova Iorque e Barcelona3.
Em 1991, diante do abandono do centro por parte de grandes empresas é
concebida uma organização de caráter privado, a qual passaria a ter expressiva
influência não apenas sobre o poder público, mas também sobre a opinião pública, a
Associação Viva o Centro (AVC) (FRÚGOLI JR., 2001). Tal associação, de acordo
com Heitor Frúgoli Júnior (2001) passa a defender a necessidade da formulação de
incentivos públicos à iniciativa privada com vistas à recuperação da dinâmica
econômica dominante e da moradia das classes médias e elites, com vistas a
2
Por “centro antigo de São Paulo” compreendemos os distritos Sé e República. Eles concentram grande
parte do patrimônio histórico, instituições públicas, antigos edifícios comerciais, residenciais e hoteleiros,
tendo forte caráter simbólico e identitário para essa cidade.
3
De acordo com Daniela Motisuke (2008), nesse período o BID passava a divulgar uma cartilha das
chamadas “Best Practices” referente a intervenções sobre localidades urbanas tidas como “degradadas”,
sendo que as experiências de requalificação urbana nas cidades citadas (e também em outras) colocavamse como “modelos” a serem seguidos para se alcançar a almejada “competitividade urbana”.
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restabelecer a dinâmica e valorização imobiliária da região, além de conformar uma
imagem mais atrativa do centro diante da consolidação da ideia de São Paulo como
“cidade global”4.
Ainda em 1991, no contexto da “crise orçamentária” que sucedeu a
redemocratização do país, se produziu o consenso quanto à necessidade de contar
com o auxílio de investimentos privados para o financiamento de obras públicas. O
governo municipal aprova então, por meio da Lei 11.090/91, a Operação Urbana
Anhangabaú, a qual tinha por objetivo a melhoria e valorização ambiental da área de
influência imediata do Vale do Anhangabaú e estaria sob responsabilidade da
Empresa Municipal de Urbanização – EMURB (PMSP, 1991). Para Alves (2011,
p.113)
Na prática, essa Operação não atingiu, naquele momento, os investimentos esperados,
mas mostrou à iniciativa privada a disposição do poder público em modificar o quadro
existente e dar passos para sua requalificação. Esses investimentos, na sua maior parte,
foram públicos e remodelaram o Vale do Anhangabaú e parte da Av. São João, com a
criação do Boulevard São João.
Em 1993, a prefeitura cria o Programa de Requalificação Urbana e Funcional
do Centro de São Paulo – Procentro, instituído por meio do decreto 33.389/93,
estando este sob a responsabilidade da Secretaria Municipal de Habitação e
Desenvolvimento
Urbano
(SEHAB).
O
Procentro
tinha
por
finalidade
o
desenvolvimento de projetos voltados à intervenção no centro da cidade, sobretudo
nos distritos Sé e República, sendo então definidos quatro problemas principais que
deveriam guiar as intervenções de requalificação: (1) a deterioração ambiental e
paisagística; (2) as dificuldades de acesso, circulação e estacionamento; (3) a
obsolescência do estoque imobiliário; e (4) a deficiência de segurança pessoal e
patrimonial (CYMALISTA et al, 2008).
Tendo em vista que até então, como visto, já haviam sido propostas uma
diversidade de Planos e Projetos para o Centro, os quais não obtiveram êxito na
prática, sobretudo por falta de recursos públicos, o Procentro tinha por objetivo ainda
a elaboração de uma carta consulta ao Banco Interamericano de Desenvolvimento –
BID, com vistas à obtenção de empréstimo que possibilitasse a intervenção sobre
4
Sobre a teoria das “Cidades Globais” ver Sassen (2001) e Castells e Borja (1996).
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esse espaço, subretudo por meio de obras de infraestrutura. Passam a ser
elaborados então, pelo poder público, diagnósticos sobre a área central voltados a
definição de seus principais problemas e suas potencialidades frente à atração dos
setores econômicos dominantes. Entra em cena então o PEC, sob influência de um
dos maiores difusores do ideário de competitividade das cidades, o BID.
O financiamento por parte do BID acabou por não ser aprovado ao longo da
gestão Celso Pitta (1997-2000), sendo que, de acordo com Renato Cymbalista et al
(2008), uma série de denúncias de corrupção, além de problemas associados a
enorme dívida pública do município, fizeram com que o BID resolvesse por conceder
o empréstimo apenas na gestão seguinte, de Marta Suplicy (2001-2004).
Cabe ressaltar que em 1997 foi instituída mais uma operação urbana com
vistas a propiciar a requalificação da área central, a Operação Urbana Centro
(OUC), promulgada pela lei municipal nº 12.349/97. A operação, tal qual a antiga
OUA, estabeleceu um programa de melhorias para a Área Central, criando
incentivos e formas para sua implantação. Destacava-se a retomada do instrumento
de venda de potencial construtivo como incentivo à preservação do patrimônio
histórico.
A gestão da operação ficou a cargo da Emurb que encaminharia para a análise da
Comissão Normativa de Legislação Urbanística (CNLU) a parte relativa à gestão
financeira dos recursos e à execução dos melhoramentos. O perímetro de atuação era o
mesmo do Procentro. Havia também uma Comissão Executiva da Operação Urbana
Centro, auxiliada por um Grupo Técnico de Trabalho (DIOGO, 2004, p.66).
Além da OUC, foi instituída também a Lei de Fachadas (lei municipal
12.350/97) a qual estabelecia incentivos aos proprietários de imóveis tombados para
que promovessem a recuperação e conservação do patrimônio histórico na região.
A gestão que se seguiu ao período Maluf/Pitta acabou por dar continuidade às
intervenções então em consolidação, ainda que, ambiguamente, ao menos no plano
do discurso, o que se previa era que as ações deveriam prezar pela manutenção
das atividades e da moradia de caráter popular na região central. É nesse contexto
contraditório que é firmado um novo programa, tomando o lugar do Procentro, o
Programa de Reabilitação da Área Central – Programa Ação Centro. O “Ação
Centro” foi acompanhado de um novo plano, o “Reconstruir o Centro”, o qual, por
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sua vez, colocava novos pressupostos às ações a serem conduzidas com os
recursos provenientes do empréstimo do BID. Conforme Cymbalista et al (2008),
Para a elaboração do plano, a Administração Regional da Sé e o Procentro realizaram
um diagnóstico da região central, que apontou a necessidade de fortalecimento da
gestão local, considerada indispensável para o enfrentamento dos problemas sociais e
urbanísticos. Por partir desta questão, o diagnóstico considerava toda a área da
Administração Regional da Sé como unidade de intervenção. Por isso, foi alterado o
perímetro de atuação do Procentro, que passou a abranger todos os distritos centrais.
(...)
Do ponto de vista urbanístico, entendia-se que toda essa área considerada Central
deveria receber melhorias estruturais e sociais – não sendo considerado primordial a
“degradação” do espaço público. Partia-se do pressuposto de que não havia usos a
serem substituídos ou necessidade de grandes intervenções urbanísticas e ressaltava-se
o imperativo de promoção da inclusão social (...) (CYMBALISTA et al, 2008, p.25).
Contudo, renegando o que vinha sendo construindo até então com relação ao
Ação Centro, as gestões de José Serra e Gilberto Kassab (2005-2012) reorientaram
os planos para o Centro, retomando o nome de “Procentro” consolidado na gestão
Malufista e estabelecendo um novo grande projeto, o “Nova Luz”. Ao longo da
primeira década do século XXI, o governo estadual já vinha implantando ações com
vistas à requalificação do bairro da Luz como a criação da Sala São Paulo,
construída no interior da Estação Júlio Prestes, além da restauração da Pinacoteca
do Estado, e ainda a concepção do Museu da Língua Portuguesa. Como já
explicitava o Projeto Luz Cultural, no fim dos anos 1990, o bairro da Luz há muito é
compreendido como um polo importante do centro de São Paulo do ponto de vista
de sua historicidade, o que fez consolidar a idéia de que uma intervenção pontual
nessa área pudesse corroborar com uma nova dinâmica imobiliária que acabasse
por desdobrar-se em todo o Centro (KARA-JOSÉ, 2010).
Para gerar um consenso em torno da necessidade de viabilizar o Nova Luz, o
discurso da degradação retomou a ser difundido pela mídia e pelo poder público. O
Nova Luz surgia como primordial a extinção da região que desde os anos 1990
passou a ser denominada de “cracolândia”, devido à alta concentração de usuários
de drogas. Em 2005, nesse contexto, é então aprovada a Lei Municipal 14.095/05,
ou lei de incentivos seletivos, a qual, de acordo com Kara-José (2010, p.142),
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(...) concede incentivos fiscais para atrair novas empresas de comércio e serviços para
uma área de aproximadamente 250 mil metros quadrados (pouco mais de 1/3 da área da
OUC), com cerca de 1500 imóveis na região da Santa Ifigênia. A iniciativa faz parte da
estratégia de se criar no Centro um “Polo Tecnológico”, mencionado no Plano Plurianual
do município.
A materialização do projeto se daria por meio de massiva desapropriação,
com evidente risco de gentrificação, além disso, as Zonas Especiais de Interesse
Social (ZEIS 3) previstas para a região passaram a ser questionadas pelos setores
privados interessados no Projeto, dado que a construção de moradias populares,
além de pressupor baixos retornos dadas as precárias condições dos beneficiários,
tende a desvalorizar a região, pela simples presença das classes populares. As
Zonas Especiais de Interesse Social 3 são um instrumento de zoneamento
estabelecido pelo Plano Diretor Estratégico de São Paulo (Lei municipal 13.430/02)
com o intuito de demarcar perímetros do território urbano nos quais é prioritária a
produção de habitação de interesse social. Nesse contexto, marcado por grandes
conflitos, em 7 de maio de 2009 foi aprovada na câmara municipal a Lei 14.918, a
qual autoriza o executivo a aplicar a concessão urbanística na área da Nova Luz,
instrumento urbanístico até então nunca utilizado, que concede ao capital privado o
direito de desapropriação.
Contudo, como relata Alves (2011), as associações de comerciantes da
região da Santa Ifigênia, a qual teria toda sua dinâmica de comércio especializado
em eletroeletrônicos e informática afetada, bem como as associações de moradores
da região, os quais provavelmente seriam expulsos, seja pela desapropriação ou
pela consequente valorização da região em um processo de gentrificação, entraram
com processos na justiça no intuito de barrar o projeto em andamento. Como
destaca a autora, o modelo urbanístico adotado pelo Nova Luz considerava fazer
tabula rasa do local de sua implementação. O projeto acabou por ser engavetado
pelo prefeito Fernando Haddad, eleito em 2012 para a gestão 2013-2016, sendo que
o mesmo considerou impróprio o modelo de concessão desse espaço da cidade ao
setor privado, declarando em entrevista ao jornal Folha de São Paulo, em
16/12/2012 que revisaria o projeto, mas descartando a possibilidade de concessão
privada do espaço público. Contudo, até o momento não foi anunciado um novo
plano ou projeto abrangente para o centro.
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3 – A Requalificação da Zona Portuária do Rio de Janeiro
Muitas cidades tidas como “modelo” em intervenções voltadas ao ganho em
competitividade, tais quais Londres, Barcelona ou Buenos Aires, tiveram suas antigas
zonas portuárias requalificadas por meio da promoção de restaurantes, bares, museus e
atrações que remetem a um simulacro da atividade portuária.
A transferência da capital do país para Brasília em 1960 fez com que expressivas
mudanças socioespaciais ocorressem nas áreas centrais do Rio de Janeiro. Muitos
prédios administrativos perderam sua função, sendo abandonados, bem como, neste
período, a cidade passou a perder suas funções portuárias, tendo em vista que a
atividade passava a ser feita com massiva utilização de containeres, necessitando de
grandes retroáreas, algo inconcebível para a cidade tendo em vista sua grande
ocupação na região portuária. Assim, a maioria das instalações do porto perderam sua
função e foram abandonadas e expostas à degradação, sendo mantida apenas a função
turística (BENTES, 2010).
De acordo com Carlos Vainer (2000) em 1993 a prefeitura do Rio firmou
acordo com a Associação Comercial do Rio de Janeiro (ACRJ) e a Federação das
Indústrias do Rio de Janeiro (FIRJAN) para a elaboração do primeiro Plano
Estratégico da cidade, concebido sob forte influência do modelo de Barcelona,
sendo contratada inclusive uma consultoria catalã para contribuir na elaboração do
Plano, a Tecnologias Urbanas Barcelona S.A. (TUBSA).
Mas é em 2001 que passam a ser concebidos planos específicos associados
a requalificação da zona portuária, sob influência das experiências “modelo” citadas
anteriormente, sendo então elaborado nesse período o plano “Porto do Rio”. O
Plano foi concebido como uma Operação Urbana Consorciada com vistas a
promover a “revitalização” da Zona Portuária, sendo visto nela a oportunidade de
criação de um novo polo turístico e econômico da cidade, com alto valor simbólico
por seu capital cultural (BENTES, 2010).
Júlio Bentes (2010, p.11) afirma que “o plano Porto do Rio era composto por
cerca de 20 projetos que foram incorporados a esse ao longo dos anos. Os projetos
foram elaborados por escritórios de arquitetura, em sua maioria cariocas, que
elaboraram os projetos executivos”. O Plano acabou não sendo efetivo por falta de
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verbas para realizá-lo na então conjuntura, bem como por falta de bases legais que
acabaram por gerar um movimento contrário ao Projeto.
Já em 2009, com a eleição de Eduardo Paes para a prefeitura do Rio, o
planejamento estratégico volta à cena pelo ímpeto do governo eleito em candidatar a
cidade para sediar os Jogos Olímpicos de 2016. Em meio ao controverso contexto
de revisão do Plano Diretor da cidade, o qual deveria ter sido revisto em 2002, o
governo municipal do Rio, em 2009, propôs a Operação Urbana Porto Maravilha,
uma nova versão do já mencionado Porto do Rio, tendo como objetivos não apenas
a requalificação da zona portuária, sob o mesmo ideário do Porto do Rio, mas
expandindo-se as adjacências da zona portuária, principalmente em direção ao
centro antigo (LIMA, 2014).
Para evitar os conflitos legais já ocorridos na execução do Porto do Rio, o
Porto Maravilha foi previsto legalmente pela Lei Complementar 101/2009 que
instituiu a Operação Urbana Consorciada da Região do Porto do Rio de Janeiro,
delimitando a nova Área Especial de Interesse Urbanístico (AEIU) e definiu o plano e
a futura ocupação da área, estabelecendo os parâmetros urbanísticos. Essa lei criou
ainda, no município, o instrumento da Outorga Onerosa do Direito de Construir com
o potencial adicional de construção negociado através de Certificados de Potencial
Adicional de Construção (CEPACs). Esses instrumentos foram previstos pelo
Estatuto da Cidade e deveriam ser regulados pelo Plano Diretor para serem
aplicados em todo o território municipal, mas foram concebidos apenas para uma
região específica da cidade (BENTES, 2010).
É notória a quantidade de grandes projetos associados ao Porto Maravilha:
Projetos de Revitalização da Cidade Nova (bairro vizinho a zona portuária no qual se
almeja promover intervenções integradas ao Porto Maravilha); a criação de um Pólo
Cultural da Zona Portuária (para incentivar às atividades turísticas na região); o
projeto Rio Verde (que trata da transformação da Avenida Rio Branco, grande
concentradora de atividades empresariais, em passeio público); o projeto Rio
Patrimônio (concebido para o Centro Histórico, área adjacente ao Porto, com o
objetivo de recuperação, requalificação e incentivo ao uso dito “sustentável” do
patrimônio histórico da cidade, ainda que não se deixe claro qual será esse uso); e a
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concepção de uma linha de Veículo Leve sobre Trilhos –VLT (que deve ser o
principal meio de locomoção dentro da zona portuária) (LIMA, 2014).
Como observa Bruno Lima (2014) os projetos associados ao Porto Maravilha
aparecem como centrais na atual gestão de Eduardo Paes (2013-2016),
concentrando grandes investimentos e recursos para a promoção de um projeto
“estratégico” ao capital diante da oportunidade ao urban marketing proveniente da
realização dos Jogos Olímpicos em 2016.
Segundo Bentes (2010), com o anúncio do plano já havia uma previsão de
valorização de 300% dos terrenos da região portuária, acima inclusive do previsto
para a Barra da Tijuca, bairro que concentra uma das melhores infraestruturas da
cidade e que abrigará a maior parte dos aparatos à realização dos Jogos Olímpicos,
inclusive o Parque Olímpico, o que aponta para o risco de gentrificação.
Ainda que o atual Plano Diretor da cidade (instituído por meio da Lei Municipal
111/2011) confira grande ênfase à promoção de Habitação de Interesse Social na
zona portuária, instituindo para essa região Áreas de Especial Interesse Social
(AEIS), a valorização imobiliária e os incentivos à instalação de grandes empresas
terciárias aparece como objetivo conflitante.
Bentes (2010) destaca ainda que existe a previsão de construção de 10 mil
unidades habitacionais nesta região, que conformarão durante o evento olímpico a
Vila dos Árbitros e a Vila da Mídia. Contudo, não fica claro nos planos para quem
essas habitações serão destinadas após os jogos, sendo que as mesmas
provavelmente terão alto valor de venda ou aluguel.
Em reportagem especial do Jornal O Globo (online) de 26 de Outubro de
2013, apresenta-se o dado de que o valor arrecadado com o Imposto sobre a
Transmissão de Imóveis (ITBI) cresceu 555% entre 2005 e 2012 (de 9,2 milhões de
reais para 60,5 milhões de reais) na região central e portuária, estimulado pela
implantação do VLT e do Porto Maravilha (O GLOBO, 2013).
4 – Considerações Finais
Por meio das análises realizadas, na presente comunicação procuramos
compreender como o imperativo da competitividade urbana tem se colocado ao
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longo das últimas duas décadas sobre as intervenções de requalificação dos centros
antigos de São Paulo e Rio de Janeiro.
O que pudemos perceber é que a adoção acrítica dessas intervenções de
caráter “estratégico” ao capital desdobram-se em importantes transformações
socioespaciais nas áreas por elas afetadas. Tanto no centro antigo de São Paulo
como na zona portuária do Rio de Janeiro, observamos tendência de valorização
imobiliária e desregulação de instrumentos urbanísticos que, em tese, deveriam
garantir a permanência das populações locais de baixa renda, tais quais as ZEIS 3
em São Paulo ou as AEIS, no Rio de Janeiro.
O que observamos também é que dois elementos colocam-se como
fundamentais nessas estratégicas: a valorização cultural, por meio do uso de
estratégias de valorização do patrimônio histórico e da promoção de atrativos
turísticos; e a atração de empresas do chamado terciário avançado, estabelecendo
polos tecnológicos e empresariais como forma de garantir a “competitividade
urbana”.
O que tem se colocado é a premência das novas formas de reprodução do
espaço urbano “globalizado” com fortes implicações locais pela sujeição a
imperativos “globais”, que antes podem ser entendidos como a reafirmação da
ordem colocada pelos oligopólios do capital mundial.
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